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Victor Correa São Paulo Rede Internacional de Universidades Laureate 2015 Prática em Serviço Social I Victor Correa São Paulo Rede Internacional de Universidades Laureate 2015 Sumário Capítulo 1: O Serviço Social em perspectiva histórica ---------------------------------------5 Introdução ------------------------------------------------------------------------------------------5 1 A gênese do Serviço Social no mundo -------------------------------------------------------6 Síntese -------------------------------------------------------------------------------------------- 15 Referências Bibliográficas ---------------------------------------------------------------------- 16 5 Introdução Você sabe quais foram os fatores históricos que favoreceram o surgimento do Serviço Social no mundo? Em qual contexto as pessoas e as instituições perceberam a necessidade de ajudar os menos favorecidos? Será que esse auxílio se deu de maneira estruturada ou aconteceu naturalmente? Quais foram os principais atores envolvidos nesse processo? São essas algumas das questões que você verá na sequência! Como ponto de partida, é importante compreender que o Serviço Social não surge tal como nos dias atuais, isto é, com um caráter profissional e desenvolvido a partir de estudos e metodologias de ação, pautado em distintas técnicas e processos de aprendizagem que oferecem suporte para a formação profissional de um indivíduo que terá como competência intervir em determinada realidade. Você vai ver que, em sua origem, o Serviço Social estava mais ligado a questões de cunho religioso, e tinha como princípio fundamental a ajuda ao próximo, a caridade. Essa linha de raciocínio advém do próprio pensamento cristão, expandido ao longo dos séculos, que conclui ser função dos mais favorecidos ajudar aqueles que têm menos recursos, se observados os preceitos da Igreja Católica, sobretudo. Nesse contexto, nada é imposto como obrigação, como função, mas sim como uma forma de se alcançar o reino dos céus e a vida eterna, ao amar e ajudar o próximo, a exemplo do que fez Jesus, como você pode observar no trecho abaixo, em que se evidencia esse papel da caridade. Essa concepção de caridade podemos encontrar em várias passagens da Bíblia, e a Igreja Católica, em virtude de sua hegemonia em nossa sociedade, difundiu-a por meio de um discurso repetitivo e moral, objetivando o equilíbrio e a harmonia entre os diferentes segmentos sociais, evitando assim o perigo de conflitos e revoltas daqueles que se encontram na miséria. (DA SILVA, 2006, p. 327). Por conseguinte e à medida que são transformadas as relações sociais, decorrentes do processo de evolução da sociedade moderna, essa prática se estende também ao Estado, ainda que não de maneira institucionalizada. Nesse aspecto particular, é a adoção do sistema capitalista de produção o cerne das grandes questões sociais: as relações de trabalho – sempre desfavoráveis para os empregados – evidenciaram o destacado poder da burguesia sobre o proletariado e a necessidade iminente de intervenção sobre aquela classe, com vistas a assegurar seu mínimo bem-estar social. É nesse contexto, portanto, que se concentra a base do que viria a ser o Serviço Social, tal como você o conhece hoje. A partir de agora, você vai entender as principais características desse processo. Capítulo 1O Serviço Social em perspectiva histórica 6 Laureate- International Universities O Serviço Social em perspectiva histórica 1. A gênese do Serviço Social no mundo O nascimento do Serviço Social, como ação humana, deve datar provavelmente das primeiras sociedades organizadas; o Serviço Social enquanto prática profissional é um pouco mais recente, entretanto. Considerando que tem seu fundamento alicerçado no caráter social, coletivo e balizador das relações sociais, é coerente inferir que está presente nas relações humanas, possivelmente, desde os seus primórdios. Desde então, o desenvolvimento e o fortalecimento dessa prática evoluíram substancialmente não apenas como prática e ação, mas também como profissão e disciplina. Discutiremos, neste texto o percurso histórico traçado pelo Serviço Social desde os seus primeiros registros até sua configuração atual: como profissão de caráter sociopolítico, interventor e crítico. É claro que, para isso, precisaremos fazer um breve retorno aos fatos históricos a ele associados, incluindo a história da Igreja Católica e do sistema capitalista. Surge o Serviço Social no contexto em que a questão social aflora e torna-se, então, uma questão de caráter público. Isso significa afirmar que, ao passo que a questão social – emergida sobretudo da desigualdade social, da diversidade econômica e, até mesmo, cultural – entra na agenda pública, ela se torna, à medida que são evidenciados os problemas dela decorrentes, um problema público e, portanto, um problema de todos, um problema da sociedade. A partir desse ponto, em que informações sobre as grandes questões sociais começam a circular, ser difundidas e discutidas, cresce também a demanda para que haja uma intervenção sobre elas, de forma a buscar se não soluções, alternativas para minimizá-las. Crescem, exponencialmente e concomitantemente a isso, as consequências dessas desigualdades, e sua urgência contribui diretamente para catalisar essa busca, que encontrou, no decorrer das últimas décadas do século XVIII, suas primeiras ações concretas. Nesse contexto é que são observados os primeiros registros da prática institucional do Serviço Social, quando ele passa a ser desenvolvido por organizações – que, embora por vezes precárias ou sem dispor de abundantes recursos financeiros e humanos, apresentavam uma estrutura mínima –, e não mais por pessoas ou pequenos grupos que trabalhavam isoladamente (DIAS, 1989). Esse é o ponto em que se situa o surgimento do Serviço Social. Desde então, como você deve imaginar, essa instituição foi submetida a modificações substanciais; esse conjunto de mudanças é que configura, hoje, o Serviço Social como profissão, campo de saber e política pública. Cabe destacar, assim, os principais eventos históricos que marcam a trajetória desse campo e, na sequência, elencar os de maior destaque. Considerando que o Serviço Social tem sua origem a partir da emergência das grandes questões sociais, faz-se mister entender então quais foram os fatores catalisadores dessas questões, aqueles fatores responsáveis pelo seu desenvolvimento. Na Figura 1, você pode observar uma formação familiar que, provavelmente, sofreu as consequências das revoluções ocorridas no século XVII e XIX. 7 A imagem retrata uma família carente, alvo das ações de caridade e assistência social ao final do século XVIII. Fonte: http://www.socialworkhistorystation.org/history/chapts/1-6.htm Em linhas gerais, pode-se afirmar que seu surgimento está intimamente ligado à luta de classes. Nesse contexto, destacam-se aquelas registradas na França e na Inglaterra, sobretudo: em primeiro plano, o feudalismo e a aristocracia, e, posteriormente, o capitalismo. Como observa a autora Maria Lúcia Silva Barroco, em 2009, a moral – numa sociedade burguesa – reflete quase que exclusivamente os interesses de classes, o que significa afirmar, então, que à moral estão diretamente associados os interesses dos grupos dominantes, como você pode conferir no trecho a seguir: Na sociedade burguesa, a moral desempenha uma função ideológica: ainda que não diretamente, mas através de mediações complexas, reproduz os interesses de classe, contribuindo para o controle social, através da difusão de valores que visam a adequação dos indivíduos ao ethos dominante. (BARROCO, 2009, p. 9). No primeiro caso, uma intensa batalha contra a Monarquia Francesa foi entravada pela classe pobre e dominada daquele país, ainda no século XVIII. Mais tarde, nas primeiras décadas do século XIX, a modernização dos meios de produção transformaria a história da humanidade e o modus operandi do mercado navida moderna. A Revolução Francesa, com seus motivos alicerçados em uma grave crise fiscal e no descontentamento do povo francês sob a regência de Luís XVI, proclamou os princípios da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, o que revelou um vultoso desejo por mudança nas relações sociais por aquele povo, submetido não apenas ao então Rei, como também ao Clero (Igreja) e à Aristocracia (nobreza): foi uma mensagem bastante clara a da sociedade francesa para seus dominantes, numa guerra que se desenrolou por aproximados dez anos (DA SILVA GRESPAN, 2003). Pouco anterior e contemporaneamente a esse evento se desenrola a Revolução Industrial, na Inglaterra. Marcada por uma profunda alteração dos meios de produção – da manufatura ao maquinário –, ela transformou também a vida da sociedade nesse processo e, quase que necessariamente, suas relações sociais. Uma vez que o sistema capitalista foi o grande precursor da ascensão da classe burguesa – tida como a classe dominante, privilegiada –, por consequência direta dele passou a existir, naquela sociedade, a classe proletária, submissa à primeira. Tendo como premissa o domínio da burguesia sobre o proletariado e, traçando um paralelo entre as exacerbadas diferenças econômicas, 8 Laureate- International Universities O Serviço Social em perspectiva histórica sociais e culturais que separavam as duas grandes classes, é que afloram os problemas sociais e se evidenciam as necessidades e demandas da classe proletária (KISNERMAN, 1980). É nesse momento histórico, protagonizado (não concomitantemente) pela França, Inglaterra e, pouco tempo mais tarde, por outros países europeus e pelos Estados Unidos, que se expandiram pelo mundo os novos meios de produção – sobretudo máquinas movidas a energia de vapor e carvão – e o sistema capitalista se fortalece e as desigualdades sociais se acentuam. Dessa luta de classes, desse conflito presente, é que nascem as primeiras ações que viriam, mais tarde, a ser denominadas ou configuradas como ações de Serviço Social. Você vai perceber que essas ações foram marcadas por um cunho caridoso, de ajuda ao próximo, aos pequenos e necessitados, permeadas por um caráter cristão. Destaque-se, entretanto, que essa lógica de ajuda ao próximo impacta diretamente no tipo de ajuda que é ofertada a esse indivíduo. Isso porque, ao enxergar o indivíduo como necessitado, carente e incapaz de superar uma situação determinada sem ajuda, cria-se um estereótipo tanto sobre quem recebe essa ajuda e até mesmo sobre quem a oferece. Essa imagem de benevolência – daquele que oferta auxílio aos desamparados – é o que marca o início do Serviço Social no mundo (KISNERMAN, 1980). Assim observou o escritor John Stuart Mill, ainda em 1848. Os que pertencem às classes inferiores são tratados como crianças que necessitam ser dirigidos porque não estão em condições de pensar e trabalhar por si próprios. Por conseguinte, têm que se contentar em executar docilmente o trabalho que lhe é confiado e se comportar atenta e respeitosamente com os membros da classe superior. Logo, como condição para os que assim se comportam, como se espera que o façam, poderão contar com a assistência que seus superiores lhes prestarão quando se virem duramente afetados pelos riscos da vida. (MILL apud KISNERMAN, 1980, p. 13). Note que essa observação tem lugar na história menos de uma década depois do final do processo da Revolução Industrial, quando afloram as experiências pioneiras da prática do Serviço Social. É importante também ressaltar que esse tipo de pensamento de ajuda e auxílio ao desamparado insere-se em uma lógica cristã do período, no qual aquele que oferece a ajuda – seja diretamente, seja patrocinando essa ajuda por meio de recursos financeiros – consegue cumprir com as prerrogativas religiosas de amor e cuidado ao próximo e, oxalá, ser digno do reino dos céus. Repare que não se faz referência, nesse momento, à justiça social, à redistribuição de renda ou a qualquer outra ação que visasse diminuir ou extinguir diferenças entre as distintas classes sociais – a ótica predominante é a da manutenção dessas discrepâncias sociais, regidas pelo contraponto, entretanto, da ajuda pontual aos necessitados e desamparados. Com isso, garante-se não somente o cumprimento dos princípios éticos cristãos de ajuda e caridade, mas também não se alteram as estruturas sociais, e mantém-se assim a hegemonia de grupos sociais detentores de poder, de maneira a perpetuar vantagens econômicas e sociais às classes superiores. Aqui, você pode observar que a ideia central é a manutenção do poder dos poderosos: não bastasse serem mais ricos, pertencentes às mais altas classes sociais e detentores de poderes políticos e econômicos, introduziram, ainda, a dependência quase que direta do pobre, do proletário a eles, para assegurar ainda mais a manutenção do poder (KLANOVICZ; RODRIGUES; DE ANDRADE, 2008). Cabe destacar, portanto, que a gênese do Serviço Social não estava pautada em ideais como empoderamento, emancipação ou estratégias de inclusão social, e muito longe disso, aliás! A origem dessas ações estava mais alinhada a dois fatores preponderantes: i) a manutenção do status quo; e ii) o cumprimento de preceitos religiosos com vistas a colher frutos dessa suposta benevolência após a morte. Note que a ideia de manutenção do status quo atende diretamente aos interesses das classes dominantes do período, que objetivam manter o grande povo trabalhando em seu proveito, 9 e nutrir uma relação hierarquizada. Mais uma vez, a lógica social procura fundamentos em preceitos religiosos para justificar suas ações, com a argumentação de que a vontade divina era a de que membros do Clero e da Nobreza deveriam ser os detentores desse poder celestial no plano terrestre. Ao mesmo tempo, para manter as classes mais baixas em estado de submissão, a argumentação de que os mais pobres serão os detentores do reino dos céus e que terão maravilhas divinas após a morte encontrava guarida e força nessa sociedade desigual (KLANOVICZ; RODRIGUES; DE ANDRADE, 2008). Tenha em mente que, por um longo período histórico, a Nobreza e o Clero valeram-se dessas ideias – herdadas do Antigo Regime – para assegurar seu poderio. NÃO DEIXE DE VER... Irmão Sol, Irmã Lua O filme retrata a história de São Francisco de Assis, e caracteriza sua percepção de que, para alcançar o reino dos céus, deveria se desprender dos bens materiais e começa então a andar como os pobres e ter uma vida mais simples. Repare como é a sociedade desse período, o que é valorizado e a relação entre religião e sociedade. Outro aspecto que há de ser ressaltado nessa articulação existente entre as classes sociais é que, no intuito de manutenção deste padrão social – aquele em que a classe burguesa domina a classe proletária – a ajuda em forma da assistência social conseguia ao mesmo tempo reforçar o paradigma religioso e promover rupturas em processos de rebeliões populares em relação às classes dominantes. Ou seja, a “via” da ajuda aos necessitados visava também garantir que aquelas classes submissas não se insurgiriam contra o poder dominante, o que evitaria a articulação dos grupos descontentes com o modelo de exploração vigente. Nesse momento, as paróquias passam a se organizar para abrigar esses indivíduos – cada qual da sua localidade – e oferecer a eles assistência; como contrapartida, requer seu trabalho e colaboração com a comunidade. Observe o trecho destacado, acerca da Lei dos Pobres: A primeira lei para os pobres foi o “Estatuto de 1601”, que visava três classes de indigentes: os válidos, os inválidos e as crianças. O auxílio deveria ser organizado numa base paroquial na qual as crianças e os inválidos necessitados recebiam subsídios monetários. No que diz respeito aos pobres válidos, como sua situação de indigência estava ligada, na maior parte das vezes, à inatividade, as paróquias tinham obrigação de os socorrer, fornecendo-lhes trabalho. Direito à assistênciae direito ao trabalho eram, portanto, afirmados paralelamente. Foi, nesse contexto, que surgiram as workhouses (casas de trabalho), nas quais se reuniam os indigentes válidos. (SILVA, 2006, p. 93). Um importante momento de inflexão entre a preservação do status quo existente na sociedade feudal, na qual o modelo de servidão é perpetuado a partir da lógica elucidada anteriormente, ocorre a partir da Revolução Francesa (1789-1799). Nesse período, observa-se uma ruptura do modelo social, com a revolta do povo com membros da nobreza e do clero; as ideias iluministas de igualdade, liberdade e fraternidade rompem com as antigas relações de dominação, enraizadas na sociedade à época (DA SILVA GRESPAN, 2003). 10 Laureate- International Universities O Serviço Social em perspectiva histórica Os Miseráveis, de Victor Hugo O livro indicado lhe ajudará a compreender um período em que, mesmo anos após a Revolução Francesa, a miséria continua a atingir as classes mais baixas na França. Interessante a leitura para notar o quão grave era o problema social, as dificuldades enfrentadas pelas classes naquele período e a fragilidade das instituições na resolução desses problemas. NÃO DEIXE DE LER... A história nos conta que a mera queda dos poderes dominantes não resolve o problema, haja vista que o fim da servidão do modelo absolutista não significa o fim da distinção de classes sociais, tanto que se constitui a partir daí uma classe burguesa dominante. Entretanto, esse processo acaba por dar fim a um regime de dominação e evidenciar novas possibilidades ao povo que, agora, se reconhece como portador de direitos iguais, e não apenas dependente de favores. Como você viu anteriormente, outro ponto fundamental para compreensão do papel do Serviço Social no mundo ocorre quando da Revolução Industrial, a partir de 1760, na Inglaterra. Esse período marca um processo no qual a revolução tecnológica impulsiona mudanças sociais diretas, isso porque o surgimento de maquinários propiciava o aumento do processo de produção, e substitui o perfil da classe trabalhadora e a dinâmica social dos territórios. Resumidamente, é possível inferir que a Revolução Industrial promove a classe dominante à detentora dos maquinários e dona dos meios de produção, que agora emprega pessoas para operar esses maquinários, do que decorrem quase que necessariamente laços de dependência, haja vista que os empregos passam obrigatoriamente pela aceitação das condições impostas pelos empregadores. Nesse contexto, os postos de trabalho foram paulatinamente se concentrando na zona urbana, e disso decorre o êxodo rural de uma sociedade que era, predominantemente, agrária; então, as condições de trabalho – jornada, atribuições, salários – eram definidas pelo empregador, o que agravava ainda mais a exploração, e as possibilidades de alteração do status quo, mais uma vez, são limitadas, visto que um operário ordinário – muito dificilmente – conseguiria vir a ser A imagem retrata a exploração da mão de obra – inclusive – infantil durante a Revolução Industrial, que transfor- mou os modelos de produção, a vida nas cidades e as relações de trabalho do século XVIII. Fonte: http://goo.gl/JCq6Ci Figura 2 – A exploração da mão de obra durante a Revolução Industrial 11 um industrial. Os avanços tecnológicos trouxeram a Revolução Industrial e a topografia das cidades começa a mudar: desenvolvem-se os grandes centros urbanos, o êxodo rural cresce e começa a nascer um perfil urbano de homem, já que, até então, a maioria da população concentrava-se no campo. Neste período consolidam-se as bases do capitalismo atual. (BAIOCCHI; MAGALHÃES, 2004, p. 64). Esse momento caracterizou um período de grande migração e consequente crescimento dos problemas sociais nas cidades, isso porque a classe operária se viu refém dos detentores de produção, que ofereciam jornadas exaustivas de trabalho com pagamentos baixos, de forma que até mesmo mulheres e crianças faziam parte dessa dinâmica de exploração da mão de obra. A aparição dos bairros operários [...] e a necessidade de ajudar a seus habitantes, faz que em 1869 se funde, em Londres, a Charity Organization Society (COS), integrada por homens de “classe superior”, universitários de Oxford e Cambridge, dispostos a prestar assistência aos “atingidos pelos riscos da vida”. Aparece assim a Assistência Social, como forma sistemática de ajuda, destinada a reparar os efeitos do industrialismo crescente, proporcionando-lhes meios para a sua subsistência. (KISNERMAN, 1980, p. 18). O momento posterior à Revolução Industrial acabou por revelar, portanto, uma nova dinâmica social advinda da migração da sociedade rural para as cidades em busca do trabalho, o que fez crescer a população urbana de pessoas sem a capacidade plena de sobrevivência digna, isso porque os salários e as condições de trabalho oferecidas pelos burgueses não permitiam aos proletários subsidiar isso. Mais uma vez, fica muito evidente a disputa entre as classes sociais; o que em determinado período foi caracterizado pela relação entre Nobreza, Clero e povo, agora é replicado na relação entre a burguesia e o proletariado, de modo que tal como no período anterior, não há o intuito da classe dominante em encerrar esse processo, apenas perpetuá-lo tanto quanto fosse possível. No Quadro 1, você pode observar quais foram as primeiras instituições de Serviço Social no mundo, que surgiram na Europa e nos Estados Unidos nas últimas décadas do século XIX. Você pode perceber que, sobretudo a partir da criação da Charity Organization Society em Londres, houve um incremento significativo das COS pelos Estados Unidos, o que colaborou para o desenvolvimento do campo do Serviço Social naquele país. Fonte: Elaborado pelos autores com base em Kisnerman (1980) e Alliance for Strong Families and Communities (2015). Quadro 1 – Principais instituições de Serviço Social no mundo ¹ No Quadro 1: COS – Charity Organization Society. 12 Laureate- International Universities O Serviço Social em perspectiva histórica O capitalismo, sob a ótica da Revolução Industrial, revelou então o aspecto da mercantilização da mão de obra, de modo que os trabalhadores se viam expostos a situações de exploração e sujeição a uma série de exigências motivados pelo medo de perderem seus postos de trabalho e serem substituídos imediatamente por outras “peças” dentro dessa nova engrenagem. Obviamente, esse processo de exploração gerou ampla insatisfação popular, do que emergiu o debate acerca da legitimidade dessas ações opressoras e a suscitação de uma ação por parte do Estado para dirimir esses conflitos, que se afloravam e se avolumavam cada vez mais. Na Inglaterra, onde já existia um aparato institucional para acolhimento dos necessitados – estruturado na Lei dos Pobres (SILVA, 2006) –, o próprio sistema começa a dar sinais de esgotamento do modelo adotado, haja vista que as instituições religiosas que acolhiam tais indivíduos passaram a fazer triagens para selecionar apenas pessoas com potencial para trabalho – agravando assim uma série de outros problemas, por conta da: i) marginalização dos justamente mais necessitados; e ii) dos custos para a manutenção desse sistema, que começaram a onerar o Estado. O passo decisivo para estabelecer a centralidade do emprego na construção de um sistema de proteção social foi dado em 1834, com a Poor Law Amendment Act, cujo princípio básico era que a situação do pobre assistido deveria ser bem menos vantajosa, se comparada à do trabalhador assalariado. Tal lei permitiu a formação de um mercado de trabalho competitivo e a presença de um proletariado obrigado a vender a sua força de trabalho a preços baixos. (SILVA, 2006, p. 93). A nova resolução da Lei dos Pobres propicia o fortalecimento do mercado de trabalho, no sentido de possibilitar mais opções ao empregador; em contraponto, há agora a maior oferta de mão de obra disponível e a abertura de espaços para o agravamento da precarizaçãoe exploração desse trabalhador. Dessa forma, ao perceber que as diferenças sociais e a luta de classes podem ser tidas como propulsoras de dois grandes eventos históricos – a Revolução Francesa e a Revolução Industrial –, você vai perceber também que as disputas que geraram, embora tenham envolvido diferentes atores, têm o mesmo fundamento: pobres versus ricos, privilegiados versus marginalizados, dominantes versus submissos. No primeiro caso, a disputa pode ser resumida entre os polos Clero e Nobreza, de um lado, e povo explorado, de outro; no segundo, a disputa se polarizou entre burguesia e proletariado, como evidenciado anteriormente. O caráter transformador das relações sociais está, portanto, diretamente associado ao nascimento do Serviço Social, uma vez que surge em um contexto de visíveis diferenças sociais com o intuito máximo de diminuí-las ou minimizá-las. Entretanto, você deve observar que, no início, o Serviço Social consistia quase que exclusivamente de boas ações, caridade – fato explicado, inclusive, pela proximidade entre Estado e Igreja. No decorrer do último século, percebeu-se que consistia, sim, de uma ferramenta, de um meio de agenciar a autonomia do indivíduo, de enfrentar as diferenças de classe e de promover, sempre que possível, uma sociedade mais justa e mais igualitária. Também por isso você vai perceber que não apenas o Estado – enquanto instaurador da ordem social dominante e responsável pela implementação do sistema capitalista – figura como importante ator nos primórdios do Serviço Social. A Igreja Católica desempenhou papel de destaque nessa construção, sobretudo em ações pautadas pelo sentimento da caridade: criaram- se inúmeras instituições, dentro da própria Igreja, responsáveis por difundir e expandir essa prática tanto quanto fosse possível e, para o caso brasileiro, isso fica muito evidente, como você verá ao longo dessa disciplina. Em suma, você já aprendeu que o Serviço Social tem sua origem intimamente associada à 13 instauração do sistema capitalista, à luta de classes, às acentuadas desigualdades sociais e a instituições variadas, entre as quais se destacam, com bastante vulto, o Estado, a Igreja e o mercado. É claro que, nesse contexto, parecem os dois primeiros atores trabalharem contrariamente: enquanto um instaura um sistema que perpetua a luta de classes e as desigualdades sociais, o outro tenta minimizar esse conflito e oferecer aos menos favorecidos condições mínimas de dignidade. Mas esse aparente conflito não se perpetuou por muito tempo. Primeiramente pois, como você viu, em razão da forte proximidade entre Clero e Nobreza, nos séculos XVI, XVII e XVIII, existia um interesse bastante acentuado de manutenção do status quo e do poder, inclusive político, dessas classes. E também porque, poucas décadas mais tarde, o próprio Estado percebeu, sem muita demora, que a questão social emergente era também de seu interesse, e que sobre ela precisaria intervir; assim, com ações ainda tímidas, começam a aflorar as primeiras experiências de obras sociais – embora ainda não houvesse uma clareza sobre seu alcance e impactos. Assim, algumas ações associadas ao Serviço Social foram implementadas sem que houvesse, à época, o ideal de instrumentalização desse campo profissional. Perceba que até esse momento a instituição Serviço Social ainda não existe, ou não está inserida na estrutura da sociedade; entretanto, a prática do Serviço Social começa a germinar como contraponto aos problemas decorrentes de uma sociedade fortemente pautada pelo poder financeiro. Você vai perceber também que intrínsecas ao surgimento do Serviço Social estão as relações de trabalho, isso porque são essas relações produtos diretos do sistema capitalista. Assim tem raiz a dialética do capital versus trabalho. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber A obra o ajudará a refletir sobre a relação entre o pensamento cristão e o sistema capitalista, que figuram como dois atores de muita relevância na gênese do Serviço Social. Busque perceber a diferença de pensamento entre a ética cristã no período que antecedeu a Revolução Industrial – como no filme Irmão Sol, Irmã Lua – e a retratação desse momento no final do século XIX. NÃO DEIXE DE LER... Existem diferenças sobre o modo como a comunidade acadêmica entende o surgimento do Serviço Social. Para alguns autores, todo o processo que precedeu a institucionalização do campo de Serviço Social é parte integrante, descritiva e explicativa de sua história. Para outros, como Natálio Kisnerman, todo e qualquer evento que anteceda a criação das instituições destinadas especificamente para prestar assistência social – sobretudo na Inglaterra – é refutado como seu precursor e, inclusive, desconsiderado nas análises em perspectiva histórica que se faz do Serviço Social. NÓS QUEREMOS SABER! 14 Laureate- International Universities O Serviço Social em perspectiva histórica Na Figura 3, você observa de maneira bastante clara os atores historicamente envolvidos no processo de surgimento, desenvolvimento e evolução do que hoje se denomina Serviço Social. Considerando que, até agora, você conhece os fatores históricos associados ao surgimento do Serviço Social – práxis –, é importante entender suas especificidades históricas enquanto instituição para, posteriormente, compreender sua formação enquanto campo do saber. Perceba, então, que todos esses elementos estão intrinsecamente associados: o entendimento do Serviço Social como instrumento de caráter sociopolítico, crítico e interventivo adotado hodiernamente tem suas raízes, inclusive, na instauração do sistema capitalista do mundo moderno. Ao longo dessa disciplina, portanto, você deverá analisar esses momentos de maneira crítica e buscar, sempre, associá-los ao contexto atual. Assim, você será capaz de construir um entendimento mais denso e completo do conceito de Serviço Social. Fonte: Elaborado pelos autores. Figura 3 – Atores e o Serviço Social 15 Você visitou os principais fatos históricos que caracterizam o processo de surgimento do Serviço Social no mundo, e viu que, em aspectos gerais, ele está associado ao intento de minimizar as grandes questões sociais – de onde se originam as desigualdades sociais, econômicas e culturais. Assim, você aprendeu que a luta de classes tem um papel fundamental nesse contexto: foi a partir de sua instauração na sociedade que se evidenciaram as péssimas condições de vida a que estavam sujeitos os povos do século XVIII. A partir desse ponto, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa surgem como os dois grandes eventos que transformaram não só a Europa, mas os Estados Unidos à época. Pari passu, evidenciaram-se as desigualdades sociais e, por consequência direta delas, a necessidade de intervenção na realidade da grande maioria do povo, que sobrevivia em circunstâncias difíceis, sem experimentar de bem-estar e qualidade de vida. Assim, surgem as primeiras experiências de Serviço Social, que procuravam atender os necessitados e os carentes – que abrangiam homens, mulheres e crianças – sob a égide, sobretudo, da Igreja Católica, e justamente por isso foram marcadas pelo espectro da caridade e do amor ao próximo. Mais tarde, foram também abrangidas pelo Estado e algumas instituições são fundadas, tais como a Charity Organization Society – COS, a Women’s University Settlement, a Unión Nacional de Mujeres Trabajadoras e o Instituto de Formação para o Serviço Social. SínteseSíntese 16 Laureate- International Universities O Serviço Social em perspectiva histórica ALLIANCE FOR STRONG FAMILIES AND COMMUNITIES. Birth of A National Movement (Early 1900s). In: A Century of Service. 2015. Disponível em: <http://alliance1.org/centennial/ book/birth-national-movement-early-1900s>. Acesso em: 20 abr. 2015. BAIOCCHI, Alexandre Collares; MAGALHÃES, Mauro. Relações entre processos de comprometimento, entrincheiramento e motivação vital em carreiras profissionais.Revista Brasileira de Orientação Profissional, v. 5, n. 1, p. 63-69, 2004. BARROCO, Maria Lúcia Silva. Fundamentos éticos do Serviço Social. In: ABEPSS. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009, p. 165-184. DA SILVA, Claudia Neves et al. Igreja católica, assistência social e caridade: aproximações e divergências. Sociologias, v. 8, n. 15, p. 326-351, 2006. DA SILVA GRESPAN, Jorge Luis. Revolução francesa e iluminismo. São Paulo: Contexto, 2003. DIAS, José Fernandes. Serviço social: intervenção na realidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1989. KISNERMAN, Natálio. Estudos sobre serviço social, 7. São Paulo: Cortez & Moraes Ltda., 1980. KLANOVICZ, Jó; RODRIGUES, Icles; DE ANDRADE, Rodrigo Prates. “Venha a nós o Vosso reino”: a legitimação da Corte Medieval através da imagem da Corte Celestial. Mirabilia: Electronic Journal of Antiquity And Middle Ages, n. 9, p. 133-147, 2008. SILVA, Silvio César. Um olhar sobre a centralidade do emprego na proteção social: do welfare ao workfare. In: BLASS, L. (Org.). Ato de trabalhar: imagens e representações. São Paulo: Annablume, 2006. ReferênciasBibliográficas http://portal.anhembi.br/wp-content/uploads/orientacao_trabalhos_academicos.pdf http://portal.anhembi.br/wp-content/uploads/orientacao_trabalhos_academicos.pdf Introdução 1. A gênese do Serviço Social no mundo Síntese Bibliográficas
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