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Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). O MODELO DE SUBSTITUIÇÃO DA IMPORTAÇÃO 1 INTRODUÇÃO O Modelo de Substituição de Importações (MSI), ou Processo de Substituição de Importações (PSI), designa a forma como os países “retardatários”, em particular, o Brasil e demais países da América Latina, promoveram a sua industrialização a partir dos anos de 1930. Este processo foi impulsionado pela prolongada crise mundial gerada pela Grande Depressão de 1929 que iniciou nos Estados Unidos. A crise constituiu, para os países da América Latina, o ponto crítico da ruptura do funcionamento do modelo primário- exportador (ou modelo de crescimento “voltado para fora”), com a passagem para um modelo de desenvolvimento “voltado para dentro”. Antes da eclosão da crise, estas economias caracterizavam-se não só pelo peso elevado do setor externo na composição da renda nacional, mas principalmente pelo fato das exportações serem a única componente autônoma do crescimento da renda, sendo, por isso, o centro dinâmico destas economias. Enquanto modelo de desenvolvimento, o MSI defendia três papéis fundamentais para o Estado: (1) o de indutor da industrialização através da concessão de crédito e do uso intensivo de instrumentos cambiais, e de restrições quantitativas e tarifárias sobre as importações; (2) o de empreendedor, a fim de eliminar os principais “pontos de estrangulamento” da economia; e, (3) o de gerenciador de escassos recursos cambiais, a fim de evitar a sobreposição de picos de demanda por divisas e crises cambiais recorrentes. A lógica desse modelo de desenvolvimento (ou suas principais características) pode ser resumida em quatro pontos: i. Inicia com um estrangulamento externo – um choque externo (por exemplo, a crise de 1929, guerras mundiais, etc.) que gera a queda do valor das exportações e põe em xeque a capacidade de importação dos países primário-exportadores. Neste contexto, a Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). manutenção da demanda interna e, consequentemente da demanda por importações, gera escassez de divisas; ii. Dada a restrição do Balanço de Pagamento destes países o governo utiliza de mecanismos cambiais (desvalorização a taxa de câmbio) ou tarifários, aumentando a competitividade e a rentabilidade da produção doméstica, dado o encarecimento dos produtos importados. iii. Gera-se uma onda de investimentos nos setores substituidores de importação, produzindo-se internamente parte do que antes era importado aumentando a renda interna e consequentemente a demanda; iv. O aumento da demanda faz crescer a importação de insumos e de bens de capital, acarretando uma nova crise de divisas, que leva a uma nova onda de substituição de importações e assim sucessivamente. Na superação contínua dessas contradições reside a essência da dinâmica do MSI. O problema é que à medida que este modelo avança através de sucessivas respostas à “barreira externa”, vai se tornando cada vez mais difícil e custoso prosseguir. Ocorre uma mudança na pauta de importações: reduz-se a participação de bens de consumo final e aumenta-se a de produtos intermediários (com maior defasagem temporal entre o investimento e a efetiva produção). Aumenta também a relação capital/produto, reduzindo-se a eficiência dos investimentos. Além disso, conforme o processo avança surgem itens de elevado conteúdo tecnológico, mais difíceis de serem produzidos internamente. No Brasil o PSI, iniciou na década de 1930 e durou aproximadamente cinco décadas — até o final da década de 1970, com a conclusão dos investimentos do II PND, do governo Geisel. Este processo de substituição de importações PSI pode ser dividido, para efeito de análise, em cinco fases: i) 1930-1945 - fase em que se inicia a fabricação nacional dos chamados bens de consumo não duráveis, como tecidos, indústria de alimentos, calçados etc.; ii) 1946-1955 (período do pós-guerra) - fase em que se observam consideráveis índices de crescimento industrial, prosperidade econômica e a consolidação da indústria de consumo leve no Brasil; iii) 1956-1961 – ciclo de expansão do MSI. Período em que a industrialização teve um impulso importante, à luz do planejamento industrial orientado pelo Estado (Plano de Metas), consolidando a Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). indústria como setor dinâmico da economia e mostrando a limitação do modelo de substituição de importações iv) 1962 - 1973, compreendendo o período de “crise” e de “milagre” para a economia brasileira; e, v) fase terminal do modelo de desenvolvimento econômico fundamentado no processo de industrialização por substituição de importações. 2. FASES DO MSI 2.1 A primeira fase do PSI (1930-45) Tem início com a crise mundial dos anos de 1930 que chegou ao Brasil provocando fuga de capitais e uma rápida queda na demanda mundial por café, acompanhada de forte queda no preço deste produto. Em consequência, houve redução da receita das exportações brasileiras e da capacidade de importar do país. Com a crise tornou-se praticamente impossível a continuação da obtenção de crédito no exterior para financiar a retenção de novos estoques de café visando conter a queda dos preços. Por outro lado, mesmo que as perdas advindas da crise se traduzissem em desvalorização cambial, o que tinha como consequência o barateamento do preço internacional do café, pelo lado da demanda o mercado internacional não absorvia toda produção existente, haja vista que a queda do preço do café tinha pouco impacto na sensibilidade da demanda pelo mesmo. Assim, a crise decretava o enfraquecimento e o consequente fim do modelo de desenvolvimento econômico baseado nas exportações do setor cafeeiro. Neste contexto dois conjuntos de fatores passam a concorrer para a expansão da atividade industrial no Brasil: primeiro, a política de manutenção da renda e da demanda agregada e, segundo, o aumento dos preços dos produtos manufaturados produzidos no exterior e a queda na capacidade de importar. A manutenção do nível de renda interna, evitando uma queda mais acentuada, se deu por meio do reforço da política de defesa do café adotada pelo governo de Getúlio Vargas. O Governo assumiu o controle da compra de café e como não havia possibilidade de obter empréstimos externos, a compra foi financiada com recursos internos obtidos Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). pela tributação do café exportado e por meio de crédito (ou emissão de moeda). Como parte dos estoques formados não eram passíveis de venda em prazo razoável houve a destruição (queima) dos excedentes de café a fim de reduzir a pressão dos estoques sobre o mercado. Com esta atitude, cresceu a possibilidade do café continuar a ser colhido, garantindo-se um preço mínimo de compra para o mesmo e mantendo-se o nível de emprego e renda de muitas pessoas na economia exportadora, assim como permitia-se a manutenção de parte do efeito multiplicador exercido pelo setor produtor de café sobre o restante da economia. Ao se evitar o declínio brutal no nível de renda, mantinha-se relativamente elevada a demanda de importações e agravava o problema do balanço de pagamentos causado pela queda nas exportações de café e da entrada de recursos externos. Isto porque parte da demanda se materializava por meio de importações. A fim de solucionar esse problema, o Governo permitiu uma expressiva desvalorização da moeda nacional. Além disso, impôs um contingenciamento no uso dos recursos externos, isto é, as poucas divisas que entravam no país tinham sua utilização regulada pelo governo, e foram prioritariamente utilizadas para o pagamento de compromissosexternos e para a aquisição de bens essenciais ao país. A desvalorização do câmbio levou a uma forte elevação nos preços dos produtos importados e esta desvalorização, associada ao contingenciamento no uso das divisas, gerou uma dificuldade para a importação (ou redução na capacidade de importar) tornando os produtos nacionais atraentes. Assim, a demanda – mantida pela política de estoque e queima de café – foi deslocada dos produtos importados para os produtos nacionais, entre os quais muitos produtos industriais que tiveram a partir de então o papel de substituir as importações dos bens manufaturados. A produção nacional passou, assim, a gerar uma rentabilidade que, dada a queda de rentabilidade do setor cafeeiro, atraia o capital de outros setores e o próprio reinvestimento dos lucros gerados na atividade industrial. Nesse momento, são justamente esses investimentos que passam a ditar o ritmo de crescimento da economia brasileira. Verifica-se assim, o deslocamento do centro dinâmico da economia do setor exportador para os setores voltados ao mercado interno. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). Nesse período inicial, a capacidade dos setores domésticos de atender a demanda interna foi garantida pela existência e utilização da capacidade ociosa (gerada nos de 1920) nos setores produtores de bens consumidos internamente. A indústria se concentrou, basicamente, na produção de bens de consumo que exigiam máquinas e equipamentos comuns, destacando-se as indústrias alimentícias, farmacêuticas, metalúrgica, artigos de higiene e limpeza, perfumaria, entre outras. Assim, a demanda do mercado interno assumiu papel decisivo na determinação do nível de produto, de renda e de emprego e o investimento passou a ser a variável chave para definir a taxa de crescimento da economia. As exportações ainda tinham um importante papel pois forneciam as divisas necessárias para a importação de máquinas e equipamentos, uma vez que a produção de bens de capital ainda era limitada no Brasil. Desse modo, o declínio das exportações poderia frustrar as intenções de investimento em certas circunstâncias ou, então, levar o governo ao controle do uso de divisas, privilegiando, por exemplo, a importação de bens essenciais (para consumo e para investimento) às custas de bens supérfluos. O regime cambial e o nível da taxa de câmbio, em particular, ganharam importância central na definição dos rumos da política de desenvolvimento a partir de então. Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939-45), a política do governo foi idêntica àquela adotada imediatamente após a crise de 1929: manteve mais uma vez a renda do setor cafeeiro e a demanda interna para os produtos industriais. Além disso, entre 1937 e 1945 ocorreu uma melhora nas relações de intercâmbio e um incremento na demanda por exportações, tendo em vista que os países industrializados haviam direcionado sua produção para as atividades de guerra, o que acabou reduzindo significativamente a oferta de produtos importados para o Brasil. Estes fatores ocasionaram uma nova onda de oportunidades para a realização de investimentos e a esperança de outro surto de desenvolvimento industrial. Porém, tal fato NÃO OCORREU devido à elevada dependência da indústria brasileira às importações de equipamentos. Deste modo, durante a Segunda Guerra Mundial se inviabilizou o aumento da produção na magnitude exigida pela demanda existente, o que fez com que muitas fábricas operassem com uma capacidade além da normal. Durante todo o período de guerra as importações ficaram restritas, uma vez que a produção dos países envolvidos Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). no conflito foi direcionada para o setor bélico, o que proporcionou um acentuado acúmulo de divisas estrangeiras. Após a Segunda Guerra Mundial o país havia acumulado grandes saldos de moeda estrangeira resultado da queda do volume de importações imposto pelo conflito e da consequente economia de divisas. Com o fim da guerra ocorreu imediatamente a expansão das importações motivadas pelos anos em que esta demanda esteve reprimida. Isto fez com que as reservas de divisas estrangeiras acumuladas durante o conflito fossem desperdiçadas em importações supérfluas. No entanto, apesar deste desperdício inicial, o governo aproveitou boa parte das divisas acumuladas e iniciou a reestruturação da indústria nacional, dando o impulso para uma nova etapa de crescimento industrial e de desenvolvimento para a economia brasileira. 2.2 Segunda fase do MSI (1946-1955) Marcado pela crescente participação do Estado, embora, esta participação tenha sido de natureza, essencialmente, indireta: o governo adotou controles cambiais e de importações e criou um aparato regulatório em diversas áreas do domínio econômico. Adotou-se inicialmente uma política de câmbio liberal que teve como consequência o rápido esgotamento das reservas cambiais. Este fato fez com que o governo implementasse um rígido controle sobre o câmbio e sobre as importações e passasse a priorizar somente as importações de produtos que pudessem colaborar com o fortalecimento do setor industrial, ou seja, de produtos considerados essenciais: a política cambial priorizou as importações de máquinas, equipamentos e matérias-primas para a indústria em detrimento das importações de bens de consumo, as quais passavam a depender de licenças especiais travadas pela burocracia do governo. Deste modo, o Estado garantiu a reserva de mercado para os produtos industriais nacionais e, paralelamente, garantiu a importação de insumos e bens de produção a um câmbio supervalorizado mantendo o preço destes bens reduzidos. Posteriormente, a instrução 70 da SUMOC, criou o sistema de leilões de câmbio, mantendo as dificuldades para a importação de bens de consumo, o que favoreceu as importações de bens de capital. Neste período a melhora nos termos de intercâmbio não beneficiou o setor exportador, mas sim o setor industrial nacional que se aproveitou da redistribuição das divisas Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). oriundas das exportações, via mecanismo cambial adotado pela política econômica. Assim, do pós-guerra até o Plano de Metas de JK o uso, por parte do Estado, do sistema cambial como um eficiente instrumento de fomento à industrialização brasileira pode ser considerada a principal característica da política econômica do país. O setor industrial ganhou grande impulso e se concretizou como o setor mais dinâmico da economia, ou seja, não mais o setor externo e a “variável exportação” condicionavam o crescimento da economia, mas sim, o setor industrial nacional e a “variável investimento”, o que significou uma mudança qualitativa no padrão de acumulação de capital brasileiro. Durante este período de prosperidade houve ascensão do processo inflacionário e, a partir de 1954, os preços do café se desvalorizaram internacionalmente gerando saldos comerciais negativos. Ademais, a indústria nacional passou a enfrentar problemas no que tange a oferta de bens de capital e de infra-estrutura, o que representava relevantes gargalos para a continuidade do desenvolvimento industrial do país.É neste contexto que tem início a terceira fase do MSI. 2.3 Terceira fase do MSI que vai de 1956 a 1961. Até esse momento, apesar de o Estado ter tido papel significativo na promoção do crescimento industrial e na consolidação da indústria como setor dinâmico da economia, todo o desenvolvimento alcançado havia sido obtido sem muito planejamento, ou seja, grande parte do crescimento industrial foi resultado das condições adversas da economia mundial, que tiveram como efeito reduzir ou impossibilitar as importações de produtosmanufaturados e gerar as oportunidades para a substituição de importações destes produtos pela produção similar nacional, processo chamado de substituição de importações não induzido pelo Estado. Isto mudou a partir de 1956. No início dessa fase a economia brasileira apresentava um quadro de desequilíbrio impressionante, o que impunha prudência na condução da política econômica. Entretanto, os desequilíbrios existentes não inibiram a formulação de um programa que, além de propor investimentos que implicavam vigorosa elevação dos gastos do setor público, postulava um substancial avanço na industrialização. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). Assim, na terceira fase, o MSI viveu um ciclo de expansão, caracterizado pela realização de um bloco de investimentos, em grande parte previsto pelo Plano de Metas, que não representou apenas a ampliação da capacidade produtiva já existente, mas também a implantação de novos ramos produtivos (principalmente em material de transporte, material elétrico e metal-mecânica). Esses investimentos atenderam, em parte, a uma demanda preexistente (e contida) por importações; mais importante, no entanto, é que eles próprios contêm o efeito acelerador, induzindo novos investimentos nos setores antes estabelecidos a partir da demanda que geram em sua instalação e funcionamento. O Plano de Metas, “se caracterizou por uma intensa diferenciação industrial num espaço de tempo relativamente curto e articulado diretamente pelo Estado”. O objetivo era estabelecer as bases de uma economia industrial madura no país, especialmente aprofundando o setor produtor de bens de consumo duráveis. Assim, os principais ramos industriais que surgiram neste período foram o automobilístico, de construção naval, material elétrico e de máquinas e equipamentos. Paralelamente houve a expansão da indústria siderúrgica, química pesada, petróleo, papel e celulose e a de metais não ferrosos. A condução do plano teve como base o “tripé” Estado, capital privado nacional e capital estrangeiro. O capital privado nacional recebeu um volume considerável de incentivos para atuar na indústria de bens de capital e nos setores fornecedores das empresas transnacionais, citando-se, por exemplo, o caso da indústria automobilística transnacional e o setor fornecedor de peças fundamentado na indústria de capital nacional. Também ficaram ao encargo do capital privado nacional os setores não manufatureiros, como o da construção pesada. Além disso, o capital privado nacional se viu beneficiado da expansão da demanda derivada por bens de consumo não duráveis. Além do apoio ao capital privado, o Estado assumiu um caráter empresarial. Dentre suas principais atividades, merece destaque especial a ampliação da Companhia Siderúrgica Nacional e a criação de mais três companhias produtoras de aço, bem como a expansão da PETROBRÁS e o setor estatal de produção elétrica, com a criação do sistema ELETROBRÁS. Para completar o “tripé”, coube as empresas transnacionais a implantação no país de indústrias que exigissem maior complexidade tecnológica e possibilitasse um considerável volume de economia de divisas internamente. Desta maneira, surgiram no Brasil a partir da utilização do investimento direto do capital estrangeiro, a indústria automobilística, a indústria naval, a indústria de mecânica pesada, etc. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). O final do Plano de Metas (1960), representou a finalização do longo processo de diversificação industrial atravessado pela economia brasileira no contexto do modelo de substituição de importações. Nesta etapa, verifica-se que a industrialização, antes não induzida, mas motivada por estrangulamentos externos, agora encontra um projeto de orientação estatal, fundamentado em uma ideologia desenvolvimentista e industrializante. O crescimento do produto verificado no período foi resultado da concentração de esforços e da definição de prioridades, no sentido de preencher as lacunas da cadeia produtiva, concretizando-se um sistema industrial integrado que superou os gargalos nos setores produtores de bens de capital e insumos. Porém, ao final do Plano de Metas, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações (fundamentado no setor de bens duráveis, representado principalmente pela indústria automobilística) não gerou somente benefícios para o país, pois resultou em uma série de consequências contraditórias e negativas. Dentre estas se destacam: a concentração industrial, devido à elevada escala de produção exigida pelos novos setores; concentração de renda, uma vez que este setor é intensivo em capital e não gera muitos empregos, além de criar uma disparidade entre os salários pagos aos trabalhadores destes setores e os trabalhadores ligados aos setores tradicionais da economia; ademais, o fato deste setor ser constituído por inúmeras filiais de empresas multinacionais, gerou problemas para o balanço de pagamentos devido à considerável quantidade de importações demandadas por estas empresas e de suas remessas de lucros para o exterior. Como resultado final, ainda que a estrutura industrial depois do Plano de Metas apresentasse algumas falhas, o principal foi realizado. Em termos qualitativos, o Brasil abriu a década de 1960 com um perfil industrial de economia madura. 2.4 Quarta fase do MSI (1962 a 1973) O país enfrentou sua primeira crise de baixo crescimento oriunda do modelo de desenvolvimento baseado na industrialização por substituições de importações. Esta crise, ocorrida no período de 1962 a 1967, foi resultado da maturação dos volumosos investimentos realizados nos anos do Plano de Metas, um bloco de investimentos cuja capacidade não pôde ser plenamente utilizada de imediato. Esse bloco de investimentos Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). (públicos e privados) foi extremamente concentrado no tempo e gerou uma capacidade produtiva que superava a demanda preexistente (já absorvida pela produção nacional). Além disso, durante o Plano de Metas ocorreram desequilíbrios no nível geral de preços, tendo estes aumentado consideravelmente, devido ao financiamento dos gastos públicos via emissão monetária, além de déficits no Balanço de Pagamentos. Estes desequilíbrios exigiram do governo a adoção de políticas que protegessem a estabilidade econômica. Assim, a profundidade da retração da atividade econômica no período de 1962 a 1967 não era explicada apenas pelas tendências estruturais ao declínio cíclico. Foram fundamentais também a política de estabilização de preços do início de 1963 (Plano Trienal) e de 1965-67, ambas de natureza contracionista, que se sobrepuseram às tendências citadas, precipitando e intensificando o declínio do crescimento pelo lado da demanda; e, a crise política que assolou o Brasil após a renúncia de Jânio Quadros em 1961 até o golpe militar de 1964. A partir destes desequilíbrios oriundos do Plano de Metas ficou claro que o país precisaria de reformas institucionais que permitissem resolver os problemas de financiamento; racionalizar os gastos públicos; e orientar o sistema financeiro no sentido de favorecer novos esquemas de criação de liquidez e financiamento. Assim, o governo realizou duas reformas, a tributária e a financeira. A reforma tributária logrou aumentar a arrecadação do Estado, permitindo ao governo orientar e incrementar, de forma mais racional, a concessão de incentivos fiscais e subsídios aos setores considerados estratégicos. A reforma financeira criou os fundos de poupança compulsória (PIS, PASEP, FGTS) e ampliou o crédito para o consumo, recuperando parte da demanda reprimida dos anos de crise. Data também de 1964, a criação do Banco Central doBrasil. Estas reformas deram as bases institucionais para o período de crescimento que durou até meados de 1973. Porém, outros fatores contribuíram para tal fato: a reversão cíclica que passou a permitir novas oportunidades de investimentos e a prosperidade da economia mundial nestes anos, que permitiu o acesso ao abundante crédito externo, ou seja, permitiu o endividamento e aumentou o espaço para a diversificação e o crescimento das exportações brasileiras. Ademais, a política econômica do período também se orientou no sentido da expansão econômica. Dentre as principais medidas destacam-se, a aplicação do realismo tarifário Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). para as empresas estatais (o que as obrigou a se capitalizar, fazer investimentos e gerar lucros em condições de concorrência); as políticas cambiais de minidesvalorizações (que buscaram manter a taxa real de câmbio auxiliando o setor exportador); e os incentivos fiscais ao setor exportador (visando a diversificação das exportações). Este período, chamado “milagre econômico brasileiro”, pode ser descrito tendo como referência a capacidade ociosa acumulada pelo setor produtivo durante a primeira metade da década de 1960 (anos de crise), principalmente pelo setor de bens de consumo duráveis. Esta capacidade ociosa permitiu o intenso crescimento da produção e do emprego quando da recuperação dos níveis de demanda, a partir da segunda metade dos anos 1960. Uma vez recuperada a demanda para os bens de consumo duráveis, ocorreu a reativação da demanda para os setores produtores de bens de capital e insumos intermediários. Associado a isto, as condições externas de demanda e internas de crédito possibilitaram ao setor produtor de bens de consumo não duráveis a expansão da produção e o incremento das exportações. Neste período fomentou-se, por exemplo, as exportações de alimentos industriais processados e produtos de vestuário, produtos típicos da indústria de bens de consumo não-duráveis. Portanto, esta expansão da demanda e o aumento da renda geraram um surto de crescimento que caracterizou a primeira fase do “milagre”, ou seja, a fase de crescimento “fácil”, onde se aproveita a reversão cíclica. Porém, como a renda havia aumentado, logo vieram as pressões sobre a capacidade de produção dos setores produtores de bens de capital e insumos intermediários. Tal fato, dada à insuficiência do setor produtor de bens de capital brasileiro, fez com que se acelerasse a demanda por importações. Isto gerou déficits crescentes nas contas de transações correntes, fazendo com que estes déficits tivessem que ser compensados por endividamento externo, de modo que o final do período de “milagre econômico” pode ser considerado como uma fase de crescimento com endividamento. Os anos de crescimento tiveram uma série de consequências para o Brasil, destacando-se o fato de que o crescimento econômico obtido ocorreu sem mudanças na estrutura produtiva, ou seja, aproveitou-se a capacidade instalada que estava ociosa para responder ao aumento de demanda subsequente, porém sem realizar novas rodadas de substituição de importações. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). Outra consequência importante foi a consolidação do poder estatal no controle da economia brasileira que, agindo sempre de forma autoritária, orientou as políticas de financiamento e as concessões de incentivos fiscais aos setores estratégicos, ao mesmo tempo em que adotou políticas de perdas salariais incrementando o conflito distributivo. Além disso, ampliaram-se, as contradições do desenvolvimento industrial (desigualdades regionais, inflação e desequilíbrios nas contas externas e do governo). 2.5 Quinta fase do MSI (1974 – 1979) A última fase marca o auge e o esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importação no Brasil: a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) completou o PSI mas o forte aumento da inflação e a deterioração das contas públicas e externas já sinalizavam o esgotamento deste modelo. Este período inicia-se com um choque externo causado pela primeira crise internacional do petróleo, em 1973, quando os preços deste produto quadruplicaram, os custos de produção associados à produção industrial aumentaram e os investimentos diretos cessaram em escala mundial. O Brasil que já vinha se endividando de forma consistente desde o período do milagre, viu agravar sua situação com a elevação dos preços do petróleo. Ademais, não foram poucos os gastos com matérias-primas importadas, superiores até mesmo aos dispêndios com petróleo. Esse desequilíbrio nas contas externas significou para o governo um dilema entre o uso de uma política de ajuste (tanto nas contas externas como na inflação que também apresentou ascensão no período), ou uma política de financiamento e continuidade do crescimento. Uma política de crescimento continuado teria como condição necessária a existência de recursos no mercado internacional para que fosse possível financiar o volume dos investimentos pretendidos. A ordem internacional propiciava estas condições devido a forte entrada de “petrodólares” no mercado financeiro internacional: os países da Organização Dos Países Exportadores De Petróleo (OPEP) depositavam seus superávits (suas receitas com exportações) em dólares nos bancos europeus e norte-americanos, gerando grande massa de capital que procurava valorização financeira. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). Neste contexto, a aposta do governo militar foi a de expandir o endividamento com a esperança de a que a crise do petróleo fosse passageira, não sendo necessário, portanto, enfrentar os custos recessivos advindos do ajuste. Assim, a partir de 1974 o Brasil fez a opção de crescer com endividamento externo, aproveitando-se do crédito internacional barato e apostando na transitoriedade dos efeitos restritivos vindos do exterior. Enquanto diversos países adotavam uma política econômica restritiva, o governo brasileiro formulava o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). O II PND era um ousado plano de investimentos públicos e privados objetivando representar a última etapa de substituição de importações para o Brasil. Para tanto, o plano visava concentrar os investimentos no setor produtor de bens de capital e insumos intermediários, através do investimento privado nacional. Além disso, buscava-se alterar a matriz energética, ao se reduzir a dependência brasileira em relação ao petróleo e aumentar a produção de energia elétrica. Outro objetivo era o de aumentar a exportação de insumos industriais, minério de ferro, alumínio, aço etc. Para a consecução destes objetivos, o governo utilizou, em grande medida, empréstimos externos, canalizando estes investimentos via BNDES, para as empresas privadas nacionais, que seriam as responsáveis por fomentar a oferta interna de bens de capital. Além disso, este recurso ao empréstimo externo servia para financiar as importações temporárias necessárias para à realização dos investimentos iniciais. Assim, o setor dinâmico responsável por alavancar o crescimento econômico não foi mais o setor produtor de bens duráveis de consumo fundamentado nas empresas multinacionais, mas sim o setor produtor de bens de capital e insumos básicos (capital estatal e privado nacional). O II PND não alcançou as metas pretendidas para o crescimento do PIB, da indústria, etc. mas logrou resultados positivos no tocante a: i) exportações - o quantum de exportações cresceu continuamente a partir de 1978 e aumentou a diversificação das exportações; ii) substituição de importações - conseguiu substituir consideravelmente as importações de produtos intermediários,principalmente devido aos incentivos recebidos do BNDES e do CDI Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI), instituição responsável por conceder isenções para as importações de máquinas e equipamentos para Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). o setor privado, e pela ação direta das empresas do Estado - e impulsionar a indústria doméstica de bens de capital. O II PND foi o último projeto de desenvolvimento industrial orientado pelo Estado e pode ser considerado como o marco para o fim do modelo de industrialização por substituição de importações no Brasil. 3. OS MECANISMOS DE PROTEÇÃO À INDÚSTRIA NACIONAL Ao longo de todo o período, o MSI brasileiro foi implementado, modificando substancialmente as características da economia brasileira, industrializando e urbanizando-a. Isto foi feito com a utilização de quatro Mecanismos de Proteção à Indústria Nacional: 1. Desvalorização real do câmbio: aumentar os preços dos produtos importados em medida superior ao aumento dos preços nacionais. (Adotado no Governo Vargas). Problema da medida: encarece também o preço de máquinas e equipamentos tão essenciais à indústria; Vantagem: melhora a situação das importações. 2. Controle de câmbio: torna-se necessária uma licença para importar, emitida somente aos bens essenciais. (Adotado no Governo Dutra); 3. Taxas múltiplas de câmbio: de um lado, estabelecem-se taxas de câmbio mais altas para bens não-essenciais e bens que tenham similar nacional; de outro, taxas mais baratas para máquinas e equipamentos. (Adotado no segundo Governo Vargas) 4. Elevação das tarifas aduaneiras: aqui, ao invés de controlar o câmbio, eleva-se as tarifas de importação. (Adotado no Governo JK) Além disso, ocorreram inúmeros percalços e algumas dificuldades. As principais dificuldades na implementação do PSI no Brasil foram as seguintes: i) A tendência ao desequilíbrio externo - aparecia por várias razões: Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). • Valorização cambial - visava estimular e baratear o investimento industrial; significava uma transferência de renda da agricultura para indústria - o chamado “confisco cambial”- desestimulando as exportações de produtos agrícolas; • Indústria sem competitividade, devido ao protecionismo, visava atender apenas ao mercado interno, sem grandes possibilidades no mercado internacional; • Elevada demanda por importações devido ao investimento industrial e ao aumento de renda. Assim, como a geração de divisas ia sendo dificultada, o PSI, colocado como um projeto nacional só se tornava viável com o recurso ao capital estrangeiro, quer na forma de dívida externa quer na forma de investimento direto, para eliminar o chamado “hiato de divisas”. ii) Aumento da participação do estado - ao Estado caberia as seguintes funções principais: • A adequação do arcabouço institucional à industria. Isto foi feito através da Legislação Trabalhista que visava a formação e regulação de um mercado de trabalho urbano, definindo os direitos e deveres dos trabalhadores e a relação empregado-empregador. Também criam-se mecanismos para direcionar capitais da aitividade agrícola para a industrial, dada a ausência de um mercado de capitais organizado. Além disso foram criadas agências estatais e uma burocracia para gerir o processo. Destacam-se os seguintes órgãos: o DASP (Departamento Administrativo do Setor Público), o CTEF (Conselho Técnico de Economia e Finanças), a CPF (Comissão de Financiamento da Produção), a CPA (Comissão de Política Aduaneira), o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) etc. • A geração de infra-estrutura básica. As principais áreas de atuação foram os transportes e a energia. Até a Segunda Guerra Mundial, destacou-se o caráter emergencial dessa atuação, procurando eliminar os pontos de estrangulamento que aparecessem. No pós- guerra, buscou-se alguma forma de planejamento, ou seja, evitar o aparecimento de estrangulamentos. Destacam-se neste sentido os trabalhos da Comissão Mista Brasil- Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). Estados Unidos, cujos projetos não foram plenamente realizados por ausência de financiamento. • O fornecimento dos insumos básicos. O Estado devia atuar de forma complementar ao setor privado, entrando em áreas cuja necessidade de capital e riscos envolvidos inviabilizam a presença da atividade privada, naquele momento. Neste sentido, foi criado todo o Setor Produtivo Estatal (SPE): CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), CVRD (Companhia Vale do Rio Doce), CNA (Companhia Nacional de Álcalis), a Petrobrás, várias hidrelétricas etc. Esta ampla participação estatal gerava uma tendência ao déficit público e forçava o recurso ao financiamento inflacionário, na ausência de fontes adequadas de financiamento. iii) Aumento do grau de concentração de renda O processo de substituição de importações era concentrador em termos de renda em função do: • Êxodo rural decorrente do desincentivo à agricultura, com falta de investimentos no setor, associado à estrutura fundiária, que não gerava empregos suficientes no setor rural, e à legislação trabalhista, restrita ao trabalhador urbano, constituindo um forte estímulo a vir para a cidade; • Caráter capital intensivo do investimento industrial, que não permitia grande geração de emprego no setor urbano. Esses dois pontos geravam excedente de mão-de-obra e, conseqüentemente, baixos salários. Por outro lado, o protecionismo (ausência de concorrência) permitia preços elevados e altas margens de lucro para as indústrias. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). iv) Escassez de fontes de financiamento A quarta característica foi a dificuldade de financiamento dos investimentos, dado ao grande volume de poupança necessário para viabilizar os investimentos, em especial os estatais. Este fato se deve à: • Quase inexistência de um sistema financeiro em decorrência, principalmente, da “Lei da Usura” , que desestimulava a poupança. O sistema restringia-se aos bancos comerciais, a algumas financeiras e aos agentes financeiros oficiais, com destaque para o Banco do Brasil e ao BNDE, sendo que este último operava com recursos de empréstimos compulsórios (um adicional de 10% sobre o Imposto de Renda, instituído para sua criação); • Ausência de uma reforma tributária ampla. A arrecadação continuava centrada nos impostos de comércio exterior e era dificil ampliar a base tributária; já que a indústria deveria ser estimulada, a agricultura não poderia ser mais penalizada, e os trabalhadores, além de sua baixa remuneração, eram parte da base de apoio dos governos do período. Neste quadro, não restava alternativa de financiamento ao Estado, que teve que se valer das poupanças compulsórias, dos recursos provenientes da recém-criada Previdência Social, dos ganhos no mercado de câmbio com a introdução das taxas de câmbio múltiplas, além do financiamento inflacionário e do endividamento externo, feito a partir de agências oficiais. 4. CONSEQUÊNCIAS DO TIPO DE INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA, SEGUNDO CELSO FURTADO 1 Em um modelo em que predominava altas taxas de lucro e que não havia pressão para que estas taxas fossem reduzidas, a preocupação com a produtividade foi relegada para segundo plano. Economia Brasileira Contemporânea, UFRPE, - Profa. Keynis Cândido de Souto (keynis.souto@ufrpe.br). 2 Um elevada taxa de lucro traz sempre como consequencia uma não menos elevada taxa de distribuição de dividendos. As rendas daqueles que são proprietários de fatores de produção tendem a crescer sempre mais do que a renda dos assalariados. 3 A renda altadesenvolve mercado urbano de serviços e, na medida em que este supera o emprego de trabalhadores na área industrial, faz ganhar força uma classe social moderada e pouco afeita às lutas para transformação social. REFERÊNCIAS: GIAMBIAGI, F. e A. VILLELA org (2005). Economia Brasileira Contemporânea. Ed. Campus. GREMAUD, A., VASCONCELLOS, M. e R. TONETO JR. (2017). Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Ed. Atlas. TAVARES, Maria Da Conceição. Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil. In: BIELSTHOWSKY, Ricardo (organizador). Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record, 2000.
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