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1 Brasília, 15 a 19 de 2018 Nº 920 Data de divulgação: 25 de outubro de 2018 Este Informativo, elaborado com base em notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça Eletrônico. SUMÁRIO Plenário Lei municipal e competência privativa Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 3 Débito trabalhista e regime de precatórios STF: embargos infringentes e calúnia eleitoral Repercussão Geral “Amicus curiae”: indeferimento de ingresso e irrecorribilidade Imunidade recíproca e Programa de Arrendamento Residencial (PAR) Obrigatoriedade de empacotamento de compras e competência legislativa – 1 1ª Turma Prorrogação de competência e prerrogativa de foro Transcrições Dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais PLENÁRIO DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Lei municipal e competência privativa Compete privativamente à União legislar sobre sistemas de consórcio e sorteios, nos termos do art. 22, XX (1), da Constituição Federal (CF). Com base nesse entendimento, o Plenário converteu a apreciação da medida cautelar em exame de mérito e julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.566/2005 do município de Caxias/MA, que estabeleceu, como serviço público municipal, o concurso de prognósticos de múltiplas chances. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XX – sistemas de consórcios e sorteios; ” ADPF 337/MA, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 17.10.2018. (ADPF-337) DIREITO CONSTITUCIONAL — COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Representação estudantil: competência privativa da União e autonomia universitária – 3 O Plenário, por maioria, ao julgar procedente, em parte, pedido formulado em ação direta, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei paranaense 14.808/2005 e conferiu interpretação conforme à Constituição Federal (CF) aos arts. 1º a 4º da mencionada norma, excluindo do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior (Informativo 774). A Lei 14.808/2005, em seu art. 1º, assegura a livre organização dos centros e diretórios acadêmicos nos estabelecimentos de ensino superior, públicos e privados. No art. 2º, dispõe ser de competência exclusiva dos estudantes a definição das formas, dos critérios, dos estatutos e demais http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4739278 http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo774.htm http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/1.mp3 https://www.youtube.com/watch?v=EEThhJgOUJM&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018SESSAOCOMPLETASTF09H45AS12H10.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/2.mp3 2 questões referentes a sua organização. Esses dois artigos são constitucionais, não dispõem sobre matéria atinente a direito civil e versam apenas sobre liberdade de associação. Dessa maneira, ausente violação à competência da União (CF, art. 22, I (1)). O art. 3º preceitua que os estabelecimentos de ensino devem ceder espaço para instalações dos centros e diretórios acadêmicos e garantir: livre divulgação dos jornais e outras publicações (inciso I); participação nos conselhos universitários (inciso II); acesso à metodologia da elaboração das planilhas de custos (inciso III); e acesso dos representantes das entidades estudantis às salas de aula (inciso IV). O art. 4º preconiza que os espaços cedidos devem ser preferencialmente nos prédios correspondentes aos cursos. Ambos os dispositivos não invadem a autonomia universitária (CF, art. 207). Ao contrário, concretizam os valores constitucionais de liberdade de expressão, associação e reunião, asseguram a gestão democrática das universidades públicas e, por conseguinte, permitem a construção de tais universidades como um espaço de reflexão, de exercício da cidadania e de fortalecimento democrático. O ministro Dias Toffoli (relator), ao reajustar seu voto na linha do proferido pelo ministro Roberto Barroso, esclareceu que a participação dos centros acadêmicos e diretórios nos conselhos fiscais e consultivos das instituições de ensino pode ser lida de várias formas, não no sentido de ter direito a voto. Por sua vez, o ministro Edson Fachin assinalou que a autonomia da universidade delimitará a densidade da participação. O art. 209 da CF – que garante o ensino, a livre iniciativa – determina o atendimento de algumas condições, entre as quais o cumprimento de normas gerais da educação. Nessas normas, está, precisamente, a gestão democrática (art. 206, VI), que se concilia com a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (CF, art. 207). No tocante à metodologia, ressaltou não se tratar de interferir na gestão. O Colegiado deu interpretação conforme à Constituição aos arts. 1º a 4º para excluir do seu âmbito de incidência as instituições federais e particulares de ensino superior, haja vista integrarem o sistema federal de que tratam os arts. 209 e 211 (2) da CF combinados com os arts. 16 e 17 (3) da Lei 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Além disso, assentou a inconstitucionalidade do art. 5º da lei paranaense, no qual se prevê a aplicação de multa às instituições particulares que não observem as regras contidas nos artigos anteriores. A norma viola a competência legislativa da União para dispor sobre o sistema federal, bem como a isonomia, uma vez que estabelece multa exclusivamente em desfavor das universidades privadas. Vencidos, parcialmente, o ministro Alexandre de Moraes, que julgou formalmente inconstitucionais também os incisos II e III do art. 3º da citada lei, e o ministro Marco Aurélio, que concluiu pela inconstitucionalidade formal de toda a legislação. O ministro Alexandre de Moraes vislumbrou clara intervenção estatal na autonomia universitária, da qual faz parte a estruturação interna da universidade. A participação nos conselhos fiscais e consultivos das instituições de ensino e o acesso à metodologia são possíveis dentro da discussão universitária não por imposição legislativa do estado à revelia da universidade. Para o ministro Marco Aurélio, o tema deve ter tratamento linear no País. A normatização paranaense, em geral, implica avanços, considerado o que previsto no art. 206 (4) da CF. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;” (2) CF: “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. (...) Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. (...)” (3) Lei 9.394/1996: “Art. 16. O sistema federal de ensino compreende: I – as instituições de ensino mantidas pela União; II – as instituições de educação superior criadas e mantidas pela iniciativa privada; III – os órgãos federais de educação. Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estadose do Distrito Federal compreendem: I – as instituições de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; II – as instituições de educação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III – as instituições de ensino fundamental e médio criadas e mantidas pela iniciativa privada; IV – os órgãos de educação estaduais e do Distrito Federal, respectivamente. Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu sistema de ensino. ” (4) CF: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, 3 na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional 53, de 2006) VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. ” ADI 3757/PR, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 17.10.2018. (ADI-3757) DIREITO CONSTITUCIONAL – PRECATÓRIOS Débito trabalhista e regime de precatórios É inconstitucional determinação judicial que decreta a constrição de bens de sociedade de economia mista, prestadora de serviços públicos em regime não concorrencial, para fins de pagamento de débitos trabalhistas. Diante desse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental. O Tribunal entendeu que sociedade de economia mista prestadora de serviço público não concorrencial está sujeita ao regime de precatórios (CF, art. 100 (1)) e, por isso, impossibilitada de sofrer constrição judicial de seus bens, rendas e serviços, em respeito ao princípio da legalidade orçamentária (CF, art. 167, VI (2)) e da separação funcional dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 60, § 4º, III (3)). Vencido o ministro Marco Aurélio, que julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental. (1) CF: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.” (2) CF: “Art. 167. São vedados: (...) VI – a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;” (3) CF: “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”; “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III – a separação dos Poderes;” ADPF 275/PB, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 17.10.2018. (ADPF-275) DIREITO PROCESSUAL PENAL — EMBARGOS INFRINGENTES STF: embargos infringentes e calúnia eleitoral O Plenário, por maioria, conheceu de embargos infringentes opostos de acórdão da Segunda Turma e deu-lhes provimento para absolver o acusado da prática do crime de calúnia eleitoral. Afastada a preliminar de prescrição, o Supremo Tribunal Federal (STF) rememorou entendimento firmado na AP 863, segundo o qual os embargos infringentes são cabíveis contra acórdão condenatório não unânime, desde que proferidos dois votos absolutórios, em sentido próprio, no julgamento de mérito de ação penal pelas Turmas da Corte. Consignou que, no entanto, o caso concreto impõe distinguishing, a permitir os infringentes com um voto absolutório em sentido próprio. O quórum na sessão estava incompleto. A Turma contava com quatro ministros e a exigência de dois votos conduziria, por si só, à absolvição do acusado. Além disso, a admissibilidade dos embargos deu-se em momento anterior à mencionada construção jurisprudencial. Dessa maneira, excepcionalmente, o Tribunal reiterou a admissão dos embargos. A parte não pode ser prejudicada pela ausência do quórum completo. Os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso aduziram que, havendo quatro votos com um divergente na linha da absolvição própria, o procedimento a ser adotado é aguardar-se a composição plena. A ministra Cármen Lúcia registrou conhecer dos embargos sem se vincular ao http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4415601 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4504330 https://www.youtube.com/watch?v=EEThhJgOUJM&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018SESSAOCOMPLETASTF09H45AS12H10.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/3.mp3 https://www.youtube.com/watch?v=EEThhJgOUJM&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018SESSAOCOMPLETASTF09H45AS12H10.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/4.mp3 4 posicionamento. O ministro Marco Aurélio frisou que a Turma funcionou com o quórum exigido regimentalmente suplantado e atuou como órgão revisor. O enfoque jurisprudencial a exigir dois votos vencidos ocorreu dois anos após o surgimento do interesse em recorrer. A situação jurídica em apreço se enquadrou no parágrafo único do art. 609 (1) do Código de Processo Penal (CPP). Vencido o ministro Celso de Mello na preliminar de conhecimento dos embargos. Para ele, a necessidade dos dois votos deve prevalecer diante da existência de quórum regimental a legitimar a realização de julgamento por órgão fracionário do STF, especialmente na espécie, em que presentes quatro ministros. No mérito, o STF absolveu o acusado. Considerou que a prova da lesividade da conduta há de ser aferida no curso da ação penal, perquirindo-se, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a configuração ou não da materialidade delitiva, acima de dúvida razoável. O condenado, cujo comitê fora invadido, teria dito suspeitar do governo, de forma genérica. O áudio da entrevista beneficia a versão apresentada pela defesa, e a manifestação acoimada na denúncia revela-se lacônica. Ademais, o depoimento da vítima – sujeito passivo direto dos crimes contra a honra – assume papel de relevância, porquanto é o titular do bem jurídico protegido pela norma criminalizadora. No caso, a suposta vítima pronunciou-se nos autos, expressando que tudo não passou de querela inerente ao calor do debate eleitoral e que seus efeitos se exauriram naquele contexto, sem sofrer qualquer ofensa a sua honra pessoal. Consectariamente, não há prova segura da materialidade da conduta. O ministro Alexandre de Moraes enfatizou a falta de elemento subjetivo do tipo e que a querela não chegaria a ser calúnia. Vencidos a ministra Cármen Lúcia e o ministro Celso de Mello, que negaram provimento aos embargos. A ministra ressaltou que a manifestação do ofendido foi trazida somente nos infringentes e que o fundamento de a pessoa não se sentir ofendida não altera uma ação pública incondicionada.Já o ministro rejeitou os embargos também por constatar ter sido correta a sentença penal condenatória proferida pela Justiça Eleitoral e mantida pela Segunda Turma. (1) CPP: “Art. 609. (...) Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência. ” AP 929 ED-2º julg-EI/AL, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17.10.2018. (AP-929) REPERCUSSÃO GERAL DIREITO PROCESSUAL CIVIL – INTERVENÇÃO DE TERCEIROS “Amicus curiae”: indeferimento de ingresso e irrecorribilidade É irrecorrível a decisão denegatória de ingresso, no feito, como amicus curiae. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, não conheceu de agravo regimental em recurso extraordinário interposto pela Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (APESP) e pelo Sindicato dos Procuradores do Estado, das Autarquias, das Fundações e das Universidades Públicas do Estado de São Paulo (SINDIPROESP) contra a decisão que indeferiu sua admissão no processo como interessados. No recurso extraordinário, discute-se a possibilidade de, ante o mesmo credor, existir a distinção do que recebido, para efeito do teto remuneratório, presentes as rubricas proventos e pensão. O Colegiado considerou que a possibilidade de impugnação de decisão negativa em controle subjetivo encontra óbice (i) na própria ratio essendi da participação do colaborador da Corte; e (ii) na vontade democrática exposta na legislação processual que disciplina a matéria. Asseverou que o art. 138 (1) do Código de Processo Civil (CPC) é explícito no sentido de conferir ao juiz competência discricionária para admitir ou não a participação, no processo, de http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4754852 https://www.youtube.com/watch?v=_w5h2FIuzq4&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn&index=2 http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018AP929.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/5.mp3 5 pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, e de não admitir recurso contra essa decisão. O art. 7º (2) da Lei 9.868/1999, de igual modo, é inequívoco nesse sentido. O Colegiado afirmou, também, que o amicus curiae não é parte, mas agente colaborador. Portanto, sua intervenção é concedida como privilégio, e não como uma questão de direito. O privilégio acaba quando a sugestão é feita. Ressaltou, ainda, os possíveis prejuízos ao andamento dos trabalhos da Corte decorrentes da admissibilidade do recurso, sobretudo em processos em que há um grande número de requerimentos de participação como amicus curiae. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Edson Fachin, que conheceram do agravo e reafirmaram precedentes que admitiram a interposição de recurso contra a decisão denegatória de ingresso no feito. Para eles, nos termos das normas que regem a matéria, somente é irrecorrível a decisão que admitir a intervenção. Se a decisão é negativa, contrario sensu, cabe agravo para a apreciação pelo Colegiado. Os ministros Dias Toffoli (presidente) e Rosa Weber reajustaram os votos anteriormente proferidos. (1) CPC: “Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. § 1º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3º. § 2º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. ” (2) Lei 9.868/1999: “Art. 7º Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. (...) § 2º O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. ” RE 602584 AgR/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Luiz Fux, 17.10.2018. (RE-602584) DIREITO TRIBUTÁRIO – IMUNIDADES Imunidade recíproca e Programa de Arrendamento Residencial (PAR) Os bens e direitos que integram o patrimônio do fundo vinculado ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR), criado pela Lei 10.188/2001, beneficiam-se da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, (1) da Constituição Federal (CF). Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 884 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para extinguir a execução fiscal relativamente aos valores cobrados a título de IPTU. O acórdão recorrido, proferido por tribunal regional federal, manteve decisão que rejeitara a exceção de pré-executividade, sob fundamento de que a Caixa Econômica Federal (CEF) não goza de imunidade tributária na hipótese de propriedade fiduciária em programa de arrendamento residencial. A parte recorrente alegou que o imóvel tributado pela municipalidade pertence ao apontado programa residencial, de propriedade da União, razão pela qual é abrangido pela imunidade tributária recíproca. De início, o Colegiado discorreu sobre os pressupostos dogmáticos que determinaram a positivação das normas de imunidade nos ordenamentos constitucionais. A partir deles seria possível verificar se os requisitos e pressupostos da criação, existência e manutenção de imunidades recíprocas, num regime federalista, estariam presentes na hipótese. Com base no histórico da Suprema Corte norte-americana sobre o tema, foram identificados dois requisitos para fins de reconhecimento da imunidade. O primeiro se refere à tributação de um ente federado em relação ao outro. Haverá imunidade se essa tributação for capaz de impedir, reduzir http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=12088 http://portal.stf.jus.br/repercussaogeral/pesquisaAvancada.asp https://www.youtube.com/watch?v=EEThhJgOUJM&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018SESSAOCOMPLETASTF09H45AS12H10.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/6.mp3 6 ou interferir, ainda que potencialmente, na independência do exercício das competências constitucionais de outro. Como segundo requisito, a imunidade recíproca somente deve ser reconhecida no exercício de políticas públicas decorrentes de competências governamentais, não tendo incidência em questões de natureza comercial. Entretanto, os fatores subjetivo e finalístico não são os únicos a condicionar a incidência da norma constitucional de imunidade, apesar de relevantes. É preciso considerar a existência de estratégias de organização administrativa do Estado que podem implicar consequências prejudiciais para o equilíbrio econômico. Quando, além da desvinculação às finalidades públicas, houver risco de perturbação para a ordem econômica, a subsistência da norma imunizante torna-se criticável, ante a necessidade de preservar o equilíbrio concorrencial decorrente da livre iniciativa. Essa é a razão da previsão do art. 173, § 2º, da CF (2), que exclui da imunidade recíproca o patrimônio de empresas públicas e sociedades de economia mista, por não poderem gozarde privilégios fiscais não extensíveis ao setor privado. Assim, a proteção imunizante em análise será inaplicável quando inconteste que bem imóvel do patrimônio de ente federativo não está afetado a qualquer destinação social, funcionando apenas como elemento para alavancar o desempenho de atividade particular de propósitos exclusivamente econômicos. No julgamento do Tema 385 da Repercussão Geral (RE 594015), esta Corte fixou a tese de que a imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público quando esta explorar atividade econômica com fins lucrativos. Para o Colegiado, no entanto, esse precedente não se aplica à presente hipótese, pois há tanto o fator subjetivo quanto o finalístico da imunidade, além de a estratégia de organização administrativa utilizada pelo Estado não implicar qualquer consequência prejudicial ao equilíbrio econômico ou à livre iniciativa, não havendo cogitar a possibilidade de atividade comercial. O Colegiado asseverou que a União criou uma estrutura organizacional para cumprir uma competência que a Carta Magna determina, ligada diretamente à efetividade do direito de moradia – uma das mais importantes previsões de direitos sociais – e em consonância com o objetivo fundamental de redução de desigualdades sociais, consagrados respectivamente nos arts. 6º, caput (3), e 3º, III (4), da Carta Magna. Não há desigualdade maior, nada que marginalize mais, do que não ter um lar para si e para a sua família para, a partir daí, desenvolver todas as suas atividades do dia a dia. Isso é mais do que uma política pública, mais do que uma atividade governamental, são determinações expressas da Constituição. A partir desses mandamentos, a União – tanto o Executivo quanto o Legislativo – implementou o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), por meio de medida provisória, posteriormente convertida na Lei 10.188/2001. E como a União não pode gerir esse programa por meio de sua Administração Direta, a tarefa coube à CEF, braço instrumental do programa. Não há exploração de atividade econômica, mas prestação de serviço público, uma vez que se trata de atividade constitucionalmente atribuída à União e cuja operacionalização foi delegada, por lei, a empresa pública federal, visando à consecução de direito fundamental. A CEF é apenas a administradora do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), constituído de patrimônio único e exclusivo da União Federal e somente administrado e operacionalizado pela empresa para fins de consecução do programa. A CEF não teve aumento patrimonial nem se beneficiou do programa. Não houve confusão patrimonial, e o serviço não concorreu com o mercado privado. O PAR destina-se à população cuja renda familiar mensal não ultrapasse, em média, dois mil reais, sendo excepcionalmente elevado para dois mil e oitocentos reais no caso de militares das forças armadas e profissionais da área de segurança pública. Esses limites de renda ressaltam o caráter eminentemente social do programa e demonstram que a concessão de imunidade tributária em relação aos imóveis que o integram não representa risco relevante à livre concorrência, uma vez que os arrendamentos residenciais a ele vinculados abrangem grupo específico de pessoas de baixa renda. A iniciativa privada, por sua vez, não oferece nenhum programa nesse sentido. http://portal.stf.jus.br/repercussaogeral/pesquisaAvancada.asp http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2642811 7 Ainda que seus beneficiários façam o pagamento de contraprestação pelo uso e pela eventual aquisição das moradias arrendadas, as receitas provenientes das operações de arrendamento e das aplicações de recursos destinados ao programa são utilizadas para amortização das operações de crédito contratadas com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), uma compensação. Ademais o art. 3º, § 4º, da Lei 10.188/2001 (5) impõe que o saldo positivo existente ao final do programa seja integralmente revertido à União. Assim, não só o programa é financiado essencialmente por recursos da União como também terá, ao seu final, o saldo positivo integralmente revertido em seu benefício. Em conclusão, o Tribunal asseverou que todos os pressupostos da incidência da imunidade recíproca foram cumpridos. O PAR representa política habitacional da União, tendo a finalidade de garantir a efetividade do direito à moradia e a redução da desigualdade social. Trata-se do legítimo exercício de competências governamentais, mesmo que a CEF seja instrumento de sua execução. Não existe nenhuma natureza comercial ou prejuízo à livre concorrência. Vencido o ministro Marco Aurélio, que negou provimento ao recurso, ao fundamento de que a Caixa Econômica é pessoa jurídica de direito privado que, no caso, exerce atividade econômica mediante remuneração. No mais, a empresa é proprietária dos imóveis alienados, sob propriedade fiduciária, tanto que a matrícula está registrada em seu nome, e não no da União. (1) CF: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. ” (2) CF: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (...) § 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. ” (3) CF: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. ” (4) CF: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. ” (5) Lei 10.188/2001: “Art. 3º Para atendimento exclusivo às finalidades do Programa instituído nesta Lei, fica a CEF autorizada a: (...) § 4º O saldo positivo existente ao final do Programa será integralmente revertido à União. ” RE 928902/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 17.10.2018. (RE-928902) DIREITO CONSTITUCIONAL – COMPETÊNCIA LEGISLATIVA Obrigatoriedade de empacotamento de compras e competência legislativa – 1 O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, em que se discute a competência legislativa municipal para dispor sobre a obrigatoriedade de prestação de serviços de acondicionamento ou embalagem das compras por supermercados ou similares. O acórdão recorrido declarou a inconstitucionalidade da Lei 5.690/2010 do município de Pelotas, por entender que a obrigatoriedade da prestação do serviço de empacotamento por ela estabelecida invade a competência privativa da União para legislar sobre direito do trabalho, nos termos do art. 22, I (1), da Constituição Federal (CF), afronta os princípios da ordem econômica inscritos no art. 170 (2) da CF, bem como desrespeita artigos da Constituição estadual. Após a leitura do relatório e a realização de sustentação oral, o julgamento foi suspenso. (1) CF: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; ” (2) CF: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV –livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. ” RE 839950/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 17.10.2018. (RE-839950) http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4882888 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4641620 https://www.youtube.com/watch?v=_w5h2FIuzq4&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn&index=2 http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018RE928902.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/7.mp3 8 Parte 1: Parte 2: PRIMEIRA TURMA DIREITO PROCESSUAL PENAL – PRERROGATIVA DE FORO Prorrogação de competência e prerrogativa de foro Finalizada a instrução processual com a publicação do despacho de intimação para serem apresentadas as alegações finais, mantém-se a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para o julgamento de detentores de foro por prerrogativa de função, ainda que referentemente a crimes não relacionados ao cargo ou função desempenhada. Sob essa orientação, a Primeira Turma, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto em face de decisão que, com base no que decidido na Ação Penal (AP) 937, deslocou o processo para a primeira instância a fim de que fosse julgado o delito cometido quando o réu exercia cargo público estadual em momento anterior ao início do exercício do mandato de parlamentar federal. O Colegiado entendeu que, no caso em comento, toda a instrução processual penal ocorrera no STF, tendo sido apresentadas as alegações finais pela acusação e pela defesa. Uma das teses firmadas no julgamento da AP 937 foi precisamente a de que, após a instrução criminal, a competência do Tribunal se prorroga. No referido precedente, o Plenário firmou as seguintes teses: a) “O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”; e b) “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”. A tese “b” – preservação da competência após o final da instrução processual – deve ser aplicada mesmo quando não for o caso de aplicação da tese “a”, ou seja, preserva-se a competência do STF na hipótese em que tenha sido finalizada a instrução processual, mesmo para o julgamento de acusados da prática de crime cometido fora do período de exercício do cargo ou que não seja relacionado às funções desempenhadas. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Alexandre de Moraes, que negaram provimento ao recurso. Entenderam que a competência penal do STF pressupõe ter sido o crime praticado no exercício do mandato e estar a este, de alguma forma, ligado, inadmitida a prorrogação de competência de natureza absoluta. AP 962/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 16.10.2018. (AP-962) SEGUNDA TURMA Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio eletrônico* Em curso Finalizados Pleno 17.10.2018 17.10.2018 2 16 135 1ª Turma 16.10.2018 — 2 66 122 2ª Turma — — — — 62 * Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 12 a 19 de outubro de 2018. http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4776682 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4863591 http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4863591 https://www.youtube.com/watch?v=_w5h2FIuzq4&list=PLippyY19Z47sAxZSFR4owoDZmRjCyCbCn&index=2 http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/171018RE839950.mp3 http://www.radiojustica.jus.br/arquivo/radioBancoAudio/multimidia/2018/outubro/241018RE839950.mp3 http://portal.stf.jus.br/assets/audio/920/8.mp3 9 TRANSCRIÇÕES Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica. Agravo regimental em habeas corpus. Penal. Dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais. Artigo 89 da Lei nº 8.666/93. Pretendido trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Atipicidade da conduta imputada. Ausência de demonstração do dolo específico. Agravante que, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração Regional, emitiu parecer favorável a contratação. Manifestação de natureza meramente opinativa e, portanto, não vinculante para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar ou não a orientação exposta no parecer. O parecer tem natureza obrigatória (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/93), porém não é vinculante. Ineficiência da denúncia na demonstração da vontade conscientemente dirigida, por parte da agravante, de superar a necessidade de realização da licitação. Abusividade da responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha supostamente resultado dano ao erário (v.g., MS nº 24.631/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/08). Agravo regimental ao qual se dá provimento para conceder a ordem de habeas corpus e trancar a ação penal à qual responde a agravante. 1. É pacífico na Corte o entendimento quanto à possibilidade de trancamento de ação penal pela via do habeas corpus quando evidente a falta de justa causa para seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja ainda pela atipicidade da conduta imputada. 2. Demonstram os autos que o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ofereceu denúncia em face da agravante e de outros imputando-lhes a prática do crime descrito no art. 89, c/c o art. 99, e no art. 84, § 2º, todos da Lei nº 8.666/93, porque, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração do Paranoá/DF, emitiu parecer opinativo favorável à legalidade da contratação direta, por inexigibilidade de licitação, da Federação de Jiu-Jitsu de Brasília (FJJB), visando à realização de evento denominado “Paranoá Fight”. 3. Não logrou êxito a acusação em demonstrar suficientemente na denúncia a vontade conscientemente dirigida, por parte da agravante, de superar a necessidade de realização da licitação. 4. A documentação acostada ao processo administrativo, cuja veracidade não foi questionada, sinalizou que a FJJB seria a única Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida pela Confederação Brasileira do esporte para a realização do evento na capital. 5. Toda a documentação acostada aos autos não permitia, até aquele momento, conclusão diversa de que o caso era mesmo de inexigibilidade de licitação, por inviabilidade de competição, mormente se levada em conta a total ausência de notícia no bojo do processo administrativo sobre a existência de outra entidade (Federação de Jiu-Jitsu Esportivo do Distrito Federal-FBJJ). 6. A impossibilidade jurídica de haver competição entre eventuais interessadosnão é um plus que se agrega às hipóteses dos incisos do art. 25 da Lei nº 8.666/93, e sim a consequência lógica da tipificação de uma dessas hipóteses. 7. Embora o Parquet tenha afirmado que a agravante teria agido dolosamente em seu parecer, diante da existência de contradições sobre a exclusividade da FJJB, o processo administrativo, em nenhuma de suas manifestações, sinalizou tais ocorrências, sendo certo, ademais, que a denunciada somente detinha competência para emitir parecer técnico sobre inexigibilidade da licitação sob prisma estritamente jurídico, não cabendo adentrar em aspectos relativos à conveniência e à oportunidade da prática dos atos administrativos, tampouco examinar a veracidade das questões de natureza técnica (como a autenticidade da documentação acostada), administrativa ou financeira, salvo teratologia, que não ficou evidenciada na espécie. 8. Por outro lado, a manifestação levada a efeito foi de natureza meramente opinativa e, portanto, não vinculante para o gestor público, o qual pode, de forma justificada, adotar ou não a orientação exposta no parecer. Ou seja, o parecer tem natureza obrigatória (art. 38, VI, da Lei nº 8.666/93), porém não vinculante. 9. Por essa perspectiva, como já sinalizado pela Corte, mutatis mutandis, é lícito concluir pela abusividade da responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha supostamente resultado dano ao erário (v.g. MS nº 24.631/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 1º/2/08). 10. Tal conclusão se robustece quando se torna evidente, para além do dolo simples necessário (vontade consciente de contratar independentemente da realização de procedimento licitatório), que o Parquet não apresentou, na denúncia, elemento probatório mínimo que demonstrasse qualquer tipo de intenção por parte da agravante de produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. 11. A ausência de observância das formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade da licitação somente é passível de sanção quando acarretar contratação indevida e houver demonstração da vontade ilícita do agente em produzir um resultado danoso, o que não foi o caso. 12. Agravo regimental ao qual se dá provimento para conceder a ordem de habeas corpus e trancar a ação penal em relação à agravante. Hc 155.020 AgR/DF* RELATOR: Ministro Celso de Mello REDATOR PARA O ACÓRDÃO: Ministro Dias Toffoli VOTO: 10 O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI: De partida, rememoro o caso, visando à adequada compreensão da controvérsia. Impetrou-se na Corte o presente habeas corpus substitutivo contra julgado da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, a qual negou provimento ao RHC nº 90.073/DF, Relator o Ministro Ribeiro Dantas. A ementa do aresto em questão foi assim redigida: “PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. DISPENSA OU INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ATIPICIDADE. ALEGADA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. HIPÓTESE DE OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos. Precedentes. 2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do writ. Precedentes. 3. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 4. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, de modo que viabilize a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 5. ‘O delito tipificado no artigo 89 da Lei n. 8.666/1993 pune a conduta de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, sendo, conforme entendimento desta Corte, crime material que exige para a sua consumação a demonstração, ao menos em tese, do dolo específico de causar dano ao erário, bem como o efetivo prejuízo causado à administração pública, devendo tais elementos estarem descritos na denúncia, sob pena de ser considerada inepta’ (RHC 87.389/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, DJe 6/10/2017). 6. Hipótese em que a exordial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve a conduta atribuída à ora recorrente – que concorreu para a dispensa indevida de licitação, em hipótese obrigatória, pois existente outra entidade, a Federação de Jiu-Jitsu Esportivo do Distrito Federal - FBJJ, tornando, assim, viável a competição, de modo a evidenciar o dolo específico em causar prejuízo ao erário e o efetivo prejuízo à Administração Pública mediante emissão de parecer favorável à contratação da Federação de JiuJitsu de Brasília - FJJB –, tendo havido a explicitação do liame entre os fatos descritos e o seu proceder, permitindo- lhe rechaçar os fundamentos acusatórios. 7. ‘A tão-só figuração de advogado como parecerista nos autos de procedimento de licitação não retira, por si só, da sua atuação a possibilidade da prática de ilícito penal, porquanto, mesmo que as formalidades legais tenham sido atendidas no seu ato, havendo favorecimento nos meios empregados, é possível o comprometimento ilegal do agir’ (HC 337.751/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 1º/2/2016). 8. Recurso em habeas corpus não provido” (anexo 12). Nesta impetração, a defesa suscita, em síntese, a inépcia da denúncia e a atipicidade da conduta imputada à paciente Fernanda Rodrigues Zanini Nazario, de modo que o trancamento excepcional da ação penal, em trâmite na 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária do Paranoá/DF, seria admissível pela via do habeas corpus. A esse respeito, aduz que 11 “[a] leitura da denúncia não deixa dúvidas de que a imputação da Paciente decorre única e exclusivamente do fato de ter emitido parecer amparado em declaração de exclusividade apresentada pela proponente, sendo certo que tais hipóteses, de fato, se enquadram nos casos de inexigibilidade de licitação, uma vez que não há possibilidade de competição”. Afirma a necessidade de o “MinistérioPúblico demonstrar que FERNANDA NAZÁRIO sabia da irregularidade da declaração apresentada ou que tinha conhecimento da existência de outra empresa prestando o mesmo serviço, tendo em vista que, sem as referidas considerações, não há como se extrair o dolo específico da Paciente em lesar a Administração Pública”. Portanto, “resta inafastável que a denúncia padece de flagrante vício de inépcia, não sendo necessária a análise de qualquer outra prova documental para se chegar a esta conclusão”. Prossegue o impetrante argumentando que, “[e]m que pese a exordial acusatória oferecida pelo Parquet possua narrativa truncada, o que, de fato, dificulta a delimitação da conduta da Paciente, dúvida não há de que o argumento utilizado pelo órgão acusatório para afirmar a suposta ilicitude no parecer diz com o fato de que a empresa proponente, a FEDERAÇÃO DE JIU-JITSU DE BRASÍLIA – FJJB, ‘é federação de jiu-jitsu e não de MMA’. Nesse contexto, o que o Ministério Público local parece sustentar é que a declaração apresentada pela FEDERAÇÃO DE JIU-JITSU DE BRASÍLIA – FJJB seria insuficiente para atestar a exclusividade no serviço contratado tendo em vista que o evento a ser realizado seria de MMA e não de jiu-jitsu. Pela leitura da denúncia, é possível notar que não há qualquer menção à existência de outra empresa prestadora do serviço contratado, sendo certo que o ato questionado pelo Ministério Público diz, tão somente, com a alegada desconformidade entre o objeto do contrato e a exclusividade consignada na documentação apresentada pela proponente”. Assevera, ainda, que “a denúncia não oferece o contorno jurídico elementar mínimo que possibilite a identificação da conduta delitiva a ela imputada, tendo em vista que o ato de elaborar parecer opinativo, por si só, não se enquadra na descrição do tipo penal descrito no art. 89, da Lei n.º 8.666/93. A configuração do crime do art. 89, da Lei n.º 8.666/93, depende, inexoravelmente, da demonstração do dolo específico do agente, caracterizado pela vontade de dispensar ou inexigir licitação com a consciência de que a hipótese não se amolda aos permissivos legais. Nesse contexto, é evidente que o mero ato de assinar parecer opinando pela possibilidade de contratação em tal modalidade não é suficiente para configurar o crime de dispensa ou inexigência indevida de licitação, sobretudo ao se considerar que, na hipótese dos autos, a decisão final não cabia à Paciente, bem como sua manifestação não detinha caráter vinculativo, que autorizam a inexigibilidade de certame. Da narrativa apresentada pelo Ministério Público é possível dizer que a confirmação da ilicitude na conduta da Paciente dependeria da demonstração de que ela tinha consciência de que a documentação que lhe fora apresentada continha algum vício que impedia a inexigibilidade da licitação no caso concreto e que, ainda assim, proferiu parecer com o propósito específico de burlar as exigências previstas pela Lei n.º 8.666/93. Todavia, a denúncia, além de trazer relato truncado, não aponta qualquer circunstância da qual se possa inferir que a Paciente tinha ciência de que a declaração apresentada pela proponente não era suficiente para atestar sua exclusividade, sobretudo porque não há qualquer indicativo de que o serviço prestado pela empresa diferia do objeto do evento, bem assim não há qualquer informação acerca da possível existência de outra prestadora do serviço”. Na visão da defesa “a inépcia da denúncia decorre, justamente, da manifesta atipicidade da conduta narrada , sobretudo em relação à Paciente, eis que o ato de proferir parecer, por si só, não se amolda ao tipo penal a ela imputado”. Conclui que 12 “o parecer emitido pela Paciente não apresentou qualquer solução absurda e desarrazoada, eis que a declaração de exclusividade apresentada pela proponente autorizava o enquadramento do caso à hipótese de inexigibilidade licitação prevista na Lei n.º 8.666/93, justamente porque, não havendo prestador de serviço equiparável, é incontroversa a impossibilidade de competição. Nesse contexto, a única hipótese que autorizaria a imputação da Paciente seria acaso atestado o seu dolo específico de emitir parecer voltado a possibilitar a celebração de contrato sem a prévia realização de licitação, mesmo diante da ciência inequívoca de que o caso concreto não autorizaria a inexigibilidade do certame. Ocorre que a denúncia não traz qualquer elemento a partir do qual seja possível atestar que a Paciente tinha conhecimento sobre eventual vício da declaração de exclusividade submetida à apreciação da Assessoria Técnica, mesmo porque a verificação da veracidade e da viabilidade da documentação também não era atribuição do seu setor. Nem mesmo eventual falsidade da declaração de exclusividade juntada aos autos -- que sequer fora cogitada pelo Ministério Público, cabe ressaltar -- seria suficiente para atestar a pretensa irregularidade na conduta da Paciente, eis que consistiria em fato de terceiro, muito anterior à remessa dos autos à sua apreciação. Por outro lado, tal circunstância, acaso existente, serviria apenas para atestar que a Paciente fora levada a erro, a atrair a aplicação do art. 20, do Código Penal, corroborando, assim, a inexistência de dolo e a consequente atipicidade da sua conduta”. Por esses fatos, postulou-se o deferimento da liminar para “suspender o curso da Ação Penal de nº 2017.08.1.0034669, com trâmite na 1ª Vara Criminal da Circunscrição Judiciária do Paranoá-DF e, no mérito, que [fosse] concedida a ordem de habeas corpus, para os fins de determinar o trancamento da ação penal, tudo com arrimo nas razões deduzidas na presente impetração”. Com pedido de liminar indeferido e parecer da Procuradoria-Geral da República pelo não conhecimento do writ, o eminente Relator indeferiu a impetração, em decisão assim fundamentada na parte que interessa: “Sendo esse o contexto, passo a analisar o pleito em causa. E, ao fazê-lo, entendo não assistir razão à parte impetrante, pois os fundamentos que dão suporte ao acórdão ora impugnado ajustam-se, com integral fidelidade, à orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte. Como se sabe, a denúncia que contiver todos os elementos essenciais à adequada configuração típica do delito e que atender, integralmente, às exigências de ordem formal impostas pelo art. 41 do CPP não apresentará o vício nulificador da inépcia, pois permitirá ao réu a exata compreensão dos fatos expostos na peça acusatória, sem qualquer comprometimento ou limitação ao pleno exercício do direito de defesa. O exame dos autos permite reconhecer, consideradas as premissas que venho de mencionar, que o E. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar esse ponto específico da impetração, deixou evidenciado, sem qualquer dúvida, que a peça acusatória ora questionada contém os elementos mínimos exigidos pelo art. 41 do CPP. Não vislumbro, por isso mesmo, a ocorrência, na espécie, do vício de inépcia da denúncia, pois a peça acusatória, que observou a regra imperativa inscrita no art. 41 do CPP, descreve, de maneira adequada, todos os ‘essentialia delicti’, com as respectivas circunstâncias de tempo, de lugar, de pessoas e de modo de execução, revelando-se, portanto, processualmente apta e juridicamente idônea. Isso significa que a inicial acusatória em causa ajusta-se ao magistério jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte (HC 83.266/MT, Red. p/ o acórdão Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.): ‘1. Não é inepta a denúncia que, apesar de sucinta, descreve fatos enquadráveis no artigo 14 da Lei n. 6.368/76, atendendo a forma estabelecida no artigo 41 do Código de Processo Penal, além de estar instruída com documentos, tudo a possibilitar a ampla defesa.’ (HC 86.755/RJ, Rel. Min. EROS GRAU – grifei) ‘3. A descrição dos fatos cumpriu, satisfatoriamente, o comandonormativo contido no art. 41 do Código de Processo Penal, estabelecendo a correlação entre a conduta do paciente e a imputação da prática do crime de quadrilha.’ (HC 98.157/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE – grifei) Acolho, de outro lado, como razão de decidir, além dos fundamentos expostos na presente decisão, também aqueles em que se apoia, quanto ao mérito, o pronunciamento da douta 13 Procuradoria-Geral da República – notadamente no que concerne à alegada ausência de justa causa para a persecução penal –, em parecer do qual se destaca a seguinte passagem: ‘8. Por outro lado não cabe falar em ausência de justa causa para a ação penal, dada a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas hábeis a justificar a instauração e prosseguimento da persecução criminal. Conforme bem pontuou o TJDFT ao analisar a questão, ‘Na hipótese, constam nos autos elementos comprobatórios da materialidade e de indícios suficientes de autoria, tais como, Portaria de Instauração de Inquérito (fls. 34/37), Teor do Despacho de Indiciamento (fls. 38/56) e Cópia do Procedimento Administrativo nº 140.000.328/2013 (fls. 58/91).’ (…) 11. Vale registrar que em princípio a conduta imputada à paciente amolda-se ao tipo do art. 89 da Lei nº 8.666/93 e maiores questionamentos a este respeito seguramente transbordam os estreitos limites de cognição do ‘writ’ e devem ser remetidos à via própria da instrução criminal. 12. Assim, o prosseguimento da ação penal constitui medida imperativa a fim de que em sede própria, à luz da ampla defesa e contraditório, os fatos sejam aclarados e precisamente delineados os ilícitos apontados na denúncia, viabilizando-se a responsabilização criminal dos acusados caso as provas sinalizem neste sentido.’ (grifei) Ao adotar, como razão de decidir, os fundamentos em que se apoia a manifestação da douta Procuradoria-Geral da República, valho-me, para tanto, da técnica da motivação ‘per relationem’, cuja legitimidade constitucional tem sido amplamente reconhecida por esta Corte (AI 738.982- -AgR/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – AI 813.692-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 28.677-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RE 172.292/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES, v.g.). Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, pronunciando-se a propósito da técnica da motivação por referência ou por remissão, reconheceu-a compatível com o que dispõe o art. 93, inciso IX, da Constituição da República, como resulta de diversos precedentes firmados por esta Suprema Corte (HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RE 37.879/MG, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI – RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI): ‘Reveste-se de plena legitimidade jurídicoconstitucional a utilização, pelo Poder Judiciário, da técnica da motivação ‘per relationem’, que se mostra compatível com o que dispõe o art. 93, IX, da Constituição da República. A remissão feita pelo magistrado – referindo-se, expressamente, aos fundamentos (de fato e/ou de direito) que deram suporte a anterior decisão (ou, então, a pareceres do Ministério Público, ou, ainda, a informações prestadas por órgão apontado como coator) – constitui meio apto a promover a formal incorporação, ao ato decisório, da motivação a que o juiz se reportou como razão de decidir. Precedentes.’ (AI 825.520-AgR-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)’ Cabe salientar, nesse contexto, conforme diretriz jurisprudencial estabelecida por esta Corte, que a simples instauração de “persecutio criminis” não constitui, só por si, situação caracterizadora de injusto constrangimento (RTJ 78/138 – RTJ 181/1039-1040, v.g.), notadamente quando iniciada por denúncia consubstanciadora de descrição fática cujos elementos ajustem-se, ao menos em tese, ao tipo penal: 'EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO PENAL. INDAGAÇÃO PROBATÓRIA EM TORNO DOS ELEMENTOS INSTRUTÓRIOS. SUPOSTA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE DADOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS, FUNDADOS EM BASE EMPÍRICA IDÔNEA. CONTROVÉRSIA QUE, ADEMAIS, IMPLICA EXAME APROFUNDADO DE FATOS E CONFRONTO ANALÍTICO DE MATÉRIA ESSENCIALMENTE PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO ‘HABEAS CORPUS’. PEDIDO INDEFERIDO.’ (HC 122.856/CE, Rel. Min. CELSO DE MELLO)’ 14 Impende assinalar, ainda, que o reconhecimento da ausência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de ‘habeas corpus’, reveste-se de caráter excepcional. É que, para tal revelar-se possível, impõe-se inexistir qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal. Registre-se, neste ponto, que não se revela adequado proceder, em sede de ‘habeas corpus’, a indagações de caráter eminentemente probatório, especialmente quando se busca discutir elementos fáticos subjacentes à causa penal. No caso, o E. Superior Tribunal de Justiça, no acórdão ora impugnado, destacou, precisamente, a ausência da necessária liquidez dos fatos essenciais à corroboração das alegações deduzidas na impetração: ‘Com efeito, nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do ‘habeas corpus’ é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos. (...) O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto probatório dos autos, o que é inviável na via estreita do ‘writ’.” (grifei) Não se pode desconhecer, consideradas as razões expostas pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que a ocorrência de iliquidez em relação aos fatos alegados na impetração basta, por si só, para inviabilizar a utilização adequada da ação de ‘habeas corpus’, remédio processual que não admite dilação probatória, nem permite o exame aprofundado de matéria fática, nem comporta a análise valorativa de elementos de prova produzidos no curso do processo penal de conhecimento (RTJ 110/555 – RTJ 129/1199 – RTJ 136/1221 – RTJ 163/650-651 – RTJ 165/877-878 – RTJ 186/237, v.g.): ‘A ação de ‘habeas corpus’ constitui remédio processual inadequado, quando ajuizada com objetivo (a) de promover a análise da prova penal, (b) de efetuar o reexame do conjunto probatório regularmente produzido, (c) de provocar a reapreciação da matéria de fato e (d) de proceder à revalorização dos elementos instrutórios coligidos no processo penal de conhecimento. Precedentes.’ (RTJ 195/486, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Cumpre acentuar, também, na linha de reiterados pronunciamentos desta Suprema Corte (RT 594/458 – RT 747/597 – RT 749/565 – RT 753/507, v.g.), que, ‘Em sede de ‘habeas corpus’, só é possível trancar ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em situações similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de tais fatos (…)’ (RT 742/533, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei). Essa orientação – não custa enfatizar – tem o prestigioso beneplácito de JULIO FABBRINI MIRABETE ('Código de Processo Penal Interpretado', p. 1.426/1.427, 7ª ed., 2000, Atlas), cuja autorizada lição, no tema, adverte: ‘Também somente se justifica a concessão de ‘habeas corpus’, por falta de justa causa para a ação penal, quando é ela evidente, ou seja, quando a ilegalidade é evidenciada pela simples exposição dos fatos, com o reconhecimento de que há imputação de fato atípico ou da ausência de qualquer elemento indiciário que fundamente a acusação (…). Há constrangimentoilegal quando o fato imputado não constitui, em tese, ilícito penal, ou quando há elementos inequívocos, sem discrepâncias, de que o agente atuou sob uma causa excludente da ilicitude. Não se pode, todavia, pela via estreita do ‘mandamus’, trancar ação penal quando seu reconhecimento exigir um exame aprofundado e valorativo da prova dos autos.’ (grifei) 15 Em suma: tenho para mim que os fundamentos subjacentes ao acórdão ora impugnado ajustam-se aos estritos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria em exame. Sendo assim, em face das razões expostas, e acolhendo, ainda, quanto ao mérito, os fundamentos do parecer da douta Procuradoria-Geral da República, indefiro este pedido de 'habeas corpus'. Arquivem-se os presentes autos” (grifos do autor). Em razão dessa decisão, a impetrante interpõe, tempestivamente, o presente agravo regimental, no qual questiona os fundamentos da decisão agravada, bem como reitera as teses suscitadas na inicial da ação. O feito foi levado a julgamento em sessão virtual da Corte, oportunidade na qual o eminente Ministro Celso de Mello apresentou bem fundamentado voto pelo não provimento do agravo. O voto de Sua Excelência foi sintetizado na seguinte ementa: “HABEAS CORPUS. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA INÉPCIA DA DENÚNCIA E DA AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUTIO CRIMINIS. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS FIXADOS PELO ART. 41 DO CPP. PEÇA ACUSATÓRIA QUE ATENDE, PLENAMENTE, ÀS EXIGÊNCIAS LEGAIS. EXISTÊNCIA, AINDA, DE SITUAÇÃO DE ILIQUIDEZ QUANTO AOS FATOS SUBJACENTES À ACUSAÇÃO PENAL. CONTROVÉRSIA QUE IMPLICA EXAME APROFUNDADO DE FATOS E CONFRONTO ANALÍTICO DE MATÉRIA ESSENCIALMENTE PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA SUMARÍSSIMA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. ADOÇÃO DA TÉCNICA DE MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM. LEGITIMIDADE JURÍDICOCONSTITUCIONAL. DESSA TÉCNICA DE FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.” Pedi vista dos autos para melhor analisar a questão posta. Bem relatados os fatos, passo ao voto. Como acertadamente advertiu o eminente Ministro Celso de Mello ao citar o saudoso Ministro Maurício Corrêa, “‘[e]m sede de ‘habeas corpus’, só é possível trancar ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em situações similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de tais fatos (…)’ (RT 742/533, (...) – grifei)”. Portanto, a Corte tem admitido o trancamento de ação penal pela via do habeas corpus quando é evidente a falta de justa causa para seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja, ainda, pela atipicidade da conduta imputada (v.g. HC nº 138.507/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 4/8/17; HC nº 94.752/RS, Relator o Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe de 17/10/08; HC nº 148.604/SP, de minha relatoria, DJe de 1º/8/18). Pois bem, segundo se infere dos autos o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ofereceu denúncia em face da agravante e outros, imputando-lhes a prática do crime descrito no art. 89, c/c o art. 99, e art. 84, § 2º, todos da Lei nº 8.666/93, porque, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração do Paranoá/DF, emitiu parecer opinativo favorável à legalidade da contratação direta, por inexigibilidade de licitação, da Federação de Jiu-Jitsu de Brasília (FJJB), visando à realização de evento denominado “Paranoá Fight”. A exordial acusatória narra os fatos da seguinte forma: “Em 1º de maio de 2013, o denunciado ANTÔNIO NATALINO DOS SANTOS JÚNIOR, na condição de presidente da FEDERAÇÃO DE JIU- JITSU DE BRASÍLIA - FJJB, apresentou proposta ao denunciado CEZAR CASTRO LOPES, então exercendo o cargo em comissão de Administrador Regional do Paranoá, com o seguinte teor, A Federação de JiuJitsu de Brasília, inscrita no CNPJ: 16.647.402/0001-12. localizada na ONO 05 Conjunto O Lote 14 loja 02 - Setor ‘O’, através da pessoa do Presidente Antônio Natalino dos Santos Júnior. CPF: 858.430.241-7, vem propor ao Administrador do Paranoá. Sr. Cezar Castro Lopes, apoio para o evento de MAMA, denominado Paranoá Fight, que terá em seu card 07 lutas de MAMA, sendo que todos os lutadores são profissionais, o evento terá um publico aproximado de 1000 pessoas, tendo seu inicio às 19:00hs e termino às 00:00hs. Contamos com sua colaboração. Esta proposta perfaz o valor de 50.000.00 (Cinquenta Mil Reais) (PA 140.000.328/2013, fl. 16). Em 21 de maio de 2013, o denunciado SUENILSON SAULNIER DE PIERRELEVÉE SÁ, à época exercendo o cargo em comissão de diretor da Diretoria Social da Administração Regional do Paranoá, elaborou projeto básico, já no objeto, especificando que era Contratação da Federação de Jiu Jitsu de Brasília para realização do "Primeiro Paranoá Fight", com participação 16 de atletas profissionais federados, a ser realizado em 26 de maio de 2013 entre 18h e 0h, com público estimado de 1.000 pessoas, superestimando os custos de contratação que contaria com 14 atletas profissionais dispostos em duplas, quatro árbitros, e cinco mesários, tendo como estimativa de custo o exato valor da proposta anteriormente apresentada pelo denunciado ANTÔNIO NATALINO DOS SANTOS JÚNIOR, R$ 50.000,00. Esse projeto básico foi aprovado na mesma data, 21 de maio de 2013, pelo denunciado CEZAR CASTRO LOPES, então Administrador Regional do Paranoá (PA 140.000.328/2013, fls. 3-15). Com o objetivo de comprovar habilitação para realizar o evento por inexigibilidade de licitação, a FJJB apresentou declaração de 7 de janeiro de 2013, firmada pelo Vice Presidente da Confederação Brasileira de Jiu-Jitsu no sentido que a FJJB seria a única Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida por este Confederação e está autorizada a realizar eventos de Jiu-Jitsu no Distrito Federal. Em 22 de maio de 2013, a FJJB apresentou declarações com o objetivo de justificar a diferença de preços de R$ 30.000.00 para R$ 50.000.00, entre evento realizado em São Sebastião e o de Paranoá. Assim, em 23 de maio de 2013, o denunciado SUENILSO SAULNIER DE PIERRELEVÉE SÁ elaborou documento acolhendo ditas alegações (PA 140.000.328/2013. fls. 52-53). Em 24 de maio de 2013, o denunciado CEZAR CASTRO LOPES determinou que fosse informada disponibilidade orçamentário para realização da contratação e, no dia seguinte e ANA CAROLINA NEVES DOS SANTOS, então no exercício do cargo em comissão de Diretora da Diretoria de Administração Geral da Administração Regional do Paranoá, determinou o encaminhamento dos autos à Gerência de Orçamento. Finanças e Contratos, solicitando informar a existência de saldo orçamentário e financeiro no valor de R$ 50.000.00 (cinquenta mil reais para custear a contratação de empresa especializada para realização de evento Paranoá Fight de MMA no ginásio do Paranoá) (PA 140.000.328/2013 fls. 117 e 118). A informação, da GOFIC dá conta que os recursos apontados como existentes se destinam a Apoio ao Desporto e Lazer para a Juventude do Distrito Federal - Apoio ao Desporto Amador Paranoá (PA 140.000.328/2013. fls. 119-122). Em 24 de maio de 2013. o denunciado CEZAR CASTRO LOPES determinou o encaminhamento dos autos à Assessoria Técnica da Administração Regional do Paranoá, para emissão de parecer (PA 140.000.328/2013. fl. 124). O parecer de mesma data, 24 de maio de 2013, da lavra da então Chefe da Assessoria Técnica da Administração Regional do Paranoá, a denunciada FERNANDA RODRIGUES ZANINI NAZARIO, em razão das ilegalidades flagrantes e das contradições sobre a exclusividade da FJJB, que é federação de jiu-jitsu e não de MMA, haja vista a proposta inserida nos autos, a peça dita opinativa foi favorável à contratação, configurando-se apenascomo instrumento dolosamente elaborado destinado a possibilitar a realização da despesa ilegal (PA 140.000.328/2013. fls. 125-130)” (grifos nossos). Como visto a conduta imputada à agravante foi a de, na qualidade de chefe da Assessoria Técnica da Administração Regional, emitir parecer favorável à inexigibilidade da licitação fora das hipóteses previstas em lei (art. 89 da Lei nº 8.666/93). Esse delito apresenta-se, normativamente, da seguinte maneira: “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.” De acordo com o ordenamento vigente, a denúncia, tal qual a queixa, deve conter a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando for o caso, o rol de testemunhas (CPP, art. 41). Tais exigências se fundamentam na necessidade de se precisarem, com acuidade, os limites da imputação, de modo a viabilizar não só o exercício da ampla defesa, mas também a aplicação da lei penal pelo órgão julgador. A verificação acerca da narração de fato típico, antijurídico e culpável, da inexistência de causa de extinção da punibilidade e da presença das condições exigidas pela lei para o exercício da ação penal (aí incluída a justa causa) revela-se fundamental para o juízo de admissibilidade de deflagração da ação penal, em qualquer hipótese. É sabido que a presença de justa causa para a deflagração de uma ação penal é um dos pilares, da óptica da Lei Maior, de um processo penal verdadeiramente legítimo, havendo a preocupação de se subsumir o comportamento do infrator ao previsto na lei penal, mas sem se descurar da observância dos preceitos contidos no texto magno. À luz dessas premissas e melhor sopesando os termos da denúncia em conjunto com os elementos fático-jurídicos demonstrados, estou convencido da ausência do elemento subjetivo do tipo, essencial à configuração do delito imputado à agravante, com a devida venia do eminente Relator. Em meu sentir, o Parquet não logrou demonstrar suficientemente, na denúncia, a vontade conscientemente dirigida, por parte da agravante, de superar a necessidade de realização da licitação, sendo certo, ademais, que a exordial acusatória apresenta certa contradição com essa afirmação, quando traz em seu bojo a assertiva de que 17 “a FJJB apresentou declaração de 7 de janeiro de 2013, firmada pelo Vice-Presidente da Confederação Brasileira de JiuJitsu no sentido que a FJJB seria a única Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida por este Confederação e está autorizada a realizar eventos de Jiu-Jitsu no Distrito Federal” (grifos nossos). Ora, se a documentação acostada ao processo administrativo, cuja veracidade não foi questionada, sinalizava que a FJJB seria a única Federação de Jiu-Jitsu de Brasília devidamente cadastrada e reconhecida pela Confederação Brasileira do esporte para a realização do evento na capital (anexo 5 - fls. 73 a 75), não haveria, naquele momento , conclusão diversa de que o caso era mesmo de inexigibilidade de licitação, por inviabilidade de competição, mormente se levada em conta a total ausência de notícia, no bojo do processo, sobre a existência de outra entidade (Federação de Jiu-Jitsu Esportivo do Distrito Federal-FBJJ). E foi nesse sentido o parecer assinado pela agravante. Vide, na parte que interessa, excertos do documento em questão: “(...) a contratação da Federação ‘Brasiliense de Jiu-Jitsu’, enquadra-se nas hipóteses de inexigibilidade de licitação pública, ou seja, hipótese em que não se poderia exigir a licitação pública, uma vez que, mesmo que esta Administração quisesse realizá-la, tal tentativa estaria fadada ao insucesso, pois a referida Federação é a única representante dos profissionais a serem contratados (fls. 18), havendo portanto, inviabilidade de competição. (…) Ao compulsar os autos, verifica-se que a descrição do objeto é clara e objetiva; o Projeto Básico foi devidamente aprovado; a ‘Federação Brasiliense de Jiu-Jitsu’ apresentou a documentação devida, sendo a única representante da modalidade em Brasília, e há informação da existência de recurso orçamentário para custear a despesa. (…) Diante do exposto, atendidas as recomendações acima citadas, SMJ não há óbice para que esta Administração Regional do Paranoá proceda à contratação objeto desse processo por meio de inexigibilidade de licitação” (anexo 6 – fls. 6-7). A doutrina, majoritariamente, aponta que as hipóteses elencadas no art. 25 da Lei nº 8.666/93 já caracterizam exemplos da inviabilidade de competição. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, “[c]umpre salientar que a relação dos casos de inexigibilidade não é exaustiva. Com efeito, o art. 25 refere que a licitação é inexigível quando inviável a competição. E apenas destaca algumas hipóteses. Por isto disse, em seguida: ’em especial (...)’. Em suma: o que os incisos I a III do art. 25 estabelecem é, simplesmente, uma prévia e já resoluta indicação de hipóteses nas quais ficam antecipadas situações características de inviabilidade, nos termos ali enumerados, sem exclusão de casos não catalogados, mas igualmente possíveis. Outras hipóteses de exclusão do certame licitatório existirão, ainda que não arroladas nos incisos I a III, quando se proponham situações nas quais estejam ausentes os pressupostos jurídicos ou fáticos condicionadores dos certames licitatórios. Vale dizer: naquelas hipóteses em que ou (a) o uso da licitação significaria simplesmente inviabilizar o cumprimento de um interesse jurídico prestigiado no sistema normativo e ao qual a Administração deva dar provimento ou (b) os prestadores do serviço almejado simplesmente não se engajariam na disputa dele em certame licitatório, inexistindo, pois, quem, com as aptidões necessárias, se dispusesse a disputar o objeto de certame que se armasse a tal propósito” (Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 561 - grifos nossos). Para Hely Lopes Meirelles, “[o]corre a inexigibilidade de licitação quando há impossibilidade jurídica de competição entre os contratantes, quer pela natureza específica do negócio, quer pelos objetivos sociais visados pela Administração” (Direito Administrativo brasileiro. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 301 – grifos nossos). Hely Lopes aduz, ainda, que, nos casos descritos no art. 25 da lei de regência, em que o contratado é o único que reúne as condições necessárias à plena satisfação do objeto do contrato (incisos II e III), a licitação “é inexigível em razão da impossibilidade jurídica de se instaurar competição entre os eventuais interessados, pois não se pode pretender melhor proposta quando apenas um é proprietário do bem desejado pelo Poder Público ou reconhecidamente capaz de atender às 18 exigências da Administração no que concerne à realização do objeto do contrato. Falta o pressuposto da licitação, que é a competição” (op. cit., p. 301 - grifos nossos). No mesmo sentido, Marçal Justen Filho: “Em primeiro lugar, os incisos do art. 25 desempenham função exemplificativa. Tratando- se de instituto complexo como se passa com a inexigibilidade, o conceito de inviabilidade de competição pode ser muito mais facilmente reconhecido mediante a análise dos exemplos contidos no elenco legal. Se não existissem os três incisos do art. 25, muitos seriam tentados a restringir a inexigibilidade apenas aos casos de ausência de pluralidade de alternativas de contratação. Mas a existência do dispositivo do inc. III evidencia que o conceito de inviabilidade de competição tem de ser interpretado amplamente, inclusive para abranger os casos de impossibilidade de julgamento objetivo. Em outras palavras,
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