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COLETIVO SI, YO PUEDO! PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA DE INSERÇÃO PARA IMIGRANTES

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COLETIVO SI, YO PUEDO! PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA DE 
INSERÇÃO PARA IMIGRANTES1 
 
Pedro Roberto Rodrigues2 
 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
São Paulo 
Brasil 
 
 
RESUMO 
A presente pesquisa tem como objetivo analisar o ensino de português como segunda língua para 
imigrantes. Esse curso é oferecido pelo Coletivo Si, yo puedo! que realiza esse trabalho há 12 
anos em parceria com a Associação Gastronômica Cultural Padre Bento - Feira Kantuta, 
localizada na Praça Kantuta, s/nº, no bairro do Canindé em São Paulo. Para que o imigrante se 
desenvolva e se torne protagonista na sociedade paulistana é preciso que ele se comunique e, 
conforme Flusser, a comunicação é um processo artificial que se baseia em símbolos organizados 
em códigos e formam a língua criadora e propagadora da realidade que dentro do contexto do 
imigrante deve ser aprendido para que ele se integre e se interaja com todos. Além disso, o 
engajamento dos membros do Coletivo junto aos órgãos públicos, para desenvolver políticas 
públicas para a educação e cultura do imigrante, tem sido fundamental, constante e incisiva. Esse 
ano algumas propostas já foram apresentadas em etapas preparatórias e pré-conferências regionais 
que serão discutidas na 2ª Conferência Municipal de Política para Imigrantes nos dias 8, 9 e 10 
de novembro. Essa pesquisa pretende entrevistar os alunos imigrantes, professores do curso e a 
coordenadora geral do projeto Veronica Quispe Yujra. Trata-se de uma pesquisa qualitativa no 
sentido de compreender a importância e eficácia do curso para o imigrante e sua inserção na 
sociedade. 
 
PALAVRAS-CHAVE: Coletivo Si, Yo Puedo; Português; Imigrantes 
 
 
1 Trabalho apresentado ao GT Arte, Comunicação, História, Cultura, Cidadania e Lazer, no 1° Congresso de Ensino 
em Comunicações, Informação e Artes, ocorrido entre 16 e 18/10/2019. 
2 Doutorando em Comunicação e Semiótica – PUCSP com bolsa CAPES, mestre em Comunicação pela Faculdade 
Cásper Líbero, MBA em Marketing pela Universidade Paulista e Especialista em Teorias e Práticas da Comunicação 
– Cásper Líbero. Formado em Jornalismo e atualmente professor no curso de Tecnologia em Fotografia da 
Universidade Paulista. 
 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O Coletivo Si, Yo Puedo! foi idealizado há 12 anos por Veronica Quispe Yujra 
como um espaço de resistência cultural em prol do desenvolvimento e protagonismo do 
Imigrante na cidade São Paulo e tem como objetivo acolher e orientar jovens e adultos 
migrantes, promovendo a democratização da informação dos direitos do migrante e do 
acesso à educação e cultura, com atividades todos os domingos na Praça Kantuta Rua 
Pedro Vicente, 625 em frente ao portão A do Instituto Federal de São Paulo no bairro do 
Canindé. 
Entre as atividades do Coletivo Si, yo puedo! o ensino de português é um dos mais 
procurados pelos imigrantes que chegam a cidade de São Paulo. Dados de 2019 apontam 
que cerca de 300 pessoas já fizeram o curso que é oferecido em salas de aula do Instituto 
Federal de São Paulo em parceria com o diretor Luís Cláudio de Matos Lima Júnior, a 
coordenadora do Coletivo, Veronica Quispe Yujra, e a Associação Gastronômica Cultural 
Padre Bento. Ao final do curso são entregues certificados em cerimônias de formatura da 
qual participam professores, alunos e todos os membros do projeto. 
Um dos maiores problemas enfrentados pelos imigrantes é a lingua. Flusser 
(2004) afirma ser a criadora da realidade, aquilo que vem por meio dos sentidos como 
forma criadora e propagadora da realidade. A língua é um elemento muito importante, 
inclusive, como forma de coesão de uma sociedade. 
Ainda segundo Flusser, “a comunicação humana é um processo artificial” baseado 
em símbolos organizados em códigos, um mundo codificado na qual por meio de 
artifícios o homem se comunica e nem sempre de maneira consciente. Quando 
aprendemos um código tendemos a esquecer sua artificialidade, sendo assim a 
comunicação esconde uma natureza sem significado que ele representa (FLUSSER, 2007, 
p. 89). 
O homem se comunica como um artifício para driblar a vida que o leva a morte, 
nesse aspecto ele é um ser solitário, “é um “animal político”, não pelo fato de ser um 
animal social, mas sim porque é um animal solitário, incapaz de viver na solidão”. Desta 
forma, o homem ao longo do tempo troca e sintetiza informações – comunicação 
dialógica - e para preservar as informações o homem as compartilha para que elas 
resistam no tempo – comunicação discursiva (FLUSSER, 2007: 91). 
 
 
... (a) nenhuma das duas formas de comunicação pode existir sem a outra; (b) a 
diferença entre as duas formas é uma qestão de “distância” da observação. (a) 
Para que surja um diálogo, pecisam estar disponíveis as informações que foram 
colhidas pelos participantes graças à recepção de discursos anteriores. E, para que 
um discurso aconteça, o emissor tem que dispor de informações que tenham sido 
produzidas no diálogo anterior. A questão sobre a precedência do diálogo e do 
discurso é consequentemente sem sentido. (b) Cada diálogo pode ser considerado 
uma série de discursos orientados para a troca. E cada discurso pode ser 
considerado parte de um diálogo (FLUSSER, 2007, p. 97). 
Para Flusser (2004) o caráter simbólico da língua condiciona o pensamento e só é 
compreensível dentro do conjunto do sistema inteiro, portanto cada um tem sua realidade 
e sua forma de pensar. A maioria dos imigrantes que procuram o Coletivo Si, yo puedo! 
são de latino-americanos, peruanos, colombianos, venezuelanos, equatorianos e 
principalmente bolivianos, objeto de estudo dessa pesquisa. 
A imigração boliviana para o Brasil não é um fenômeno recente, data dos anos 
1950. No entanto, naquele momento, os bolivianos que vinham eram, em sua maioria, 
estudantes que depois acabaram se casando e ficando por aqui. Nos anos de 1960 e 1970, 
esses imigrantes eram sobretudo de exilados políticos, pois muitos países da América do 
Sul viviam sob a ditadura e o fluxo migratório dos povos latino americanos era bastante 
forte. 
Hoje, o motivo pelo qual os bolivianos saem do seu país de origem é 
principalmente econômico e um dos países mais procurados por esses imigrantes é o 
Brasil, principalmente a cidade de São Paulo, onde eles chegam todos os dias para 
trabalhar nas oficinas de costura e a maior dificuldade que eles encontram aqui é a lingua. 
Flusser (2008) diz que o imigrante e aquele que abandona uma situação para 
integrar-se em outra e dentro dessa nova situação ele recebe o impacto do ambiente e o 
ambiente o impacto do imigrante em um processo dialético. Desta forma, para o imigrante 
boliviano é importante aprender o português para que haja comunicação entre eles e a 
sociedade paulistana. 
O problema está no fato de produzir diálogos efetivos, de trocar informações para 
adquirir outras novas, a questão é a onipresença dos discursos predominantes que 
impossibilitam o diálogo. E o imigrante imerso na sua realidade se vê obrigado a aprender 
a língua portuguesa porque o intelecto, os sentidos e o espírito que formam o Eu [do 
imigrante] e que caracteriza o intelecto são as palavras, sua compreensão, sua 
 
 
modificação, sua reorganização e as transporta para o espírito. Assim, o intelecto é o 
produto e o que produz a língua (FLUSSER, 2007). 
Flusser ressalta que esse saltar de uma língua para a outra como pontes – o que 
ele chama de tradução – é para o entendimento e a superação das limitações impostas 
pelo alcance singular oferecido por uma língua, que no caso do imigrante boliviano, acaba 
criando um abismo e uma sensação de irrealidade tanto quanto a angústia de sua 
existência em uma realidade relativa que aniquila o seu pensamento. 
“Sem recurso a qualquer visão mística ou religiosa, o intelecto “vive” (erlebt) a 
dissolução da realidade e do Eu”. Aquele que não fala a nossa língua ou fala mais de uma 
língua é visto com suspeita, pois é a línguada gente que fundamenta a realidade. Essa 
questão deve ser levada em consideração para que o imigrante se integre à realidade 
brasileira e a sociedade paulistana (FLUSSER, 2004, p. 59). 
Conforme Verônica Quispe Yujra, o povo boliviano é bastante retraído, tímido, 
costuma falar pouco e baixo e se naturalmente ele já é assim quando em contato com 
outros povos essas características são acentuadas. Para diminuir o distanciamento nas 
relações de vínculo entre ele e o povo paulistano, o imigrante tem se esforçado 
procurando cursos, como os oferecidos pelo Coletivo Sí, yo puedo!, pois só assim eles 
acreditam que podem se relacionar melhor e criar vínculos. 
 
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 
 
Trata-se de uma pesquisa que está em andamento. Sua abordagem é de natureza 
qualitativa, o objetivo é fazer um levantamento de dados a partir de entrevistas, no sentido 
de compreender e interpretar seus comportamentos, opiniões e expectativas a partir do 
aprendizado da língua portuguesa. Portanto, é exploratória, não tem o intuito de obter 
números como resultados, mas indicativos que apresentem o caminho correto sobre a 
questão-problema deste fenômeno. 
Uma vez que sua finalidade é exploratória, ela se dará através de um levantamento 
bibliográfico e uma pesquisa etnográfica a partir de entrevistas com imigrantes 
bolivianos. Sendo assim, ela assume a forma de pesquisa bibliográfica e como tal 
recorrerei ao pensamento de Vilém Flusser, tcheco naturalizado brasileiro, para melhor 
embasar essa pesquisa e a outros autores conforme o andamento desse estudo. 
 
 
Entretanto, a ideia também é fazer um estudo de campo, pois as entrevistas serão 
in loco com o objetivo de aprofundar na realidade dos bolivianos por meio da observação 
direta de suas atividades para captar as explicações e interpretações que ocorrem naquela 
realidade. 
 
3. REFERENCIAL TEÓRICO 
 
Para embasar essa pesquisa “Coletivo Si, yo puedo!: Português como segunda 
língua de inserção para imigrantes” recorrerei ao pensamento do filósofo tcheco, 
naturalizado brasileiro, Vilém Flusser e suas importantes contribuições para os temas: 
imigrante e língua e realidade e algumas de suas obras como “Língua e Realidade”, “A 
escrita”, “Exílio e Criatividade”, “Fenomenologia do brasileiro” entre outros. 
No entanto, dentro desse processo e no decorrer dela, muitos outros autores, 
livros, artigos científicos, sites serão incluídos. À medida em que se fizer necessário 
consultar, ler, pesquisar sobre as temáticas que fazem parte desse estudo outras 
contribuições serão importantes e não ficarão de fora. Todo esforço será feito para o 
desenvolvimento da pesquisa, no sentido de colaborar com a problemática que envolve o 
tema e contribuir para futuras pesquisas. 
 
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 
 
O Coletivo Si, yo puedo! tem participado ativamente de debates sobre políticas 
públicas voltadas às áreas de educação e cultura e por meio delas a inserção de imigrantes 
na sociedade paulistana. A Coordenadora do projeto, Veronica Quispe Yujra, tem 
trabalhado nesse sentido e colaborado para as discussões junto aos órgãos municipais. 
O Conselho Municipal de Imigrantes e a Coordenação de Políticas 
para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente realizarão a 2ª Conferência Municipal 
de Política para Imigrantes nos dias 8, 9 e 10 de novembro. Antes estão acontecendo 
etapas preparatórias e pré-conferências regionais nos dias 17 e 18 de agosto, nas regiões 
norte e sul, e 14 e 15 de setembro, nas regiões leste e centro-oeste (www.capital.sp.gov.br 
– Acessado em 21/08/2019 as 9h.). 
Essa conferência tem como objetivo debater assuntos sobre imigração; monitorar, 
avaliar, aprimorar e fortalecer a Política Municipal para a População Imigrante; elaborar 
http://www.capital.sp.gov.br/
 
 
propostas e diretrizes que fundamentem as políticas públicas para a população imigrante; 
propor bases para a criação de um Plano Municipal; ampliar e promover formas de 
institucionalização das políticas públicas para a população imigrante; e promover a 
participação social e política de imigrantes (www.capital.sp.gov.br – Acessado em 
21/08/2019 as 9h.). 
Nas pré-conferências são ouvidas as propostas da sociedade civil e de migrantes 
divididos de 8 eixos: 1) Participação social e protagonismo; 2) Habitação e assistência 
social; 3) Diversidade Cultural; 4) Diretos humanos, combate à xenofobia, racismo, 
intolerância religiosa e outras discriminações; 5) Acesso a direitos e serviços de mulheres 
e população LGBTI+; 6) Trabalho decente, geração de emprego e renda e qualificação 
profissional; 7) Educação integral, ensino da língua portuguesa e respeio à 
interculturalidade e 8) Saúde, lazer e esporte (www.capital.sp.gov.br – Acessado em 
21/08/2019 as 9h.). 
A participação do Coletivo Si, yo puedo! na 2ª Conferência Municipal de Políticas 
para Imigrantes apresentou algumas propostas que têm como objetivo o desenvolvimento 
e protagonismo do imigrante. Algumas são voltadas à criação de espaços para denúncias 
de discriminação, preconceito, racismo, xenofobia sofridas por imigrantes, além de um 
Conselho Municipal de Imigrantes e espaços comunitários descencralizados para 
realização de eventos e festividades culturais. 
Para a área da educação foram apresentadas as seguintes propostas: 1) 
Desenvolver a formação voltada aos professores da rede municipal para acolher alunos 
imigrantes, sejam eles crianças, adolecentes ou adultos; 2) Criação de um programa de 
ensino de línguas estrangeiras para servidores públicos, ministrada por professores 
imigrantes; 3) Contratação de mediadores culturais e professores imigrantes para 
trabalhar com professores brasileiros no ensino de seu idioma e desenvolver atividades 
culturais com crianças e adolescentes. 
Também foram propostas 4) a criação de uma política de acolhimento linguístico 
para crianças e adolescentes imigrantes; 5) implementação da lei de 2002 que permite a 
contratação de imigrantes via concurso público, em especial professores na rede de ensino 
básico alternando a legislação correspondente, se necessário e por fim, 6) aprimorar o 
programa Portas Abertas no sentido de oferecer aulas de português em centros de 
http://www.capital.sp.gov.br/
http://www.capital.sp.gov.br/
 
 
acolhida para imigrantes em diferentes horários e oferecer ensino de português para fins 
específicos como, por exemplo, acadêmicos. 
Todas essas propostas serão discutidas na 2ª Conferência Municipal de Política 
para Imigrantes que contará com a presença de professores, alunos, membros do Coletivo 
Si, yo puedo! e da coordenadora geral, Veronica Quispe Yujra. 
 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
O Coletivo Si, yo puedo! é um projeto que visa o desenvolvimento e protagonismo 
do imigrante e sua inserção na sociedade paulistana. E uma das maneiras de fazer isso é 
através do curso de português e passeios realizados pelos professores e alunos a centros 
culturais, museus e feiras da cidade. 
Todos os professores envolvidos no projeto são voluntários e engajados com as 
questões da educação e cultura. São profissionais formados em Letras, Artes Visuais e 
Comunicação que aos domingos das 13h às 15h se dedicam a ensinar português para 
imigrantes. As aulas acontecem dentro do Instituto Federal de São Paulo e duram um 
semestre. 
Para assistir as aulas o aluno imigrante deve se inscrever no começo dos semestres 
na barraca do Coletivo que fica na Praça Kantuta em frente ao IFSP na Feira da Kantuta. 
A experiência do primeiro semestre desse ano resultou na elaboração de um segundo 
módulo avançado para alunos que fizeram o curso do módulo básico. Para Renato 
Barreto, coordenador do curso de português, os alunos e professores voltaram 
empolgados para o início do semestre. 
A princípio, as aulas só privilegiavam a comunicação oral, agora também estão 
voltadas à escrita, leitura e a cultura brasileira. As temáticas abordadas apresentamsituações reais e informações sobre direitos e cidadania. São aulas dialogadas, com 
material de apoio composto por textos para leitura, fonética, vocabulário, gramática 
relacionada aos tempos verbais, exercícios de comunicação, música e cultura brasileira. 
Essa experiência tem sido significativa porque cada vez mais os alunos estão se 
interagindo, se informando, participando das aulas e dando seus apreceres sobre os 
assuntos apresentados. Só assim os imigrantes podem se sentir inseridos na realidade da 
cidade de São Paulo e esse talvez seja o maior legado do Coletivo Si, yo puedo!. 
 
 
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São 
Paulo: Editora Cosac Naify, 2007. 
 
 
FLUSSER, Vilém. Fenomenologia do brasileiro, 2008. Disponível em 
<http://textosdevilemflusser.blogspot.com.br>. Acessado em 27/11/2016. 
 
 
FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. São Paulo: Editora Annablume, 2004. 
 
 
CIDADE DE SÃO PAULO. Etapas preparatórias para a 2ª Conferência Municipal de Políticas 
para Imigrantes começam hoje. Disponível em: www.capital.sp.gov.br/noticia/etapas-
preparatorias-para-a-2a-conferencia-municipal-de-politicas-para-imigrantes-comecam-hoje - 
Acessado em 21/08/2019 
http://textosdevilemflusser.blogspot.com.br/

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