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Nina Rodrigues

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NINA RODRIGUES E AS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS'
RESUMO
Sergio Figueiredo Ferretti*
Apresenta a vida e a obra do médico maranhense Raimundo Nina
Rodrigues, pioneiro dos estudos sobre o negro e as religiões afro-
brasileiras. Relaciona seu interesse pelo negro com seus estudos
sobre Medicina Legal. Destaca a importância e a atualidade de Nina
Rodrigues no campo do estudo das religiões afro-brasileiras,
comentando os métodos de pesquisa que utilizou e os vários temas
de interesse que abordou em seus trabalhos tais como rituais de
iniciação, mitologia, liturgia, revoltas de escravos, folclore, literatura
oral, arte religiosa e vocabulário de línguas africanas.
Palavras-chave: Nina Rodrigues - religiões Afro-Brasileiras -
problemática racial- sincretismo religioso.
SUMMARY
Presents the life and the work ofDoctor Raimundo Nina Rodrigues,
from Maranhão, a pioneer on negro and afro-brazilian religion studies.
Relates his interest on negro religion with his studies on Legal
Medicine. Shows the importance and actuality ofNina Rodrigues in
the field of afro-brazilian religion studies, making comments about
the searching methods he used and the different subjects of interest
that were approached on his works, such as iniciation rituaIs
mythology, liturgy, slaves rebelions, folklore, oralliterature, religious
art and african language vocabulary.
Key-word: Nina Rodrigues- religion Afro-Brasilian - racial problematic
- religion syncretism.
Nina Rodrigues nasceu no
Maranhão, em Vargem Grande, em 4de
dezembro de 1862 e faleceu em Paris
em 17 de julho de 1906, aos 43 anos.
Segundo informações de
Lamartine de Andrade Lima, que en-
trevistou pessoas próximas a Nina
Rodrigues, ele descende de uma das
cinco famílias de judeus sefaraditas que
vieram para o Maranhão - era, portan-
to, de origemjudaica e não mulato, como
dizem alguns comentaristas. Foi paren-
te do Dr. Herculano Nina Parga, que
governou o Maranhão entre 1914 e
1918.
Aprendeu a ler na propriedade
1 Trabalho apresentado noo Il Seminário Participativo da Educação, organizado entre 25 e 29/0111999, pela
Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal de Vargem Grande - MA.
* Professor de Antropologia da UFMA.
Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28,jan/iun. 1999. 19
rural da família com a escrava Madri-
nha Mulata e fez os primeiros estudos
em Vargem Grande. Estudou o secun-
dário em São Luís, tendo sido aluno do
professor José Ribeiro do Amaral, ilus-
tre historiador que o preparou para exa-
mes na Escola de Medicina da Bahia.
Na época, São Luís tinha cerca de 35
mil habitantes e Salvador cerca de 150
mil.
Estudou Medicina na Bahia e no
Rio. Formou-se em 1888, aos 26 anos.
Desde 1887 começou a publicar arti-
gos, tendo deixado cerca de 60 traba-
lhos, redigidos durante 19 anos. Alguns
foram reunidos em livros que publicou
em vida sobre Raças Humanas, Reli-
gião Afro-brasileira, Contribuições ao
. Código Civil, Medicina Legal e Ensino
de Medicina. Após sua morte foram
publicados alguns livros reunindo arti-
gos seus. Publicou muitos trabalhos em
revistas especializadas de Medicina e
outros assuntos, nos Estados da Bahia,
no Rio de Janeiro e em São Paulo. Es-
creveu artigos e livros em francês e ita-
liano e muitos de seus trabalhos tinham
edições em mais de um país, a exem-
plo da Itália, da Bélgica, da França e
da Argentina. Travou polêmica com
vários pesquisadores ilustres da época
e manteve correspondência com espe-
cialistas em vários países. Em 1903 foi
recebido com homenagens por médi-
cos e juristas em São Paulo. Teve vida
intelectual intensa. Foi professor da
Faculdade de Medicina da Bahia. Es-
crevia muito e escrevia bem. Seus es-
critos são até hoje de leitura agradável.
. Contemporâneos dizem que ele
estava sempre olhando o relógio, preo-
cupado com o tempo, e que tinha pro-
20 Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28, jan./jun. 1999.
blemas de saúde. Voltou ao Maranhão
algumas vezes. Morreu em Paris onde
fora em viagem de trabalho e para tra-
tamento de saúde. Pouco depois dele,
também faleceu sua única filha. A viú-
va mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde ainda vivia em fins da década de
30 quando seus trabalhos estavam sen-
do reeditados. Em 1983 foi defendida
na USP tese de Doutorado em Antro-
pologia sobre Nina Rodrigues pela pro-
fessora Mariza Correa, da UNICAMP,
trabalho que só foi publicado em 1998
e ao qual ainda não obtivemos acesso.
Podemos dizer que Nina Rodrigues,
hoje, é pouco conhecido e estudado no
Brasil, sendo praticamente desconhe-
cido no Maranhão. Em São Luís, dá
nome à rua do Sol, onde manteve con-
sultórioem 1889.
Interessou-se principalmente pela
Saúde Pública e pela Medicina Legal,
trabalhando em área próxima entre o
Direito e a Medicina, disciplinas de
grande prestígio no Brasil na época em
que viveu.
Nessa época, a questão racial
era muito discutida no Brasil. No sécu-
lo XIX, o Positivismo e o Evolucionismo
eram posições teóricas dominantes. A
idéia da existência de raças superiores
e inferiores era um dogma indiscutível.
Nina Rodrigues aceitava as posições
teóricas de seu tempo e morreu muito
jovem para contestá-Ias. Pelos seus inú-
meros escritos, é considerado um dos
teóricos do racismo contra o negro em
nossa sociedade. Tinha muito prestígio
por ser cientista de reputação interna-
cional e era muito citado por confirmar
idéias racistas aceitas por todos. Acre-
ditava na inferioridade da raça negra
do ponto de vista intelectual, fisico,
moral e religioso, embora tivesse muita
simpatia e reconhecesse inúmeras qua-
lidades nos negros, que conhecia bem.
O racismo começou a ser questionado
no mundo apenas na época da Primei-
ra Guerra Mundial, quase dez anos após
a morte de Nina Rodrigues, a partir dos
trabalhos do antropólogo norte-ameri-
cano Franz Boas, cujos livros foram
queimados na Alemanha, sua terra na-
tal. Mas o racismo continuou com gran-
de vigor até a Segunda Guerra Mundial,
tendo feito grande número de vítimas,
sobretudo entre os judeus. Nos últimos
vinte a trinta anos é que tem se desen-
volvido consciência mais intensa e crí-
tica contra o racismo, mas os
preconceitos raciais são muito fortes
em toda parte, inclusive, hoje, no Bra-
sil.
Sendo Nina Rodrigues um mé-
dico de origem judaica, quais as razões
do seu interesse pelo estudo das religi-
ões afro-brasileiras?
Nos fins do século XIX e inícios
do século XX, a partir dos estudos de
Foustel de Coulanges, que escreveu
sobre A Cidade-Estado na Roma Anti-
ga, de seu discípulo Emíle Durkheim,
fundador da Sociologia científica mo-
derna, além de outros autores como
Max Weber e Alex TocqueviUe, a reli-
gião passou a ser considerada como um
campo fundamental de estudos para o
conhecimento do intelecto humano.
Constata-se que todas as sociedades,
mesmo as mais primitivas, possuíam
religião e considera-se que a religião
era um dos fatores básicos da organi-
zação social e mesmo urna das formas
pelas quais o homem aprendeu a racio-
cinar. Muitos conceitos básicos da lógi-
ca do pensamento humano teriam ori-
gem religiosa a partir de reflexões sobre
a vida e a morte, o humano e o divino.
A religião seria a origem das idéias bá-
sicas e do próprio pensamento huma-
no.
Na perspectiva da análise da
superioridade e da inferioridade das
raças, o estudo da religião era essenci-
al, inclusive para comprovar a inferio-
ridade de certas formas religiosas.
O interesse de Nina Rodrigues
pelo estudo do negro, advém de sua
especialização em Medicina Legal. De
acordo com as doutrinas da época, ele
interessou-se por estudos do atavismo
no crime e na loucura. Segundo essas
teorias, o negro era considerado como
raça inferior e propícia ao crime. A
maioria dos criminosos se concentrava
entre os negros. Corno médico legista,
passou a realizar estudos de crânios de
criminosos. Escreveu vários trabalhos
dentro da perspectiva do estudo da psi-
cologia coletiva ou das multidões, e an-
tes de morrer havia preparado o plano
do livro As Coletividades Anormais.
Como informa Lamartine Lima, Nina
Rodrigues, em março de 1897, teria vi-
sitado ocampo de batalha na Guerra
de Canudos. Depois da morte de An-
tônio Conselheiro, analisou o seu crâ-
nio, como tinha feito com o de outros
criminosos, seguindo as teorias
craniométricas em vigor e pelas quais
podia-se identificar o criminoso por ca-
racterísticas fisicas cranianas.
Vivendo na Bahia, onde a pre-
sença negra é marcante e onde a reli-
gião trazida da África teve amplo
desenvolvimento e grande número de
Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28, jan./jun. 1999. 21
participantes, passou a se interessar pelo
conhecimento da religião praticada pe-
losnegros.
Nina Rodrigues deixou dois tra-
balhos importantes sobre estudos afro-
brasileiros. O primeiro, O animismo
fetichista dos negros baianos, foi
publicado em fascículos em 1896 e 1897
na Revista Brasileira. Em 1900, o mes-
mo foi publicado, em Salvador, pela
Editora Reis & Comp., na forma de li-
vro, traduzido para o francês pelo au-
tor. No ano seguinte, esse trabalho
recebeu comentários elogiosos na re-
senha elaborada pelo discípulo e sobri-
nho de Durkheim, Marcel Mauss, que
o qualifica como "interessante e ele-
gante monografia elaborada por inves-
tigador competente". Foi também
elogiado por pesquisador do Instituto
Antropológico de Roma e pela Revista
de História das Religiões.
O outro livro de Nina Rodrigues
sobre esse tema recebeu o título de Os
Africanos no Brasil, publicado so-
mente em 1933,27 anos após sua mor-
te. Os originais do primeiro volume da
obra, denominada Problemas da Raça
Negra na América Portuguesa, fo-
ram deixados pelo autor na Editora an-
tes de viaj ar para a Europa. Seu
discípulo e sucessor Oscar Freire, en-
carregado de acompanhar a edição,
faleceu anos depois sem editar o livro
que só foi publicado quase 30 anos de-
pois, por Homero Pires, discípulo de
Oscar Freire.
Nesse segundo livro sobre reli-
giões africanas, obra póstuma e
inconc1usa, Nina Rodrigues, entre ou-
tras diferenças, utiliza maiores referên-
cias bibliográficas sobre religiões e
povos da África, como os trabalhos do
Coronel J. B. Ellis sobre os iorubás, os
fons e os fantis.:
Nina Rodrigues teve muitos alu-
nos médicos que foram seus discípulos
e admiradores, entre os quais Oscar
Freire, Afrânio Peixoto, Juliano Moreira
e outros. Arthur Ramos, também mé-
dico nordestino e como ele falecido em
Paris aos 44 anos, foi o grande
continuador de Nina Rodrigues nas dé-
cadas de 1930 e 1940. Divulgou e pu-
blicado vários trabalhos do mestre, bem
como diversos estudos seus em conti-
nuação ao que ele denominou de esco-
la baiana ou Escola de Nina Rodrigues
de estudos afro-brasileiros. Entre os re-
presentantes desta Escola se inclui, além
de Ramos o baiano Edson Carneiro, que
em 1937 organizou em Salvador o Il
'Congresso Afro-Brasileiro. Dois anos
antes, Gilberto Freyre organizara em
Recife o Primeiro Congresso Afro-Bra-
sileiro. Outro importante continuador
desta linha de estudos foi o sociólogo
francês Roger Bastide, que residiu 16
anos no Brasil, lecionando na Universi-
dade de São Paulo. Bastide redigiu duas
teses, publicou diversos livros sobre
Estudos Afro-Brasileiros e orientou a
formação de importantes pesquisadores
atuais que trabalham neste e em outros
campos das Ciências Sociais.
Assim, Nina Rodrigues foi pio-
neiro dos estudos afro-brasileiros e da
antropologia no Brasil, como da Medi-
cina Legal e de outras áreas. Iniciou uma
corrente de estudos e pesquisas sobre
religiões de origem africana no Brasil,
corrente que continua atuante ainda
hoje, cem anos após a publicação de
seus trabalhos.
Cad. Pesq .. São Luís. v. 10. n. 1. p. 19-28. jan.rjun. 1999.
Em Cuba, um ano antes de sua
morte, em 1905, o escritor Femando .
Ortiz, com a publicação do livro Os
Negros Bruxos, também inicia uma
escola de estudos semelhantes à Esco-
la Baiana e em muitos trabalhos Ortiz
cita Nina Rodrigues. Entre seus segui-
dores encontra-se a prolífera pesqui-
sadora Lídia Cabreira, falecida há
poucos anos nos Estados Unidos e que
deixou igualmente muitos trabalhos im-
portantes sobre religiões afro-cubanas.
Os estudos sobre religiões de origens
africanas em Cuba tiveram, como no
Brasil, um impulso muito grande, pela
importância dessas religiões nos dois
países. O avanço desses estudos em
Cuba se deve também á longevidade
de Femando Ortiz e de Lídia Cabreiro,
pois Ortiz continuou vivo e publicando
livros entre 1905 e 1967, quando fale-
ceu, mais de sessenta anos após a morte
de Nina Rodrigues.
Certamente, se ele tivesse vivi-
do mais tempo, seus estudos teriam to-
mado outras dimensões e o ritmo desses
trabalhos não teria declinado por 3O anos
como ocorreu após sua morte. Nina
Rodrigues é, portanto, o pai fundador
do campo de estudos afro-brasileiros,
Foi ele quem primeiro destacou a im-
portância do tema e quem primeiro
criou um modelo de análise dessas reli-
giões. Esse modelo, liberado de con-
cepções racistas da época, continua
ainda válido, sendo seguido até hoje por
inúmeros pesquisadores. Foi ele, tam-
bém, quem primeiro considerou como
religião o que então era considerado
como crenças supersticiosas, mostran-
do a coerência lógica desse sistema de
idéias e de crenças.
Exemplificando a importância do
campo de estudos afro-brasileiros, lem-
bramos que, posteriormente, esse cam-
po foi amplamente desenvolvido em
diferentes regiões do país. Em todos os
congressos e reuniões da Associação
Brasileira de Antropologia, nos Con-
gressos Afro-Brasileiros e em outros
eventos científicos do gênero, há sem-
pre seções dedicadas a análises das
religiões afro-brasileiras. Em relação ao
Maranhão, vários trabalhos têm sido
realizados. Nos últimos dez anos foram
defendidas cinco teses de doutorado
sobre religiões afro-maranhenses, sen-
do três no Brasil, uma nos Estados
Unidos e uma na Inglaterra. Uma está
em fase de conclusão na Bélgica. Além
dessas teses, há dissertações de
mestrado e grande número de
monografias de conclusão de cursos de
especialização e de graduação. Um
grande número de artigos em revistas
científicas e trabalhos utilizando outros
meios como vídeos, tem sido produzi-
dos a partir do estudo das religiões de
origem africana no Maranhão, que Nina
Rodrigues não chegou a estudar mas
que se constituem num desmem-
bramento do campo de estudos que ele
abriu. Nos demais estados, sobretudo
nos de maior presença negra, constan-
temente são defendidas teses e publica-
dos livros sobre religiões afro-brasileiras.
Devemos destacar que Nina
Rodrigues sabia escrever bem. Funda-
mentava seus escritos em pesquisas de
campo minuciosas. É lamentável que a
maioria de seus trabalhos não esteja,
hoje, disponível para o grande público.
Parece-nos que se deveria iniciar um
movimento pela reedição de suas obras,
Cad: Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28, jan.rjun. 1999. 23
sobretudo no campo dos estudos afro-
brasileiros. Reedição a ser realizada
preferencialmente por editora do sul, de
projeção e âmbito nacional, com edi-
ção de trabalhos acompanhada de no-
tas com comentários críticos
atualizados, elaborados por especialis-
tas no assunto. Com isso, facilmente
se constataria a atualidade e o interes-
se de seus escritos. Se o Maranhão
fosse um Estado com maior peso e in-
fluência na cultura nacional, como os
Estados do Rio de Janeiro, São Paulo,
Minas Gerais e Bahia, certamente a
importância de um conterrâneo como
Nina Rodrigues seria destacada com
maior projeção nacional, como ocorreu,
por exemplo com Mário de Andrade,
Euclides da Cunha, Monteiro Lobato e
outros.
Tendo destacado a importância
dos estudos sobre religiões afro-brasi-
leiras iniciados por Nina Rodrigues,
vejamos de que tratam esses estudos.
Logo na apresentação do
Animismo Fetichista, Arthur Ramos
considera importante realizar esse tipo
de estudo para compreender o nosso
destino como povo em formação.
O livro Animismo Fetichista in-
clui, no título, conceitos que na época
eram aplicados às religiões dos chama-
dos povos primitivos. Hoje, tais concei-
tos, juntamente com outros como
totemismo, estão superados e pratica-
mente não são mais utilizados. Da mes-
ma forma, o conceito deraças
superiores e inferiores, também muito
utilizado no livro por Nina Rodrigues,
não é mais aceito hoje. Assim, se fosse
escrito alguns anos mais tarde, o livro
teria outro título como por exemplo: In-
tradução ao estudo das religiões africa-
nas na Bahia, ou então, Candomblés da
Bahia.
A religião dos nagôs ou iorubás
da Bahia é proveniente da Costa dos
Escravos, atual República da Nigéria,
e do Daomé, atual BenÍD. Rodrigues
constata a predominância dos nagôs
sobre outros grupos étnicos na Bahia e
destaca a importância de suas práticas
religiosas. Questiona a idéia anterior de
que a maioria dos escravos entre nós
era de origem banto. Talvez, devido à
influência dos escritos de Nina
Rodrigues, até hoje a religião dos nagôs
foi a mais estudada e era quase a única
mais conhecida entre nós até os anos
70.
Sendo as religiões de origens afri-
canas, religiões iniciáticas e religiões de
transe e possessão, nosso autor, como
médico, considerava o transe
mediúnico, ou estado de santo, como
fenômeno patológico. Acreditava que
esse fenômeno estava ligado a estados
mórbidos psicológicos agudos e crôni-
cos, comuns na histeria, nos estados de
sonambulismo provocado, nos estados
hipnóticos, oníricos e esquizofrênicos,
com modificações de consciência e de
personalidade. Classifica o transe como
fenômeno de hipnose histérica.
Descreve experiência de hipno-
se que realizou no consultório com fi-
lha de santo e discute com outros autores
a existência da histeria na raça negra,
pois acreditava-se, na época, que a his-
teria era um fenômeno típico das raças
desenvolvidas, com o que Rodrigues não
concorda. Essa hipótese de se conside-
rar o transe mediúnico como um esta-
do anormal e patológico só será
24 Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28, jan./jun. 1999.
ultrapassada mais tarde, na década de
40, com os trabalhos do antropólogo
norte-americano Melville Herskovits,
que demonstrou ser o transe mediúnico
um fenômeno normal e controlado por
regras sociais.
Pela leitura de seus trabalhos,
podemos verificar que Nina Rodrigues
freqüentava, com regularidade, cerca
de 20 terreiros de culto afro em Salva-
dor e em municípios do interior, como
Cachoeira, Santo Amara e São Fran-
cisco. Refere-se aos grandes terreiros,
mais afamados na época em Salvador,
como o do Gantois, o do Engenho Ve-
lho e o do Garcia. Conhecia muitos pais
e mães de terreiro, cujos nomes cita
regularmente, e grande número de fi-
lhos de santo descendentes de africa-
nos. Nina Rodrigues diz que conheceu
pessoalmente os cerca de 2.000 últi-
mos africanos que viviam na Bahia nos
últimos anos do século XIX e afirma
ter conhecido quase todos os últimos
500 sobreviventes em inícios do século
XX. É importante lembrar que essa
população africana se reduziu rapida-
mente por morte, bem como por retor-
no à África, cujos embarques ele
comenta.
Menciona as diversas etapas
Dos complexos rituais de iniciação,
como a preparação e lavagem inicial
dos assentamentos de pedras, feitas
com banhos de ervas especiais. Refe-
re-se à função dos sonhos e outras re-
velações e aos jogos divinatórios que
precedem A iniciação. Menciona os
banhos de ervas preparatórios e os ri-
tuais específicos da cerimônia de inici-
ação realizados no recinto sagrado do
terreiro e dos quais só participam os ini-
ciados. Sobre essas cerimônias priva-
das, diz ter presenciado esse processo
num terreiro pequeno e que da sala em
que se encontrava, podia acompanhar
tudo que ocorria na sala ao lado, com a
porta aberta. Menciona a raspagem da
cabeça, as incisões ou cortes no corpo,
bebidas etc. Depois refere-se às partes
públicas da iniciação, com toques e as
diversas saídas dos novatos com rou-
pas específicas. Menciona os tabus e
restrições temporárias, abstinências e
obrigações, as festas que se seguem à
saída e as várias festas de anos de inici-
ação.
A respeito da mitologia, Nina
Rodrigues inicia uma tradição que con-
tinua até hoje, de apresentar os diver-
sos orixás, desde Olorum, o deus do
céu, que não recebe culto e os vários
outros como Obatalá ou Orixalá, o deus
superior; Exu, o mensageiro; Xangô
deus do trovão; Ogum deus do ferro e
das guerras; Yansã; Oxum; Oxumaré;
Yemanjá; Shapanã ou Omolocô, deus
da varíola; Oxossi, o caçador; Loco, o
deus da árvore etc. De cada divindade
apresenta alguns nomes, principais atri-
butos e qualidades, elementos de suas
estórias, alimentos preferidos, cores
etc.
Sobre a liturgia do candomblé,
fala das festas ruidosas ou batucajés
dos terreiros da Bahia, que as vezes
duram vários dias, precedidas por sa-
crifícios de muitos animais, como boi,
cabra, carneiro, galinha e pombo, dos
quais algumas partes são oferecidas aos
orixás e o restante destinado ao prepa-
ro de comidas típicas baianas como
vatapá, caruru, acarajé, abará, aberém
e moquecas. Diz que nos grandes ter-
Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28, jan.ljun. 1999. 25
reiros, como no Engenho Velho e no
Gantois, a comida era dada a todos,
servida em grandes gamelas e pratos
enormes. Refere-se às milhares de pes-
soas que participam das festas nos gran-
des terreiros. Descreve detalhes dos
sacrifícios e regras de sua execução
para cada orixá. Menciona as danças
festivas ao ar livre, nos intervalos das
cerimônias, e as danças sagradas no
salão do terreiro. Refere-se também aos
ritos fúnebres realizados nos terreiros
nagôs, comparando-os com os ritos dos
negros islamizados ou malês.
Em relação aos espaços sagra-
dos, descreve o interior de um terreiro
típico, com os seus vários espaços e
também o recinto sagrado dos pejís que
visitou, com os altares e ídolos dos quais
chegou a tirar fotos de alguns. Refere-
se ao exterior dos terreiros com suas
árvores sagradas, bem como sua loca-
lização nos arrabaldes da cidade, co-
mentando dificuldades de acesso de
bonde ou a cavalo. Cita lugares consi-
derados sagrados como grandes árvo-
res, pedras especiais, lagos que recebiam
oferendas, contando casos ocorridos
relativos a esses lugares.
Diante de sua curiosidade por
todos os temas relacionados aos assun-
tos que estuda, Nina Rodrigues apre-
senta interessantes observações de um
Bispo do Espírito Santo comentando, na
época, um novo culto denominado
Cabula, que se organizava como uma
espécie de Maçonaria, reunindo ele-
mentos do Espiritismo e africanos. Pa-
rece tratar-se de uma religião com
influências banto e que estaria nas ori-
gens dos cultos da umbanda, que pos-
teriormente recebeu grande impulso no
26
sul do país, reunindo elementos africa-
nos, católicos e espíritas.
Por ter vivido pouco tempo como
médico, no Maranhão, as referências
de Nina Rodrigues ao seu estado natal
se restringem a alguns artigos sobre
doenças como a lepra e outras e sobre
o regime alimentar dos maranhenses.
Nos escritos sobre religião, faz algu-
mas poucas referências à sua terra, lem-
brando, por exemplo, um conto de
origem africana sobre a tartaruga e o
conto A menina dos brincos de ouro,
que diz serem muito conhecidos na
Bahia e nç Maranhão. Lembra, ainda,
do instrumento marimba (ou berimbau),
que diz ter ouvido em criança, e refe-
re-se ao termo dança de tambor como
sendo comum no Maranhão. Informa
que, em viagem que fez ao Maranhão
em 1896, visitou em São Luís, negros
africanos conhecidos como negros
mina e conheceu uma velha jeje e ou-
tra nagô de Abeukutá residindo em ca-
sinhas nas proximidades da rua de São
Pantaleão. Diz também que visitou um
terreiro com umas vinte e poucas ne-
gras e mulatas.
A respeito da repressão aos cul-
tos afros, Nina Rodrigues utiliza várias
vezes, em seu trabalho, o método de
citar notícias de jornais. Diz que a reli-
gião dos africanos no Brasil era consi-
derada como prática de feitiçaria, sem
proteção das leis, condenada pela reli-
gião dominante e pelo desprezo apa-
rente dos mais influentes, tendo sofrido
violências dos senhores no período da
escravidão e depois da lei Áurea, sujei-
ta ao arbítrio da Polícia. Diz que a im-
prensa trata o assunto com o mesmo
desprezo dos senhores. Cita vários arti-
Cad: Pesq., São Luís, v. 10, n. 1, p. 19-28, jan./jun. 1999.gos criticando os terreiros, em jornais
da Bahia, entre 1896 e 1905, e diz co-
nhecer artigos semelhantes na impren-
sa de Pemambuco e do Rio de Janeiro.
Geralmente essas matérias pedem pro-
vidências da polícia contra o barulho
dos terreiros. Ressalta a extraordinária
resistência e vitalidade dessas crenças,
apesar de toda perseguição, dizendo
não ser possível sufocar as crenças
religiosas de uma raça. Diz que esse
culto, que resistiu à conversão e à vio-
lência dos senhores, está destinado a
resistir por longo prazo, por ser uma
verdadeira religião. Apesar de criticar
o exercício ilegal da medicina pelos pais
de terreiro, critica as invasões da polí-
cia às casas de culto de origem africa-
na, pois a Constituição da República
garante liberdade de consciência e de
culto a todos e o Código Penal qualifi-
ca os crimes de violência contra a li-
berdade de cultos.
A respeito de outros assuntos
relacionados aos cultos afros, Nina
Rodrigues analisa a hierarquia dos gru-
pos de culto com seus diversos cargos
e respectivas funções, destacando o
cargo de pai ou mãe de terreiro, de che-
fe dos músicos, de sacrificador dos ani-
mais, de colaborador ou ogã e outros.
Também analisa longamente o fenôme-
no que foi denominado de sincretismo
religioso, que prefere chamar de ilusão
da catequese, e vê as influências recí-
procas entre as religiões africanas e o
. catolicismo popular. Analisa também as
correspondências e relações entre
orixás e santos católicos.
Nina Rodrigues trata de assun-
tos diversos relacionados aos estudos
sobre o negro no Brasil. Entre esses,
por exemplo, analisa a procedência dos
negros que vieram da África, apoiado
na literatura disponível, e sempre co-
menta muitos autores estrangeiros que
lia. Nesse item, destaca a importância
dos negros nagôs. Refere-se também
aos negros islamizados que vieram para
a Bahia onde eram conhecidos como
negros malês e descreve algumas de
suas práticas religiosas. É um dos pri-
meiros autores a chamar atenção para
o tema, hoje muito atual, dos qui lombos
e das revoltas de escravos. Dedica um
capítulo ao estudo do famoso Quilombo
de Palmares, que denomina de Tróia
Negra, e para as revoltas urbanas de
escravos na Bahia nas primeiras déca-
das do século XIX, destacando na Re-
voltade 1835, a importante participação
dos negros malês, fato que tem sido
ressaltado por pesquisadores atuais.
Chama atenção para a repressão a es-
sas revoltas, que deu origem ao movi-
mento de retorno de africanos libertos,
tendo assistido a alguns embarques que
levaram do Brasil para África cerca de
10 mil ex-excravos e seus familiares.
Interessando-se pelo folclore e
pela literatura oral, recolhe e comenta
algumas estórias e lendas contadas pe-
los escravos, relacionando-as aos es-
tudos então realizados por Silvio
Romero. Também apresenta fotos e
comenta o trabalho artístico em escul-
turas religiosas realizadas pelos negros,
sendo o primeiro autor a chamar a aten-
ção para habilidades artísticas do ne-
gro entre nós. Baseado na literatura
disponível chama atenção para a gran-
de diversidade lingüística do continente
africano, transcreve alguns cânticos em
nagô e em jeje, refere-se a elementos
gramaticais de algumas línguas faladas
Cad. Pesq., São Luís, v. 10, n. I, p. 19-28, jan.rjun. 1999. 27
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
aqui e coleta elementos do vocabulário
de cinco línguas africanas faladas em
Salvador como o Grunce, o Mahi, o
Haussá, o Tapa e o Kanuri, das quais
enumera cerca de 120 palavras em
português e sua respectiva tradução.
Constatamos que, malgrado seu
pouco tempo de vida, Nina Rodrigues
trabalhou muito e abriu novos campos
de estudos tendo se interessado em
conhecer elementos essenciais da reali-
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liber-
dade. São Paulo: IFAN/FAPESP,
1998. 487p.
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___ o As collectividades anormaes.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
28
dade brasileira. Procurou analisá-Ias
com os recursos científicos disponíveis
na época e nisso se encontra sua falha
principal, pois a ciência tende sempre a
ser superada por novas descobertas
científicas. Mas as observações e pes-
quisas que realizou são válidas e im-
portantes até hoje. Nina Rodrigues é o
exemplo de um intelectual dedicado ao
trabalho científico, que deve servir de
modelo aos seus conterrâneos.
1939. 332p. (Biblioteca de Divulga-
ção Científica, 19).
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Cad. Pesq., São Luís, V. 10, n. 1, p. 19-28, jan./jun. 1999.

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