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GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS AULA 3 Prof. Márcio Bernardes de Carvalho 2 CONVERSA INICIAL Transformações no ambiente mundial e o estado Esta aula está organizada em cinco temas, e utilizaremos sínteses para conceituar e debater cada um deles. O primeiro abordará o conceito de Estado, por meio da leitura de alguns autores clássicos de diversas áreas. O segundo tema irá abranger as reformas do Estado, tendo como critério as alterações de visão macroeconômicas que influenciaram e influenciam a organização do Estado e sua relação com outras instituições e a sociedade. Já o terceiro tema abordará as metas do milênio da Organização das Nações Unidas (ONU) e sua relação com a Administração Pública. O quarto e penúltimo tema apresentará a matriz insumo-produto como instrumento de análise econômica e desenvolvimento social. Nosso último tema trará o conceito de stakeholder e suas possibilidades dentro da gestão pública. TEMA 1 – AUTORES CLÁSSICOS E O ESTADO Para avançarmos no estudo da gestão de políticas públicas, é necessário que se apontem, nos teóricos clássicos que refletiram sobre a organização da sociedade e o Estado, as principais correntes e pensamentos que influenciaram e ainda influenciam o entendimento dessa instituição. Thomas Hobbes (1588-1679)1 reflete sobre a necessidade de os agrupamentos de indivíduos criarem “contratos sociais” que organizam a sociedade e legitimam o poder centralizado para garantir a “ordem”. Queiroz (2012, p. 27) cita que, para o autor, “o Estado surge para evitar a desagregação que sempre ameaçou os homens”, pois, no considerado “estado de natureza”, os indivíduos vivem em conflito permanente. Segundo escreveu o autor na obra O Leviatã, de 1651, “o homem é lobo do próprio homem”2. Já John Locke (1632-1704)3, contrariando Hobbes, acreditava que o estado de natureza é um lugar de paz e harmonia, e não de guerra. Porém, esse estado de natureza possui limites e não permite ao indivíduo a propriedade 1 Indicamos a leitura das obras O Leviatã e Do Cidadão para aprofundamentos de estudo. 2 Existem estudos que remetem a frase original ao dramaturgo romano Plauto (254-184 a.C.) na sua obra Asinaria, escrita em latim homo homini lupus. 3 Indicamos as obras Cartas sobre tolerância (1689), Dois tratados sobre o governo (1689) e Ensaio acerca do entendimento humano (1690), para aprofundamento de estudo sobre o autor. 3 privada. Objetivando o direito à propriedade privada, os indivíduos se organizam em sociedades políticas, sendo assim o Estado como um ente político. Para diversos autores, é na obra de Jean-Jacques Rousseau (1712- 1778)4 que encontramos a concepção de Estado como organizador da sociedade civil. A teoria da vontade geral é a interpretação do corpo político sobre a vontade do povo. Para o autor, o corpo político (sociedade) pode ser considerado uma pessoa com personalidade e atributos, tal como Hobbes também assim o interpreta. TEMA 2 – A CRISE DO ESTADO O Estado contemporâneo é uma invenção humana, em que a sociedade estrutura uma instituição que, de forma geral, faz a mediação entre diferentes interesses, por vezes antagônicos, no seio desta. Ou seja, quando afirmamos que existe uma instituição que possui a responsabilidade pelo controle social, estamos falando do Estado. O que se chama de crise do Estado em nosso atual momento é o questionamento sobre quais são os limites e tarefas desse Estado. O pensamento liberal defende o regime de Estado mínimo, em que o “mercado” se autorregula. Por outro lado, correntes ideológicas não alinhadas ao liberalismo, as quais chamaremos progressistas, tendem a acreditar que a função do Estado é regular o conjunto das relações e intervir, sempre que necessário. Com o passar dos séculos, a humanidade aumentou seu contingente populacional e o concentrou nas capitais ou em outras grandes cidades. O crescimento desenfreado alterou as relações sociais e as complexificou (pensando ser complexo em relação às relações anteriores), exigindo cada vez mais do Estado e de suas políticas públicas. A sociedade se desenvolve e exige cada vez mais do Estado, que não consegue se aprimorar e corresponder a todas as necessidades surgidas dessas novas relações sociais de nossa atualidade. Se, no Brasil da década de 1940, a exigência era a presença do Estado em toda a extensão territorial continental, passados os anos de 2000 criticam-se 4 Para aprofundamento de estudos, indicamos as obras do autor, Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1755) e Do contrato social (1762). 4 a morosidade e a falta de eficiência dele, além dos diversos questionamentos ao seu tamanho. A exigência feita contra o Estado se reflete nas políticas públicas que muitas vezes são a expressão material do que chamamos de “ação” do Estado que conhecemos hoje. Para os gestores, resta compreender este atual momento e agir de forma a diminuir os danos desse grande questionamento social, que acaba criando uma sensação permanente de desconfiança de tudo o que possa ser produzido pelo Estado ou mesmo que tenha ligação com ele. TEMA 3 – O ESTADO E AS METAS DO MILÊNIO No ano 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu uma série de líderes mundiais para refletir sobre o desenvolvimento da humanidade. A Declaração do Milênio da ONU incentivou o debate sobre os objetivos para o próximo milênio, representados, em uma primeira versão, em oito propostas, que deveriam nortear as ações dos países e governantes até 2015: 1) Acabar com a fome e a miséria; 2) Educação básica de qualidade para todos; 3) Igualdade entre sexos e valorização da mulher; 4) Reduzir a mortalidade infantil; 5) Melhorar a saúde das gestantes; 6) Combater a malária e outras doenças; 7) Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; e 8) Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. A ONU retomou o debate e a avaliação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)5 em setembro de 2015, deliberando por consenso uma agenda para 20306 com 17 objetivos: 1) Erradicação da pobreza; 2) Fome zero e agricultura sustentável; 3) Saúde e bem-estar; 4) Educação de qualidade; 5) Igualdade de gênero; 6) Água potável e saneamento; 7) Energia acessível e limpa; 8) Trabalho decente e crescimento econômico; 9) Indústria, inovação e infraestrutura; 10) Redução das desigualdades; 11) Cidades e comunidades sustentáveis; 12) Consumo e produção responsáveis; 13) Ação contra a mudança global de clima; 14) Vida na água; 15) Vida terrestre; 16) Paz, justiça e instituições eficazes; e 17) Parcerias e meios de implementação. Com base nesses princípios, instituições públicas e privadas devem organizar suas agendas e ações, visando conjugar esforços para superação dos 5 Também chamados de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). 6 Mais informações em Agenda 2030, disponível em: <http://www.agenda2030.org.br/sobre/>. Acesso em: 28 set. 2019. 5 desafios contemporâneos da humanidade. O Estado tem papel fundamental, pois é a instituição que possui legitimidade, capilaridade e tradição, atributos que podem auxiliar a verificar, com o devido compromisso com a sociedade humana, o processo de desenvolvimento das sociedades e como isso tem afetado diretamente a interação desses indivíduos com o meio ambiente, bem como persistem desafios centenários que não condizem com o atual estágio de desenvolvimento cultural e tecnológico dos seres humanos. TEMA 4 – MATRIZ INSUMO-PRODUTO A matriz insumo-produto é um instrumento desenvolvido na década de 1940 pelo economista russo Wassily Leontief que torna possível identificar o fluxo de bens e serviços em cada áreada economia. Caracterizada como um instrumento da contabilidade social, auxilia na identificação das potências econômicas locais, regionais, nacionais e internacionais e permite ao gestor do Estado observar, além do ritmo produtivo, as possibilidades para investimentos e parcerias visando a que produtos locais ou regionais se expandam conforme as demandas e possibilidades produtivas locais e regionais (recursos humanos e materiais para produção). Para Carvalheiro (1998, p. 140-141): O uso da matriz de insumo-produto difundiu-se muito nos últimos anos, e hoje ela é considerada um instrumento de grande utilidade para analisar os efeitos estruturais de choques na economia (tais como mudanças no preço do petróleo, alterações em tarifas, aumentos de salários ou variações na taxa de câmbio, por exemplo), bem como para fazer projeções sobre o comportamento da atividade econômica. Abordagens mais modernas, possibilitadas pelo avanço de técnicas computacionais, envolvem os chamados modelos de equilíbrio geral computável, envolvendo sistemas de equações simultâneas e métodos não lineares de estimação de parâmetros, com a finalidade de simular efeitos de mudanças nas políticas econômicas. O uso dos dados da matriz de insumo-produto permite, em conjunto com outras estimativas, capturar as interações entre os diversos agentes econômicos, simulando o comportamento de uma economia de mercado (p. 140- 141). O desenvolvimento econômico local é executado pela ação privada e também pública. O gestor público é um dos responsáveis por mensurar e identificar demandas e potências dentro da localidade e como essas potências deverão ser incentivadas e organizadas no mercado regional, nacional ou internacional. 6 A matriz hoje é utilizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)7 para a melhoria da integração produtiva brasileira e também sul- americana. Uma questão muito importante no emprego dela é a capacidade de verificação de propriedades sistêmicas na área de estudo. É possível, com base nesses estudos, monitorar dependência, independência de produção, hierarquia e circulação entre setores, no plano macro e também no micro, verificando, nas localidades, potências e demandas de produtos e serviços locais, estimulando o desenvolvimento econômico com base nas necessidades locais, mas também aproveitando e estimulando a produção local, conectando-a no plano regional, nacional ou mesmo internacional. TEMA 5 – GRUPOS DE INTERESSE E OS STAKEHOLDERS Muitos termos são utilizados em diversas teorias políticas; porém, com a popularização da internet, diversas palavras traduzidas de outros idiomas são incorporadas ao repertório de diálogos sobre políticas públicas. A teoria dos grupos de interesse defende que grupos com identidades ou necessidades próximas tendem a se reunir para reivindicar aos órgãos públicos. Isso os leva a aumentar sua importância social e, por consequência, sua influência política. Na área privada, quando tratamos de projetos específicos, existe um conjunto de pessoas de interesse que podem ser representadas com a nomenclatura stakeholders8, conforme encontramos na obra Strategic management: a stakeholder approach, de Robert Edward Freeman. Nesse livro, o conceito está vinculado ao planejamento estratégico de negócios das empresas, pois os stakeholders são as “partes interessadas” em um projeto, ação ou similar que podem afetá-los de forma positiva ou negativa. Mesmo que, em diferentes autores, possam ambos os conceitos estar de certa forma distantes, podemos encontrar na bibliografia sobre Administração Pública no Brasil encontros e conexões possíveis. Tanto na área pública como na área privada, existem indivíduos e/ou grupos de pessoas que interagem 7 Sugerimos como leitura complementar a análise da matriz insumo-produto sul-americana, disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=32421&Itemid= 343>. Acesso em: 28 set. 2019. 8 O termo pode ser traduzido também do inglês como “partes interessadas”. 7 diretamente com projetos e políticas, por serem parte integrante ou interessada (por vezes os dois papéis) destes. No mundo privado, é possível compreender o desenvolvimento da análise dos stakeholders. Barbi ([s.d.]) resume a avaliação em quatro etapas: determinar quem pode afetar o projeto; identificar os pontos de contato entre os interessados; identificar como cada interessado pode ajudar ou atrapalhar o projeto; quantificar os graus de influência/poder e interesse de cada envolvido. Tais etapas ajudam o gestor a “mapear” indivíduos, criando uma tabela de possibilidades e tendências, de acordo com interesses e relações. NA PRÁTICA Para cada tema, uma situação prática pode auxiliar no entendimento do conteúdo ou mesmo na sua função social. Como primeiro exemplo, é necessário que você avalie, em dada gestão (exemplo: município, Estado ou Governo Federal), a forma pela qual o gestor de uma área ou o executivo entendem o Estado como instituição. Essa percepção auxiliará na compreensão de programas e ações públicas e como esse gestor espera, com base em sua visão de Estado, que essas políticas se desenvolvam. Por exemplo, você pode fazer uma análise da sua prefeitura nos seguintes termos: como o chefe do Executivo entende o conceito de Estado como instituição pública? Da mesma forma, é importante verificar as reformas do Estado nas instituições e os grupos de influência. Em uma perspectiva de gestão que pensa em uma sociedade globalizada, é necessário verificar em seu município como estão sendo tratadas as metas do milênio, ou seja, como seu município ou Estado está engajado na Agenda 2030. FINALIZANDO Esta aula foi organizada em cinco temas. O primeiro apresentou o conceito de Estado na perspectiva de alguns autores clássicos de diversas áreas. O segundo tema discutiu as reformas do Estado, considerando como critério as alterações de visão macroeconômicas que influenciaram e influenciam a organização do Estado e sua relação com outras instituições e a sociedade. O terceiro tema dedicou-se a tratar das metas do milênio da Organização das Nações Unidas (ONU) e a relação delas com a Administração Pública. O 8 quarto apresentou a matriz insumo-produto como instrumento de análise econômica e desenvolvimento social. Por fim, o quinto tema introduziu o conceito de stakeholder e suas possibilidades dentro da gestão pública. 9 REFERÊNCIAS BARBI, F. Análise dos stakeholders. Gestão de Projeto. [S.d.]. Disponível em: <http://www.gestaodeprojeto.info/analise-dos-stakeholders>. Acesso em: 28 set. 2019. CARVALHEIRO, N. Observações sobre a elaboração da matriz de insumo- produto. Revista Pesquisa & Debate, São Paulo, v. 9, n. 2, p.139-157, 1998. QUEIROZ, R. B. Formação e gestão de políticas públicas. Curitiba: Intersaberes, 2012.
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