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CAPÍTULO 17 Resiliência familiar Resistência formada pela adversidade Froma Walsh Crise e desafio são inerentes à condição humana. O conceito de resiliência familiar amplia nosso conhecimento do funcionamento familiar para situações de adversidade. Resiliência familiarenvolve o potencial para recuperação, reparo e crescimento nas famílias que enfrentam sérios desafios na vida. Embora algumas famílias sejam abaladas por eventos de crise, transições perturbadoras ou dificuldades persistentes, o notável é que muitas outras emergem fortalecidas e com mais recursos, capazes de amar plenamente e criar bem seus filhos. Este capítulo apresenta uma visão geral de uma estrutura de resiliência familiar e descreve processos-chave destilados de pesquisas sobre resiliência e funcionamento familiar eficiente. As aplicações práticas são descritas brevemente para sugerir a ampla utilidade desta estrutura conceitual em esforços de prevenção e intervenção para fortalecer as famílias estressadas e vulneráveis. UMA VISÃO SISTÊMICA DE RESILIÊNCIA Resiliência – a capacidade de resistir e se recuperar de desafios vitais perturbadores – se tornou um conceito importante na teoria, pesquisa e prática em saúde mental nas últimas décadas. Envolve processos dinâmicos que estimulam a adaptação positiva dentro do contexto de adversidades significativas (Bonanno, 2004; Luthar, 2006; Masten, 2001). Além do enfrentamento e adaptação, essa resistência e recursos possibilitam a recuperação e o crescimento positivo. A interação de influências biopsicossociais na resiliência A maioria das pesquisas até o momento se concentrou na resiliência individual. Estudos iniciais descobriram que a mesma adversidade pode ter diferentes resultados, o que desafiou o pressuposto determinista prevalente de que as experiências traumáticas precoces são inevitavelmente nocivas. Estudos encontraram, por exemplo, que a maioria dos indivíduos que haviam passado por abuso familiar na infância não se tornavam pais abusivos (Kaufman & Ziegler, 1987). Conforme Rutter observou (1987), nenhuma combinação de fatores de risco, independentemente da gravidade, originava um transtorno em mais da metade das crianças expostas. Embora muitos tenham tido problemas na vida, outros superaram condições de alto risco semelhantes e conseguiram conduzir vidas amorosas e produtivas. Para explicar essas diferenças, os primeiros estudos focaram nos traços intrapessoais para resiliência, ou resistência, refletindo o ethos cultural dominante do “indivíduo resistente” (ver Walsh, 1996). Inicialmente, a resiliência foi vista como inata, como na blindagem do caráter da “criança invulnerável”, que era imune ao estresse, como uma “boneca de aço” que não quebraria se fosse manejada indevidamente (Anthony & Cohler, 1987). Quando os estudos foram ampliados para maiores possibilidades de condições adversas – circunstâncias de pobreza, doença crônica, eventos vitais traumáticos, trauma e perda – os pesquisadores reconheceram a interação entre natureza e criação na emergência da resiliência. Tornou-se claro que resiliência envolve a interação dinâmica de múltiplos processos de risco e proteção ao longo do tempo, com influências individuais, interpessoais, socioeconômicas e culturais (p. ex., Garmezy, 1991; Rutter, 1987). A vulnerabilidade psicobiológica e genética ou o impacto negativo e as condições de vida estressantes podem ser compensados por influências positivas. Em um notável estudo longitudinal da resiliência, Werner (Werner & Smith, 2001) acompanhou as vidas de quase 700 filhos multiétnicos de trabalhadores em plantações vivendo na pobreza na ilha havaiana de Kauai. Um terço foi classificado “em risco” devido à exposição no início da vida pelo menos a quatro fatores de risco adicionais, como problemas sérios de saúde e alcoolismo familiar, violência, divórcio ou doença mental. Com a idade de 18 anos, cerca de dois terços das crianças em risco tinham resultados tão insatisfatórios conforme o previsto, com gravidez precoce, problemas de doença mental ou problemas na escola ou com a lei. No entanto, um terço dos que estavam em alto risco haviam se tornado jovens adultos competentes, afetivos e confiantes, com capacidade de “trabalhar e amar bem”, conforme avaliado por uma variedade de medidas. Em estudos posteriores de seguimento na meia-idade, quase todos ainda estavam vivendo com sucesso familiar. Muitos haviam ultrapassado crianças Kauai com históricos menos graves; muitos se encontravam estáveis no casamento e no trabalho, e poucos sofriam efeitos do trauma de um furacão que havia destruído boa parte da ilha. É digno de nota que vários dos que tiveram resultados insatisfatórios na adolescência deram uma virada em suas vidas na idade adulta, mais frequentemente creditando isso a relações apoiadoras. Esses achados têm implicações importantes, revelando que apesar da infância ou início da adolescência conturbada, existe um potencial para fazer mudanças na vida, desenvolvendo resiliência na idade adulta. Relações apoiadoras alimentam a resiliência De forma marcante, a influência positiva das relações apoiadoras se destacou em muitos estudos (Walsh, 1996). A resiliência dos indivíduos era alimentada em vínculos importantes, em particular com modelos e mentores, como treinadores e professores, que investiam em seu bem-estar, acreditavam no seu potencial, apoiavam seus esforços e os encorajavam a obter o máximo das suas vidas. Entretanto, a maioria dos investigadores iniciais estudou indivíduos que prosperaram apesar da disfunção e maus- tratos parentais, e tinham uma visão pessimista e limitada da família. O foco nos déficits parentais impedia que muitos reconhecessem os recursos potenciais da família mais ampla, mesmo quando o funcionamento de um dos pais era seriamente prejudicado. Os clínicos encorajavam os assim-chamados “sobreviventes” a se desligarem das suas “famílias disfuncionais” e buscarem relações positivas em outro lugar para compensar o impacto negativo. Assim sendo, a visão era de que as famílias contribuíam para o risco, mas não para a resiliência. Uma orientação voltada para os sistemas familiares amplia a atenção para toda a rede relacional, identificando recursos potenciais para resiliência na família imediata e estendida. As contribuições positivas podem ser dadas por irmãos, pais e outros cuidadores; cônjuges e parceiros, avós e avôs, tios e tias; e outros parentes informais (Minuchin, Colapinto & Minuchin, 2005; Ungar, 2004). Mesmo em famílias perturbadas, podem ser encontradas ilhas de força e resiliência. O CONCEITO DE RESILIÊNCIA FAMILIAR Resiliência na família como uma unidade funcional Além de ver os membros individuais da família como recursos potenciais para resiliência individual, o conceito de resiliência familiar focaliza no risco e resiliência na família como uma unidade funcional (Walsh, 1996, 2003, 2006). Uma premissa básica nessa visão sistêmica é que crises sérias e adversidade persistente têm um impacto na família como um todo e, por sua vez, os principais processos familiares são mediadores da adaptação de todos os membros e suas relações. Estressores importantes ou um acúmulo de estresses pode desviar o funcionamento de um sistema familiar, com efeitos variados para todos os membros e suas relações. A resposta da família é vital: os processos-chave na resiliência (descritos adiante) possibilitam que o sistema familiar se recupere em momentos difíceis para suavizar o estresse, reduzir o risco de disfunção e apoiar a adaptação ideal. O conceito de resiliência familiar amplia a teoria e pesquisa sobre estresse familiar, enfrentamento e adaptação (Hawley & DeHaan, 1996; Mackay, 2003; McCubin & Patterson, 1983; Patterson, 2002; Simon, Murphy & Smith, 2005). Implica mais do que o manejo de condições estressantes, assumir uma carga ou sobreviver a um infortúnio. Envolve o potencial para transformação ecrescimento pessoal e relacional que pode ser forjado a partir da adversidade. Explorando os processos-chave para resiliência, as famílias que estão em dificuldades podem emergir mais fortes e com mais recursos para enfrentarem desafios futuros. Os membros podem desenvolver novos insights e habilidades. Uma crise pode ser um grito de alerta, chamando a atenção para temas importantes. Ela pode se tornar uma oportunidade para reavaliação das prioridades e objetivos na vida, estimulando um maior investimento em relações significativas. Estudos das famílias resistentes mostraram que quando os membros da família enfrentaram uma crise juntos, suas relações foram enriquecidas e se tornaram mais afetuosas do que poderiam ter sido em outra situação (Stinnett & DeFrain, 1985). Essa perspectiva da resiliência familiar altera de forma fundamental a visão baseada no déficit, deixando de ver as famílias em dificuldades como prejudicadas e sem conserto, passando a uma visão delas como desafiadas pelas adversidades da vida, com potencial para estimularem a cura e o crescimento nos membros da família. Contextos ecológicos e desenvolvimentais da resiliência familiar Uma estrutura da resiliência familiar combina perspectivas ecológicas e desenvolvimentais para examinar o funcionamento familiar em relação ao seu contexto sociocultural mais amplo e evolução ao longo do ciclo vital multigeracional. Perspectiva ecológica Segundo uma orientação dos sistemas psicossociais, risco e resiliência são encarados com perspectivas de múltiplas influências recursivas. O funcionamento e a disfunção humana são vistos como resultantes de uma interação da vulnerabilidade ou resiliência individual e familiar ao lidar com experiências vitais e contextos sociais estressantes. As predisposições genéticas e neurobiológicas (Feder, Nestler & Charney, 2009) podem ser reforçadas ou compensadas pelos processos familiares e pelos recursos ou desvantagens socioculturais. O estresse familiar pode resultar de tentativas malsucedidas de enfrentar uma situação de crise devastadora ou o acúmulo de estressores, como uma perda traumática na família ou o impacto mais amplo de um desastre em grande escala (Walsh, 2007). A família, grupo de pares, recursos da comunidade, ambientes escolares ou profissionais e outros sistemas podem ser vistos como contextos associados para a alimentação e reforço da resiliência. A contribuição vital dos recursos culturais e espirituais para a resiliência foi demonstrada por muitos estudos, em especial para aqueles que enfrentam discriminação e barreiras socioeconômicas, como os afro-americanos, latino- americanos e muçulmanos (McCubbin & McCubbin, 2005; McCubbin, McCubbin, McCubbin & Futrell, 1998; McCubbin, Thompson, Thompson & Fromer, 1998; ver Boyd-Franklin & Karger, Cap. 12; Falicov, Cap. 13; e Walsh, Cap. 15 deste livro). Extensas pesquisas sobre resiliência em populações nativas do Canadá (Kirmayer, Dandeneau, Marshall, Phillips & Williamson, 2011) sublinham a importância de uma abordagem sistêmica social-ecológica, incorporando valores indígenas culturais, históricos e espirituais na promoção, política e prática clínica em saúde mental. Por exemplo, a transmissão familiar e social de histórias e metáforas apoia a adaptação por meio de conceitos relacionais, ecocêntricos e cosmocêntricos do self, personalidade e identidade coletiva, e pelo ativismo político, fortalecimento e reconciliação. Essas fontes de resiliência, compreendidas em termos dinâmicos, emergem de interações entre os indivíduos e suas famílias, suas comunidades e sistemas mais amplos. A estrutura multidimensional de Falicov (1995, 2007; ver o Cap. 13 deste livro) para consideração das influências culturais localiza cada família dentro de um nicho ecológico complexo, compartilhando fronteiras e pontos comuns com outras famílias, além de posições diferentes relacionadas a variáveis como gênero, condição econômica, estágio na vida e posição em relação à cultura dominante. A experiência de cada família terá características comuns e únicas. Uma avaliação holística inclui os contextos variados e tende a compreender as restrições e possibilidades na posição de cada família. Uma estrutura da resiliência familiar procura da mesma forma identificar elementos comuns numa situação adversa e respostas familiares eficazes, ao mesmo tempo também considerando a perspectiva única, desafios e recursos de cada família. Perspectiva desenvolvimental Uma perspectiva desenvolvimental é essencial na compreensão e desenvolvimento da resiliência. O impacto das adversidades varia com o tempo e em relação a uma passagem individual e familiar pelo ciclo vital. Desafios e respostas emergentes com o passar do tempo. A maioria dos principais estressores não é simplesmente um evento único de curta duração, mas um complexo conjunto de condições em mudança com história passada e curso futuro (Rutter, 1987). Assim é a experiência do divórcio, de uma escalada das tensões pré-divórcio até a separação e reorganização das famílias e relações entre pais e filhos. A maioria das famílias passa por transições posteriores, com relocação, recasamento e integração da família adotiva (ver Greene, Anderson, Forgatch, DeGarmo & Hetherington, Cap. 5; Pasley & Garneau, Cap. 7 deste livro). Considerando essa complexidade, nenhuma resposta isolada de enfrentamento é invariavelmente a mais bem- sucedida; estratégias variadas podem se revelar úteis para atender a novos desafios que surgem. Na avaliação do impacto dos eventos estressantes, é essencial explorar como os membros da família abordaram a sua situação, que vai de uma postura proativa até a resposta imediata e estratégias de longo prazo. Algumas abordagens podem ser funcionais no curto prazo, mas se tornam rígidas e disfuncionais com o passar do tempo ou quando as condições mudam. Por exemplo, após o pai sofrer um acidente vascular (AVC), a família precisa mobilizar recursos e se unir para fazer frente à crise; porém, mais tarde, precisa fazer mudanças para se adaptar à incapacidade crônica e dar atenção às necessidades de outros membros da família (Walsh, 2011a; ver Rolland, Cap. 19 deste livro). Assim sendo, resiliência familiar envolve variados caminhos de adaptação que se ampliam com o tempo, a partir de um evento ameaçador no horizonte, passando por transições perturbadoras e subsequente ondas de choque imediatas e posteriores. Estressores cumulativos. Algumas famílias podem se sair bem com uma crise de curta duração, mas não resistem às tensões cumulativas de desafios múltiplos e persistentes, como uma doença crônica, condições de pobreza ou situações traumáticas complexas constantes. Um acúmulo de estressores internos e externos pode sobrecarregar a família, aumentando sua vulnerabilidade e o risco de problemas posteriores (Patterson, 2002). A escalada do conflito e o consumo excessivo de álcool trouxeram um casal à terapia. Era essencial situar esses problemas no contexto do represamento de tensões e perdas da família nos últimos 2 anos que incluíram a perda do emprego do marido e a perda associada à saúde, e um AVC sofrido pela avó materna, com quem contavam para ajudar na criação dos seus três filhos, um deles com atraso no desenvolvimento. A família estava passando de uma crise para outra, com as pressões se acumulando e nenhuma trégua. A terapia facilitou o apoio mútuo do casal, a reorganização dos papéis e os esforços em equipe envolvendo membros da família estendida para controlar os desafios constantes. Perspectiva do ciclo vital familiar. O funcionamento e os sintomas de estresse são avaliados no contexto do sistema familiar ao longo da vida e das gerações (McGoldrick, Carter & Garcia-Preto, 2011; ver McGoldrick & Shibusawa, Cap. 16 deste livro). A estrutura da resiliência familiar se concentra na adaptação da família em torno dos eventos críticos, incluindo complicações com transiçõesnormativas previsíveis, tais como o nascimento do primeiro filho (ver Cowan & Cowan, Cap. 18 deste livro) e eventos perturbadores inesperados, como divórcio ou a morte precoce de um genitor jovem (Gorell Barnes, 1999; Greef & Human, 2004; Greef & Van der Merwe, 2004; Walsh, 2009a). A forma como a família se prepara para uma perda prevista, suaviza o estresse, possibilitando que a família se reorganize de forma eficiente e volte a ter objetivos na vida. Esse processo influenciará a adaptação imediata e de longo prazo de todos os membros e de suas relações (Walsh e McGoldrick, 2004). O estresse é aumentado quando os estressores atuais reativam lembranças e emoções dolorosas de experiências passadas, como nas reações de estresse pós-traumático. A convergência de tensões do desenvolvimento e multigeracionais aumenta o risco de complicações (McGoldrick et al., 2011). Os membros da família podem perder a perspectiva, associando as situações imediatas a eventos passados, e ficam sobrecarregadas ou se desligam dos sentimentos e conexões dolorosas. Experiências de adversidades passadas, como traumas associados à guerra e refugiados, influenciam expectativas futuras: medos catastróficos aumentam o risco de disfunção, enquanto histórias de resiliência podem inspirar a adaptação positiva (Hauser, 1999; Hernandez, 2002; Weingarten, 2004). Vantagens de uma estrutura de resiliência familiar A avaliação do funcionamento familiar é repleta de dilemas. Os clínicos e pesquisadores incluem seus próprios mapas de pressupostos na avaliação e intervenção familiar, implícitos nas normas culturais, orientações profissionais e experiência pessoal (ver Walsh, Cap. 2 deste livro). Além do mais, com as transformações sociais e econômicas, nenhum modelo único de funcionamento familiar é essencial para que crianças e famílias prosperem (ver Walsh, Cap. 1 deste livro). As pesquisas do processo familiar orientadas para os sistemas nas últimas décadas forneceram alguma base empírica para a avaliação do funcionamento de casal e familiar eficiente (ver Lebow & Stroud, Cap. 12 deste livro). Contudo, as tipologias de avaliação familiar tendem a ser estáticas e acontextuais, oferecendo uma perspectiva do momento dos padrões de interação, mas frequentemente não considerando como eles estão relacionados aos estressores, recursos e desafios de uma família ao longo do tempo e no ambiente social mais amplo. Na prática clínica, a famílias geralmente entram em períodos de crise quando o estresse e as diferenças das normas são prontamente assumidos como sinais de patologia familiar. Uma estrutura de resiliência familiar oferece várias vantagens. Primeiro, por definição, ela se concentra nos pontos fortes forjados sob estresse, em resposta a uma crise e diante de adversidades prolongadas. Segundo, presume-se que nenhum único modelo de funcionamento sadio seja adequado para todas as famílias ou suas situações. O funcionamento é avaliado no contexto em relação aos valores de cada família, recursos estruturais e relacionais e desafios na vida. Terceiro, os processos para o funcionamento ideal e o bem-estar dos membros variam com o tempo enquanto surgem desafios e as famílias evoluem. Embora a maioria das famílias possa não corresponder aos modelos ideais, a perspectiva de resiliência de uma família está fundamentada numa convicção profunda no potencial de todas as famílias para adquirir resiliência e um crescimento positivo a partir das adversidades. Mesmo aquelas que passaram por traumas severos ou relações muito conturbadas têm o potencial para a cura e transformação durante a vida e através das gerações (Tedeschi & Calhoun, 2004; Tedeschi & Kilmer, 2005). PROCESSOS-CHAVE EM RESILÊNCIA FAMILIAR A estrutura da resiliência familiar apresentada no Quadro 17.1 foi desenvolvida como um mapa conceitual para os profissionais identificarem e visarem os processos-chave que podem produzir estresse e vulnerabilidade em situações de alto risco, estimular a cura e o crescimento a partir da crise e capacitar as famílias para superarem as adversidades prolongadas. Essa estrutura é informada por mais de três décadas de pesquisas clínicas e das ciências sociais procurando compreender as variáveis cruciais que contribuem para a resiliência e o funcionamento familiar eficaz (Walsh, 2003, 2006). Extraímos e organizamos achados da grande literatura de pesquisa para identificar processos-chave para a resiliência em três domínios do funcionamento familiar: sistemas de crenças da família, padrões organizacionais e processos de comunicação. Esses processos-chaves são descritos brevemente aqui (ver Walsh [2006, 2007] para elaboração e aplicação na prática clínica e baseada na comunidade). QUADRO 17.1 Processos-chave na resiliência familiar Sistemas de crenças 1. Encontrar significado na adversidade •Visão relacional da resiliência •Normalizar, contextualizar o estresse •Senso de coerência: Ver a crise como um desafio significativo, compreensível, administrável •Avaliacão facilitadora: causal/atribuições explicativas; expectativas futuras 2. Perspectiva positiva •Esperança, tendência otimista; confiança na superação das dificuldades •Coragem/encorajamento; afirmar pontos fortes; focar no potencial •Iniciativa ativa e perseverança (espírito dinâmico) •Dominar o possível; aceitar o que não pode ser mudado; tolerar a incerteza 3. Transcendência e espiritualidade •Valores e propósito maiores •Espiritualidade: fé, práticas contemplativas, comunidade; conexão com a natureza •Inspiração: antever possibilidades; sonhos na vida; expressão criativa; ação social •Transformação: aprendizagem, mudança e crescimento a partir das adversidades Padrões organizacionais 4. Flexibilidade •Abertura à mudança: recuperar-se, reorganizar-se, adaptar-se a novas condições •Estabilidade para combater a perturbação: continuidade, confiança, previsibilidade •Forte liderança autoritativa: educar, guiar, proteger •Variadas normas familiares: parentalidade cooperativa/equipes de cuidadores •Relação do casal/cogenitor: respeito mútuo; igualdade entre os parceiros 5. Conectividade •Apoio mútuo, colaboração e comprometimento •Respeitar as necessidades e diferenças individuais •Procurar reconexões, reparar separações, lutos 6. Recursos sociais e econômicos •Mobilizar redes de parentesco, sociais e comunitárias; modelos e mentores •Construir segurança financeira; equilibrar tensões no trabalho/família •Sistemas mais amplos: apoio institucional, estrutural Comunicação/solução de problemas 7. Mensagens claras e consistentes •Esclarecer informações ambíguas; buscar a verdade 8. Expressão emocional aberta •Compartilhar sentimentos dolorosos; resposta empática; tolerar as diferenças •Interações prazerosas, humor; descanso 9. Solução de problemas colaborativa •Brainstorming criativo; engenhosidade •Compartilhar tomada de decisão; reparar conflitos; negociação; justiça •Concentrar em objetivos, tomar medidas concretas: construir sobre o sucesso; aprender com o fracasso •Postura proativa: prontidão, planejamento, prevenção É importante enfatizar que esta não é uma tipologia de traços de uma “família resiliente”. Ao contrário, são processos dinâmicos que envolvem pontos fortes e recursos a que as famílias podem ter acesso e obter ganhos para aumentar a resiliência familiar. Os clínicos podem se direcionar para os processos-chave nos esforços de intervenção e prevenção. Vários processos podem ser mais relevantes e úteis em diferentes situações de adversidade, e os membros da família podem traçar caminhos variados na resiliência dependendo dos seus valores, recursos, desafios e objetivos. Sistemas de crenças familiares Os sistemas de crenças familiares influenciam fortemente a forma como os membros encaram as adversidades, seu sofrimento e suas opções (Wright & Bell, 2009). Construções compartilhadas da realidade, influenciadas por crenças multigeracionais,culturais e espirituais, emergem por meio das transações familiares e sociais. Por sua vez, elas organizam as abordagens familiares das situações de crise e desafios prolongados, e podem ser fundamentalmente alteradas por essas experiências (Reiss, 1981). As adversidades geram uma crise de significado e perturbação potencial da integração. A resiliência familiar é estimulada pelas crenças facilitadoras compartilhadas que aumentam o funcionamento eficaz e as opções para solução dos problemas, recuperação e crescimento. Elas ajudam os membros a encontrarem significado nas situações adversas; facilitam uma perspectiva positiva de esperança; e oferecem valores e conexões transcendentes ou espirituais. Dando um sentido às adversidades As famílias com bom funcionamento abordam uma crise ou adversidade prolongada como um desafio compartilhado. Na pesquisa de Gottman das relações de casal, os casais de sucesso abordavam os problemas como uma equipe e os parceiros enfatizavam a força que cada um recebia do outro. Eles encaravam as dificuldades como provações a serem superadas juntos e acreditavam que seus esforços deixavam sua relação mais forte; os esforços compartilhados e o orgulho por triunfarem os aproximava ainda mais (ver Driver, Tabares & Gottman, Cap. 3 deste livro). Os profissionais podem estimular essa perspectiva relacional da resiliência. Ao normalizar e contextualizar o estresse, os membros da família podem encarar suas dificuldades como compreensíveis entendimentos da sua situação adversa. A tendência para a acusação, vergonha e patologização é reduzida quando os problemas são encarados como dilemas humanos e os sentimentos complicados são vistos como comuns entre aqueles que se encontram em dificuldades semelhantes – e em situações extremas ou injustas, como respostas normais a condições anormais ou desumanas. A resiliência familiar também é estimulada por uma noção evolutiva de tempo e de vir a ser – um processo contínuo de crescimento, desafio e mudança ao longo da vida e das gerações (Beavers & Hampson, 2003). Essa perspectiva do ciclo vital familiar ajuda os membros a encararem as transições perturbadoras como marcos ou momentos de mudança em sua passagem de vida e as associam às gerações passadas e futuras. Ao enfrentarem as adversidades, os casais e famílias têm melhores resultados quando são ajudados a alcançar um senso de coerência compartilhada (Antonovsky, 1993; Antonovsky & Sourani, 1988; Hansson & Cederblad, 2004), reformulando a crise como um desafio que é compreensível, administrável e significativo a ser enfrentado. Envolve esforços para esclarecer a natureza e origem dos problemas e as expectativas futuras. A avaliação subjetiva que os membros da família fazem da sua situação e suas opções influenciam a sua resposta de enfrentamento e adaptação. Eles tentam compreender como as coisas aconteceram por meio de atribuições causais ou explanatórias, e olham para seu futuro com esperanças e medos. Experiências negativas passadas podem ser carregadas de temores catastróficos em relação a expectativas futuras. Para facilitar a reconstrução e significado dos membros da família (Nadeau, 2001), os profissionais podem apoiar seus esforços para esclarecer a compreensão da sua situação, avaliar realisticamente seus desafios e opções e planejar estratégias de enfrentamento ativo. Perspectiva positiva Um número considerável de pesquisas documenta os fortes efeitos neurofisiológicos de uma perspectiva positiva no enfrentamento do estresse, recuperação da crise e superação das barreiras ao sucesso. Esperança é essencial para o espírito: ela fornece energia e dá incentivo aos esforços para ultrapassar as adversidades. A esperança está baseada na fé, não importa o quanto o presente é menos favorável, um futuro melhor pode ser vislumbrado. Em condições saturadas de problemas, é essencial reacender a esperança a partir do desespero para que os membros da família vejam possibilidades, considerem os recursos potenciais e se esforcem para superar os obstáculos. A esperança de uma vida próspera para seus filhos evita que muitos pais em dificuldades sejam derrotados pelas suas decepções na vida. Epidemiologistas identificaram que “ilusões positivas” mantêm a esperança daqueles que lidam com adversidades, como uma doença que ameaça a vida (Taylor, 1989). Diferente da negação, existe a consciência de uma realidade cruel, como um mau prognóstico, e uma opção de acreditar que é possível superar as chances em contrário. Essa postura positiva apoia esforços que podem reduzir o risco e maximizar as chances de sucesso. Embora estudos tenham encontrado que uma perspectiva positiva por si só necessariamente não prolonga a vida, ela melhora a qualidade de vida e as relações importantes. As famílias com bom funcionamento tendem a manter uma visão mais otimista da vida (Beavers & Hampson, 2003). A pesquisa de Seligman (1990) sobre otimismo aprendido tem particular relevância para estimular a resiliência. Seus primeiros estudos sobre “desamparo aprendido” mostraram que com experiências repetidas de inutilidade e fracasso, os indivíduos param de tentar e se tornam passivos e pessimistas, generalizando a crença de que sempre acontecem coisas ruins para eles, e que nada que possam fazer irá fazer diferença. Seligman, então, demonstrou que o otimismo pode ser aprendido e o desamparo e pessimismo podem ser desaprendidos por meio de experiências de controle bem- sucedido, construção da confiança de que os próprios esforços podem fazer a diferença. Entretanto, ele alertou que uma mentalidade positiva não é suficiente para o sucesso se as condições de vida forem incessantemente árduas, com poucas oportunidades de superá-las. Conforme enfatizou Aponte (1994), muitas famílias que se sentem presas a comunidades carentes e arruinadas perdem a esperança. Esse desespero lhes rouba o significado, o propósito e uma noção de possibilidades futuras. Para que seja revitalizada, uma perspectiva positiva precisa ser reforçada por experiências de sucesso e por um contexto social protetor. A coragem e determinação apresentadas por famílias comuns ao enfrentarem dificuldades do dia a dia frequentemente passam despercebidas. Conforme declarou uma esforçada mãe solteira, que trabalha em dois empregos para sustentar seus filhos: “É difícil, mas todas nós unimos esforços e não desistimos”. Ao afirmarem os pontos fortes e o potencial familiar em meio às dificuldades, os clínicos podem ajudar as famílias multiestressadas a combaterem o sentimento de desamparo, fracasso e culpa, ao mesmo tempo reforçando o orgulho, confiança e um “espírito dinâmico”. Oferecer incentivo reforça a coragem para aproveitar as oportunidades e persistir nos esforços. As intervenções podem ajudar as famílias a desenvolverem confiança e novas competências por intermédio de experiências de controle bem- sucedido, aprendendo que seus esforços podem fazer a diferença. Iniciativa e perseverança – características da resiliência – são estimuladas por essa confiança compartilhada durante as dificuldades. Um pai, desempregado por mais de um ano depois que a sua empresa fez um corte no quadro de funcionários, relatou: “Nós não tínhamos certeza de como iríamos passar por isso, mas nos unimos e continuamos acreditando que iríamos encontrar um caminho”. As famílias demonstram confiança de que farão o melhor possível e apoiam a participação ativa dos membros na superação dos seus desafios. Dominar a arte do possível é um ponto vital para a resiliência (Higgins, 1994). Para as famílias, isso envolve fazer um balanço da sua situação – seus desafios, recursos e objetivos – e depois focar as energias em tirar o melhor partido das suas opções. Isso requer a aceitação do que está além do seu controle e não pode ser mudado. Em vez de ficarem imobilizados ou presos a uma posição de vítima impotente, o foco é direcionado para as possibilidadesexistentes e futuras. Quando os eventos não podem ser mudados, eles podem ser reformulados com uma nova visão que estimule uma maior compreensão e cura. Quando as perspectivas futuras são menos favoráveis, como uma doença terminal, os membros da família podem não conseguir controlar o resultado, mas podem se engajar de forma significativa, participar da prestação de cuidados, aliviar o sofrimento e aproveitar ao máximo o seu tempo juntos. Os membros da família frequentemente relatam que, por estarem mais plenamente presentes com as pessoas amadas, este momento doloroso se tornou o mais precioso em suas relações (Walsh, 2006). Depois da perda, os sobreviventes são ajudados a encontrar maneiras de transformar a presença viva de uma pessoa amada numa presença espiritual, por meio de lembranças memoráveis, histórias e ações que transmitem os melhores aspectos e aspirações do falecido e suas relações. Transcendência e espiritualidade As crenças e práticas transcendentes fornecem significado e propósito que vão além de uma provação imediata da família. A maioria das famílias procura força, conforto e orientação em momentos difíceis recorrendo a conexões com suas tradições culturais e espirituais, especialmente aquelas que estão enfrentando as barreiras da pobreza e discriminação (Walsh, 2009e; ver Boyd-Franklin & Karger, Cap. 12; Falicov, Cap. 13; Walsh, Cap. 15 deste livro). Conforme documentado por um grande corpo de pesquisa, os recursos espirituais, pela fé profunda, práticas como a oração e meditação e o envolvimento em congregações, se revelaram como as principais fontes de resiliência (Walsh, 2009d). Os rituais e cerimônias facilitam a passagem por transições significativas e de ligação com uma comunidade mais ampla e uma herança comum (ver Imber-Black, Cap. 20 deste livro). Muitos encontram alimento espiritual fora da religião formal, por intervenção do humanismo laico; conexão profunda com a natureza; expressão criativa na música e artes; e ativismo social. O paradoxo da resiliência é que os piores momentos também podem provocar o melhor no espírito humano. Uma crise pode produzir aprendizado, transformação e crescimento em direções imprevistas, conforme documentado na pesquisa sobre “crescimento pós-traumático” (Tedeschi & Calhoun, 2004; Tedeschi, Park & Calhoun, 1996). Ela pode despertar os membros da família para a importância das pessoas amadas ou motivá-los para que curem velhas feridas e reordenem as prioridades para relações e busca de objetivos mais significativos na vida. Muitos emergem de crises devastadoras com moral aumentada e um senso de propósito em suas vidas, recebendo compaixão dos outros pelas dificuldades e se comprometendo com ações sociais, políticas ou ambientais. Os profissionais podem apoiar os esforços das famílias para anteverem um futuro melhor com ajuda dos seus esforços e, quando as esperanças e sonhos foram abalados, imaginar novas possibilidades, aproveitando as oportunidades de intervenção, transformação e crescimento positivo. Padrões organizacionais familiares As famílias contemporâneas, com diversas estruturas e recursos, precisam organizar sua casa e as redes relacionais de formas variadas para enfrentar os desafios da vida. A resiliência é fortalecida por uma estrutura flexível, pela conectividade e recursos sociais e econômicos. Adaptabilidade: flexibilidade e estabilidade Flexibilidade, um processo central na resiliência, envolve a abertura para uma mudança adaptativa (Olson & Gorall, 2003). A capacidade de se recuperar é frequentemente considerada como um “recuo” para uma forma ou norma preexistente. No entanto, depois da maioria das crises e transições sérias, as famílias não podem simplesmente retornar à vida “normal” como a conheciam. Uma metáfora mais adequada seria “recuar avançando” (Walsh, 2002b), adaptando-se para enfrentar novos desafios e construir um “novo normal”. A famílias frequentemente precisam de ajuda para andar por um terreno inexplorado, renovando as relações e reorganizando os padrões de interação para se adequarem às novas condições. Ao mesmo tempo, as famílias precisam suavizar e contrabalançar as mudanças perturbadoras para restaurar a estabilidade. As crianças e outros membros da família vulneráveis precisam especialmente da garantia de continuidade, confiança e previsibilidade em meio à turbulência, e com separações e perdas. Rotinas diárias e rituais significativos são importantes em tais momentos, desde horários regulares na hora de dormir e horários de refeições compartilhados até em eventos, como o almoço de domingo na casa do pai e a celebração de aniversários e datas importantes (ver Imber-Black, Cap. 20 deste livro). A liderança autoritativa, firme embora flexível, é em geral mais efetiva para o funcionamento familiar e o bem- estar dos filhos (Steinberg, Lamborn, Darling, Mounts & Dornbush, 1994). Durante períodos de estresse, é especialmente vital prover cuidados, proteção e orientação. A forte liderança e confiabilidade parental facilita a adaptação pós-divórcio dos filhos quando são estabelecidas novas estruturas de família monoparental, horários de visitação, regras e rotinas. Famílias com estruturas complexas ou situações de vida dispersas podem precisar de ajuda para criar uma equipe colaborativa coparental e cuidadora entre as famílias e a distância. Conectividade A conectividade é essencial para a resiliência relacional. Uma crise ou adversidade prolongada pode abalar a coesão familiar, deixando seus membros incapazes de depender uns dos outros. A resiliência é fortalecida pelo apoio mútuo, colaboração e comprometimento de enfrentar os momentos difíceis juntos. Conforme revelou a pesquisa de Gottman, os casais bem-sucedidos conversam sobre seu relacionamento em termos de apoio mútuo e colaboração, seja qual for seu nível de independência (ver Driver et al., Cap. 3 deste livro). Ao mesmo tempo, os cônjuges e membros da família precisam respeitar as diferenças, individualidades e fronteiras uns dos outros. Eles podem ter variadas reações, estilos de enfrentamento e tempo necessário para processar um evento adverso, dependendo de variáveis como o significado e impacto da experiência para cada um ou a idade de um filho. Quando os membros da família são separados, por exemplo, em casas de acolhimento, pela ausência parental ou ruptura a nível comunitário, é importante manter conexões vitais com fotos, lembranças, telefonemas e contatos pela internet. A adaptação e resiliência de famílias imigrantes são estimuladas pela manutenção da conexão com os parentes e a comunidade com as raízes culturais e espirituais (Falicov, 2007; Cap. 13 deste livro). Em famílias adotivas, os pais podem ser encorajados a forjar coalisões parentais viáveis dentro e através das fronteiras das famílias e entrelaçar relações biológicas e adotivas, incluindo a família estendida. Pressões intensas em momentos difíceis podem criar interpretações errôneas, conflitos e separações. No entanto, uma crise, como uma situação de ameaça à vida, também pode ser aproveitada como uma oportunidade para reconexão, reconciliação e reparo de relações feridas e distantes. Por exemplo, no fim da vida, com a proximidade da morte e perda, os pais idosos e seus filhos adultos frequentemente desenvolvem novas perspectivas e estímulo para a resolução de antigas queixas, alcançando maior compreensão mútua (Walsh, 2011a). Recursos sociais e econômicos As redes de familiares e sociais, grupos comunitários e congregações religiosas podem ser uma segurança em tempos de dificuldades, oferecendo apoio prático e emocional. A significância dos modelos e mentores para a resiliência dos jovens está bem documentada. A importância dos laços relacionais para o bem-estar e resiliência, não só com as pessoas amadas e amigos mais próximos, mas também com animais domésticos, está cada vez mais encontrando aplicação numa ampla gamade programas para tratamento e reabilitação e nos cuidados de adultos idosos (Walsh, 2009b, 2009c). A resiliência e pontos fortes da maioria das famílias que sofrem dificuldades econômicas são notáveis (Orthner, Jones-Sanpei & Williamson, 2004). Contudo, a segurança financeira é vital para o bem-estar familiar. Desemprego persistente ou a perda de um provedor podem ser devastadores. Uma doença séria ou crônica pode esgotar os recursos econômicos familiares. Uma tensão financeira séria é o fator mais significativo quando as crianças em famílias monoparentais evoluem mal (ver Anderson, Cap. 6 deste livro). O que é mais importante, o conceito de resiliência familiar não deve ser mal aplicado para culpar as famílias que não conseguem superar a condições difíceis rotulando-as como não resilientes. Assim como os indivíduos precisam de relações apoiadoras para resiliência, as famílias precisam de políticas institucionais, estruturas e programas que sejam apoiadores no local de trabalho, na assistência médica e outros sistemas maiores. Não é suficiente ajudar as famílias vulneráveis a “triunfar sobre as probabilidades”; as políticas sociais também precisam “mudar as probabilidades” para capacitá-los a se desenvolverem (Seccombe, 2002). Processos de comunicação Os processos de comunicação facilitam a resiliência, trazendo clareza de informação para as situações de crise, encorajando a comunhão emocional aberta e estimulando a solução de problemas colaborativos e de prontidão. Deve- se ter em mente que as normas culturais variam amplamente no compartilhamento das “más notícias” e na expressão emocional. Informações claras Mensagens claras e congruentes facilitam o funcionamento familiar eficiente (Epstein, Ryan, Bishop, Miller & Keitner, 2003). Em condições de crise e múltiplos estresses, a comunicação é facilmente interrompida. A ambiguidade pode bloquear a compreensão, proximidade e o domínio da comunicação (Boss, 1999). O conhecimento compartilhado da verdade de uma experiência dolorosa, como abuso ou tortura na relação, estimula o processo de cura, enquanto negação, segredo e encobrimento bloqueiam o relacionamento autêntico e podem impedir a recuperação (Walsh & McGolrick, 2004). Famílias bem-intencionadas frequentemente evitam temas dolorosos e ameaçadores, querendo proteger uns aos outros das preocupações. Elas podem não dizer nada a respeito de uma situação precária, como uma doença séria ou uma possibilidade de divórcio, até que tenham certeza do resultado. No entanto, ansiedades sobre o inominável podem gerar temores catastróficos e frequentemente são expressas em problemas somáticos ou comportamentais, especialmente em crianças. Os pais ou cuidadores podem ajudar mantendo os filhos ou outras pessoas informados quando se desenvolve uma situação de abertura para discutirem questões ou preocupações. Eles podem precisar de orientação sobre formas de compartilhar informações que sejam adequadas à idade e podem ter a expectativa de que, quando os filhos cresçam, eles possam revisitar os assuntos para terem maior compreensão ou trazerem à tona preocupações a respeito (Walsh, 2006). Em desastres de amplo espectro, mensagens ambíguas ou confusas aumentam a ansiedade e bloqueiam a compreensão do que está acontecendo, como aconteceu e o que pode ser esperado. Por exemplo, quando ocorreu o vazamento de óleo no golfo de Louisiana no ano de 2010, famílias de pescadores e muitas gerações foram devastadas. Durante o ano seguinte, persistiram mensagens contraditórias do governo e da indústria, sem esclarecer se era seguro comer os peixes e se a indústria da pesca sobreviveria ou permaneceria destruída por décadas. Quando as famílias podem esclarecer e compartilhar informações essenciais a respeito da sua situação e expectativas futuras, isto facilita a compreensão, a tomada de decisão informada e o planejamento futuro. Expressão emocional e interações prazerosas A comunicação aberta, apoiada por um clima de confiança mútua, empatia e tolerância às diferenças, possibilita que os membros compartilhem uma ampla gama de sentimentos que podem ser despertados por eventos de crise e estresse crônico. Os membros da família podem ficar fora de sincronia com o tempo; um pode continuar a lamentar uma perda, enquanto outros se sentem prontos para seguir em frente. Um pai ou cuidador pode reprimir reações emocionais para manter o funcionamento no trabalho ou em função da família; os filhos podem esconder seus sentimentos e necessidades de forma a não sobrecarregarem seus pais. Para resiliência nas relações, os terapeutas podem oferecer um refúgio seguro para que os membros da família compartilhem e processem sentimentos difíceis e facilitar o apoio empático. Quando as emoções são intensas, o conflito pode irromper e entrar numa espiral fora de controle. Estereótipos masculinos frequentemente impedem que os homens demonstrem medo, vulnerabilidade ou tristeza, aumentando os riscos de abuso de substância, comportamentos destrutivos e conflito relacional ou estranhamento. Abordagens de tratamento individuais e relacionais combinadas podem ser indicadas. Encontrar humor e graça em meio a dificuldades estimula a resiliência (Wuerffel, DeFrain & Stinnett, 1990). Quando a vida familiar está saturada de problemas, sofrimento ou lutas é essencial criar tempo e espaço para uma pausa e compartilhar experiências agradáveis com uma conexão positiva, diversão e alegria, revitalizando o espírito e as energias. É especialmente importante celebrar aniversários e datas positivas, o que em geral é deixado de lado em condições de estresse prolongado. Solução de problemas colaborativos e prontidão O brainstorm criativo expande a capacidade de superar as adversidades. Uma tomada de decisão compartilhada e o manejo de conflitos envolvem negociação das diferenças com justiça e reciprocidade ao longo do tempo. Quando sobrecarregados por condições de múltiplos estresses, é importante estabelecer prioridades claras e objetivos atingíveis, e tomar atitudes concretas para a sua realização. Os profissionais podem facilitar os esforços de criar pequenos sucessos e usar os fracassos como experiências de aprendizado. Uma postura proativa é essencial para enfrentar desafios futuros. Famílias em crise precisam sair dela de um modo reativo e se prepararem para os desafios previstos e evitar novos conflitos. Encorajar os membros a considerarem um possível “Plano B” pode capacitá-los a se recuperarem diante de desafios imprevistos. Quando os sonhos foram abalados, as famílias podem ser encorajadas a investigar o cenário alterado e procurar oportunidades para o crescimento significativo em novas direções. Influências sinergísticas em processos-chave na resiliência Essas chaves para a resiliência são mutuamente interativas e sinergísticas. Por exemplo, uma visão relacional da resiliência (sistema de crenças) apoia a conectividade (padrões organizacionais) e solução de problemas colaborativa (processos de comunicação). Uma compensação dos processos também é importante, já que são necessárias alterações fluidas entre estabilidade e flexibilidade para continuidade e mudança. Desafios para as pesquisas e políticas sociais As pesquisas e políticas sociais da família devem ser reequilibradas a partir de um foco em como as famílias, quando desafiadas, podem ter sucesso se o campo quiser ir além da retórica da promoção dos pontos fortes da família para apoiar processos-chaves nos esforços de intervenção e prevenção (Leadbeater, Dodgen & Solarz, 2005). São necessários métodos mistos, combinando estudos quantitativos e qualitativos, para avançar na compreensão das variáveis-chave em resiliência familiar (Black & Lobo, 2008; Luthar & Brown, 2007). A própria flexibilidade do construto de resiliência complica os esforços de pesquisa (Barton, 2005; Luthar, 2006). Em vez de um modelo familiar estático e singular ou um conjuntode traços, resiliência envolve processos ao longo do tempo que podem variar dependendo das condições adversas e dos recursos disponíveis. Diferentes pontos fortes podem passar paro o primeiro plano para lidar com desafios específicos do contexto, como com a morte de um filho ou o câncer recorrente de um dos pais, ou o constante trauma complexo de famílias em zonas de guerra ou em campos de refugiados. A estrutura de resiliência familiar aqui apresentada está sendo aplicada por pesquisadores em muitas regiões do mundo (p. ex., Yang & Choi, 2002), mais frequentemente servindo como um amplo mapa conceitual para investigação qualitativa em entrevistas e questionários, cada um se adaptando a perguntas e ênfases particulares para se adequarem às suas populações na pesquisa e ao tipo de adversidade em estudo. É necessário um trabalho contínuo futuro para esclarecer os componentes mais úteis do funcionamento familiar com as várias condições adversas e populações. Atualmente, está sendo desenvolvida uma rede de investigadores e profissionais de saúde mental interessados em resiliência familiar. VALOR CLÍNICO DA ORIENTAÇÃO PARA A RESILIÊNCIA DE UMA FAMÍLIA Nas últimas décadas, o campo da terapia familiar tem mudado o foco da atenção dos déficits familiares para os pontos fortes da família (ver Walsh, Cap. 2 deste livro). A relação terapêutica se tornou mais colaborativa e fortalecedora do potencial do paciente, com o reconhecimento de que as intervenções de sucesso dependem mais da mobilização dos recursos familiares do que das técnicas do terapeuta. A avaliação e intervenção são redirecionadas de como os problemas foram causados para como eles podem ser resolvidos, identificando e ampliando competências potenciais e já existentes. Essa postura positiva orientada para o futuro muda o foco de como as famílias fracassaram para como as famílias podem ter sucesso. Uma abordagem da prática em resiliência familiar se baseia nos princípios e técnicas comuns entre os modelos baseados nos pontos fortes. Ela é distinta em dar atenção mais central às ligações entre os sintomas presentes e estressores familiares significativos, e ao contexto sociocultural e desenvolvimental. Aborda os sintomas de estresse associados a eventos e condições altamente estressantes, identificando e fortalecendo processos-chave para a resiliência (Walsh, 2003). Essa abordagem também dá maior atenção aos processos desenvolvimentais ao longo do tempo, pois as famílias alteram os padrões de interação para atender a desafios emergentes e a mudanças nas prioridades. Os princípios que orientam essa abordagem são descritos no Quadro 17.2. QUADRO 17.2 Resiliência familiar/princípios para a prática clínica baseada na comunidade •Visão relacional da resiliência humana (vs. “indivíduo resistente”) •Laços familiares e sociais; recursos comunitários, sociais e espirituais •Mudança da visão de déficit das famílias •Desafiada pelas adversidades; potencial para reparação e crescimento •Baseados na teoria desenvolvimental sistêmica •Influências biopsicossociais-espirituais ao longo da vida e das gerações •Eventos de crise, estressores maiores impactam o sistema familiar; influências da resposta da família •Recuperação de todos os membros, relações e unidade familiar •Visão contextual de crise, estresse e adaptação •Apoio familiar, sistemas maiores/institucionais; influências socioculturais •Influências temporais •Momento dos sintomas em relação aos eventos de crise/trauma ■Acúmulo de estressores, transições perturbadoras, adversidades persistentes ■Vários desafios de adaptação ao longo do tempo: imediatos e de longo prazo ■Fases desenvolvimentais individuais e familiares, padrões multigeracionais •Caminhos variados em resiliência – nenhum modelo único serve para todas as famílias e situações •As intervenções têm valor de prevenção: ao fortalecerem a resiliência, as famílias adquirem mais recursos; proativas para enfrentarem desafios futuros Avaliação orientada para a resiliência As famílias geralmente procuram ajuda em momentos de crise ou quando pressões crônicas aumentam, mas elas podem não fazer conexão dos problemas presentes com estressores relevantes. Uma premissa básica que orienta essa abordagem é que estresses significativos reverberam por meio do sistema familiar e, por sua vez, os processos-chave familiares são mediadores da adaptação de todos os membros e suas relações. Na avaliação orientada para a resiliência, o estresse atual é avaliado no contexto sociocultural e desenvolvimental. Um genograma sistêmico e a linha do tempo da família (McGoldrick, Gerson & Petry, 2008) são valiosas ferramentas clínicas e de pesquisa para esquematizar informações sobre o relacionamento, rastrear padrões sistêmicos e orientar o planejamento da intervenção. Como as estruturas familiares e os laços importantes são tão variados, é importante mapear todas as relações significativas dentro e além da família imediata. Isso inclui os pais não residentes, parentes da família estendida e redes sociais. Muitos construíram seus próprios vínculos para nutrir resiliência com parceiros íntimos e amigos próximos a quem consideram “família”, como as famílias escolhidas de homossexuais, bissexuais e transgênero (Oswald, 2002). Os clínicos dão atenção aos recursos que foram perdidos e identificam aqueles abalados por conflitos ou estranhamentos que poderiam ser reparados. Enquanto avaliações clínicas tendem a focar predominantemente em padrões familiares problemáticos, uma abordagem orientada para a resiliência prioriza uma busca por influências positivas – passadas, presentes e potenciais. Perguntamos acerca daqueles membros que poderiam contribuir com pontos fortes e recursos num esforço em equipe para superar os desafios. Identificamos modelos e mentores potenciais na rede de parentes e somos especialmente interessados em ouvir acerca das formas engenhosas como os membros da família lidaram com adversidades passadas, tais como histórias sobre o espírito confiante dos avós durante a migração ou momentos econômicos difíceis que poderiam inspirar os esforços para controlar os desafios atuais. Exploramos como o momento dos sintomas pode estar conectado a transições familiares altamente estressantes. Frequentemente, os sintomas das crianças coincidem com transições que provocam ansiedade, tais como separação dos pais por exemplo, a prisão, migração transnacional ou serviço militar, o que também envolve mudanças nas fronteiras familiares e redefiniçao de papéis (MacDermid, 2010; MacDermid, Sampler, Schwartz, Nishida & Nyarong, 2008). Processo de intervenção colaborativa Nessa abordagem prática, os casais e membros da família trabalham juntos, como uma equipe, para encontrar novas possibilidades em sua situação saturada de problemas e superar os impasses à mudança. A estrutura de resiliência familiar pode servir como um mapa conceitual valioso para guiar a intervenção e os esforços de prevenção. Ao focalizar e fortalecer os processos-chave quando os problemas são abordados, risco e vulnerabilidade são reduzidos. À medida que as famílias vão se munindo de mais recursos, elas têm maior capacidade de enfrentar desafios futuros. Assim, desenvolver resiliência também é uma medida preventiva. Em vez de resgatar os assim-chamados “sobreviventes” de “famílias disfuncionais,” essa abordagem da prática engaja as famílias com problemas, com respeito e compaixão pelas suas dificuldades; afirma seu potencial reparatório; e procura desenvolver suas melhores qualidades. Os membros da família são considerados como membros essenciais da equipe de cura para a recuperação e resiliência. Os esforços objetivam reduzir a vulnerabilidade e intensificar o funcionamento familiar, com o potencial de beneficiar todos os membros da família enquanto eles fortalecem os laços relacionais e a unidade familiar. A abordagem colaborativa engaja prontamente asfamílias “resistentes” que frequentemente são relutantes procurar os serviços de saúde mental sem expectativas (e experiência anterior) de que serão julgadas como perturbadas ou deficientes e culpadas pelos seus problemas. Em vez disso, os membros da família são vistos como tendo a intenção de darem o melhor de si para os outros e enfrentando uma sobrecarga de desafios. Os esforços terapêuticos mobilizam os recursos familiares e comunitários por meio de esforços colaborativos (ver o Quadro 17.3 para diretrizes práticas). QUADRO 17.3 Diretrizes práticas para fortalecer a resiliência familiar •Respeitar a dignidade e o valor de todos os membros da família. •Transmitir convicção quanto ao seu potencial para superar as adversidades por esforços compartilhados. •Usar linguagem respeitosa, buscando humanizar e contextualizar o estresse. •Encarar como compreensível, comum na situação adversa (p. ex., evento traumático – reações normais a condições anormais ou extremas). •Reduzir vergonha, culpa, estigma, patologização. •Oferecer refúgio seguro para compartilhar dor, preocupações, desafios. •Demonstrar compaixão pelo sofrimento e esforços. •Desenvolver comunicação, empatia, apoio mútuo entre os membros. •Identificar e afirmar pontos fortes, recursos paralelos às vulnerabilidades e limitações. •Promover e desenvolver o potencial para domínio, cura e crescimento. •Lançar mão de recursos de parentesco, comunitários e espirituais – linhas da vida – para lidar com os desafios. •Encarar a crise como oportunidade para aprendizado, mudança e crescimento. •Mudar o foco dos problemas para as possibilidades. •Adquirir domínio, cura e transformação a partir da adversidade. •Reorientar esperanças futuras e sonhos. •Integrar a experiência adversa – incluindo a resiliência – à passagem da vida individual e relacional. Essa abordagem também é valiosa nos esforços terapêuticos para a cura de feridas relacionais e reconciliação de relações estremecidas (Walsh, 2006). Um jovem adulto pode ser ajudado a ver um genitor alcoolista e deprimido sob um novo ângulo, aprendendo mais sobre o trauma que ele vivenciou em sua vida, desta forma desenvolvendo compaixão pela sua luta e admiração pela sua coragem, juntamente com suas limitações. Sem negar a experiência do paciente de abandono, a visão que ele tem do seu pai pode ser ampliada e humanizada. Nem todos os indivíduos têm sucesso na superação das adversidades da vida, mas embora possam ter fracassado, todos são vistos com dignidade e valor. A gama de aplicações práticas Uma orientação da resiliência familiar pode ser aplicada com utilidade a uma ampla gama de situações de crise, transições perturbadoras e condições de estresses múltiplos em serviços clínicos e comunitários. Uma avaliação sistêmica pode ser centrada na família, mas inclui trabalho individual e/ou grupal com jovens, pais solteiros ou cuidadores. Colocando em prática a visão ecológica, as intervenções podem envolver coordenação e colaboração com agências comunitárias, comunidades religiosas, o local de trabalho, escola, prestadores de serviço de saúde e outros sistemas maiores. Durante os últimos 20 anos, a orientação da resiliência familiar guiou o desenvolvimento de treinamento, consulta e serviços profissionais do Chicago Center for Family Health (codirigido por John Rolland e Walsh). Os programas foram criados em parceria com organizações baseadas na comunidade para tratar de uma variedade de desafios (Rolland & Walsh, 2006; Walsh, 2002a, 2006, 2007, 2011b): •Doenças sérias, desafios por deficiência (p. ex., grupos de “Parceiros Resilientes” com esclerose múltipla; adaptação positiva com diabetes; condições pediátricas) •Desafios no final da vida e luto familiar complicado •Trauma complexo, perda traumática em regiões devastadas pela guerra e grandes desastres (Furacão Katrina) •Trauma de refugiados: grupos multifamiliares (Bósnia e Kosovo) •Divórcio e reorganização da família adotiva •Estresses familiares com a perda do emprego e transição prolongada •Parcerias família-escola para o sucesso de jovens de alto risco •Desafios para pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgênero, casais e famílias As intervenções familiares baseadas na resiliência podem ser adaptadas a uma variedade de formatos, incluindo consultas familiares ou aconselhamento/terapia familiar. Grupos multifamiliares psicoeducacionais, workshops e fóruns comunitários oferecem apoio social e informações práticas, propondo diretrizes para manejo de crise, solução de problemas e redução do estresse enquanto as famílias passam por períodos de estresse e enfrentam desafios futuros. Fóruns familiares e comunitários têm sido eficazes em situações de catástrofe generalizada (Landau & Saul, 2004; Walsh, 2007). Os terapeutas ou facilitadores de grupo podem ajudar as famílias a esclarecerem estresses específicos e desenvolverem estratégias de enfrentamento eficazes, e compartilharem orgulho e celebração pelos pequenos sucessos. “Módulos” psicoeducacionais breves, econômicos e oportunos para transições críticas ou fases de um desafio vital encorajam as famílias a digerir porções viáveis de um processo de recuperação de longo prazo. As descrições adiante de um programa são apresentadas para ilustrar a abordagem. Facilitando a resiliência familiar com perda do emprego e desemprego prolongado Um programa CCFH foi direcionado para a adaptação de trabalhadores demitidos e as suas famílias quando os empregos foram perdidos devido a fechamento de fábricas ou redução de pessoal nas empresas. Nosso corpo docente planejou e implantou workshops de resiliência familiar e serviços de aconselhamento em parceria com uma agência da comunidade especializada em reciclagem para emprego e serviços de reinserção no mercado. A perda do emprego e dos rendimentos, assim como a ansiedade e incerteza quanto ao desemprego prolongado e o sucesso da reinserção, frequentemente levavam à depressão, abuso de substância e conflito conjugal/familiar. Por sua vez, estresses acumulados durante muitos meses reduziram a capacidade dos cônjuges e membros da família de apoiar os esforços do trabalhador. Em um caso, quando uma grande fábrica de confecções se transferiu, mais de 1.800 trabalhadores perderam seu emprego. A maioria era provedora da sua família, oriundos de minorias étnicas, muitos eram pais solteiros e tinham baixo nível de instrução e poucas habilidades para emprego no mercado de trabalho que se encontrava em mudança. Workshops orientados para resiliência familiar abordaram o impacto pessoal e familiar das perdas e os estresses da transição, dando atenção às tensões familiares, reorganização dos papéis e suas funções e à aproximação dos membros da família para apoiarem os melhores esforços do trabalhador demitido. As sessões de grupo focaram nas chaves para a resiliência, como a identificação de crenças restritivas (p. ex., “ninguém vai me empregar, com todas as minhas deficiências”) para identificar e afirmar os pontos fortes, tais como o orgulho de fazer um bom trabalho e qualidades pessoais de confiabilidade e lealdade no trabalho e na vida familiar. Para os homens cujo sentimento de valor estava diminuído quando perderam o papel masculino tradicional de provedor financeiro, foi importante ampliar sua contribuição e valor para a sua família. Os pais experimentaram novas competências e benefícios por um maior compartilhamento das responsabilidades nas tarefas domésticas e criação dos filhos, e os laços dos casais foram fortalecidos. Os pais solteiros, deprimidos e esgotados, foram encorajados a envolver as tias, tios e padrinhos dos seus filhos, bem como os avós, e a oferecerem serviços mútuos, tais como intercambiar o tempo de cuidados dedicados aos filhos, para aliviarem a sobrecarga. Os membros fizeram um brainstorm sobre formas de incluir um “momento de diversão para a família” e como mostrar admiração diária pelaspessoas amadas, apesar dos estresses. Os grupos familiares davam incentivo para que eles tomassem iniciativa e perseverassem nos esforços de busca de emprego, e celebraram pequenos sucessos enquanto fortaleciam seus laços familiares. Estimulando a resiliência familiar em resposta a traumas em massa O valor de uma abordagem da resiliência familiar com base na comunidade com refugiados de regiões assoladas pela guerra foi demonstrado em projetos desenvolvidos pelo Chicago Center for Family Health (CCFH) em colaboração com o Center on Genocide, Psychiatry e a University of Illinois (Walsh, 2006; Weine et al., 2005). Entre 1998 e 1999, foram designados grupos multifamiliares para refugiados da Bósnia e Kosovo que haviam sofrido atrocidades e perdas traumáticas de pessoas amadas, suas casas e comunidades durante a campanha de “limpeza étnica” da Sérvia. Nossa abordagem da resiliência familiar foi procurada porque muitos refugiados estavam sofrendo com sintomas de estresse pós-traumático, mas não usavam serviços de saúde mental, sentindo-se envergonhados e estigmatizados por categorias diagnósticas psiquiátricas e por um foco restrito nos sintomas individuais do transtorno. O programa, denominado CAFES para os bosnianos e TAFES para os kosovares (Coffee/Tea And Family Education & Support), utilizou um formato de grupo multifamiliar durante 9 semanas. As famílias prontamente participaram porque o programa tocava em fortes valores culturais centrados na família e estava localizado em local acessível na vizinhança, em que eles se sentiam confortáveis. Ao ser oferecido um ambiente seguro e solidário para compartilhar histórias de sofrimento e luta, isto também expôs e afirmou os pontos fortes das famílias, tais como sua coragem, resistência e fé; fortes redes de parentesco; profundo interesse pelas pessoas amadas; e determinação para superarem suas tragédias e recomeçarem uma nova vida. Os agentes de saúde da sua comunidade foram treinados para coliderar grupos para estimular a colaboração e desenvolver os recursos locais. As famílias viveram essa abordagem como respeitosa e fortalecedora. Esses projetos levaram ao desenvolvimento do Kosovar Family Professional Educational Collaborative (KFPEC) em Kosovo entre profissionais de saúde mental locais e uma equipe norte-americana de consultores em terapia familiar apoiados pela American Family Therapy Academy. O objetivo do projeto de muitos anos era reforçar as capacidades dos profissionais e agentes de saúde mental a tratarem das necessidades de serviços em sua região assolada pela guerra, oferecendo serviços baseados na resiliência familiar para promover a recuperação relacionada a grandes traumas e perdas (Rolland & Weine, 2000). Reconhecendo que as necessidades psicossociais de refugiados, outros sobreviventes de traumas e pessoas vulneráveis nas sociedades em transição excedem muito o foco individual e psicopatológico das abordagens convencionais de saúde mental ao trauma, sua abordagem foi construída sobre as forças familiares e culturais. Os consultores, compartilhando uma ampla abordagem multissistêmica orientada para a resiliência, encorajaram os profissionais de Kosovo a adaptarem a estrutura e desenvolverem seus próprios métodos para a prática que melhor se adapte às necessidades do contexto e serviço locais. A abordagem enfatizava a importância de conhecer outras famílias para ouvir suas histórias, dando o testemunho das atrocidades sofridas e identificando os pontos fortes e recursos de cada família (Becker, Sargent & Rolland, 2000). Em uma família, a mãe tinha ouvido os tiros quando seu marido, dois filhos e dois netos foram assassinados no pátio da sua fazenda. Ela e os membros sobreviventes da sua família conversaram com membros da equipe em sua casa sobre o que os tinha mantido fortes: O filho sobrevivente na família respondeu: “todos nós somos crentes. Uma das forças em nossa família vem de Alá... Ter algo em que acreditar ajudou muito”. ENTREVISTADOR: – O que você faz para manter forte a sua fé? FILHO: – Eu vejo minha mãe como a “origem da força”... Ver alguém que perdeu cinco membros da família … isto nos dá força só de olhar para ela. Precisamos pensar no futuro e no que podemos conseguir. Isso é o que nos mantém fortes. O que vai acontecer com ele (apontando para seu sobrinho de 5 anos) se eu não estiver aqui? Se ele me vê forte, ele será forte. Se eu for fraco, ele se tornará mais fraco do que eu. ENTREVISTADOR: – O que você espera que seu sobrinho aprenda sobre a família quando ele crescer? FILHO: – No momento em que ele for independente e ajudar os outros e a família – para ele, será como ver seus pais e avós e tios vivos novamente. (p. 29) Nessa família, a influência positiva dos sistemas de crenças era notável, em particular, o poder da fé religiosa e a inspiração de modelos e mentores fortes. Em outras famílias, os membros da equipe observaram que a resiliência era fortalecida pela sua conectividade/coesão e flexibilidade do papel adaptativo: Todos pertencem à família e à terra natal da família, vivos ou mortos, aqui ou no exterior. Todos são importantes e todos contam. Cozinhando ou plantando, todos avançam juntos com fluidez, em um padrão complementar, cada pessoa colhendo o que a pessoa anterior deixou... Um tesouro escondido na família é a sua adaptabilidade a quem assume cada um dos papéis ausentes. Embora o luto pela perda seja imensurável, a sua resiliência é notável. (Becker et al., 2000, p. 29). Abordagens de intervenção orientadas para a resiliência familiar estão sendo constantemente desenvolvidas para situações de trauma em massa, trauma associado à guerra e desastres naturais (Boss, 2006; Boss, Beauleu, Wieling, Turner & La Cruz, 2003; Boyd-Franklin, 2010; Cohen, Slonim, Finzi & Leichtentritt, 2002; Girwitz, Forgatch & Wieling, 2008; Hernandez, 2002; Knowles, Sasser & Garrison, 2010; Landau, 2007; Landau & Saul, 2004; Rowe & Liddle, 2008; MacDermid, 2010; MacDermid et al., 2008; Walsh, 2007). Em contrapartida com os programas de tratamento focados em sintomas individuais, essas abordagens multissistêmicas constroem redes de cura que facilitam a resiliência individual, familiar e da comunidade. Os programas criam um refúgio para que os membros da família e comunidade apoiem uns aos outros, tanto para compartilharem uma dor profunda quanto em seus esforços positivos. Eles ajudam as famílias e comunidades a ampliarem sua visão do que é possível por meio da colaboração, não só para sobreviverem ao trauma e perda, mas também para que recuperem seu espírito de luta. Enfrentando novos desafios em um mundo em mudança Uma estrutura de resiliência familiar é especialmente oportuna na ajuda a famílias com desafios sem precedentes à medida que o mundo à sua volta se modifica num ritmo acelerado (ver Walsh, Cap. 1 deste livro). As culturas e estruturas familiares estão se tornando cada vez mais diversas e fluidas. Durante o ciclo vital de uma família estendida, os adultos e seus filhos estão entrando e saindo de configurações familiares cada vez mais complexas, com cada transição apresentando novos desafios de adaptação. Em meio a turbulências sociais, econômicas e políticas por todo o mundo, as famílias estão lidando com muitas perdas, rompimentos e incertezas. No entanto, como argumenta Lifton (1993), os humanos são surpreendentemente resilientes. Ele compara nossas situações difíceis e respostas à do deus grego Proteu: assim como ele conseguiu mudar de forma em resposta à crise, nós criamos novas configurações psicológicas, sociais e familiares, explorando novas opções e transformando nossas vidas muitas vezes durante o curso da vida e através das gerações. A maioria das famílias apresenta resiliência notável ao reorganizar de forma criativa a sua vida familiar. No entanto, transições estressantes e tentativas de seguir por um território inexplorado podem contribuir para o estresseindividual e relacional. Uma abordagem da prática orientada para a resiliência avalia o estresse individual, do casal e familiar em relação a este contexto social e global mais amplo. As famílias podem precisar de ajuda para fazer o luto pelas suas perdas reais e simbólicas enquanto “seguem em frente” para se adaptarem. Os terapeutas podem ajudar as famílias a encontrarem coerência em meio à complexidade e a manter continuidades em meio à turbulência enquanto seguem sua jornada em direção ao futuro. Resiliência não significa sair ileso, mas lutar bem, encontrando soluções efetivas e aprendendo com a adversidade e integrando a experiência à jornada da vida. CONCLUSÃO Uma orientação para a resiliência familiar envolve uma mudança crucial na ênfase dos déficits familiares para os desafios familiares, com convicção no potencial inerente nos sistemas familiares para a recuperação e crescimento positivo a partir das adversidades. Direcionando as intervenções para o fortalecimento dos processos-chave para resiliência, as famílias adquirem mais recursos para lidarem com as crises, enfrentando transições perturbadoras, suavizando estresses persistentes e enfrentando desafios futuros. Embora algumas famílias sejam mais vulneráveis ou enfrentem mais dificuldades do que outras, consideramos que todas têm potencial para adquirir resiliência ao enfrentarem seus desafios, criando vários caminhos. Além do enfrentamento, adaptação ou competência no manejo das dificuldades, os processos de resiliência possibilitam transformação e crescimento positivo, que podem emergir de experiências de adversidade. Essa estrutura conceitual informada pela pesquisa pode ser integrada de forma útil a muitas abordagens práticas baseadas nos pontos fortes e aplicadas a uma ampla gama de condições adversas, em sintonia com a diversidade familiar e cultural. Os serviços orientados para a resiliência estimulam o fortalecimento das famílias enquanto elas investem em suas esperanças compartilhadas, desenvolvem novas e renovadas competências e fortalecem os laços familiares. REFERÊNCIAS Anthony, E. J., & Cohler, B. J. (Eds.). (1987). The invulnerable child. New York: Guilford Press. Antonovsky, A. (1993). The structure and properties of the Sense of Coherence Scale. Social Science and Medicine, 36(6), 725–733. Antonovsky, A., & Sourani, T. (1988). Family sense of coherence and family adaptation. Journal of Marriage and Family, 50, 79–92. Aponte, H. (1994). Bread and spirit: Therapy with the poor. New York: Norton. Barton, W.H. (2005). Methodological challenges in the study of resilience. In M. 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