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PARASITOLOGIA Sílvia Regina Costa Dias Ciclos biológicos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Demonstrar os diferentes ciclos biológicos parasitários. Identificar o tipo de hospedeiro em cada ciclo biológico. Apontar o modo de transmissão envolvido em cada ciclo biológico estudado. Introdução A essência do parasitismo está na natureza da relação parasita-hospedeiro. Assim, a ecologia do hospedeiro pode ser considerada simultaneamente no ciclo de vida de um parasito, uma vez que o hospedeiro é o hábitat do parasito e, por isso, variantes bióticas e abióticas influenciam a ecologia dos hospedeiros, afetando também o parasito. Complexo, não é? Isso é particularmente relevante para os ciclos biológicos complexos que os parasitos seguem em suas vidas (em busca de temperatura, umi- dade e alimento propício para viver, reproduzir e perpetuar a espécie), muitas vezes marcados por diferentes formas evolutivas e estágio repro- dutivo, implicando, também, a passagem por mais de um hospedeiro (REY, 2008; NEVES, 2016). Neste capítulo, você vai aprender sobre os diferentes ciclos biológicos parasitários, conhecendo os variados tipos de hospedeiro de acordo com o ciclo, assim como os modos de transmissão envolvidos. Ciclos biológicos: conceitos básicos Denomina-se ciclo biológico de um ser vivo as diversas fases e etapas que um ser vivo (inclusive parasitos) passa durante sua vida (Figura 1). Cada espécie desenvolveu, ao longo do processo evolutivo, recursos próprios que garantis- sem seu sucesso reprodutivo e de dispersão. Assim, nas relações parasitárias, em alguns ciclos, observa-se que há passagem do parasito de um hospedeiro para outro(s), passando, em alguns casos, por duas ou mais fases evolutivas (PARKER; BALL; CHUBB, 2015). Fase evolutiva (ou biológica) é aquela fase pelas quais os parasitos passam durante seu ciclo biológico. Habitualmente, em parasitos, destacam-se como fases evolutivas: ovo/cisto, larva, pupa e adulto (Figura 1) (PARKER; BALL; CHUBB, 2015; BLASCO-COSTA; POULIN, 2017). Durante uma mesma fase evolutiva do parasito, podem ser observadas modificações morfológicas e/ou fisiológicas. Essas modificações são denominadas mudas. A evolução das larvas de nematoides é um exemplo importantes desses eventos. Neste caso, o intervalo entre essas mudas é denominado estádio. Assim, distinguem-se: larvas de 1º estádio, larvas de 2º estádio, larvas de 3º estádio, larvas de 4º estádio e larva de 5º estádio — uma fase evolutiva com 5 estádios de desenvolvimento. Figura 1. Exemplo do ciclo biológico da mosca doméstica — adulto, ovo, larva, pupa. Observe que as larvas são diferenciadas em 1º, 2º e 3º estádios. Fonte: Adaptada de BlueRingMedia/Shutterstock.com. Mosca adulta Ovos Pupa Larva de 1º estádio Larva de 2º estádio Larva de 3º estádio Ciclos biológicos2 Hospedeiro versus ciclos biológicos Os organismos nos quais os parasitos se desenvolvem são denominados hos- pedeiros. Aquele hospedeiro que alberga o parasito na sua forma adulta e/ou reprodutiva é denominado hospedeiro defi nitivo (REY, 2008; NEVES, 2016). Aqueles organismos nos quais o parasito desenvolve suas formas jovens/as- sexuadas são denominados vetores biológicos ou hospedeiros intermediários (REY, 2008; NEVES, 2016). A Figura 2 mostra esta relação entre hospedeiros e o desenvolvimento do parasito. Figura 2. Relação entre o hospedeiro e a fase de desenvolvimento dos parasitos. Vários estudos, dentre os quais se destaca o de Parker, Ball e Chubb (2015), mostram as características dos parasitos que podem apresentar ciclos vitais variados, de acordo com os requisitos de cada fase do ciclo, da forma que segue. Ciclo direto (ou monoxênico): o desenvolvimento do parasito ocorre em apenas um hospedeiro, o definitivo. O parasito passa toda a vida em parasitismo, mas desenvolve formas de resistência que são encontra- das no ambiente — os ovos dos helmintos e os cistos de protozoários (REY, 2008; FERREIRA, 2012; NEVES, 2016). Ali, pode ocorrer o embrionamento os ovos e o desenvolvimento da(s) larva(s). As formas de resistência suportam fatores adversos do ambiente por longos períodos de tempo. Exemplo: ciclo biológico do Ascaris lumbricoides (Figura 3a). 3Ciclos biológicos Ciclo indireto (ou heteroxênico): é um ciclo mais complexo, no qual o desenvolvimento do parasito exige a participação de um (ou mais) hospedeiro(s) intermediário(s); nele(s), desenvolvem-se as formas evolu- tivas e/ou infectantes para o hospedeiro definitivo. Neste tipo de ciclo, o parasito pode desenvolver etapas de vida livre. Há ainda aqueles ciclos heteroxenos em que não há fase de vida livre nem formas de resistên- cia no ambiente — nestes casos, a transmissão é feita por artrópodes (MATTHEWS, 2011; SOKOLOW et al., 2016; BLASCO-COSTA; POULIN, 2017). Exemplo: a forma infectante da Fasciola hepatica se desenvolve no corpo do caramujo Lymnea sp. (Figura 3b). Figura 3. Ciclos biológicos de parasitos. (a) Ciclo monoxênico de Ascaris lumbricoides — o homem é o único hospedeiro do parasito (hospedeiro definitivo). (b) Ciclo heteroxênico de Fasciola hepatica — o caramujo é o hospedeiro intermediário (em que se desenvolvem as formas infectantes do parasito), e o hospedeiro definitivo pode ser bovino, ovino ou o homem. Fonte: Adaptada de Aldona Griskeviciene; Viktoriia_P/Shutterstock.com. Parasitos estenoxenos e eurixenos Há parasitos que só se desenvolvem em uma única espécie de hospedeiro, enquanto outros admitem variedade de hospedeiros. No primeiro caso, diz-se que o parasito é estenoxeno; no segundo caso, o parasito é denominado eurixeno (REY, 2008; NEVES, 2016). Essa peculiaridade não interfere na defi nição Ciclos biológicos4 do ciclo biológico em direto ou indireto. Por exemplo, a Taenia saginata é um parasito do organismo humano (estenoxeno) que se desenvolve num ciclo indireto, em que o boi é o hospedeiro intermediário. Durante o ciclo biológico de um parasito, pode-se encontrar hospedeiros denominados vetores, organismos capazes de transmitir o parasito entre dois hospedeiros. Os vetores biológicos são aqueles nos quais o parasito se reproduz ou se desenvolve (por exemplo, moluscos e artrópodes). Há ainda os vetores mecânicos, quando o parasito não se reproduz e nem se desenvolve no vetor, que apenas o transporta. Objetos inanimados também podem veicular parasitos e, nesses casos, são denominados fômites. Vias de transmissão Os parasitos desenvolvem-se e distribuem-se em regiões que ofereçam condi- ções para sua sobrevivência e propagação. O modo de transmissão é, portanto, a forma pela qual o agente infeccioso atinge o hospedeiro (REY, 2008; MAT- THEWS, 2011; FERREIRA, 2012; NEVES, 2016). Os principais mecanismos são os seguintes: Transmissão vertical: trata-se da transmissão direta de um patógeno entre mãe e filho(a), ainda durante o período gestacional, trabalho de parto e/ou parto e da amamentação; refere-se à denominada transmissão congênita. Transmissão horizontal: trata-se da transmissão direta ou indireta de um patógeno entre indivíduos. ■ Transmissão direta: é a transferência direta do agente infeccioso por uma porta de entrada para que se possa causar a infecção. Também é denominada transmissão de pessoa a pessoa e pode acontecer por meio do contato direto, como por porque ou relações sexuais. Entre os parasitos, podemos exemplificar a transmissão da tricomoníase, em que o trofozoíto é transmitido durante a relação sexual. ■ Transmissão indireta: pode acontecer de várias maneiras. Entre as parasitoses humanas, destacam-se as transmissões que ocorrem das formas a seguir. 5Ciclos biológicos – Mediante veículos mecânicos de transmissão: por meio de objetos ou materiais contaminados, tais como água, alimentos, leite, produtos biológicos, incluindo soro e plasma. O agente pode ou não ter se multiplicado ou desenvolvido no veículo antes de ser transmitido. – Por meio de um vetor(biológico): por intermédio de um portador vivo (inseto, ácaro, molusco), que transporta um agente infeccioso até um indivíduo suscetível, sua comida ou seu ambiente imediato. O agente pode ou não se desenvolver, propagar ou multiplicar dentro do vetor. O agente infeccioso pode transmitir em forma vertical (transmissão transovariana) às gerações sucessivas do vetor, bem como aos es- tágios sucessivos do ciclo biológico do vetor. A transmissão pode ocorrer por meio da saliva durante a picada (como na malária), por regurgitação (como na leishmaniose) ou ao depositar sobre a pele, com a defecação do artrópode vetor (como na doença de Chagas), os agentes infecciosos, que podem entrar pela ferida da picada ou ao coçar-se (MATTHEWS, 2011). – Por meio do ar/pó: é a disseminação de ovos/cistos leves, de dimensões variáveis, que se precipitam no solo, o que pode dar origem a uma transmissão direta ao serem ressuspendidos pelo vento ou por agitação mecânica (ao sacudir vestidos e roupas de cama, por exemplo). O Guia de Bolso de Doenças Infecciosas e Parasitárias é reconhecido pelos profis- sionais da saúde como um manual prático e de grande utilidade para aqueles que desempenham as suas funções nos serviços de saúde pública no Brasil. Para saber mais, acesse o link a seguir. https://qrgo.page.link/MTK8V Água: um importante veículo de transmissão de parasitoses A compreensão dos mecanismos envolvidos e capazes de agravar os riscos de infecção é de suma importância para a melhoria das condições de saúde de uma população. Nesse sentido, a água, um dos principais elementos presentes em Ciclos biológicos6 nosso cotidiano, é de extrema importância, uma vez que a sua contaminação pode levar a prejuízos na qualidade de vida da população e na economia do país (STRUNZ et al., 2014; NEVES, 2016). Considerando as parasitoses humanas, Rey (2008) destaca que: a água impede a dessecação e a morte dos parasitos nos momentos de passagem de um hospedeiro para outro, devendo suportar condições ambientais adversas; a água veicula as formas infectantes de várias espécies de parasitos, a exemplo de amebíase, esquistossomose, ascaridíase e outras; hospedeiros intermediários e vetores de doenças parasitárias têm a água como hábitat (moluscos vetores da esquistossomose, por exemplo) e/ou utilizam a água como criadouros (formas evolutivas de moscas vetores das filarioses, por exemplo). Nesse sentido, a melhoria das condições no acesso à água e ao sane- amento tem papel fundamental na redução de uma grande variedade de doenças, inclusive as parasitárias. De acordo com o Instituto Trata Brasil, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os indicadores de morbidade e mortalidade por enfermidades diarreicas, entre outras doenças, estão entre os que apresentam mais forte correlação com os indicadores de saneamento (STRUNZ et al., 2014; NEVES, 2016). Um estudo publicado em 2019 pela OMS e pelo UNICEF mostrou que, a cada 3 pessoas, 1 não tem acesso a água potável, o que equivale a cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo. A OMS também aponta que 4,2 bilhões de pessoas não apresentam acesso a esgotamento sanitário. O estudo afirma que, todos os anos, 297 mil crianças menores de cinco anos de idade acabam morrendo por desidratação devido a diarreia associada a falta de água e saneamento básico adequados. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS — ano base 2017), o Brasil tem 35 milhões de brasileiros sem acesso a água por rede de abastecimento, cerca de 100 milhões não possuem coleta de esgoto e apenas 45% dos esgotos são tratados. Mais informações podem ser obtidas no site do Instituto Trata Brasil, no link a seguir. https://qrgo.page.link/A3RDc 7Ciclos biológicos Rede de casualidade das doenças — a tríade epidemiológica Os agentes infecciosos são necessários, mas nem sempre sufi cientes, para causar a doença. Os fatores do hospedeiro são os que determinam a exposição de um indivíduo, sua suscetibilidade e capacidade de resposta, assim como características de idade, grupo étnico, constituição genética, gênero, situação socioeconômica e estilo de vida. Por último, os fatores ambientais englobam o ambiente social, físico e biológico (ROCHE; GUEGUAN, 2011; NEVES, 2016). Assim, a tríade epidemiológica (Figura 4) é um modelo tradicional de causalidade das doenças transmissíveis no qual a doença é o resultado da interação entre o agente, o hospedeiro suscetível e o ambiente, que em doenças transmitidas por vetores, representam o elo de transmissão (REY, 2008; OPAS, 2010; ROCHE; GUEGUAN, 2011; NEVES, 2016). Utiliza-se o esquema tradicional denominado cadeia epidemiológica, tam- bém conhecido como cadeia de infecção, para entender as relações entre os diferentes elementos que levam ao aparecimento de uma doença transmissível. Essa cadeia organiza os elos que identificam os pontos principais da sequência de interação entre o agente, o hospedeiro e o meio (e o vetor, se for o caso) (OPAS, 2010; ROCHE; GUEGUAN, 2011; NEVES, 2016). Figura 4. Tríade epidemiológica. Fonte: Adaptada de Organização Pan-Americana da Saúde (2010). Ciclos biológicos8 O link a seguir apresenta uma discussão atual sobre o papel dos reservatórios na transmissão da doença de Chagas, uma importante doença parasitária humana causada pelo Trypanosoma cruzi. https://qrgo.page.link/5xXkf O ciclo de vida do Plasmodium sp. (Figura 5), agente etiológico da malária, é heteroxeno (indireto), do tipo estenoxeno, e o mosquito do gênero Anopheles sp. é o vetor e o hospedeiro intermediário, uma vez que o protozoário desenvolve-se dentro dele. A transmissão ocorre por meio da picada do inseto. Uma das principais formas de controle da doença é a eliminação do principal elo no ciclo de transmissão da doença: o mosquito. Mosquitos infectados picam um hospedeiro suscetível Ciclo hepático Ciclo eritrocítico Mosquitos picam o hospedeiro infectado, tornando-se infectado e potencial transmissor Figura 5. Ciclo de vida do Plasmodium sp. Fonte: Adaptada de VectorMine/Shutterstock.com. BLASCO-COSTA, I.; POULIN, R. Parasite life-cycle studies: a plea to resurrect an old parasitological tradition. Journal Helminthology, v. 91, n. 6, p. 647-656, fev. 2017. Dis- ponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/journal-of-helminthology/ article/parasite-lifecycle-studies-a-plea-to-resurrect-an-old-parasitological-tradition/ D6F5324D8455AC9121FFECACEE78B951#. Acesso em: 22 set. 2019. 9Ciclos biológicos FERREIRA, M. U. Parasitologia contemporânea. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2012. MATTHEWS, K. R. Controlling and Coordinating Development in Vector-Transmitted Parasites. Science, New York, v. 331 n. 6021, p. 1149-1153, Mar. 2011. Disponível em: https:// science.sciencemag.org/content/331/6021/1149. Acesso em: 22 set. 2019. NEVES, D. P. Parasitologia humana. 13. ed. São Paulo: Atheneu, 2016. ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Módulos de princípios de epidemio- logia para o controle de enfermidades: módulo 2: saúde e doença na população. 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