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W. R. BION Experiências com grupos Os Fundamentos da Psicoterapia de Grupo Segunda Edição Coleção Psicologia Psicna1ítica Direção de JAYME SALOMÃO Membro-Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro. Membro da Sociedade de Psicoterapia Analítica de Grupo ao Rio de Janeiro. Tradução e Prefácio WALDEREDO ISMAEL DE OLIVEIRA Presidente da Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo. Analista-Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. IMAGO EDITORA LTDA. EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INTRODUÇÃO Os artigos aqui impressos despertaram mais interesse do que eu esperava; em conseqüência disso, houve pedidos de reimpressão que foram impossíveis de atender com o estoque disponível. A solução, como agora compreendo, teria sido republicá-los de saída, mas relutava em fazê-lo sem efetuar alterações que incorporassem experiências posteriores. Contudo, reescrever algo raramente é bem sucedido e ‘muito se pode perder pela exclusão de teorias experimentais que mostram como as idéias se desenvolveram. Dessa maneira, os artigos são reinpressos sem alteração. Ver-se-á que dois deles não pertencem à série que originalmente apareceu em Human Relations; o primeiro é reimpresso porque lança luz sobre as origens de minha convicção de que essa abordagem merecia uma nova prova e o segundo porque sintetiza conclusões que eu gostaria de haver tirado depois e que outros poderiam desejar desenvolver. Tenho também uma razão puramente pessoal para querer agradecer a colaboração com John Rickman e a inspiração que sua generosidade e entusiasmo sempre geraram., Lameiio não haver discutido a soberania e o poder. Em grupos pequenos como os aqui utilizados, o poder e a soberania não chegam a atingir a maturidade. A forma amadurecida é extrínseca e incide sobre o grupo apenas sob a forma de invasão por outro grupo. Discutirei esses assuntos num volume futuro, se tiver tempo, e então tratarei das fontes extra-econômicas do valor do dinheiro, que não apenas são importantes em si próprias, mas também contribuem significativamente, atra vês de sua influência sobre a economia, para a dinâmica da soberania e do poder. Em minha prática como psicanalista, fico impressionado pelo fato de a abordagem psicanalítica, feita através do individuo, e a abordagem que estes trabalhos descrevem, efetuada através do grupo, tratarem de diferentes facetas do mesmo fenômeno. Os dois métodos fornecem ao profissional uma visão binocular rudimentar. As observações tendem a se enquadrar em duas categorias, cuja afinidade é demonstrada por fenômenos que, quando examinados por um dos métodos, centralizam- se na situação edipiana, relacionada com o grupo de acasalamento (pairing group) e, quando examinados pelo outro, centram-se na esfinge, relacionada com os problemas de conhecimento e método científico. Minha obra atual, que espero publicar, convence- me da importância central das teorias kleinianas da identificação projetiva e da ação recíproca existente entre as posições esquizo-paranóide e depressiva. Sem a ajuda destes dois conjuntos de teorias, tenho dúvidas sobre a possibilidade de qualquer progresso no estudo dos fenômenos de grupo. O papel desempenhado pelos mecanismos com que estas teorias se relacionam é sugerido no último capítulo, para o qual recomendo a atenção do leÍtor. W. R. Bion PREFÁCIO A EDIÇÃO BRASILEIRA Não sendo esta a primeira obra de W. R. Bion a ser publicada no Brasil, dispensa qualquer apiesentação, levando-se em conta a hierarquia do Autor, como clínico, pesquisador e pensador, no campo da psicanáUse. Este livro, no entanto, fez com que o nome de Bion se projetasse mais além dos domínios da psicanálise, pois os ensaios aqui reunidos constituem matéria de estudo e de consulta para todos os que se preocupam com a psicologia dos grupos e o comportamento do homem como ser social. É minha convicção que todo estudioso das disciplinas que hoje se voltam para a investigação da natureza humana — psicanálise, psiquiatria, psicologia social, sociologia ou antropologia — ao concluir a leitura desta obra sentir-se-á enriquecido em seus conhecimentos, fortemente estimulado pela originalidade dos conceitos do Autor, bem como impressionado por seu extraordinário acervo cultural. Devo limitar-me a considerações breves acerca do valor destes estudos de Bion sobre os grupos, reportando- me a dois aspectos que aqui me parecem mais relevantes: a posição que ocupam no conjunto das importantes constribuições que Bion vem trazendo para as teorias da psicanálise, e a aplicação de suas idéias originais sobre a dinâmica dos grupos para o desenvolvimento de uma técnica de análise-de-grupo. No que diz respeito à posição que ocupam esses ensaios sobre grupos, no conjunto da obra de Bion, penso condensar uma apreciação válida, afirmando: as experiências com os grupos e a elaboração posterior de conceitos teóricos delas derivados parecem constituir o pon to de partida de uma fonte de conhecimentos que forneceu ao Autor vários elementos para o exercício de uma atividade criadora, que o situa como o psicanalista mais discutido da atualidade. Um estudo judicioso dêste livro permite-nos encontrar, em estado nascente, conceitos que hoje já nos são familiares e que utilizamos em nossa prática psicanalítica, e encerram o que há de mais Importante e original entre as contribuições de Bion: os conceitos sobre a gênese dos pensamentos e o “aparelho para pensar os pensamentos”, a “teoria das funções”, a ampliação da teoria kleiniana da identificação projetiva em termos de “continente-conteúdo”, o conceito da “perspectiva reversível” e vários outros. Todos esses conceitos são ainda discutíveis, e só o tempo dirá o que permanecerá definitivamente incorporado ao acervo científico da psicanálise. Não me cabe fazer um estudo crítico deste livro. Cada leitor avaliará o peso das contribuições e idéias verdadeiramente novas que Bion nos apresenta, a partir de suas experiências com os “pequenos grupos terapêuticos”. Conceitos sobre dinâmica dos grupos — tais como “grupo-de- trabalho”, “suposições básicas”, “valência”, “cultura do grupo” etc. — abriram caminho para uma compreensão nova e científica da “microssociedade” que são os pequenos grupos. Essas idéias devem ser apreendidas e meditadas durante a leitura, e, depois, utilizadas no campo particular a que cada um se dedica. O que me parece importante é considerar esta interpretação dinâmica do grupo como um “todo”, para a psicanálise e suas aplicações. Estes ensaios sobre os grupos foram elaborados a partir das experiências do Autor nos períodos de guerra e após-guerra, e, conseqüentemente, representam uma contribuição para o estudo do homem e seus grupos num momento de grave crise e de grandes transforma.ções (tecnológicas, sócio- econômicas e políticas). A psicanálise, como ciência do homem, experimenta o impacto da vida moderna, e não ignora as transformações que sofrem as outras ciências, seja reformulando suas teorias, seja buscando novos métodos. As solicitações que o mundo moderno faz à psicanálise, no sentido de recorrer aos seus conhecimentos para a solução de problemas urgentes e vitais, fazem com que muitos analistas inclinem-se para o estudo e utilização de técnicas que possibilitem o atendimento de grupos maiores de indivíduos, sem abrir mão, no entanto, dos elementos fundamentais da teoria psicanalítica. Parece claro não existir a possibilidade de substituir-se a técnica de tratamento individual — desde que se pretenda fazê-lo à base da investigação do inconsciente — pois as tentativas até agora ensaiadas levaram a processos que se afastam do que entendemos por psicanálise. s psicanalistas que, em diferentes países, vêm trabalhando com grupos, no entanto, inclinam-se mais e maisno sentido de desenvolver uma técnica grupal paralela, que atenderia a duas exigências: as demandas de terapia por parte da comunidade, e a preservação dos pontos de vista científicos da psicanálise. A procura de uma técnica de análise-de-grupo constitui o desenvolvimento natural de uma linha de pensamento dentro da psicanálise, sendo este um desenvolvimento histórico. Se acompanharmos a evolução do pensamento científico de Freud, verificaremos que o homem preocupou seu espírito como um ser social. Sua formação médica e os estudos primeiros de neuropatologia nunca se sobrepuseram à sua curiosidade e à sua irresistível inclinação para o estudo das origens da sociedade humana, dos ritos e das religiões, da atividade artística e criadora, e, finalmente, do comportamento agressivo e autodestrutivo da civilização moderna. As teorias que elaborou a partir da convencional relação médico-paciente e do estudo da neurose no indivíduo — teoria da libido, teoria estrutural, teoria edípica, teoria do superego — reportam-se, sempre, ao indivíduo relacionado com objetos, construindo, assim, uma psicologia multipessoal. O que não se pode deixar de especular são as conseqüências que resultariam no campo terapêLticO — caso Freud não sofres limitação que é contingência da vida individual, ou fosse ele um coevo de nossa sociedade de abundância e autodestrui 1 ção. Parece que Bion pensa assim, ou, pelo menos, assim podemos interpretá-lo, quando afirma, neste livro, que “Freud falhou, em certo sentido, em compreender, na sua discussão dos grupos, a natureza da revolução que provocou, quando tentou uma explanação dos sintomas neuróticos, não no indivíduo, porém nas relações do indivíduo com seus objetos”. Não é difícil inferir aplicações terapêuticas para os grupos, quando meditamos sobre idéias expressadas por Freud em diversas partes de sua obra. Em Group Psychology and the Analysis of the Ego (1921), por exemplo, Freud afirmou claramente que a psicologia individual e a de grupo não podem ser absolutamente diferenciadas, pois a psicologia do indivíduo permanece em função das relações do indivíduo com outras pessoas. Conceitos assim esboçados e esparsamente encontrados na obra de Freud, quando se referiam a outros aspectos da teoria, serviram como ponto de partida para os “desenvolvimentos” da psicanálise. Assim sucedeu com o “complexo de Édipo”, “teoria do superego”, “ansiedade” etc. Não se pode aduzir razões científicas “para que outros “desenvolvimentos” não sejam tentados, desde que se investigue, a partir de conceitos analíticos básicos, e que se os amplie à medida que as observações o permitam. Para o estabelecimento de uma técnica de “análise-de-grupo”, o que se modifica é o setting, conservando-se os elementos que são fundamentais na relação bipessoal: interpretação da fantasia inconsciente, teoria da identificação projetiva, análise da transferência. O settíng multipessoal se constitui, no entanto, como a réplica da realidade interna, visto que os desenvolvimentos da psicanálise, surgidos com os trabalhos de Melanie Klein, vieram, na verdade, demonstrar que o mundo interno do indivíduo se constitui como uma comunidade ou “grupo” de objetos. Estes elementos da psicanálise, juntamente com os conceitos de Bion acerca da dinâmica dos grupos, fornecem as bases para o trabalho analítico com os grupos de pacientes. Para concluir, penso esclarecer uma questão importante, que, provavelmente, aparecerá ao leitor após a leitura deste livro. Bion não chama o trabalho que fez com os grupos de “psicanálise”. Mais ainda: empolgado pelos estudos que o levaram a especulações científicas sobre as teorias básicas da psicanálise, não retomou em sua prática clínica o trabalho terapêutico com os grupos. Darei agora duas razões que me fazem supor que a alteração na sua linha de interesses e de pésquisa não implica abandonar suas experiências com grupos, ponto de partida para sua extraordinária aventura científica. A primeira está contida no próprio livro, quando indica para outros analistas a importância da investigação e trabalho com os grupos: “Penso que ainda não chegou o momento de dar uma opinião definitiva, e creio que há lugar para analistas completamente qualificados empreenderem pesquisas acêrca de seu valor, possivelmente com grupos compostos de indivíduos que estão tendo ou tiveram psicanálise”. A segunda razão consiste em um informe de. natureza pessoal. Como membro da Asoclación Psicoanalítica Argentiia, tive o privilégio de ser incluído no grupo de analistas que participaram dos trabalhos (conferências, seminários, supervisões) que Bion realizou em Buenos Alres, em agosto de 1968. Num encontro não científico — quando em sua companhia, e na de Edgard Roila e Arnaldo Rascovsky, viajei para a casa de Leon Grinberg, em Escobar — tivemos a oportunidade de conversar sobre o trabalho com grupos, sobre sua opinião acerca da técnica grupal e sobre as perspectivas para o futuro. Mostrou-se interessado e realmente curioso quanto ao desenvolvimento dessas tentativas, referindo-se, naturalmente, ao trabalho de analistas com formação completa, conhecimentos das teorias da psicanálise e com longa experiência em análise individual. Walderedo Ismael de Oliveira Rio de Janeiro, 1970 a APRESENTAÇÃO r SUMÁRIO Introdução XI Prefácio à Edição Brasileira XIII Apresentação Tensões Intragrupais na Terapêutica 3 Experiências com Grupos 21 Revisão Grupos Dinâmicos 129 Indice Analítico e Remissivo 179 Tensões Intragrupais na Terapêutica Seu estudo como tarefa do grupo A expressão ‘terapêutica de grupo’ pode ter dois significados. Ela pode referir-se ao tratamento de um certo número de indivíduos reunidos para sessões terapêuticas especiais, ou pode relacionar-se a um esforço planejado para desenvolver num grupo s forças que conduzem a uma atividade cooperativa de funcionamento livre. A terapêutica de indivíduos reunidos em grupos é geralmente da natureza de uma explicação do problema neurótico, com reasseguramento da confiança e, às vezes, gira principalmente em torno da catarse da confissão pública. A terapêutica de grupos tem possibilidade de versar sobre a aquisição de conhecimentos e experiências dos fatores que contribuem para um bom espírito de grupo. UM ESQUEMA DE REABILITAÇÃO (W. R. B.) No tratamento do indivíduo, a peurose é apresentada como um problema do indivíduo. No tratamento de um grupo, ela tem de ser apresentada como um problema do grupo. Foi este o objetivo que estabeleci a mim mesmo quando fui encarregado da ala de reabilitação de um hospital psiquiátrico militar. Minha pri1 Escrito em colaboração com John Rickman, M.D. 3 meira missão, assim, foi descobrir o que a busca desse objetivo significaria em função de horário e organização. Não pude trabalhar nessa tarefa numa atmosfera de calma claustral. Mal me sentava à escrivaninha, com meus papéis, e já era assediado por urgentes problemas apresentados por pacientes importunos e outras pessoas. Poderia ir ver os praças graduados encarregados da ala de reabilitação e explicar-lhes quais eram os seus deveres? Poderia receber o soldado A, que tinha urgente necessidade de uma licença de 48 horas para ir encontrar um velho amigo que acabara de regressar do Oriente Médio? O soldado B, por outro lado, pedia conselhos, porque um infeliz atraso ferroviário deixara-o exposto à má interpretação de haver ultrapassado o prazo de sua licença, e assim por diante. Pouco mais de uma hora desta espécie de coisas convenceu-me que era de disciplina que se precisava. Exasperado pelo que considerava um adiamento de meu trabalho, voltei-me para a consideração deste problema. DISCIPLINA PARA O NEURÓTICO Sob um só teto achavam-se reunidos 300 a 400 homens que, em suas unidades, já tinham tido o benefício do valor terapêutico que reside na disciplina militar, na boa alimentação e na assistência regular; evidentemente, isto não fora suficientepara impedí-los de encontrar o caminho de um hospital psiquiátrico. Num hospital psiquiátrico, tais tipos fornecem a população total e, na ocasião em que chegam à ala de reabilitação, não se acham mais sujeitos nem mesmo à ligeira coerção que é proporcionada pelo confinamento ao leito. Fiquei convencido de que o que se exigia era o tipo de disciplina conseguido num teatro de guerra por um oficial experimentado no comando de um batalhão bastante velhaco. Mas que tipo de disciplina era esse? Frente à urgente necessidade de ação, procurei e encontrei uma hipótese de trabalho. Era ela a seguinte: a disciplina exigida depende de dois fatores principais: (1) a Abilio Realce Abilio Realce Abilio Realce presença do inimigo, que fornece um perigo comum e um objetivo comum; (II) a presença de um oficial que, sendo experimentado, conhece algumas de suas próprias deficiências, respeita a integridade de seus homens e não tem medo de sua boa vontade nem de sua Iostilidade. Um oficial que aspire a ser psiquiatra encarregado de uma ala de reabilitação tem de saber o que é estar numa posição de responsabilidade, numa ocasião em que a responsabilidade significa ter de enfrentar questões de vida e morte. Tem de saber o que é exercer autoridade em circunstâncias que tornam seus companheiros incapazes de aceitar sua autoridade, exceto na medida em que ele parece ser capaz de sustentá-la. Tem de saber o que é viver em estreita relação emocional com seus semelhantes. Em resumo, tem de conhecer a espécie de vida que é levada por um oficial combatente. Ao psiquiatra que conheça isso será pelo menos poupado o odioso e crasso erro de achar que seus pacientes são carne para canhão em potencial, a serem devolvidos como tal a suas unidades. Compreenderá que é tarefa sua produzir homens que se respeitem a si mesmos, socialmente ajustados à comunidade e, dessa maneira, desejosos de aceitar suas responsabilidades tanto na paz quanto na guerra. Somente assim ficará ele livre de profundos sentimentos de culpa que frustram redondamente quaisquer esforços que, doutra maneira, possa fazer para o tratamento. Qual o perigo comum que é partilhado pelos soldados da ala de reabilitação? Que objetivo poderia uni-los? Não houve dificuldade em descobrir um perigo comum; extravagâncIas neuróticas de um tipo ou de outro colocam perpetuamente em perigo o trabalho do psiquiatra ou de qualquer instituição criada para o tratamento das perturbações neuróticas. O perigo comum na ala de treinamento era a existência da neurose como uma incapacidade da comunidade. Achava- me agora de volta a meu ponto de partida: a necessidade, no tratamento de um grupo, de apresentar a neurose como um problema do grupo. Entretanto, graças à minha excursão pelo problema da disciplina, retornara com dois 4 5 acréscimos. A neurose precisa ser apresentada como um perigo para o grupo e sua apresentação deve, de alguma maneira, ser tornada o objetivo comum do grupo. Mas como poderia o grupo ser persuadido a enfrentar a incapacidade neurótica como um problema comum? O paciente neurótico nem sempre deseja o tratamen-. to e quando, afinal, sua aflição o leva a ele, não o deseja irrestritamente. Esta relutância foi identificada na discussão da resistência e fenômenos correlatos, mas a existência de fenômenos comparáveis nas sociedades, não foi reconhecida. A sociedade ainda não foi impulsionada a buscar tratamento para suas perturbações psicológicas através de meios psicológicos porque ainda não atingiu uiia compreensão interna (insight) suficiente para apreciar a natureza de sua aflição. A organização da ala de reabilitação tinha de ser tal que o desenvolvimento da côni preensão interna (insight) pelo menos não fosse obstado. Melhor ainda seria se ela pudesse ser projetada para dar realce à maneira pela qual o comportamento neurótico se soma às dificuldades da comunidade, destruindo a felicidade e a eficiência. Se se pudesse demonstrar que a aflição comunal era um subproduto neurótico, então a própria neurose seria encarada como digna de um estudo e de um ataque comunais e se teria dado um passo no caminho da vitória sobre a resistência na sociedade. Abilio Realce Dois requisitos militares de menor monta, mas rigorosamente práticos, tinham de ser atendidos pela ala de reabilitação. A organização deveria, se possível, fornecer um meio através do qual o progresso dos pacientes pudesse ser indicado, de maneira a permitir ao psiquiatra informar se um soldado achava-se apto para receber alta. Também seria útil possuir uma indicação da inclinação do paciente, de sua motivação efetiva,’ de maneira a se poder formar uma opinião sobre o tipo de trabalho para o qual ele deveria ser encaminhado. Achei útil visualizar a organização projetada da ala de treinamento como se se tratasse de uma estrutura encerrada dentro de paredes transparentes. Dentro des6 se espaço, o paciente seria admitido em determinado ponto e as atividades no interior do mesmo seriam organizadas de maneira a poder ele movimentar-se livremente em qualquer direção, de acordo com a resultante de seus impulsos conflitantes. Seus movimentos, até onde possível, não seriam deformados por interferência externa. Em resultado disso, poder-se-ia confiar que seu comportamento proporcionasse uma indicação correta de sua vontade e objetivos efetivos, em oposição aos objetivos por ele próprio proclamados ou àqueles que o psiquiatra desejaria que ele tivesse. Era de esperar que algumas das atividades organizadas dentro do ‘espaço’ fossem claramente bélicas; outras, igualmente, claramente civis e outras, ainda, simples expressões de importância neurótica. À medida que se visse o progresso do paciente avançar ao longo de um ou de outro desses caminhos, assim também seu ‘ativo e passivo’ — para utilizar uma expressão empregada na esfera da seleção de oficiais pelo Major Eric Wittkower — poderiam ser avaliados com razoável objetividade. A medida que seu progresso se mostrasse ef etuar na direção de uma ou outra das saídas possíveis dêsse espaço imaginário, também seu verdadeiro objetivo poderia ser julgado. Ao mesmo tempo, a organização poderia ser utilizada para ampliar o objetivo principal da ala de reabilitação: a educação e o treinamento da comunidade nos problemas das relações interpessoais. Se ele pudesse aproximar-se dessa construção teórica, permitiria aos membros da ala de reabilitação colocar-se (por assim dizer) fora da estrutura e observar com isenção de ânimo e uma compreensão crescente os problemas de seu funcionamento. A EXPERIÊNCIA A ala de reabilitação, consistente nalgumas centenas de homens, foi posta em forma e se lhes disse que, no futuro, aplicar-se-iam a ela os seguintes regulamentos: 7 4 1. Todos os homens teriam de fazer uma hora diária de treinamento físico, a menos que um certificado médico os isentasse disso. 2. Todos os homens teriam de ser nembros de um ou mais grupos, sendo os grupos projetados para o estudo de artes manuais, cursos de correspondência do Exército, carpintaria, leitura de mapas, mesas de tipografia, etc. 3. Qualquer homem poderia formar um novo grupo, se assim desejasse fazê-lo, fosse por não existir nenhum grupo para a sua atividade específica, fosse porque, por uma razão ou outra, não estivesse apto a unir-se a um grupo similar já existente. 4. O homem que se sentisse incapaz de freqüentar seu grupo teria de ir para a sala de repouso. 5. A sala de repouso ficaria a cargo de um enfermeiro e deveria ser mantida tranqüila para a leitura, a escrita ou jogos do tipo damas. Falar em tom baixo era permitido, com a autorização do enfermeiro, mas os outros pacientes não deveriam ser perturbados; eram fornecidos sofás, de maneira que qualquer homem que se sentisse inapto para qualquer atividade pudesse repousar neles. O enfermeiro tomaria o nome de todos aqueles que se encontrassem na sala de repouso, como questão de rotina. Foi também anunciado que uma formaturaseria efetuada todos os dias, às 12,10 horas, para a divulgação de comunicados e orientação de outros assuntos da ala de reabilitação. Não sabido pelos pacientes, pretendia-se que essa reunião, estritamente limitada a 30 minutos, ensejasse uma ocasião para os homens saírem de sua estrutura e examinarem o funcionamento dela com o desligamento de espectadores. Em resumo, estava ela projetada para ser o primeiro passo no sentido da elaboração de seminários terapêuticas. 8 Durante os primeiros dias, pouca c!oisa aconteceu, mas era evidente que, entre os pacientes, realizavam-se grandes debates e reflexões. As primeiras reuniões das 12,10 foram pouco mais que tentativas para auferir a sinceridade dos propósitos; depois, os grupos começaram a se formar a sério. Entre as atividades mais aparentes, havia um grupo de planejamento, destinado a elaborar gráficos das horas de funcionamento dos grupos e de sua localização, emitir comunicados e reservar entradas para concertos gratuitos e coisas semelhantes. Em muito pouco tempo a sala de planejamento, que apresentava por meio de bandeiras aplicadas sobre um gráfico de trabalho as atividades de todos os homens da ala de reabilitação, crescendo então rapidamente de tamanho, tornou-se qqase primaveril em sua mostra de bandeiras multicoloridas, de padrões sugeridos pela ingenuidade dos pacientes. Graças a uma lembrança feliz, um suprimento de bandeiras a apresentar a caveira e os ossos cruzados foi preparado, prontas para o uso por parte daqueles cavalheiros que se sentissem compelidos a permanecer ausentes sem permissão. A existênCia dessa esplêndida mostra ocasionou aquilo que foi provavelmente a primeira tentativa importante de cooperação terapêutica, numa das reuniões das 12,10. Ficara sendo meu hábito, ao fazer a ronda dos grupos, separar um ou dois homens de seu trabalho imediato e levá-los comigo, ‘apenas para ver como o resto do mundo vive’. Pude assim comunicar nessa reunião um fato interessante que fora observado por mim e pelos outros que haviam feito a ronda comigo, ou seja, que, embora houvesse muitos grupos e uma liberdade quase integral para cada homem seguir suas próprias inclinações, desde que apresentasse um objetivo prático, muito pouco, contudo, estava acontecendo. A oficina de carpinteiro teria um ou dois homens no máximo; a manutenção de carros, o mesmo; em resumo, segundo sugeri, quase parecia que a ala de reabilitação era uma fachada sem nada por trás. Isso, disse eu, parecia estranho, porque me fazia lembrar quão amargamente os pacientes da ala de treinamento haviam anteriormente se 9 A queixado a mim de que uma de suas objeções ao Exército era o ‘engodo’. A presença dele na ala de reabilitação, assim, parecia realmente ser um ponto digno de estudo e debate. Este comunicado deixou a audiência parecendo sentir-se como se houvesse sido ‘apanhada’. Voltei à discussão, nesse ponto, para um assunto de responsabilidade comunal e não mais algo que concernia a mim, como oficial, sozinho. Com surpreendente rapidez a ala de reabilitação tornou-se autocrítica. A liberdade de movimentos concedida pela organização original permitiu que as características .de uma comunidade neurótica se mostrassem com uma penosa clareza: dentro de poucos dias os homens se queixavam de que as enfermarias (que até então eram apresentadas como impecáveis) estavam sujas e não podiam ser mantidas limpas sob o presente sistema de uma hora de rotina para faxina da enfermaria. Pediram e foi-lhes concedida permissão para organizar, sob o grupo de planejamento, um ‘grupo de serventes’, cuja função seria manter as enfermarias limpas durante todo o dia, O resultado disso foi que, numa subseqüente inspeção semanal, o oficial comandante do hospital fez uma observação sobre a grande mudança em lilripeza que se verificara. ALGUNS RESULTADOS É impossível entrar em pormenores sobre o funcionamento de todos os aspectos terapêuticos da organização, mas dois exemplos de método e resultado podem ser dados. Pouco após o início das novas providências, os homens começaram a me apresentar queixa de que pacientes estavam tirando vantagem da complacência da organização: ‘Apenas 20% dos homens’, disseram eles, ‘estão tomando parte e realmente trabalhando duro; os outros 80% são apenas uma cambada de aproveitadores’. Queixaram-se de que não apenas a sala de repouso achalo va-se amiúde cheia de gente simplesmente a vadiar, mas que alguns homens haviam até mesmo fugido a isso. Já me achava ciente do fato, mas recusei, pelo menos exteriormente, fazer da cura deles uma responsabilidade minha. Em vez disso, indiquei que, numa reunião de um Bureau de Assuntos Correntes do Exército, realizada algumas semanas antes, o debate, em determinado ponto, havia-se centralizado exatamente nessa questão, isto é, a existência em comunidades (e a comunidade então em discussão era a União Soviética) de tais indivíduos refratários à cooperação como os mencionados e o problema apresentado à sociedade pela sua existência. Por que, então, pareciam eles tão surpresos e afrontados ao descobrir que exatamente o mesmo problema afligia a ala de reabilitação? Esta resposta fria não satisfez aos queixosos: queriam que tais homens fossem punidos ou que se desse um jeito neles. A isto respondi que, sem dúvida, os próprios queixosos tinham sinlomas neuróticos ou não estariam no hospital; porque deveriam suas incapacidades serem tratadas de uma maneira e as incapacidades dos 80% tratadas de outra? Afinal de contas, o problema dos ‘80%’ não era novo; na vida civil, magistrados, funcionários encarregados de fiscalizar o bom comportamento de indivíduos, assistentes sociais, a Igreja e políticos haviam todos tentado enfrentá-lo, alguns dê- les através da disciplina e da punição. Os ‘80%’, contudo, ainda se achavam conosco; não seria possível que a natureza do problema ainda não tivesse sido completamente elucidada e que eles (os queixosos) estivessem tentando precipitar uma cura, antes de a doença ter sido diagnosticada? O problema, disse eu, parecia ser um daqueles que interessava não apenas à ala de reabilitação ou mesmo apenas ao Exército, mas possuía as mais amplas implicações possíveis para a sociedade em geral. Sugeri que o estudassem e voltassem com novas propostas, quando achassem que estavam começando a ver a luz. Vale a pena observar, neste ponto, que minha determinação de não tentar a solução de qualquer proble11 ‘0 ma até que seus limites se houvessem definido claramente ajudou a produzir, após vívida e saudável impaciência, uma crença real de que a unidade estava decidida a enfrentar a tarefa com seriedade científica. Um crítico advertiu que, certamente, tal sistema de observação de pacientes seria excepcionalmente lento em produzir resultados, se é que, na verdade, produzisse algum. Respondeu-se-lhe lembrando-o de que apenas poucos dias antes o próprio crítico havia espontaneamente observado que a disciplina militar e o comportamento da ala de reabilitáção haviam melhorado além de qualquer identificação, dentro do curto período de um mês. O segundo exemplo ilustra o desenvolvimento de uma idéia, da fase de impulsos neuróticos bastante selvagens para uma atividade prática de bom senso. Por grande diferença, o maior grupo de homens propôs a formação de um curso de dança. A despeito da aparência de ser um desejo de testar minha sinceridade na promessa de facilidades para a atividade grupal, a patética sensação de inferioridade em relação às. mulheres quà se ocultava sob esta proposta, partida de homens que não estavam tomando pare na luta, era óbvia demais. Foi-lhes dito que apresentassem proposições concretas. Não precisamos deter-nos nas etapas pelas quais isto foi feito; ao fim, o curso foi efetuado durante horas geralmente ocupadas por um divertimento noturno; foi confinado, pela vontade dos próprios homens, apenas àqueles que não possuíam conhecimento nenhum de dança e a instrução foi efetuadapela equipe do ATS.* Em resumo, uma proposta que havia começado como uma idéia inteiramente impraticável, completamente contrária a qualquer objetivo militar aparentemente sério ou a um sentido de responsabilidade social para com a nação em guerra, terminou por ser um estudo inofensivo e sério, realizado ao fim de uma jornada de trabalho. Além disso, os homens interessados tiveram de se aproximar do oficial comandante, dos of i A.T.S. — Auxiliary Territorial Service (Serviço Territorial Auxiliar); o seu quadro era composto de mulheres (N. do T). 12 ciais do ATS e do próprio ATS, como questão de disciplina, em primeiro lugar, e de cortesia social, em segundo. Entrementes, as formaturas das 12,10 haviam evoluído muito rapidamente pata reuniões animadas e construtivas, semelhantes às de negócios, e isso apesar do fato de a ala estar recebendo agora pesados reforços de pacientes novos à organização, bem como perdendo outros que haviam recebido alta do hospital, muitas vezes quando se haviam tornado úteis. Dentro de um mês do início do esquema, grandes alterações se haviam processado. Onde quer que, a princípio, se afigurara difícil descobrir maneiras de utilizar os homens, ao fim do mês era difícil encontrar tempo para o trabalho que desejavam realizar. Os grupos já haviam começado a funcionar bem fora daquilo que era comumente considerado horas de formatura; o afastamento sem permissão foi, durante um considerável período, inexistente e, em todo o período, houve apenas um caso dele; os pacientes que não pertenciam à ala de reabilitação ficaram ansiosos para passar para ela e, a despeito da população flutuante, a ala possuía um indiscutível esprit de corps, que se mostrava em pormenores tais como a correção com que os homens entravam em posição de sentido quando os oficiais ingressavam na sala, nas reuniões das 12,10. A relação dos soldados com os oficiais era amistosa e cooperativa; mostravam-se ávidos em angariar a simpatia dos oficiais para concertos e outras atividades que estavam arranjando. Havia uma sensação sutil mas inequívoca de que tanto os oficiais como os praças achavam-se empenhados numa tarefa importante e valiosa, mesmo quando os homens não haviam ainda ãpreendido inteiramente a natureza da missão em que estavam engajados. A atmosfera não era diferente da que é vista numa unidade de exército sob o comando de um general em que os soldados têm confiança, mesmo que não possam conhe cer-lh os planos. ‘3 A COMENTÁRIO Não é possível tirar muitas conclusões de uma experiência que durou, ao todo, sejs semanas. Alguns problemas que surgiram não puderam ser inteiramente explorados e outros não puderam ser abertamente discutidos enquanto a guerra ainda continuava. Foi evidente que as reuniões das 12,10 ficaram cada vez mais relacionadas com a expressão, por parte dos homens, de sua capacidade de manter contato com a realidade e regular eficientemente suas relações com os outros e com suas tarefas. A necessidade da organização de seminários para terapêutica de grupo tornou-se clara e a base de seu começo pareceu achar-se firmemente lançada. Todo o conceito da ‘ocupação’ da ala de reabilitação como um estudo — e um treinamento — do manejo das relações interpessoais dentro de um grupo pareceu justificar-se plenamente como abordagem terapêutica. Qualquer pessoa que possua um conhecimento de bons regimentos de combate num teatro de guerra teria ficado impressionada por certas similaridades em aparência entre os soldados de tais unidades e os homens da ala de reabilitação. Sob estes aspectos, a tentativa pôde ser encarada como útil, mas houve também lições a serem aprendidas. Algumas delas suscitaram sérias dúvidas sobre a conveniência de um ambiente hospitalar para a psicoterapia. Era possível imaginar uma organização que pudesse ser mais adequadamente descrita como unidade de recuperação psiquiátrica e, na verdade, efetuou-se um certo trabalho na elaboração de um estabelecimento e do modus operandi de tal unidade. Também em rélação ao psiquiatra houve campo para um certo reajustamento de aparência. Se é que a terapêutica de grupo quer ser bem sucedida, parece necessário que ele deva ter a aparência e o tipo de aptidão intuitiva simpática de um bom comandante de unidade. Doutra maneira, pairará sempre a suspeita de que alguns oficiais combatentes -são melhores psiquiatras e alcançam melhores 14 resultados do que aqueles que se devotaram aos estreitos caminhos da entrevista individual. Finalmente, deve-se novamente chamar a atenção para o fato de que a sociedade, tal como o indivídUO, pode não querer tratar de suas aflições por meios psicológicos até que seja levada a fazê-lo pela compreensão de que, pelo menos, alguns de seus sofrimentos são psicológicos na origem. A comunidade representada pela ala de reabilitação teve de aprender este fato antes que a força plena de sua energia pudesse ser liberada na cura de si própria. O que se aplicou à pequena comunidade da ala de reabilitação bem pode ser aplicado à comunidade em geral e uma nova compreensão interna (insigkt) poderá ser necessária antes que um apoio irrestrito possa ser obtido para aqueles que tentam, desta maneirã, tratar com as fontes profundamente situadas no moral nacional, APLICAÇÃO DA TERAPÊUTICA DE GRUPO NUMA ENFERMARIA PEQUENA (J. R.) Uma experiência na aplicação da terapêutica de grupo, no sentido mais recente, a pacientes de uma enfermaria de 14 a 16 leitos foi feita na divisão hospitalar da mesma instituição. Cada paciente teve uma entrevista inicial com o psiquiatra, entrevista na qual a história pessoal foi tomada da maüeira costumeir após, houve discussões em grupo cada manhã, antes da hora da ‘marcha de estrada’, e, depois, quando os pacientes retornavam para a enfermaria, podiam chegar à sala do psiquiatra, a fim de discutir privadamente o assunto da discussão de grupo, que havia sido geralmente o assunto de conversa na marcha de estrada, e as suas impressões pessoais sobre ela. As conversas terapêuticas centralizaram-se nas suas dificuldades pessoais em colocar o bem-estar do grupo em primeiro lugar, durante sua afiliação a ele. Os tópicos da discussão no grupo incluíam o seguinte: 15 Abilio Realce •1 a) Uma vez que a residência nesta enfermaria é temporária, com alguns indo para a ala de reabilitação e outros chegando da enfermaria de admissão, para ocupar seu lugar, como pode ser enfrentada esta situação flutuante? Deveríamos nós (a distinção entre médico e paciente, oficiais e outros postos, era um outro tópico especial) ter de acomodar-nos às pessoas que ingressavam em nosso grupo, para quem nossa atitude para com nossa enfermaria (que era sempre referida como sendo a ‘nossa enfermaria’) não significava absolutamente nada; seriam encarados como estranhos ou gente de dentro imperfeitamente adaptada? Assim também com aqueles que ‘saíam’ para a ala de reabilitação: eles não poderiam esperar manter a atitude do grupo da enfermaria indefinidamente, nem tampouco ter esperanças de incluir a ala de reabilitação, muito maior, em seu grupo de enfermaria; teriam de encontrar seu lugar nos novos agrupamentos e deixar que sua experiência de enfermaria fosse apenas uma lembrança, mas esperava-se que fosse uma lembrança útil. Havia ainda outro ponto; se os da ala de reabilitação deveriam retornar para os debates diários de grupo, não sendo a questão o que se conseguiria deles (parecia haver pouca dúvida de que se achavam entre as experiências mais interessantes que já havíamos tido) mas sim se, vindos de outra formação grupal ou havendo perdido seu contato com a enfermaria, não poderiam mostrar ser uma distração para aqueles que estavam tomando pé no grupo da enfermaria. b) Até onde as diferenças de graduação adquiridas ‘fora’ deveriam determinar o comportamento dos membros do grupo, um para com o outro, enquanto na enfermaria? Uma tentativa de igualização funcionaria? Ou seria melhor, sem esquecero posto adquirido fora, considerar quais os equivalentes de posto que surgem na enfermaria, e se assim fosse, qual a base desses equivalentes? c) O que provoca descontentamento na enfermaria? Ë algo peculiar à guerra, a qualquer enfermaria ou a qualquer associação de pessoas? 16 d) O que provoca contentamento e felicidade na enfermaria? Seria o exercício da iniciativa individual tendo por único critério a livre expressão das próprias iniciativas privadas da pessoa ou aquelas só surgiriam após o reconhecimento daquilo que a enfermaria pede do indivíduo? Existiria uma incompatibilidade fundamental entre esses dois pontos de vista e, se assim fosse, aplicar-se-ia ela a todos ou apenas a alguns dos membros? Se apenas a alguns, o que faria com que ela aparecesse neles e tratar-se-ia de uma característica que levavam em suas vidas todo o tempo ou seria mais forte em certas ocasiões do que em outras? Se variasse, poderia a enfermaria diminuí-la sem se tornar opressiva aos indivíduos assim dotados? O efeito desta abordagem do problema da neurose foi considerável. Houve uma disposição e, às vezes, uma avidez de discutir tanto em público como em particular as implicações sociais dos problemas de personalidade. O neurótico é geralmente encarado como egocêntrico e averso aos esforços de cooperação, nias talvez isto aconteça porque raramente é ele colocado num ambiente em que todos os membros se acham na mesma posição, no que concerne às relações interpessoais. A experiência foi interrompida pela designação do pessoal, de maneira que não posso fornecer resultados clínicos ou estatísticos, mas ela pareceu mostrar que é possível, para um clínico, voltar a atenção para a estrutura de um grupo e para as forças que atuam nessa estrutura sem perder contato com seus pacientes e, além disso, que a ansiedade pode surgir dentro óu fora do grupo, se forêfetuada esta abordagem. CONCLUSÕES Achamo-nos agora em melhor posição para definir o ‘bom espírito de grupo’, que foi o nosso objetivo. Ele é tão difícil de definir quanto o conceito de boa saúde num indivíduo, mas algumas de suas qualidades parecem achar-se associadas com: 17 J a) Um propá6ito comum, seja ele vencer um mi- migo ou defender e nutrir um ideal ou uma construção criativa no campo das relações sociais ou das comunidades físicas. b) Um reconhecimento comum, por parte dos membros do grupo, dos ‘limites’ deste e sua posição e função em relação às de unidades ou grupos maiores. c) A capacidade de absorver novos membros e perder outros sem medo de perder a individualidade grupai, isto é, o ‘caráter do grupo’ deve ser flexível. d) A liberdade dos subgrupos internos de terem limites rígidos (isto é, exclusivos). Se um subgrupo achar- se presente, ele não deve ser centrado em nenhum de seus membros nem em si próprio, tratando os outros membros do grupo principal como se eles não fizessem parte da principal barreira grupal; o valor do subgrupo para o funcionamento do grupo principal deve ser geralmente reconhecido. e) Cada membro individual é valorizado por sua contribuição ao grupo e possui liberdade de movimentos dentro dele, com sua liberdade de locomoção sendo limitada apenas pelas condições geralmente aceitas, esperadas e impostas pelo grupo. f) O grupo deve ter a capacidade de enfrentar o descontentamento dentro de si e possuir meios de tratar com ele. g) O tamanho mínimo do grupo é três. Dois membros têm relações pessoais; com três ou mais, há uma mudança de qualidade (relação interpessoal). Estas experiências na ala de reabilitação de um hospital militar psiquiátrico de neuroses sugerem a necessidade de um exame mais aprofundado da estrutura dos grupos e da ação recíproca das forças dentro deles. A psicologia e a psicopatologia focalizaram a atenção sobre o indivíduo, muitas vezes com a exclusão do campo social de que ele faz parte. Há um futuro útil no estudo da ação recíproca das psicologias individual e social, encaradas como elementos interatuantes igualmente importantes. 18 EXPERIÊNCIAS COM GRUPOS 1 No início de 1948, a Comissão Profissional da Clínica Tavistock pediu-me para aceitar grupos terapêuticos, empregando minha própria técnica. Ora, não tinha meios de saber o que a Comissão queria dizer com aquilo, mas era evidente que, em sua opinião, eu hava ‘aceito’ grupos terapêuticos antes. Tivera, era verdsde, experiência em tentar persuadir grupos compo.tos de pacientes a fazer do estudo de suas tensões uma tarefa grupal e presumi que a Comissão queria dizer que desejavam que eu fizesse isso novamente. Era desconcertante descobrir que a Comissão parecia acreditar que pacientes pudessem ser curados em grupos como esses. Fez-me pensar, de início, que suas expectativas do que acontecia em grupos de que eu próprio era membro eram muito diferentes das minhas. Na verdade, a única cura de que eu podia falar com certeza achava-se relacionada com um sintoma relativamente de menor im portância meu próprio — a crença de que os grupos pudessem aceitar gentilmente meus esforços. Apesar de tudo, concordei e, assim, no devido tempo, encontrei-me sentado numa sala com mais oito ou nove pessoas — às vezes mais, às vezes menos, às vezes pacientes, às vezes não. Quando os membros do grupo não eram pacientes, freqüentemente encontrei-me numa perplexidade peculiar. Descreverei o que acontece. Na hora marcada, os membros do grupo começam a chegar; os indivíduos entabolam conversa por um certo tempo e depois, quando um certo número deles já se reuniu, cai um silêncio sobre o grupo. Após certo tem- 21 po, uma conversa desconexa inicia-se novamente e tomba um outro silêncio. Torna-se claro para mim que sou, num certo sentido, o foco da atenção do grupo. Além disso, dou-me conta de sentir desconfortavelmente que se espera que eu faça alguma coisa. Neste ponto, confio minhas ansiedades ao grupo, observando que, por mais equivocada que minha atitude possa ser, sinto exatamente isso. Logo descubro que minha confidência não é muito bem recebida. Na verdade, há uma certa indignação por eu expressar tais sentimentos sem parecer apreciar o fato de que o grupo tem direito a esperar algo de mim. Não discuto isso, mas contento-me em apontar que, evidentemente, o grupo não pode tirar de mim o que sentem ter direito a esperar. Fico pensando quais são essas expectativas e o que as despertou. A amistosidade do grupo, embora doloridamente testada, permite-lhes fornecer-me algumas informações. Disseram à maior parte dos membros que eu ‘aceitaria’ o grupo; alguns dizem que tenho a reputação de saber um bocado a respeito de grupos; outros acham que eu deveria explicar o que iremos fazer, e outros, ainda, pensam que seria uma espécie de seminário ou, talvez, uma conferência. Quando chamo a atenção para o fato de que essas idéias me parecem ser baseadas em boatos, parece haver a impressão de que estou tentando negar minha eminência como ‘aceitador’ de grupos. Sinto e digo que é evidente que o grupo tem certas boas expectativas e crenças sobre mim e que estão tristemente desapontados por descobrirem que elas não são verdadeiras. O grupo acha-se persuadido de que as expectativas são verdadeiras e que meu comportamento é provocador e deliberadamente desapontaclor, a ponto de dizer que eu poderia comportar-me diferentemente, se assim o quisesse, e que estou apenas conduzindo-me desse modo por despeito. Aponto que é difícil para o grupo admitir que esta poderia ser minha maneira de aceitar grupos ou mesmo que me deveria ser permitido aceitá-los de tal modo. 22 Neste ponto, a conversa parece-me indicar que o grupo mudou de intenção. Enquanto espero que o grupo se firme em seu novo curso, pode ser útil tentar oferecer ao leitor alguma explicação de meu comportamento, que pode, a esta altura, intrigá-lo tanto quanto intriga ao grupo. Naturalmente, eu não sonharia em fazer isto num grupo, mas o leitor acha-se numa posição diferente da do homem ouda mulher que tem muito mais provas por que gúiar-se que a palavra escrita. Diversas perguntas podem ter ocorrido ao leitor. Poderá pensar que minha atitude para com o grupo é artificialmente ingênua e certamente egoísta. Por que deveria um grupo se incomodar em discutir assuntos irrçlevantes tais como a personalidade, história, carreira, etc., de um só indivíduo? Não posso ter esperanças de fornecer qualquer tipo de resposta integral a tais questões, mas direi, provisoriamente, que não considero ter forçado o grupo a me discutir, embora concorde que ele foi forçado a proceder assim. Por mais irrelevante que se afigure ser para o propósito da reunião, a preocupação com minha personalidade certamente pareceu-me intrometer-se, por indesejável que isso possa ser ao grupo ou a mim próprio. Estava simplesmente declarando o que pensava estar acontecendo. Naturalmente, pode-se discutir que provoquei essa situação e se tem de admitir que isso é inteiramente possível, embora não pense assim. Mas mesmo supondo que minhas observações sejam corretas, pode-se ficar pensando a que propósito se serve fazendo-as. Aqui posso apenas dizer que não sei se alguma intenção útil é servida ao fazê-las, nem tampouco me acho muito seguro sobre a natureza deste tipo de observação. Seria tentador, por analogia com a psicanálise, chamá-las de interpretações de transferência de grupo, mas penso que qualquer psicanalista concordaria comigo no sentido de que, antes de que tal descrição possa ser justificada, uma grande quantidade de provas oriundas de grupos teria de ser avaliada. Entretanto, pelo menos, posso alegar que observações dessa espécie são feitas espontânea e naturalmente na vida cotidiana, que não podemos evitar fazê23 II las, inconsciente senão conscientemente, e que seria muito útil se pudéssemos saber que, quando fazemos observações desse tipo, elas correspondem a fatos. Somos constantemente influenciados por aquilo que achamos ser a atitude de um grupo para conosco e consciente ou inconscientemente governados por nossa idéia dela. Ver-se-á em seguida que não se depreende disso que devamos deixá-lo escapar da maneira em que até agora me descrevi como fazendo no grupo. Isto, confesso, deve ser encarado como peculiar, embora, se precedentes fossem exigidos, todos nós estaríamos familiarizados com certos tipos de pessoas, particularmente aquelas que tendem a se sentir perseguidas, que se comportam dessa maneira. Não é um precedente feliz, pensará o leitor, e não demorará muito até ser evidente que o grupo pensa isso também. Mas é necessário agora retornar ao grupo, a quem deixamos no processo de mudar de curso. A primeira coisa a nos impressionar é a melhoria que se realizou na atmosfera. O Sr. X., que tem uma personalidade simpática, tomou conta do grupo e já está adotando medidas para reparar a deplorável situação criada por mim. Mas dei uma impressão equivocada se pareci sugerir que podemos olhar este grupo com isenção, porque o Sr. X., que está ansioso pelo bem-estar do grupo, muito corretamente volta ‘sua atenção para a fonte da dificuldade, que, segundo seu ponto de vista, sou eu mesmo. Pode-se ver que ele tem uma idéia muito boa de enfrentar de saída aqueles elementos de seu grupo que são destrutivos do estado de ânimo e da boa camaradagem. Dessa maneira, pergunta-me diretamente qual o meu objetivo e porque não posso dar uma explicação franca de meu comportamento. Posso apenas desculpar-me e dizer que, além de achar que a declaração de que desejo estudar tensões de grupo seja provavelmente uma descrição muito inadequada de meus motivos, não posso lançar qualquer luz sobre o problema. Ele recebe uma grande simpatia do grupo quando deixa de lado esta resposta muito insatisfatória para questionar um ou dois dos outros, que parecem ser mais cooperativos e francos do que eu. Posso detectar, contudo, uma certa má vontade por parte do grupo em seguir irrestritamente sua liderança. Os dissidentes parecem haver-se tranqüilizado, dizendo-se a si mesmos que a Comissão da Clínica Tavistock deve ter tido algum bom propósito em afirmar que eu deveria aceitar o grupo; dão a impressão de que se acham determinados a acreditar que a experiência de um grupo aceito por mim é valiosa, a despeito de suas observações até o presente. Sem embargo, o Sr. X. está obtendo algum sucesso. O Sr. Y. diz-lhe que é um funcionário encarregado da conduta daqueles que tiveram alta e veio a ter um conhecimento científico de grupos, que achou seria de valor para ele. O Sr. R., embora não interessado profissionalmente, sempre teve interesse no estudo científico de grupos. O Sr. X., o Sr. Y. e o Sr. R. fornecem também alguns pormenores de seus antecedentes e explicam porque acham que um estudo científico os ajudaria. Mas, agora, parecem estar surgindo dificuldades. Outros membros do grupo não são tão acessíveis como o Sr. Y. ou o Sr. R. Além disso, parece haver certa irritação com o Sr. X., por haver assumido a liderança. As respostas se tornam evasivas e parece como se mesmo as informações que foram obtidas não fossem, realmente, as informações que eram desejadas. Começo a sentir, à medida que a conversa se torna mais desconexa, que sou novamente o foco do descontentamento. Sem saber inteiramente por que, sugiro que o que o grupo realmente deseja conhecer são os meus motivos para estar presente e, uma vez que estes não foram revelados, eles não se acham satisfeitos com nenhum sucedâneo. É claro que a minha interpretação não é bem-vinda Um ou dois membros desejam saber por que eu deveria atrair a curiosidade, que pareceria válida sem qualquer outra explicação, sobre mim mesmo. A impressão que recebo é que muito pouca importância é dada à opinião que expresso, como uma possível explicação do que está acontecendo. Ela me parece ser ignorada ou, então, tomada como prova de uma aparência deformada em mim. Para tornar as coisas piores, não me é de modo algum claro que minha observação, embora correta, seja real- 24 25 mente a mais útil a fazer na ocasião. Mas eu a fiz e preparo-me para ver o que dela decorre. Devo explicar que esta descrição despojada não faz justiça ao estado emocional do grupo neste ponto. O Sr. X. parece mortificado por ter visto sua iniciativa mal recebida e o resto do grupo parece encontrar-se em estágios variados de constrangimento. De minha parte, tenho de confessar que se trata de uma reação com que me acho familiarizado em todos os grupos de que fui membro. Não posso, dessa maneira, simplesmente pô-la de lado como uma peculiaridade deste grupo. Para mim, é claro que, seja o que for que o grupo possa pensar a respeito do Sr. X., ele tem suspeitas muito mais sérias sobre mim. Em particular, desconfio que minha personalidade e, especialmente, minha capacidade de relações sociais e, dessa maneira, minha aptidão para o papel que se espera que eu preencha, acha-se em questão. No grupo ora objeto de nossas considerações, descontente com o que está acontecendo e, particularmente, com o meu papel em seu ocasionamento, o descontentamento subiu a um tom tão alto que mesmo a existência continuada do grupo se torna matéria de dúvida para mim. Por alguns inconfortáveis momentos penso que tudo terminará por eu tendo de explicar à Comissão Profissional que seu projeto foi águas abaixo pela incapacidade do grupo em tolerar meu comportamento. Suspeito, pelo seu proceder, que sombrios pensamentos semelhantes, diferentemente orientados, estão passando pelas mentes do resto do grupo. Na tensa atmosfera que prevalece, meus próprios pensamentos não são inteiramente tranqüillzadores. Para não dizer mais nada, tenho recentes lembranças de um grupo em que minha exclusão foi abertamente defendida, e, além disso, é-me bastante comum experimentar uma situação em que o grupo, embora não dizendo nada, simplesmente ignora minha presença e me exclui da discussão, tão efetivamente como se eu não estivesse lá. Em algumas ocasiões desta espéciede crise, a reação assumiu a forma mais suave de sugestões de que eu já me havia excluído do grupo e que tornava 26 as coisas mais difíceis por não participar. Uma reação tão suave como esta última é bastante tranqüiizadora, mas não posso esquecer que quando pela primeira vez tentei colocar tais métodos em funcionamento, a experiência foi terminada por minha remoção, de fato, do meu posto. Préferiria acrlitar que, nessa ocasião, a dispensa foi devida a circunstâncias coincidentes, mas recordo-me que, mesmo assim, os pacientes com quem estava lidando constantemente advertiram-me, baseados em quê não sei, que sérias tentativas estavam sendo feitas para sabotar o esquema. Tenho, por conseguinte, numa situação como a que estou descrevendo, toda razão para acreditar que o descontentamento é real e pode facilmente conduzir à ruptura do grupo. Nesta ocasião, porém, minhas ansiedades foram aliviadas por uma nova virada dos acontecimentos. O Sr. Q. sugere que, neste ponto, dificilmente os argumentos lógicos poderiam obter a informação desejada e, na verdade, era possível que eu preferisse não explicar porque fizera tal interpretação, porque ela seria contrária a qualquer idéia de deixar o grupo experimentar a natureza dos fenômenos de grupo por si próprio. Argumenta que, afinal de contas, devo ter boas razões para seguir a linha que sigo. A tensão do grupo é imediatamente relaxada e uma atitude muito mais amistosa para comigo se toma aparente. É claro que o grupo tem, afinal de contas, uma alta opinião de mim e começo a sentir que talvez tenha estado tratando-o injustamente, por não ser mais conitinicativo. Por um momento, sou impelido a dar uma satisfação, reagindo àquela mudança amistosa com alguma explicação de meu comportamento. Mas me contenho ao compreender que o grupo simplesmente retornou ao seu estado de espírito anterior de insistir que boato é fato; dessa maneira, em vez disso, aponto que agora o grupo parece estar-me adulando para corrigir meus modos e coincidir com seu desejo de que meu comportamento se conforme mais ao que é esperado ou lhes é familiar em outros campos. Observo também, que, em essência, o grupo ignorou o que foi dito pelo Sr. Q. A ênfase foi deslocada daquilo que o Sr. Q. pre27 . tendia dizer para apenas uma parte do que dissera, ou seja, que, afinal de contas, era provável que eu soubesse o que estava fazendo. Noutras palavras, fora difícil a um membro individual transmitir ao grupo significados diferentes daqueles que o grupo desejava manter. Desta vez, o grupo fica realmente irritado e é necessário explicar que eles têm todo o direito de assim estar. É perfeitamente claro que ninguém nunca lhes explicou o que significava estar num grupo em que eu me achava presente. A propósito, nunca ninguém me explicara como era estar num grupo em que todos os membros individuais deste grupo estivessem presentes. Mas tenho de compreender que a única pessoa cuja presença até agora foi achada desagradável sou eu mesmo, de maneira que quaisquer queixas que eu possa ter não possuem a mesma validade que as dos outros membros. Para mim, é mais do que nunca claro que há uma contradição bastante surpreendente na situação em que me encontro. Também ouvi boatos sobre o valor de minha contribuição a grupos; dei o .melhor de mim para descobrir exatamente sob que aspecto minha contribuição era tão notável, mas nãà consegui obter nenhuma informação. Posso, dessa maneira, simpatizar facilmente com. o grupo, que sente que tem direito a esperar algo diferente do que, na realidade, está obtendo. Posso ver que minhas declarações devem parecer ao grupo tão inexatas como o são geralmente as opiniões de nossa própria posição numa determinada sociedade, e além disso, possuírem pouca relevância ou importância para qualquer pessoa, à exceção de mim mesmo. Sinto, dessa maneira, que devo tentar apresentar da situação uma visão mais geral do que o fiz até agora. Com isto em vista, digo que penso que minhas interpretações estão perturbando o grupo. Além disso, que o grupo as interpreta como uma revelação da natureza de minha personalidade. Não há dúvida de que estão sendo feitas tentativas de considerar que são, de alguma maneira, descritivas da vida mental do grupo, mas tais tentativas são obscutecidas pela suspeita de que minhas interpretações, quando interpretadas, arrojam mais luz sobre mim mesmo que sobre qualquer outra coisa, e que o que é então revelado acha-se em acentuado contraste com as expectativas que os membros do grupo tinham, antes de chegar aqui. Isso, penso, deve ser muito perturbador, mas, inteiramente à parte de qualquer questão deste tipo, temos de reconhecer que talvez os membros do grupo presumam muito facilmente que o rótulo deuma caixa é uma boa desqrição de seu conteúdo. Temos de reconhecer agora que uma crise foi atingida, crise na qual os membros bem podem haver descoberto que a filiação a um grupo de que sou membro acontece ser uma experiência que eles não gostariam de ter. Dessa maneira, temos de enfrentar francamente o fato de que membros de nosso grupo podem precisar abandoná-lo, exatamente da mesma maneira que uma pessoa pode necessitar abandonar uma sala em que entrou baseado numa impressão enganada. Eu próprio não acredito que isto seja uma descrição inteiramente correta, porque, lembro ao grupo, foi bastante evidente, de inicio, que eles estavam com muita má vontade em entreter qualquer idéia de que não se haviam satisfeito corretamente da precisão de boatos ouvidos a meu respeito. Em minha opinião, dessa maneira, aqueles que achassem que haviam sido mal encaminhados por outros, e, agora quisessem retirar-se, deveriam considerar seriamente porque resistiam tão intensamente a quaisquer declarações que parecessem questionar a validade de sua crença no valor de minhas contribuições a um grupo. Neste ponto, é necessário que eu diga considerar as forças emocionais subjacentes a esta situação como muito poderosas. Não acredito, por um só momento, que o fato objetivo — ou seja, que sou simplesmente um dos membros de um grupo que possui um certo grau de conhecimento especializado e, a esse respeito, não diferente de qualquer outro membro do grupo — tenha probabilidades de ser aceito. As forças opostas a isso são muito mais fortes. Um grupo externo — isto é, a Clínica responsável por dizer que eu devo aceitar um grupo — aplicou o selo de sua autoridade a um mito de di- 28 q 29 mensões desconhecidas; afora isso, no entanto, estou certo de que o grupo é bastante incapaz de enfrentar as tensões emocionais dentro dele, sem acreditar que possui alguma espécie de Deus que é inteiramente responsável por tudo o que acontece. Assim, tem-se de enfrentar o fato de que, sejam quais forem as interpretações que possam ser dadas, por eu mesmo ou por alguém mais, a probabilidade é que o grupo as reinterpretará para ajustá-las aos seus próprios desejos, exatamente com& há pouco vimo-lo proceder com a contribuição do Sr. Q. Dessa maneira, torna-se importante apontar que os meios de comunicação dentro do grupo são extremamente tênues e bastante incertos em sua ação. Na verdade, poder-se-ia quase pensar que seria menos desorientador se cada membro individual do grupo falasse uma linguagem desconhecida pelos restantes, pois haveria então menos risco de presumir que entendemos o que qualquer indivíduo determinado disse. O grupo agora voltou-se, um tanto ressentidamente mas com mais ansiedade que ressentimento, para outro membro do grupo. Tenho a impressão de que o estão examinando para ser líder, mas sem nenhuma convicção real de que ele possa sê-lo. Esta impressão é fortalecida porque o homem em questão mostra todo desejo de se apagar. A conversa torna- se cada vez mais desconexa e sinto que, para a maioria do grupo, a experiência está-se tornando penosa e desinteressante. Ocorre- me um pensamento, de maneira que o transmito. Digo ao grupo que me parece que estamos determinados a terum líder e que o líder que desejamos parece possuir certas características contra as quais comparamos as características dos diferentes indivíduos que experimentamos. A julgar por, nossas rejeições, parecemos saber perfeitamente o que queremos. Ao mesmo tempo, seria muito difícil dizer, por nossa experiência até agora, o que são essas características desejáveis. Tampouco é óbvio porque exigiríamos um líder. O tempo de reunião do grupo foi estabelecido e, realmente, não parece haver outras decisões que o grupo tenha de fazer. Poder-se-ia pensar que era preciso um líder a fim de dar ordens efetivas para o grupo, para executar decisões tomadas momento a momento, mas, se assim é, o que existe em nossa atual situação que nos faça pensar ser preciso um líder desse tipo? Não pode ser a situação externa, porque nossas necessidades materiais e nossas relações com os grupos externos são estáveis e não parecem indicar que quaisquer decisões serão necessárias em futuro próximo. Ou o desejo de um líder é alguma sobrevivência emocional, funcionando inutilmente no grupo como arcaísmo, ou então há uma certa consciência de uma situação, ainda não definida, que exige a presença de uma pessoa assim. Se minha descrição do que é estar num grupo de que sou membro foi adequada, o leitor terá experimentado alguns receios, acolhido algumas objeções e reservado muitas questões para discussão futura. No presente estágio, desejo isolar apenas dois aspectos da experiência de grupo, para inspeção; um deles é a futilidade da conversa no grupo. Julgado pelos padrões comuns de intercâmbio social, o desempenho do grupo é quase despido de conteúdo intelectual. Além disso, se observarmos como suposições passam, incontestadas, como declarações de fatos, e são aceitas como tal, parece claro que o juízo crítico acha-se quase inteiramente ausente. Para apreciar este ponto, o leitor deve lembrar-se de que pode ler este relato com tranqüilidade, com o livre uso de seu julgamento. Não é esta a situação no grupo. Seja o que for que ela pareça ser na superfície, essa situação está carregada de emoções que exercem uma influência poderosa e freqüentemente inobservada sobre o indivíduo. Em resultado, suas emoções são estimuladas, em detrimento de seu julgamento. De acordo com isso, o grupo amiúde lutará com problemas intelectuais que, poder-se-ia acreditar, o indivíduo resolveria sem dificuldade em outra situação — crença que mais tarde se verá ser ilusória. Um dos principais objetos de nosso estudo bem poderá mostrar ser, precisamente, os fénômenos que produzem estas perturbações do comportamento racional do grupo, fenômenos cuja existência apenas pude indicar por descrições de fatos que apre31 30 1) sentam menos relação com o objeto de nosso estudo que as linhas de uma gravura monocrômica com as cores de uma pintura em que a cor é a qualidade mais importante. O segundo aspecto ao qual tenho de aludir é a natureza de minha própria contribuição. Seria satisfatório se eu pudesse agora fornecer uma descrição lógica de minha técnica — a técnica que a Comissão Profissional, como devem lembrar-se, desejou que eu empregasse — mas acho-me persuadido que isso seria também muito impreciso e enganador. No decorrer dos capítulos seguintes, fornecerei uma descrição tão exata quanto puder do que falo e faço, mas me proponho também a indicar o que os grupos pensam que digo e faço e isto não apenas para ilustrar o funcionamento mental de um grupo, mas para suprir tanto material quanto possível para o leitor utilizar no alcance de suas próprias conclusões. Enfatizarei, contudo, um dos aspectos de minhas interpretações de comportamento grupal que parece ao grupo — e, provavelmente, ao leitor — ser meramente incidental à minha personalidade, mas que é, na verdade, inteiramente deliberado: o fato de as interpretações parecerem se achar relacionadas com assuntos de nenhuma importância para qualquer pessoa, à exceção de mim mesmo. 32 2 Terminei a parte anterior, dizendo que minha interpretação do comportamento do grupo, em termos da atitude grupal para comigo mesmo, deve parecer uma contribuição tão impertinente quanto é provável que seja inexata. As críticas deste aspecto de meu comportamento num grupo exigem uma investigação cuidadosa e a seqüência mostrará que, a essas críticas, fornecerei respostas, não refutações. Consideremos primeiramente algumas situações grupais. Enquanto estamos sentados aproximadamente em círculo, com a sala suavemente iluminada por uma única lâmpada comum, uma paciente feminina do grupo queixa-se iradamente: Vocês (isto é, o grupo) sempre dizem que estou monopolizando, mas, se não falar, vocês ficam apenas sentados aí, como idiotas. Estou cheia de todos vocês. E você (apontando para um homem de vinte e seis anos, que levanta as sobrancelhas numa eficiente afetação de surpresa) é o pior de todos! Por que fica sempre sentado aí, como um rapazinho bonzinho, nunca dizendo nada, mas perturbando o grupo? O Dr. Bion é o único que é sempre escutado aqui e ele núnca diz nada de útil. Pois bem, então: calarei a boca. Vamos ver o que vocês fazem a respeito, se eu não monopolizar. Outra agora: a sala é a mesma, mas há uma tarde ensolarada de verão; um homem está falando: 33 Ë pôr isso que eu me queixo daqui. Fiz uma pergunta perfeitamente simples. Disse o que eu pensava que estava acontecendo, porque não concordo com o Dr. Bion. Disse que seria interessante saber o que outras pessoas pensam, mas algum de vocês responde? Nem um só. E vocês, mulheres, são as piores de todas, com exceção da Srta. X. Como é que podemos chegar a algum resultado se as pessoas não nos respondem? Vocês sorriem quando eu falo, à exceção da Srta. X., e eu sei o que estão pensando, mas vocês estão errados. Aqui está outra; uma paciente fala: Todos parecem concordar inteiramente com ,o que o Dr. Bion acabou de dizer, mas eu disse a mêsma coisa há cinco minutos atrás e, só porque era apenas eu, ninguém me deu a menor atenção. E ainda outra; uma mulher diz: Bem, uma vez que ninguém está falando náda, posso então contar meu sonho. Sonhei que estava à beira-mar e ia banhar-me. Havia uma porção de gaivotas por ali... Havia ainda um monte de coisas como essa. Um membro do g.rupo: — Você quer dizer que isso é tudo que pode lembrar-se? Mulher: Oh, não, não. Mas, realmente, é tudo bastante ridículo. O grupo fica sentado taciturnamente e cada indivíduo parece achar-se absorto em seus pensamentos. Todo contato entre os membros do grupo parece haver sido rompido. Eu: — O que fez você parar de falar sobre seu sonho? Mulher: — Bem, ninguém parecia estar muito interessado e eu só o contei para iniciar um assunto. Chamarei a atenção para um aspecto apenas destes episódios. A primeira paciente disse: ‘Vocês (o grupo) sempre dizem que estou monopolizando...’ Na realidade, apenas uma pessoa havia dito isso e somente em uma ocasião, mas sua referência foi feita para o grupo inteiro e indicava claramente que ela pensava que todo o grupo sempre sentia isso a respeito dela. O homem do segundo exemplo falou: ‘Vocês sorriem quando eu falo, à exceção da Srta. X., e eu sei o que estão pensando. . .‘. No terceiro exemplo, a mulher disse: ‘. .. só porque era apenas eu, ninguém me deu a menor atenção.’ No quarto exemplo, a mulher pensou que o grupo não estava interessado e achou melhor abandonar sua iniciativa. Já indiquei acima que qualquer pessoa que tenha qualquer contato com a realidade está sempre consciente ou inconscientemente formando uma estimativa da atitude do grupo para com ela própria. Estes exemplos tirados de grupos de pacientes mostram, se houvesse realmente alguma necessidade de demonstração, que o mesmo tipo de coisas acontece no grupo de pacientes. Por enquanto, estou ignorando fatos óbvios, como o de que há algo naquele que fala que cobre sua avaliação da situação em que se encontra. Ora, mesmo que ainda seja mantido que a opinião do indivíduosobre a atitude do grupo para com ele próprio não tem importância para ninguém, a não ser ele mesmo, espero que fique claro que esta espécie de julgamento faz tanta parte da vida mental do indivíduo quanto a sua avaliação, digamos, das informações que lhe são trazidas pelo sentido do tato. Dessa maneira, o modo pelo qual um homem avalia a atitude do grupo para com ele próprio é, de fato, um importante objeto de estudo, mesmo que não nos conduza a nada mais. Mas meu último exemplo, de ocorrência muito comum, mostra que, na realidade, a maneira pela qual homens e mulheres de um grupo fazem essas estimativas é um assunto de grande importância para o grupo, porque dos juízos que os indivíduos fazem depende o florescimento ou a decadência da vida social daquele. 34 35 O que acontecerá se eu usar esta idéia da atitude grupal para com o indivíduo, como base para interpretação? Já vimos algumas das reações na primeira parte. Nos exemplos que dei, podiam ser vistos, embora eu não os tivesse acentuado, alguns resultados deste tipo de interpretação, mas mencionarei agora uma reação comum. O grupo tenderá a expressar ainda mais sua preocupação comigo e, depois, parece ter atingido um ponto em que, por algum tempo, a sua curiosidade é satisfeita. Isto pode levar duas ou três sessões. Depois, o grupo começa a coisa toda de novo, mas, desta vez, com algum outro membro do grupo. O que acontece é que outro membro torna-se o objeto das forças que estavam anteriormente concentradas sobre mim. Quando penso que já se acumularam provas suficientes para convencer o grupo, digo que penso que isso aconteceu. Uma das dificuldades para fazê-lo é que a transição de uma preocupação comigo para uma preocupação com outro membro do grupo é assinalada por um período durante o qual a preocupação com o outro membro mostra sinais inequívocos de conter uma preocupação continuada comigo. Já descrevi esta situação na primeira parte (pág. 25), onde me descrevo como fornecendo uma interpretação em que, ao questionar outros, o grupo se encontra realmente preocupado comigo. Penso que, nessa ocasião, teria sido mais exato se houvesse interpretado a situação emocional como uma transição do tipo que acabei de descrever. Muitas pessoas discutem a exatidão dessas interpretações. Mesmo quando a maioria dos membros do grupo teve provas inequívocas de que seu comportamento está sendo influenciado por uma avaliação consciente ou inconsciente da atitude do grupo para com eles, dirão que não sabem o que o resto do grupo pensa a seu respeito e que não acreditam que alguém mais tampouco o saiba. Esta objeção à exatidão das interpretações deve ser aceita, mesmo se a modificarmos alegando que a exatidão é uma questão de grau, porque é um sinal de consciêneia que um dos elementos na avaliação automática do indivíduo quanto à atitude do grupo para com ele seja a dúvida. Se um indivíduo alega que não tem dúvida alguma, gostar-se-ia realmente de saber porque não. Existem ocasiões em que a atitude do grupo é completamente inequívoca? Ou é o indivíduo incapaz de tolerar a ignorância sobre um assunto em que é essencial ser exato, se é que seu comportamento numa sociedade deve ser judicioso? Num certo sentido, eu diria que um indivíduo de um grupo está aproveitando sua experiência, se, num só e mesmo tempo, ele se torna mais exato na apreciação que faz de sua posição no campo emocional e mais capaz de aceitar como um fato que mesmo sua exatidão aumentada acha-se lamentavelmente muito abaixo de suas necessidades. Poder-se-ia pensar que minha admissão destrói as bases de qualquer técnica que se apoie neste tipo de interpretação, mas ela não o faz. A natureza da experiência emocional da interpretação é clarificada, mas sua inevitabilidade como parte da vida mental humana permanece inalterada e, assim, também o seu primado como método. Isso só pode ser atacado quando se puder demonstrar que alguma outra atividade mental trata com mais exatidão de assuntos de maior relevância para o estudo do grupo. Apresentamos, a seguir, um exemplo de uma reação em que a exatidão da interpretação é questionada; o leitor poderá desejar ter as passagens anteriores em mente quando considerar as conclusões que tiro disto e dos exemplos correlatos. Por algum tempo, eu estivera dando interpretações que haviam sido escutadas com civilidade, mas a conversa havia-se tornado cada vez mais desencontrada, comecei a sentir que minhas intervenções não eram desejadas e assim o disse, nos seguintes termos: — Durante a última meia hora o grupo esteve discutindo a situação internacional, mas estive alegando que a conversa mostrava alguma coisa sobre nós mesmos. Cada vez que fiz isso, senti que minha contribuição era destoante e mal recebida. Agora, acho-me certo de ser o objeto da hostilidade de vocês, por persistir neste tipo de contribuição. 36 37 Por um momento ou dois após haver eu falado, houve um silêncio e, então, um membro masculino do grupo disse muito cortesmente que ele não havia sentido hostilidade alguma por minhas interpretações e que• não havia observado que alguém tampouco a houvesse sentido. Dois ou três outros membros do grupo concordaram com ele. Além disso, as afirmativas foram feitas com moderação. e de uma maneira perfeitamente amistosa, exceto, possivelmente, pelo fato de se poder pensar que era um incômodo desculpável ter-se de dar uma tranqüilização que deveria ser desnecessária. Sob alguns aspectos, poderia novamente dizer que me senti tratado como uma criança a quem se trata paciente- mente, a despeito de ser cansativa. Contudo, não me propus a considerar esse ponto justamente então, mas antes tomar perfeitamente a sério a declaração feita por aqueles membros do grupo que me pareciam representar o grupo inteiro muito bem, ao negar qualquer sentimento de hostilidade. Senti que uma avaliação correta da situação exigia que eu aceitasse como um fato que todos os indivíduos do grupo eram perfeitamente sinceros e exatos quando diziam não sentir qualquer hostilidade para comigo. Lembro-me de outro episódio, de tipo semelhante. Além de mim, três homens e quatro mulheres achavam-se presentes no grupo; um homem e uma mulher encontravam-se ausentes. Um dos homens disse a uma das mulheres: — Como é que foi o seu negócio da semana passada? A mulher: — Você quer dizer a minha festa? Oh, foi tudo bem. Muito bem, na verdade. Por quê? O homem: — Bem, estava só pensando. Você estava bastante preocupada com ela, se é que se lembra. A mulher (bastante indiferente): — Oh, sim, estava mesmo. Após uma curta pausa, o homem enceta novamente: O homem: — Você não parece querer falar muito sobre isso. A mulher: — Oh, não, quero sim, mas não aconteceu nada de mais. Foi tudo realmente muito bem. Outra mulher então se junta e tenta levar a conversa avante, como se se desse conta de que estava vacilante, mas, em um minuto ou dois, ela também desiste. Há uma pausa e então outra mulher se apresenta com uma experiência que tivera durante a semana. Cômeça muito animada e depois se interrompe. Um ou dois membros tentam incentivá-la com suas perguntas, mas sinto que mesmo os perguntadores parecem oprimidos por alguma preocupação. A atmosfera do grupo acha- se prenhe de esforço infrutífero. Nada podia ser mais claro para mim que a determinação dos indivíduos em tornar a sessão naquilo que considerariam como um sucesso. Se apenas não fosse pelos dois ausentes, penso, acredito que este grupo estaria indo muito bem. Começo a sentir-me frustrado e lembro-me de quanto as duas ou três últimas sessões foram perdidas porque um ou mais membros do grupo se achavam ausentes. Três das pessoas presentes a esta sessão estiveram, ausentes em uma ou outra das últimas sessões. Parece muito ruim que o grupo seja desperdiçado deste modo, quando todos estão preparados para dar o melhor de si. Começo a pensar se a abordagem de grupo aos problemas vale realmente a pena quando fornece tanta oportunidade
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