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23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 1/128 por Fernando Barrichelo Todos os artigos Decisões, Jogos e Insights Lourdes quer comprar leite e precisa decidir se vai ao mercado A ou B, dependendo do preço da unidade e distância da sua casa. Carlos vai de ônibus ao trabalho e precisa decidir se leva o guardachuva, dependendo da probabilidade de chover. Maurício é gerente do mercado A e precisa decidir se faz promoção de leite e guardachuva, mas depende de como o concorrente, o mercado B, vai reagir. Patrícia é dona do mercado B e precisa decidir se faz uma campanha de marketing, mas depende do que Maurício está pensando fazer a respeito do leite. Nossa vida diária é repleta de decisões, como as anteriores e muito mais vivemos tomando decisões sobre tudo. Algumas são simples e imediatas, outras são mais complexas e precisam de reflexão. Há vários tipos de decisões: neste livro vamos abordar as chamadas decisões estratégicas. Sem conceito universal, as palavras "estratégia" e "estratégica" possuem diferentes significados para diferentes autores. No nosso caso, decisões estratégicas são aquelas iguais as de Maurício e Patrícia. Ambos se encontram em situações estratégicas, cenários em que a decisão de um afeta a decisão do outro porque os resultados estão conectados. Se Maurício abaixar o preço do leite e Patrícia não, Maurício vai se dar bem pois venderá mais. Mas se Patrícia também abaixar o preço, o resultado muda de figura. Este conceito será bem explicado com vários exemplos ao longo do livro. Você pode melhorar suas decisões estratégicas, e por fim, o seu pensamento estratégico? É claro, para isso existem vários insights úteis e modelos de decisão. Como analogia, para cada tipo de desenho ou pintura existe uma ferramenta adequada, seja lápis, giz, pincel, entre outros. O grande artista, no seu kit de instrumentos, sabe escolher qual deles usar em cada ocasião. O grande estrategista faz a mesma coisa: para cada decisão existe um modelo de pensamento mais adequado. Modelos de decisão são um conjunto de regras mentais que tornam o raciocínio mais rápido e direcionado. Aqui vamos apresentar um dos modelos de decisão mais poderosos para as situações estratégicas, a Teoria dos Jogos. Ela também é chamada por alguns autores como a Arte e Ciência da Estratégia. Em poucas palavras, é sobre antecipar como os outros vão responder ao que você fará, quando simultaneamente eles estão pensando o mesmo sobre você. Teoria dos Jogos é o estudo sobre as tomadas de decisões estratégicas e a lógica das interações humanas. Ela é um grande framework uma caixa de ferramentas com modelos que organizam o seu raciocínio para que, junto com outros tradicionais conceitos, você decida melhor nos ambientes estratégicos. Ao contrário do que parece ser, Teoria dos Jogos não se refere a videogames, nem mesmo a simulação de cenários em jogos de empresas. Utilizamos a palavra "jogos" devido a analogia com as situações estratégicas: você precisa tomar uma decisão enquanto imagina a decisão do outro, como nos jogos tradicionais. A palavra "teoria" é usada porque se trata de uma coletânea de ideias que ajudam a descrever ou prescrever fenômenos ou comportamentos. É por isso que a Teoria dos http://www.teoriaodosjogos.net/ 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 2/128 Jogos pode ser considerada a arte e ciência das decisões estratégicas. Originalmente, a Teoria dos Jogos possui uma rigorosa linguagem matemática. Entretanto, não usaremos formulações matemáticas neste livro. É verdade, existem algumas vantagens ao usar a matemática como pano de fundo de um modelo mental; uma linguagem formal oferece precisão na comunicação e retira ambiguidades. Mas o problema do lado matemático da Teoria dos Jogos é que afasta muita gente. A linguagem estritamente formal e conceitos muito abstratos tornam o estudo muito árido e com poucas aplicações práticas. Ainda, como diz Ariel Rubenstein, a formalidade da Teoria dos Jogos cria a ilusão de que a teoria é científica a ponto de resolver todos os problemas[1]. Neste livro vamos usar apenas estórias, analogias, jogos e figuras esquemáticas[2]. Concordo com Rubenstein quando ele comenta que "existe uma conexão meio mágica entre os símbolos e as palavras no mundo da Teoria dos Jogos". Esta transposição de conceitos formais em fábulas é fascinante. Na prática, esses recursos ajudam a sistematizar o intuitivo. Os três grandes insights da Teoria dos Jogos A parte I aborda com mais detalhes sobre Estratégia, Situações Estratégicas e Modelos de Decisão. Nas partes II a IV vamos mostrar vários modelos e estórias que fornecem os três tipos de insights mais relevantes da Teoria dos Jogos: os insights para competir, insights para colaborar e insights para sinalizar. Nos Insights para Competir, você verá a regra número um da Teoria dos Jogos: coloquese na posição do concorrente, pense adiante e raciocine para trás. Basicamente funciona assim. Ao entender as suas alternativas, as opções do adversário e os ganhos de cada um para cada escolha, imagine as melhores ações do outro jogador e depois decida o movimento que maximize o seu resultado considerando o provável decisão do concorrente. Uma boa alternativa é usar esquemáticos como árvores de decisão, porém o conceito simplificado é mais poderoso do que um completo mapeamento formal. O importante é forçarse a pensar com a cabeça do outro. Por isso, a regra número dois é igualmente importante e complementar: saiba exatamente os incentivos de motivações do seu concorrente. Se você quer maximizar o seu lucro financeiro, mas o seu adversário está interessado em aumentar o marketshare mesmo perdendo dinheiro no início, você precisa levar isso em conta, caso contrário não estarão jogando o mesmo jogo. Assim, entender todas as motivações, até as irracionais, faz parte do mapeamento da situação estratégia. Aqui você verá o conceito da "lógica da situação", ou seja, o entendimento do cenário completo quem são os jogadores, qual a seqüência de decisões, quais os ganhos de cada um, etc. Entender a lógica da situação ajuda a compreender porque os comerciais de TV são mais longo a medida que o filme avança, porque algumas negociações aparentemente óbvias e ganhaganha não são concretizadas, porque multar pais pelo atraso em buscar os filhos não funciona e porque Garrincha estava certo quando perguntou "o senhor já negociou com os russos?" Nos Insights para Colaborar, apresentamos um famoso jogo que representa bem o dilema entre cooperar e trair, chamado de Dilema dos Prisioneiros. Este "jogomodelo" é uma das metáforas mais poderosas na ciência do comportamento humano pois inúmeros relacionamentos sociais/econômicos tem a mesma estrutura de incentivos. Neste jogo, existe a grande tentação para trair e aumentar os ganhos individuais. O intrigante é que a melhor solução "racional" é competir mesmo quando colaborar fornece melhor resultado a ambos, caracterizando o dilema. Para sair deste cilada vamos mostrar duas formas básicas. A primeira é o uso de uma autoridade central que force os jogadores a fazer as escolhas melhores. A segunda forma é transformar o jogo de uma jogada só em um jogo de infinitas interações. O relacionamento repetido cria um mecanismo automático de cooperação sem precisar de uma autoridade central, mas para isso você precisa jogar a tática do "Olho por Olho". Alguns biólogos utilizam este conceito para explicar comosurgiu a colaboração na evolução das espécies. Quando existem múltiplos ou infinitos jogadores, a metáfora ajuda a explicar o comportamento dos freeriders, como exemplo, porque as pessoas gastam mais quando a conta do restaurante é dividida de forma igual e porque as pessoas não 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 3/128 se preocupam com o aquecimento global. Nos Insights para Sinalizar, você verá os conceitos de comprometimento e ameaças críveis. Seja para competir ou colaborar, fazer uma sinalização das suas intenções de forma crível é uma das melhores formas de convencer seu interlocutor. Aqui mostraremos, por exemplo, porque muitas vezes ter menos opções é muito melhor do que ter muitas alternativas de escolha. Em Conclusões: Jogando Melhor, apresentamos uma recapitulação dos conceitos e fornecemos conselhos sobre como "jogar melhor", ou seja, como identificar oportunidades e tomar melhores decisões estratégicas. Não vamos fugir da discussão sobre as limitações da Teoria dos Jogos. Muitos estudantes aprendem a "teoria" em disciplinas de graduação ou pósgraduação e, no final, saem do curso sem saber como aplicala na vida real. Faz sentido. Primeiro porque ela é explicada através dos conceitos matemáticos e abstratos que possuem fins mais acadêmicos do que práticos. Segundo, porque as interações estratégicas no mundo real não são tão simples como nos exemplos didáticos dos livros. Nem sempre os elementos do jogo são suficientemente claros para aplicar em um modelo e ter uma resposta pragmática. Ainda, nem sempre os jogadores agem de forma racional conforme prescreve a teoria econômica. Entretanto, este dilema teoriaprática não é exclusividade da Teoria dos Jogos. Alias, praticamente em todos os conceitos nas universidades existe certa dose de abstração com o propósito de construir o conhecimento, e não dar treinamento prático. Até hoje, por exemplo, nunca vi um caso real onde mapeouse todos os pontos do gráfico de preçoquantidade (curva da demanda) para calcular a elasticidade e definir o preço que maximiza o lucro. Apesar disso, o conceito é rico e utilizase para se comunicar e testar estratégias. Assim, neste livro também utilizamos exemplos simplificados pois é muito mais didático para a compreensão. Como comentado, todos as disciplinas nas escolas de administração utilizam modelos simplificados. Na prática, a Teoria dos Jogos e seus três insights (Competir, Colaborar e Sinalizar) oferecem dicas palpáveis para se ter mente e conseguir reconhecer situações estratégicas. Nos Apêndices: Aprofundamento para Mentes Curiosas apresentamos outros detalhes opcionais. Uma nova forma de pensar Muitas coisas parecerão senso comum. Alguém poderia dizer que não é preciso da Teoria dos Jogos para chegar as mesmas conclusões. Isso é verdade. A Teoria dos Jogos é estudada dentro de três disciplinas teoria das decisões, economia e estratégia. Não é trivial segregar nitidamente a "propriedade" de cada conceito em cada uma das quatro matérias. Onde começa um e termina o outro? Ainda, é possível mesclar conceitos com a economia comportamental, psicologia, filosofia e lógica. Entretanto, o óbvio apenas parece ser óbvio depois de entrar em contato. Ainda, não é porque é óbvio então é fácil, e principalmente, comunicável. A vantagem de estudar este tópicos sob o guardachuva da Teoria dos Jogos (alias, vale para qualquer disciplina) é ter todos os conceitos que "organizam o raciocínio" e "aceleram o conhecimento". O grande mérito é conseguir sistematizar o intuitivo a ponto de ser categorizado, organizado e melhor comunicado. Esta é função de qualquer modelo de decisão. Aliás, esta é função da ciência. Ciência nada mais é que o conhecimento organizado, feita para ser comunicada eficientemente e testar hipóteses. 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 4/128 Este "senso comum organizado" ajuda a pensar diferente. Abordar as suas próximas negociações e situações do cotidiano usando conceitos da Teoria dos Jogos deixará o seu raciocínio mais flexível, inteligente e tolerante a ambiguidades e ineficiências. David McAdams utiliza o termo "gameawareness" como a habilidade de ver o mundo a sua volta com olhos mais abertos e estratégicos [3]. Esta "consciência sobre o jogo" significa entender as características da situação (do jogo) em questão. A consciência permite reconhecer as oportunidades estratégicas que outros não vêem, seja para competir, colaborar ou sinalizar. Um exemplo de McAdams de como o "gameawareness" pode ajudar nos negócios é Alfred Sloan, legendário líder da General Motors. A biografia de Sloan mostra a habilidade dele em entender como o jogo do mercado automobilístico transformaria não somente a GM como toda a indústria. Como exemplo, Sloan percebeu que o design de carros era importante aos consumidores e levou a GM a introduzir um novo modelo por ano, encorajando o comércio por carros usados. Da mesma forma, o entendimento de Sloan sobre os incentivos das concessionárias levou a GM a ser o primeiro fabricante a oferecer a compra de estoque encalhado, bem como o pioneiro a implantar um sistema contábil integrado. Aproveite a jornada deste livro. Você terá seus próprios insights para um melhor pensamento estratégico, obtendo vantagens competitivas/colaborativas nas sua próximas interações estratégicas. [1] Ariel Rubenstein é escritor de vários livros sobre Teoria dos Jogos. Um texto curto sobre vantagens e limitações da teoria é no link http://www.faz.net/aktuell/feuilleton/debatten/gametheoryhowgametheorywillsolvetheproblemsoftheeuroblocandstopiraniannukes12130407.html [2] Leitores mais voltados para a matemática podem ser aprofundar lendo vários livrostextos usados nas disciplinas das universidades. [2] Gamechanger: Game Theory and the Art of Transforming Strategic Situations, David McAdams, 2014, WW Norton. Pensamento Estratégico e Decisões Estratégicas O que é o Pensamento Estratégico Seja um executivo, consultor, gerente ou consumidor, no mundo atual você precisa analisar o ambiente a sua volta para tomar boas decisões e ter bons resultados. Para isso, você precisa pensar estrategicamente. Há muitas ferramentas que ajudam o seu pensamento analítico e estratégico, e este site oferece alguns insights, teorias e modelos para este fim. Mas o que é pensamento estratégico? Ele envolve analisar os problemas e as oportunidades a partir de uma perspectiva ampla, pensando no longo prazo e compreendendo o impacto de suas ações sobre os outros e viceversa. Como todo mundo, você rotineiramente se depara com situações complexas e problemas difíceis. Seu trabalho é lidar com essas situações da melhor forma possível, usando as informações que você tem. Em um mundo ideal, você tem acesso a todas as informações que precisa para enfrentar estes desafios, porém na prática você tem apenas uma quantidade limitada. O pensar de forma estratégica ajuda a superar essas limitações. O pensamento estratégico é uma habilidade poderosa e valiosa que aumenta as chances de sucesso nos seus projetos profissionais e pessoais. Quando você pensa estrategicamente, você gera benefícios importantes, como (1) desenvolver planos de longo prazo com mais eficiência ao antecipar o inesperado, (2) avaliar se deve competir ou cooperar com concorrentes e (3) visualizar a cadeia de reaçõespara maximizar seus resultados. Ainda, consegue alinhar as ações com os demais interlocutores, se comunicar melhor, ganhar compromisso e promover a cultura do planejamento. Com as 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 5/128 habilidades de pensamento estratégico, você tem um guia simples e abrangente com táticas, ferramentas e estudos de caso. Existem várias teorias e técnicas para desenvolver esse tipo de raciocínio. Como exemplo, o curso online da Harvard Business School chamado Strategic Thinking destaca as sete habilidades dos melhores estrategistas: entender o quadro geral (big picture), ter claro os objetivos estratégicos, identificar os padrões, relacionamentos e tendências, pensar criativamente, analisar informações, priorizar as ações e assumir os tradeoffs [1]. Já Denise Cummins, no livro Good Thinking seven powerful ideas that influence the way we think apresenta sete métodos que ajudam a ter um melhor julgamento: escolha racional, julgamento moral, raciocínio científico, lógica, solução de problemas, raciocínio análogo e teoria dos jogos [2]. Geralmente, as publicações voltadas ao tema usam modelos mentais muito bem estruturados. O objetivo deste site é adicionar ao seu framework do pensamento estratégico uma poderosa ferramenta, chamada Teoria dos Jogos, que é especificamente útil para aprimorar o seu raciocínio nas situações de competição e cooperação. Além dela vamos incorporar os conceitos da Economia clássica, Economia comportamental, Teoria das Decisões, entre outras. Mas antes de explicar esses temas propriamente ditos (no capítulo 2 em diante), é importante abordar um pouco mais sobre o processo decisório no raciocínio humano para poder explicar o que é uma Decisão Estratégia e, por fim, o que é significa a palavra Estratégico(a) no mundo da Teoria dos Jogos. O que é uma Decisão Estratégica Preste atenção sobre o seguinte. Pensar estrategicamente significa decidir estrategicamente. Decidir significa fazer uma escolha, escolher significa selecionar um item de um menu de opções. Como em um restaurante, você quer decidir o que comer, então pede o cardápio e escolhe um dos itens do menu. A figura abaixo apresenta os três tipos de escolhas que rodeiam o nosso cotidiano [3]: (1) a escolha com certeza, (2) a escolha com incerteza probabilística e (3) a escolha com incerteza estratégica. A escolha com CERTEZA ocorre quando os itens do menu de opções são finitos, com preferências e conseqüências bem definidas e racionais. Como no exemplo do restaurante, você pode escolher entre carne, frango, peixe ou massa. A decisão até pode ser difícil ("oh céus, tudo parece bom"), mas depende exclusivamente do seu gosto. Para aumentar os subsídios para tomada de decisões, você até pode consultar o garçon sobre o prato mais popular ou verificar indicações nas redes sociais. Outras escolhas podem ser menos triviais, como comprar um carro. Imagine que você tem duas opções. O carro A é mais 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 6/128 barato, porém não possui um motor tão potente e alguns opcionais portatreco para seus filhos. O carro B é mais caro, possui os acessórios desejados, mas não existe na cor que você gostaria, além de gastar mais combustível. Existe um tradeoff a resolver. Você recorre a alguns conceitos que aprendeu nas aulas de Teoria das Decisões e usa o modelo de elencar atributos e atribuir pesos e notas a cada um deles. Idem para comprar roupas, imóveis ou decidir qual o melhor resort na praia para o próximo verão. Assim você cria um modelo de decisão. Por mais difícil que possa aparecer, a "escolha com certeza" é o tipo de decisão mais fácil depende apenas de você, suas preferências e seus modelos. A escolha com INCERTEZA PROBABILÍSTICA ocorre quando há certo grau de probabilidade de ocorrer um evento. Aqui entram em ação alguns conceitos de risco, chance e utilidade esperada. Para decidir se você sai de casa com guardachuva, você verifica a previsão do tempo e a probabilidade de chuver. Assim você pode decidir se corre o risco de leválo a toa se não chover, ou não leválo e se molhar se chover. Outros raciocínios similares são usados em jogos de azar ou loteria. Nosso foco de estudo para este livro é o terceiro tipo. A escolha com INCERTEZA ESTRATÉGICA ocorre quando o resultado da sua decisão individual é dependende da decisão individual de outra pessoa. Talvez o exemplo mais simples seja o jogo do Par ou Impar. Você decide Par e precisa escolher um número de 0 a 5 para colocar. Como sabemos, não importa apenas o número que você coloca, e sim do número que você e o seu adversário colocam. O resultado depende da soma dos números de ambos jogadores, e não apenas do seu número (seja Par ou Impar). Se você não quer depender da sorte, a sua decisão depende da crença do que o outro jogador vai colocar. Confiando que ele vai colocar Par, então você deve colocar Par. Se achar que ele vai colocar Impar, então deve colocar Impar para que o resultado seja Par. O xadrez é um jogo mais sofisticado que possui a mesma dinâmica de raciocínio. Os bons jogadores pensam várias jogadas a frente antes de tomar a decisão do próximo movimento. Não importa a sua jogada isolada apenas, o resultado depende da reação do meu adversário. A combinação de movimentos é que vai gerar o ganhador. Esse tipo de escolha também tem uma componente de Incerteza (não depende de um ranking individual de preferência) e uma componente Estratégica (a incerteza não é aleatória e sim deliberada por uma outra pessoa). Como conclusão, podemos dizer que uma Decisão Estratégica é aquela cujo resultado desejado depende da combinação de escolhas dos tomadores de decisão. Em outras palavras, dizemos que existe uma interdependência de decisões. Como você verá mais para frente, são estes tipos de situações interativas que utilizamos a Teoria dos Jogos para analisar e obter insights. Forneceremos exemplos reais mais palpáveis ao longo do livro, e você perceberá que estudar as Decisões Estratégicas (ou Situações Estratégicas) melhorará o seu Pensamento Estratégico. [1]: Curso Strategic Thinking, Harvard Business Review, link http://ww3.harvardbusiness.org/corporate/demos/hmm10/strategic_thinking/get_started.html [2]: Good Thinking, Denise D. Cummins, 2012, Cambridge University Press. Em inglês os sete métodos são Rational Choice, Moral Judgment, Scientific Reasoning, Logic, Problem Solving, Analogical Reasoning e Game Theory. [3] Michael Allinghan, Choice Theory, 2002, Oxford University Press http://ww3.harvardbusiness.org/corporate/demos/hmm10/strategic_thinking/get_started.html 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 7/128 Garrincha: O senhor já combinou com os russos? Ele não sabia, mas estava raciocinando com a Teoria dos Jogos Conta a lenda que na Copa de 1958, durante a preleção antes do jogo contra a antiga União Soviética, o técnico brasileiro Vicente Feola reuniu os jogadores e combinou a estratégia da partida. Segundo Nelson Correa, foi algo assim [1]: No meio de campo, Nilson Santos, Zito e Didi trocariam passes curtos para atrair a atenção dos russos… Vavá puxaria a marcação da defesa deles caindo para o lado esquerdo do campo… Depois da troca de passes no meio do campo, repentinamente a bola seria lançada por Nilton Santos nas costas do marcador deGarrincha. Garrincha venceria facilmente seu marcador na corrida e com a bola dominada iria até à área do adversário, sempre pela direita, e ao chegar à linha de fundo cruzaria a bola na direção da marca de pênalti; Mazzola viria de frente em grande velocidade já sabendo onde a bola seria lançada… e faria o gol! Garrincha com a camisa jogada no ombro, ouvia sem muito interesse a preleção, e em sua natural simplicidade perguntou ao técnico: Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos? Luis Nassif lembrou bem que "uma das características de qualquer ser humano racional, cartesiano, é a capacidade de prever as consequências de um lance jogado. Até Garrincha, gênio do futebol e escasso em raciocínio, entendia que não existe tática eficiente se não se prever qual será a reação do adversário. O famoso “já combinaram com os russos” é um monumento à boa lógica" [2]. Bem vindo ao mundo da Teoria dos Jogos. Garrincha não foi nada ingênuo. Elaborar uma estratégia significa pensar todas as suas opções considerando as reações do seu adversário. A ciência e arte da Teoria dos Jogos está em oferecer algumas ferramentas formais para antecipar o movimento do outro jogador. Como exemplo, uma dos principais conceitos é "coloquese na posição do adversário e veja o que você faria se fosse ele". [1] Nelson Correa, Blog Pô Meu, http://pomeu.com/automobilismo/esqueceramdecombinarcomolewis/ [2] Luis Nassif, Blog Luis Nassif Online, http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/serraasinadeservidraca O que é Teoria dos Jogos Uma breve introdução intuitiva O que é Teoria dos Jogos e como ela pode melhorar as suas decisões estratégicas? Teoria dos Jogos é o estudo das tomadas de decisões entre indivíduos quando o resultado de cada um depende das decisões dos outros, numa interdependência similar a um jogo. Mas primeiro é interessante explicar o que não é Teoria dos Jogos: decidir qual carro comprar, por exemplo. Escolher um automóvel é uma decisão complexa pela quantidade de variáveis a considerar. Além do preço, existem a aparência, estilo, tamanho, motor, conforto, acessórios, etc. Para complicar, sempre há um tradeoff: nenhum carro possui exatamente todas as características que você gostou. Seria bom se o carro A, como aqueles acessórios, também tivesse a configuração do motor do carro B. Você pode criar um algoritmo (mental ou via computador) para colocar todas as variáveis e pesos de importância (suas utilidades) e criar um ranking. Entretanto, o exemplo do carro é uma decisão isolada a decisão é só sua e não há interferência de outros no resultado. 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 8/128 Já a Teoria dos Jogos estuda cenários onde existem vários interessados em otimizar os próprios ganhos, as vezes em conflito entre si. Por exemplo, imagine que em sua empresa você tem dúvidas sobre qual ação tomar para aumentar o seu lucro: reduzir o preço, lançar outro produto ou fazer uma campanha de marketing? No caso de reduzir o preço, conhecendo a curva de demanda, se abaixar o preço em 3%, sua receita sobe 7% pois vai ganhar marketshare. Você calculou a relação de preço versus vendas e, conseqüentemente, a migração de consumidores do produto concorrente para o seu. Mas e se seu concorrente reagir e também abaixar o preço na mesma proporção? Como conseqüência da estratégia dele, o seu ganho, antes imaginado como aumento em 7%, muda para uma perda de 5% pois não aconteceu como você previu. O resultado (ganho ou perda) de uma decisão depende obrigatoriamente da movimentação dos dois concorrentes, tornando a tomada de decisão muito mais complexa. Por isso, você precisa saber quais são os ganhos ou perdas de cada combinação e identificar quais são os incentivos mais atraentes para seu adversário, sabendo que ele está imaginando quais são os seus ganhos para também tomar uma decisão. Com essas informações e deduções, reduzir o preço não é uma boa estratégia. Então você imagina fazer uma campanha de marketing. Começa outro ciclo de previsões: como ele vai reagir neste caso? Ao se antecipar as ações do seu competidor, você deve repensar antes de agir e visualizar todas as implicações de cada decisão, e ele fará o mesmo simultaneamente. Por isso, a melhor recomendação é: antes de tomar uma decisão, coloquese no lugar do concorrente e imagine qual seria a reação dele dadas as ações e incentivos existentes. Simultaneamente ele fará o mesmo entender quais são suas motivações e ações para que ele tome a melhor decisão. Este é ciclo sem fim: você pensa que ele pensa que você pensa que ele pensa que.... Teoria dos Jogos é isso: entender que sua decisão não é independente e ambos os ganhos dependem da combinação de muitas ações em cadeia até chegar em um equilíbrio. Este equilíbrio é o chamado Equilíbrio de Nash, em homenagem a John Nash Jr, prêmio Nobel de 1994 e que foi personagem de Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante, ganhador do Oscar de 2002. Outras analogias interessantes sobre decisões interdependentes são o Dilema da Ponte e o Dilema do Vagão de Trem. http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=32 http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=69 http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=69 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 9/128 Teoria dos Jogos: o intuitivo agora sistematizado Pensar no concorrente e nas açõesreações antes agir parece ser muito intuitivo. Você já pensa assim, certo? Então, por que precisaria da Teoria dos Jogos para uma atitude tão óbvia? Resposta: porque a Teoria dos Jogos oferece metodologias que organizam o seu raciocínio nos jogos do cotidiano com seu concorrente, chefe, subordinado, colega de trabalho, cliente, fornecedor, vendedor, amigo, esposa/marido, governo, consumidor e outros. Nesta caixa de ferramentas existem alguns conceitos estruturados que ajudam na comunicação e no entendimento de como as pessoas decidem. Exemplos: matriz de resultados ou esquema de incentivos jogos seqüenciais versus simultâneos cooperação versus competição dilema do prisioneiro e equilibrio ineficiente equilíbrio de Nash estratégia dominante e backward induction jogos repetitivos e estratégia mista informação incompleta Assim como várias teorias de administração ajudam a estruturar o seu pensamento nas decisões competitivas, a Teoria dos Jogos possui modelos formais e exemplos que facilitam o entendimento nas decisões interdependentes, além de facilitar a comunicação e treinamento dos conceitos como qualquer teoria formal. A base da teoria é colocarse na posição do outro e raciocinar o que você faria em cada situação, modelando todas as interações com benefícios/prejuízos de ambos e daí tomar a melhor ação estratégica. A Teoria dos Jogos, como disciplina independente, não resolve todos os problemas, mas apresenta vários insights para melhorar seu pensamento estratégico como um elemento complementar das demais Teorias de Decisões. Para se aprofundar e para ser um bom estrategista, é importante unir os conceitos das disciplinas de Estratégia, da Economia Clássica (como preferências e utilidades, resultado esperado, risco e incerteza, freerider, assimetria de informações) e da Teoria Comportamental (heurísticas e viéses cognitivos). Neste último caso, quanto mais você souber quais são os incentivos e reais motivações do seu concorrente ou parceiro, maiores as suas chances de ganhar o jogo. A união de todos os elementos é uma grande forma para melhorar suas decisões estratégicas. Analogiacom o Dilema da Ponte Existe um texto de Don Ross, no site da Stanford Encyclopedia of Philosophy (capítulo de Game Theory) o qual chamei de Dilema da Ponte, que representa bem a essência da Teoria dos Jogos [1]. Imagine que você deseja atravessar um rio que possui três pontes. Assuma que é impossível via natação ou barco. A primeira ponte é conhecida por ser segura e livre de obstáculos, se você tentar atravessar lá, você terá sucesso. A segunda ponte se encontra debaixo de um penhasco de pedras grandes que às vezes caem. A terceira é habitada por cobras mortais. 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 10/128 Agora, suponha que você queira ranquear as três pontes de acordo com facilidade de passagem. Sua tarefa aqui é bastante simples. A primeira ponte é a melhor, obviamente, pois é mais segura. Para classificar as outras duas pontes você necessita de informações sobre seus níveis relativos de perigo. Se você conseguisse estudar a freqüência de queda das rochas e os movimentos das cobras durante algum tempo, você poderia descobrir que a probabilidade de ser esmagado por uma rocha na segunda ponte é de 10% e de ser picado por uma cobra na terceira ponte é de 20%. Seu raciocínio aqui é estritamente paramétrico, pois nem as pedras nem as cobras estão tentando influenciar suas ações, por exemplo, ocultando os padrões típicos de comportamento. É bastante óbvio que você deve fazer aqui: atravessar a ponte segura. Por enquanto, não há envolvimento da Teoria dos Jogos, apenas da Teoria da Decisão, com probabilidades e utilidades. Agora vamos complicar a situação um pouco. Suponha que a ponte das rochas está na sua frente, enquanto a ponte segura está longe, necessitando uma caminhada difícil por um dia inteiro. Sua tomada de decisão aqui é um pouco mais complicada, mas continua sendo estritamente paramétrica. Você teria que decidir se o custo da longa caminhada vale a pena trocar pelos 10% de chance de ser atingido por uma pedra. No entanto, isso é tudo que você tem que decidir, e sua probabilidade de sucesso depende inteiramente de você, o ambiente não está interessado em seus planos. No entanto, vamos complicar mais um pouco a situação, acrescentando um elemento que interage com sua decisão, tornando o problema mais intrigante. Suponha que você é um fugitivo e seu perseguidor está te esperando do outro lado do rio com uma arma. Ele vai atirar em você apenas se ele esperálo na ponte que você atravessar, caso contrário você consegue escapar. A medida que pensa qual ponte escolher, seu perseguidor está do outro lado tentando antecipar o seu raciocínio. Agora, parece que escolher a ponte segura seria um erro, uma vez que é exatamente onde ele vai esperálo, e sua chance de morrer aumenta. Então talvez você deva correr o risco com as rochas, uma vez que estas probabilidades são melhores. Mas espere ... se você chegou a essa conclusão, o seu perseguidor, que é tão racional e bem informado como você, pode antecipar isso, e estará esperando por você se você fugir das pedras. Portanto, talvez você deva arriscar com as cobras, que é o que o perseguidor menos espera. Mas, então, não ... se ele acha que você acha que ele menos espera nas cobras, então ele vai esperar mais. Esse dilema, você percebe, é geral: você deve fazer o que o seu perseguidor menos espera, mas qualquer coisa que você ache que ele menos espera, automaticamente é o que ele vai esperar mais. Você parece estar preso na indecisão. Tudo o que pode consolálo um pouco aqui é que, do outro lado do rio, seu perseguidor é preso em exatamente no mesmo dilema, incapaz de decidir qual a ponte esperar porque logo que ele imagina, comprometendose a uma, ele vai notar que se pode encontrar uma melhor razão para escolher outra ponte pois pode antecipar essa mesma razão e, em seguida, evitála. São estes tipos de situações em que a Teoria dos Jogos se interessa, onde o resultado depende da decisão conjunta dos jogadores, onde cada um tenta antecipar a escolha do outro. Os "teóricos dos jogos" entendem que existe uma solução racional, isto é, uma melhor ação racional disponível para ambos os jogadores. No entanto, até a década de 1940, nem os filósofos nem os economistas sabiam como encontrálo matematicamente. Von Newman e John Nash fizeram grandes contribuições na modelagem matemática destes cenários e faz parte da maioria dos livros didáticos de teoria dos jogos. Mas o mais importante do legado da Teoria dos Jogos é o raciocínio da antecipação dos movimentos, intuitivo para a maior parte das pessoas no dia a dia, pois a disciplina oferece alguns conceitos e modelos formais que ajudam a estruturar o 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 11/128 pensamento. Com a ajuda de "jogosmodelos", ou seja, exemplos de situações e respectivas soluções, você pode usálos como analogia no seu cotidiano e tomar melhores decisões. [1] Site Stanford Encyclopedia of Philosophy, link http://plato.stanford.edu/entries/gametheory/ Analogia com o Dilema do Vagão de Trem Outra analogia muito útil sobre decisões interdependentes para explicar a essência da Teoria dos Jogos é dada por Thomas Schilling, no livro Choice and Consequence (capítulo What is Game Theory). Batizei este trecho como o Dilema do Vagão de Trem. Cena 1: Imagine que você está na plataforma de uma estação, pronto para embarcar no trem, e encontra um velho amigo que tem assento reservado em um vagão diferente do seu. Você combina de encontrálo no vagão do jantar. Depois de embarcar no trem, você descobre que existe um restaurante na primeira classe e um buffet na segunda classe. Você prefere comer na primeira classe, mas suspeita que seu amigo prefere o carro buffet. Você quer fazer uma reserva que coincida com a dele. Você escolhe a primeira classe ou o carro buffet? (Evidentemente, considere que você não sabe o número do celular dele e não podem ser comunicar). Cena 2: Imagine agora que você está na plataforma e encontra um amigo que você quer evitar. Suas reservas estão em carros diferentes, mas ele sugere encontrálo no jantar. Você fica aliviado quando descobre que existem dois vagões de restaurante, o da primeira classe e o buffet. Se você escolher corretamente, você pode "inocentemente" desencontrar com seu amigo. Você tem que ter cuidado, ele pode imaginar que você quer fugir dele. Normalmente você janta na primeira classe e ele sabe disso. Para qual vagão você faz sua reserva? Perceba nas duas situações que as decisões de vocês são interdependentes e, portanto, mais uma situação em que a Teoria dos Jogos ajuda na análise. Dois ou mais indivíduos têm escolhas a fazer, possuem preferências quanto aos resultados, e algum conhecimento das opções disponíveis para cada um e sobre as preferências dos outros. O resultado depende das escolhas que ambos fazem. Assim, não há uma melhor escolha "independente" do que se pode fazer. Você depende das decisões dos outros. Para alguns problemas, como escolher a rota que minimiza a distância de casa para o escritório, você pode chegar a uma solução sem resolver qualquer problema dos outros ao mesmo tempo. Mas nas grandes avenidas e trajetos, porém, você precisa saber o que o outro motorista vai fazer e você sabe que um elemento fundamental em sua decisão é o que ele pensa que você vai fazer. Qualquer "solução" de um problema como este é necessariamente uma solução para ambos os participantes. Cada um deve tentar ver o problema a partir do outro ponto de vista.O que a Teoria dos Jogos faz é ajudar a identificar este tipo de situação de forma prática e intelectual, e tenta propor uma solução conjunta satisfatória para os participantes racionais. Cada um deve basear sua decisão baseandose nas suas próprias expectativas e a dos outros. A menos que supomos que um jogador simplesmente tenha expectativa errada, deve haver alguma consistência, não apenas nas suas escolhas/expectativas, mas nas expectativas dos outros. Por isso que a Teoria dos Jogos é o estudo formal das expectativas racionais e consistentes de que os participantes tem sobre as escolhas dos outros. É, porém, abstrato e dedutivo, não estudo empírico de como as pessoas tomam decisões, mas uma teoria dedutiva sobre as condições em que as sua decisão é considerada "racional", "consistente", ou "nãocontraditória". É claro que a definição "racional", http://plato.stanford.edu/entries/game-theory/ 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 12/128 "consistente" ou "nãocontraditória" para decisões interdependentes é em si parte do estudo da Teoria dos Jogos. Os próximos exemplos mostrarão como analisar algumas situações utilizando empresas, estratégias e valores numéricos para mostrar como a metodologia funciona. [1] Choice and Consequence, Thomas Schilling, capítulo 10, What is Game Theory. Modelos de Decisão e sua Caixa de Ferramenta Mental Sabemos que situações da vida real nas tomadas de decisões são frequentemente muito complexas. Teorias, em geral, oferecem um modelo para essa complexidade. Um modelo é para uma situação real o mesmo que um mapa rodoviário é para a região que ele representa. O mapa é uma simplificação, uma representação propositadamente estilizada que omite algumas características e destaca outras. Se tivesse todos os detalhes da região, estrada, cidade ou bairro, seria tão complicado que não daria para entender e portanto seria inútil como mapa. Similarmente, muitos modelos de decisão são simplificações, mas extremamente eficazes como um mapa. Na verdade, a complexidade é melhor entendida ao quebrar a situações em componentes básicos. John McMillan, no livro Games, Strategies and Managers, apresenta um bom argumento quando alguém diz que "o mundo é muito mais complicado que os modelos". Isso é verdade devido a natureza de qualquer modelo. Um modelo não é adequado só se ele distorcer a situação atual ao omitir algo muito crucial [1]. O que se busca, como qualquer teoria de administração, é encontrar principios gerais. Nenhum cenário estratégico seria capturado totalmente por um modelo, principalmente quando existem indivíduos diferentes tomando decisões. Se um argumento não funciona em um modelo simplificado, então é provável que ele não seja válido em um modelo mais complicado. Modelar é uma forma de testar ideias ao focar cada parte por vez. Modelar significa reduzir uma situação de interesse na sua essência. Dizer que alguma coisa funciona na prática e não na teoria significa que ela não foi totalmente compreendida. Tomada de decisões estratégicas não podem ser completamente reduzidas a uma ciência; sempre haverá espaço para truques. Um jogador com malícia irá invariavelmente ganhar de um lógico inocente no poquer. O pensamento estratégico não vem naturalmente, essa habilidade tem que ser aprendida, praticada e aplicada. Mas é valioso incentivar uma abordagem científica o quanto conseguirmos. Ciência é conhecimento organizado, feita para ser comunicada eficientemente: a ciência das decisões estratégicas pode ser aprendida em um livro. McMillan cita o filósofo Karl Popper para afirmar que o objetivo das ciências sociais é entender a "lógica de uma situação". Nós entendemos as ações das pessoas se nós vemos como essas ações são apropriadas a situação e consistentes com comportamento racional. Como verá neste site, a Teoria dos Jogos tenta entender a lógica das interações humanas e suas respectivas decisões. O papel da Teoria dos Jogos como um modelo de decisão 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 13/128 A Teoria dos Jogos e demais conceitos aqui apresentados oferecem alguns pedaços concretos para entender essa "lógica de uma situação". Ao ajudar a pensar sistematicamente, nos dão um atalho para aquilo que os jogadores habilidosos aprenderam intuitivamente por longa e custosa experiência. Evidentemente, as teorias são limitadas, mas representam ferramentas poderosas para ajudar a entender interações estratégicas. Não é possível oferecer respostas definitivas sobre como agir em qualquer situação, tão pouco dizer aos gerentes como tocar os negócios. Uma tomada de decisão não pode ser reduzida simplesmente em um programa de computador ou regrinha de autoajuda. A Teoria dos Jogos não elimina a necessidade de conhecimento e intuição adquirida através de longa experiência, mas oferece um atalho para entender os princípios do processo de decisão. Gerentes habilidosos e experientes entendem estes princípios intuitivamente, mas não necessariamente de uma forma que eles possam se comunicar seus entendimentos aos outros. Por isso, um dos maiores benefícios da Teoria dos Jogos é oferecer uma linguagem para expressar esses princípios. Vamos mostrar exemplos, analogias, estórias e "jogosmodelos" fáceis de memorizar e compartilhar, servindo como um grande exercício no processo de tomada de decisões. Assim, todos os conceitos representam uma forma de economizar e antecipar experiência, ao tornar possível captar os princípios do Pensamento Estratégico. O grande estrategista e sua caixa de ferramenta mental Para cada tipo de desenho ou pintura existe uma ferramenta adequada, seja lápis, giz, pincel e respectivos formatos, densidade e cores. No seu kit de instrumentos, o grande artista sabe escolher qual usar em cada ocasião. O grande estrategista faz a mesma coisa. Para cada problema existe um modelo de decisão mais adequado, mesmo que use apenas mentalmente. Aqui você vai aprender alguns deles para seu kit de pensamento, e verá os cenários de competição e cooperação com outros olhos. A Teoria dos Jogos é um dos modelos de decisão que potencializa seu pensamento estratégico. Ela é chamada por muitos escritores como a ciência da estratégia. Em outras palavras, é sobre antecipar como os outros vão responder ao que você fará, quando simultaneamente eles estão pensando o mesmo sobre você. Na maioria das vezes, quando você toma uma decisão, o resultado da sua escolha depende da reação dos outros jogadores (concorrentes, parceiros, chefes), onde cada um busca o melhor para si numa complexa relação de interdependência de estratégias similar a um jogo. Teoria dos Jogos é um estudo sobre as tomadas de decisões estratégicas e a lógica destas interações humanas. Ela é um grande framework uma caixa de ferramentas com metodologias que organizam o seu raciocínio para que, junto com outros tradicionais modelos de decisões e conceitos de economia, você tenha um melhor pensamento estratégico. [1] Games, Strategies and Managers How managers can use game theory to make better business decisions, John McMillan, 1992, Oxford University Press 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 14/128 O papel da racionalidade nas explicações Geralmente os nãoeconomistas reclamam dos economistas quando o assunto é usar modelos racionais de decisão. Um artigo da The Economist chamado The benevolence of selfinterest responde a seguintequestão: "Como os economistas esperam ser levados a sério se o seu modelo de homem é tão patentemente inadequado? A Economia clássica assume que as pessoas são movidas pela busca racional de autointeresse. Mas, como todos sabem, as pessoas não são racionais e que muitas vezes agem desinteressadamente. Onde, nesta visão do homem como uma máquina de calcular, há o reconhecimento do dever, amor e autosacrifício na conduta humana?" [1]. Como resposta, o autor diz que primeiro é preciso questionar se o termo "racional" significa a mesma coisa para os economistas e os críticos. Na economia clássica, dizer que as pessoas são racionais não é assumir que nunca cometem erros, como os críticos geralmente supõe. É apenas dizer que eles não fazem erros sistemáticos, ou seja, que não continuam fazendo o mesmo erro várias vezes. E quando os economistas falam de autointeresse, não se referem apenas a satisfação dos desejos materiais, mas a uma idéia mais ampla de "preferências" que pode facilmente incluir, entre outras coisas, o bemestar dos outros. Mesmo quando os termos são adequadamente compreendidos, a "busca racional do autointeresse" é uma hipótese simplificadora. A questão é saber se esta simplificação é útil ou não. O comportamento humano é muito complicado para ser analisado a ponto de gerar um padrão e sugerir generalizações sem o emprego de tais simplificações. Em quase todos os ramos da economia, a racionalidade tem sido um útil. Mas se os críticos da economia acreditam que qualquer tipo de análise social é possível, seria melhor dizer qual outra hipótese simplificadora eles preferem usar. Sem surpresa, eles não apresentam um candidato plausível. O que é racionalidade Michael Allingham, no livro Choice Theory: a Very Short Introduction, apresenta uma visão interessante sobre racionalidade, e a define como um padrão coerente de escolhas relacionadas a um menu de opções [2]. Segundo ele, devemos verificar a forma que as escolhas mudam quando o menu muda. Um menu é uma lista de itens nas quais uma escolha deve ser feita. Um menu simplificado em um restaurante poderia ser: (1) sanduiche de carne e (2) sanduiche de frango. Assim, existem quatro opções de escolha: comer nada, carne, frango ou ambos. Por exemplo, você escolhe o de carne, e não há nada de irracional nisso. Mas quando o garçon chega para anotar o seu pedido, ele diz que também tem sanduiche de queijo. O efeito desta informação é que agora você tem um menu de três itens de sanduiche: (1) carne, (2) frango e (3) queijo. Daí você muda de opinião e escolhe frango. De novo, não há nada de mais na sua escolha de frango. Mas claramente há alguma coisa inapropriada no seu padrão de escolha: sua opção mudou quando o menu foi acrescido de um item que você não quer, o de queijo. Nesta situação, a adição de um item irrelevante (que você não quer) não deveria afetar a sua decisão. Não faz sentido mudar de opinião entre carne e frango porque apareceu a opção de queijo. Isso seria incoerente. Outro exemplo é um menu com sopa de aspargus, cebola e espinafre. Você escolhe aspargus. O garçon então diz que não tem sopa de espinafre. Daí você escolhe de cebola. De novo, a ausência de um item que você não escolheria não poderia afetar sua opção; isso seria incoerente (ou seja, seria irracional). Em resumo, irracionalidade pode ser interpretada de várias formas e várias pessoas relacionam com emoção ao contrastar a racionalidade ligada a razão. Mas para efeito de padrões de escolhas, irracional é o comportamento incoerente, inconsistente ou ilógico a um padrão de preferências. Irracionalidade não tem nada a ver com emoção, intuição ou tomar uma decisão rápida sem pensar. 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 15/128 No mundo dos negócios existe menos irracionalidade Anthony Kelly, no livro Decision Making using Game Theory, embora admitindo que muitas vezes o comportamento humano é puramente emocional, defende que premissa da racionalidade nos modelos de decisão ainda é válida. No meio dos negócios, há um tipo de seleção natural que induz sucessivas gerações de tomadores de decisão a serem mais racionais, baseado no fato que as organizações que selecionam estratégias subótimas eventualmente desaparecem frente aos competidores [1]. No mundo atual, os executivos são bem formados, treinados e possuem grande conhecimento e experiência sobre os impactos das ações nos negócios. Não há motivo para ser irracional quando não se maximiza seus resultados. O que pode acontecer é que as percepções entre os jogadores sobre os payoffs são diferentes, o que não tem nada a ver com a racionalidade e sim a metodologia do cálculo. O executivo pode ser racional e fazer a conta errada. Ainda, o seu adversário pode ter preferências diferentes e disposição a risco de forma distinta, então ele reage a um cenário de forma alternativa a você. Portanto, o desafio está em entender as preferências de todos os jogadores e assim agir racionalmente em função disso. Você entra em um jogo para maximizar seu lucro, achando que seu adversário deseja o mesmo, entretanto ele faz reações para maximizar o marketshare, e não lucro como você tinha imaginado. Não há nada de irracional das suas decisões e objetivos, tão pouco nas decisões e objetivos dele. Se um indivíduo escolhe uma alternativa aparentemente louca, é porque fez uma seleção com base numa crença irracional. Portanto, o que é irracional é a crença, e não o critério e método de seleção, vale manter a premissa do modelo racional de decisão. Assim, definir a irracionalidade com base no resultado ou na ação é no mínimo suspeito pois é incompleto. Na verdade, seria extremamente racional se fingir irracional se isso fizer parte do jogo para atingir o seu objetivo. Como todo jogo, os jogadores devem tentar antecipar e conhecer o adversário para prever este tipo de movimento. Na definição da Teoria dos Jogos, um jogador racional é aquele que 1) avalia os resultados, no sentido de ranquealos em ordem de preferência, (2) calcula os caminhos para os resultados para entender quais ações levam aos respectivos resultados e (3) seleciona ações entre um conjunto de alternativas que levam aos resultados de maior preferência, dada as reações dos outros jogadores. Em resumo, o racional é aquele visualiza as alternativas possíveis e escolhe aquela que melhor serve os seus propósitos. Seu objetivo é ganhar um jogo, mas quando joga contra seu filho, você deseja perder. Assim, você escolhe movimentos adequados para seu objetivo e deixar seu filho ganhar. Você foi racional porque fez as ações coerentes e atingiu seu objetivo. A explicação racional sobre o irracional Você já deve ter lido vários artigos sobre decisões baseadas na emoção, intuição, feeling, entre outros adjetivos contrários a racionalidade. Muitos dizem que isso é positivo, pois a mente humana não é muito lógica e algumas boas decisões não nascem da razão. Outros dizem que a emoção é ruim, pois induz a decisões subótimas e que precisamos calcular e ponderar situações racionalmente com pros e contras. Como vimos aqui, não devemos confundir o conceito de racionalidade e não vamos negar o poder a intuição em algumas tomadas de decisão, como bem explica Malcolm Gladwell no livro Blink A decisão num piscar de olhos [4]. Mas tenho uma constatação interessante e um pouco curiosa: todas as publicações sobre o assunto apresentam argumentos racionais para explicar o comportamento irracional. Não poderia ser diferente, se você quer explicar algo que faça sentido a 23/02/2017 Imprimetodos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 16/128 alguém, você recorre a lógica e argumentação coerente [5]. Veja um exemplo. Você acompanha um incêndio numa casa do seu bairro e fica aterrorizado, achando que poderia acontecer na sua também. Não é racional pensar assim pois é muito raro, estatisticamente, ocorrer incêndios, ainda mais no seu bairro. As pessoas tendem a superestimar a ocorrência de eventos improváveis se as lembranças associadas aos mesmos forem particularmente dramáticas e, portanto, mais fáceis de lembrar. Como no exemplo, se você vir uma casa em chamas, aumenta sua crença de que tal acidente ocorrerá com muito mais frequência do que simplesmente lesse uma matéria de jornal a respeito de um incidente em uma residência qualquer e longe. Os cientistas acharam uma explicação lógica para esse fenômeno emocional entre os viéses da heurística, aplicase aqui o viés da disponibilidade ou da facilidade de lembrança, quando os indivíduos julgam que os eventos mais facilmente recordados na memória, com base em sua vividez ou ocorrência recente, são mais numerosos do que aqueles de igual frequência cujos casos são menos facilmente lembrados. Algo fácil de lembrar parece ser mais numeroso do que algo menos fácil de lembrar [6] [7]. Essa é uma boa explicação racional. Então qual seria a explicação emocional? O que buscamos nos argumentos para explicar o mundo são certos padrões de causa e efeito. Padrão garante previsibilidade e previsibilidade garante explicação ou predição. Essa é a essência de todo modelo econômico, psicológico, sociológico explicar o passado e prever o futuro de forma coerente e lógica sobre qualquer fenômeno ou atitude, seja racional ou emocional. Embora a mente humana seja bastante complexa, as teorias econômicas são baseadas em conceitos abstratos e racionais para poder se comunicar de forma eficiente e gerar mais conhecimento. A função de uma teoria ou modelo é criar um framework organizado e disciplinado para comunicar uma idéia e explicar ou prever algum comportamento. [1] The benevolence of selfinterest, The Economist, 1998 (não cita autor no site), link http://www.economist.com/node/179495 [2] Choice Theory: a very short introduction, Michael Allingham, 2007, Oxford University Press [3] Decision Making using Game Theory, Anthony Kelly, 2004, Cambridge University Press [4] Blink A decisão num piscar de olhos, Malcolm Gladwell, Editora Rocco [5] Neste site vamos usar as palavras "racional" e "lógico" sem distinção, considerando que racional é usar um padrão coerente de pensamento. [6] Heurísticas e Vieses de Decisão: a Racionalidade Limitada no Processo Decisório, Macedo, Oliveira, Alyrio, Andrade. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro [7] Negociando racionalmente, Max H. Bazerman, 1994, Editora Atlas. Em outro exemplo, pesquisadores perguntaram a dois grupos que ouviram diferentes nomes de pessoas famosas se as listas tinham mais nomes de homens ou de mulheres. Uma das listas continha mais nomes de homens, mas as mulheres presentes na lista eram comparavelmente mais famosas. A outra lista continha mais nomes de mulheres, mas os homens da lista eram comparavelmente mais famosos. Em ambos os casos, os grupos advinharam incorretamente que as listas tinham mais nomes do mesmo sexo das pessoas mais famosas. Vamos sistematizar o intuitivo Nossa vida é recheada de insights que, de repente, nos fazem ver uma situação de forma diferente. Como exemplo, ocorreu comigo ao aprender o conceito de Sunk Cost em Economia. Sunk cost custos afundados ou irrecuperáveis são aqueles gastos já realizados que não podem ser mais recuperados. Como moral da estória, os custos do passado não devem ser considerados nas decisões sobre o futuro. Isso abriu meus olhos na hora de tomar uma decisão e incorporei o conceito no meu framework de pensamento. Agora não fico mais com "peso na consciência" ao sair no meio de um filme chato só porque eu paguei um ingresso caro. http://www.economist.com/node/179495 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 17/128 Assistindo tudo ou saindo do cinema, eu não vou receber o dinheiro de volta de qualquer maneira é sunk cost, dinheiro perdido, custo afundado. No momento da decisão (ficar ou sair do filme), o que importa são as alternativas que me darão mais satisfação a partir daí (futuro): terminar o filme, voltar para casa mais cedo, visitar uma loja que não daria tempo se ficasse no cinema, tomar sorvete, etc. Este e outros conceitos de economia, estratégia e teoria das decisões são uma espécie de regras de ouro na minha caixa de ferramenta mental. Em geral, conceitos simples e bem definidos estruturam as tomadas de decisão de forma mais rápida, servem como atalho mental e viram os conselheiros internos que possibilitam retransmitir as dicas de forma mais didática. No caso do cinema, o conselho é simples: se o filme está chato e você tem coisa melhor a fazer no lugar dele, é perfeitamente racional sair no meio. Afinal, sunk cost não influencia a decisão futura; não fique preso a sua decisão do passado. Entretanto, a analogia acima serve para ilustrar como incorporar conceitos no seu raciocínio, mas não é um exemplo de decisão "estratégica", pois como a maioria dos conselhos de Economia e Teoria das Decisões, se referem a situações com escolhas isoladas e independentes. Com o Pensamento Estratégico e a Teoria dos Jogos a situação é diferente, mais complexa e intelectualmente desafiadora, pois envolvem cenários em que o resultado das suas decisões é afetado pelas decisões dos outros, numa interdependência igual a um jogo. Ah, agora faz sentido Vamos ajudar seu raciocínio estratégico basicamente oferecendo elementos para sua caixa de ferramental mental, com vários exemplos fáceis de serem lembrados e incorporados no dia a dia nas tomadas de decisão. Você verá que a maioria dos conceitos ensinados são intuitivos, em muitos casos você pensará "ah... isso eu já sabia, mas interessante olhar por este aspecto". O que faremos, na verdade, é sistematizar o intuitivo em um formato bem mais fácil de analisar e recordar. Como estamos falando de decisões entre indivíduos em situações similares a um jogo, muitas vezes relacionadas ao cotidiano, um dos grandes benefícios desta nova forma de pensar é entender a lógica das interações humanas. Para conseguir organizar a sua intuição e seu raciocínio sobre as interações humanas visando um melhor pensamento estratégico, a Teoria dos Jogos é a linha mestre de todos os conceitos, mas para ser mais aplicado na vida real é necessário incorporar três outras teorias a Economia Clássica, a Economia Comportamental e a Teoria das Decisões. Todas essas ferramentas estarão permeam as discussões estratégicas. Tanto a Teoria dos Jogos como a Economia possui uma matemática avançada para explicar os seus conceitos. Não usaremos fórmulas nesta abordagem, para isso existem livrostextos para graduação ou pósgraduação em que o leitor mais avançado pode consultar. Nossa metodologia é converter os conceitos em jogosmodelos, estórias e analogias. Estes são poderosos recursos para explicar os conceitos e propiciar o leitor duas vantagens memorizar e transmitir para outros. Nosso tema unificador No livro SuperFreakonomics, Steven Levitt e Stephen Dubner relatam que o primeiro livro (Freakonomics) não tinha um "tema unificador" e que o livro era apenas uma coletânea de casos. Após feedbacks, eles perceberam que existia sim um tema unificador: as pessoas respondem a incentivos.De fato, ambas publicações abordam vários exemplos de incentivos não óbvios e respectivos comportamentos na vida real. http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=45 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 18/128 Qual o meu tema unificador neste site? Usando Teoria dos Jogos, Economia, Estratégia e Teoria das Decisões vamos estudar os comportamentos humanos e entender/prescrever o que está por trás das decisões das pessoas. Por exemplo, fazendo analogia com Dilema dos Prisioneiros, a Teoria dos Jogos explica porque as pessoas buscam a cooperação e não conseguem, a implicações numa guerra de preços entre empresas, quando dar gorgeta em um restaurante e o papel da Lei Cidade Limpa em São Paulo. Os jogosmodelos, como o Dilema dos Prisioneiros, Tragédias do Comuns, Jogo do Ultimato, o Stag Hunt, Maching Pennies, etc, e seus conceitos de Equilibrio de Nash, Backward Induction, etc, tornam uma situação mais clara, facilitam a comunicação numa mesma linguagem e ajudam memorizar os conceitos. No dia a dia, para tomar uma decisão, os gerentes usam simultaneamente vários conceitos (por exemplo: Sunk Cost, Utilidades Esperadas, Ranking de Prós e Contras, Tradeoff, Custo de Oportunidade, Custo e Benefício Marginal, Valor Presente). Vamos incluir os conceitos das decisões interativas (ou estratégicas) na sua "caixa de ferramenta de decisões", fornecendo conceitos palpáveis para um raciocício racional estruturado. Concluindo, nosso objetivo aqui é propiciar elementos para melhorar o seu Pensamento Estratégico através de estórias e analogias usando conceitos da Teoria dos Jogos, Economia Comportamental e Estratégia. Representam um complemento intelectual nas tomadas de decisão, especialmente em situações onde as decisões e resultados dos vários jogadores são interligados entre si. A Teoria dos Jogos é um grande exercício de pensamento estruturado, é um pensar diferente sobre os cenários da vida. Como diz John Elster em Explaining Social Behavior "Teoria dos Jogos ilumina a estrutura das interações sociais. Uma vez que você vê o mundo através das lentes da Teoria dos Jogos ou ´teoria das decisões interdependentes´, como deveria ser chamada nada mais parece o mesmo". [1] Explaining Social Behavior: More Nuts and Bolts for the Social Sciences, John Elster, 2007, Cambridge University Press Visualize adiante, Raciocine para trás Os exemplos citados até agora, como o Dilema da Ponte, o Dilema do Vagão de Trem, Garrincha e os Russos, entre outros, foram analogias e histórias para criar uma visão geral de uma "situação estratégica" ou "decisão estratégica". Agora vamos mostrar uma metodologia para ajudar a entender a lógica da situação e tomar a melhor decisão possível. Para isso, é um pouco mais didático usar um jogo fictício e simples. O Jogo da Direita e Esquerda Imagine um jogo onde você joga primeiro e depois seu adversário. Você tem duas opções de movimento esquerda ou direita. Posteriormente, seu concorrente também tem duas opções de reação esquerda e direita. Dependendo das decisões, vocês vão ganhar uma quantia de balas, figurinhas, dinheiro, mas vamos chamar de "pontos". O objetivo de vocês é ganhar o máximo possível. O jogo tem apenas uma rodada. • Se você escolher esquerda, e seu colega esquerda, você ganha 12 e ele 8 pontos • Se você escolher esquerda, e seu colega direita, você ganha 5 e ele 10 pontos • Se você escolher direita, e seu colega esquerda, você ganha 8 e ele 20 pontos • Se você escolher direta, e seu colega direita, você ganha 10 e ele 2 pontos http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=29 http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=29 http://www.teoriadosjogos.net/teoriadosjogos/list-trechos.asp?id=16 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 19/128 Agora é sua vez. Qual a sua decisão (esquerda ou direita) que maximiza o seu resultado? Olhando rapidamente a possível pontuação acima, você poderia dizer que prefere Esquerda para ganhar 12 pontos. Mas lembrese que esta é uma situação estratégica, onde a sua ação gera uma reação e o resultado depende da combinação das duas decisões sua e do seu adversário. Para melhor entender este jogo (ou qualquer outro) é muito mais fácil contar com uma ajuda visual uma árvore de decisões. Na Figura 1 abaixo, vemos o mesmo jogo em um formato gráfico. Figura 1 Há alguns elementos básicos importantes. Primeiro, existem dois jogadores (você e seu adversário). Segundo, você tem duas alternativas (esquerda ou direita), bem como seu adversário. Terceiro, você joga primeiro, depois seu adversário. Assim, quando ele jogar você já terá decidido sua opção e ele saberá disso. Quatro, para cada combinação de ações (no caso, quatro resultados possíveis) existem os ganhos (ou pontos). Por último, admitese que você e seu adversário querem ter o maior resultado possível. Note que no lugar de EsquerdaDireita poderia ser AumentarAbaixar Preço; no lugar de Pontos, poderia ser Lucro, Receita, MarketShare, etc. Um modelo gráfico ajuda a entender os retornos para cada decisão e também ajuda a se comunicar de forma mais efetiva. Portanto, qual a melhor decisão? O grande conselho para decidir sua opção é a Regra Número 1 da Estratégia segundo a Teoria dos Jogos. Esta regra (em inglês Look Forward e Reason Backward) também é conhecida como Indução Retroativa (Backward Induction) e o conceito é bem simples. REGRA 1: VISUALIZE ADIANTE E RACIOCINE PARA TRÁS Note na Figura 2 os quatro possíveis finais (nós 4,5,6 e 7). Para o seu adversário, se você escolher Esquerda, no nós 2 ele tem duas opções a Esquerda gera 8 pontos para ele, e a Direita gera 10 pontos para ele. Idem do outro lado, caso você escolha Direita, ele tem duas opções a Esquerda gera 20 pontos para ele, e a Direita gera 2 pontos para ele. Assim, você precisa usar a regra número 2. REGRA 2: COLOQUE NO LUGAR DO SEU ADVERSÁRIO Neste caso, seu adversário no nó 2 quer maximizar o resultado, e vai escolher Direita pois 10 pontos é maior do que 8 pontos. No nó 3, ele vai escolher Esquerda porque 20 é maior do que 2. 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 20/128 Figura 2 Com este conceito de indução retroativa, agora o cenário está mais reduzido pois você raciocinou quais ações seu adversário irá tomar de forma racional querendo maximizar os resultados. Assim, na Figura 3 o novo jogo na sua etapa de decisão. Você sabe que se escolher Esquerda ele vai escolher Direita, então você vai ganhar 5 pontos. Se você escolher Direita seu adversário vai escolher Esquerda, então você vai ganhar 8 pontos. Figura 3 Assim, ao visualizar adiante e raciocinar para trás, sua decisão é mais simplificada. Direita ganha 5, Esquerda ganha 8. Uma vez que você quer ter o maior resultado possível, você deve escolher por Esquerda, uma vez que 8 é maior que 5 pontos. A Figura 4 mostra o resultado do jogo. Figura 4 Como conclusão, quando você encontrar situações estratégicas semelhantes, usar o Modelo 1 (Indução Retroativa: Antecipando as Reações do Rival) é a melhor estratégia. Você deve saber quais são as suas opções, as alternativas do seu concorrente, os resultados de cada combinação e exatamente o que vocês estão tentando maximizar (ganhar). Você deve ter percebido que, uma vez que a pontuação é esta e seu adversário quer maximizar os ganhos dele, você nunca 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp21/128 irá conseguir os 12 pontos do nó 4, que teoricamente seria o seu maior valor. Mas os seus 8 pontos do nó 6 representa a melhor alternativa possível. Ainda, você pode ficar incomodado pelo ser adversário conseguir o melhor valor dele (20 pontos) e muito melhor que o seu. Mas isso é a dinâmica de como os pontos são distribuídos antes das decisões. Você até pode escolher uma estratégia subótima (escolher Direita) para que seu adversário ganhe menos, mas neste caso você também ganharia menos. Seria correto dizer que, na prática, as pessoas e empresas não fazem este mapeamento de forma rigorosa e racional, mas o modelo simples e didático ajuda a transmitir valiosos conceitos, como entender a situação como um todo, visualizar os incentivos de cada jogador e seus respectivos ganhos e principalmente forçar o seu raciocínio para colocarse na posição do outro e antecipar reações antes de tomar decisões apressadas. Alguns outros exemplos serão dados a seguir. Exemplo 1: Construir um edifício mais alto? O Sears Tower (hoje chamado Willis Tower) em Chicago é um dos prédios mais altos nos Estados Unidos[1]. Isso dá ao edifício um status especial de prestígio, permitindo aos seus proprietários estabelecer valores de aluguel mais elevados do que outros escritórios semelhantes. Suponha que uma nova empresa (que vamos chamar de "Entrante") esteja pensando em construir um edifício ainda mais alto. Considere também que a empresa que tenha o edifício mais alto dos EUA ganhe um grande lucro, diminuindo o dos demais. Entretanto, o Sears (ou algum outro concorrente) pode construir outro prédio ainda mais alto, o que diminuirá substancialmente o retorno/lucro deste Entrante. Didaticamente, este jogo é chamado de "jogo seqüencial" porque o Entrante escolhe em primeiro lugar, e o Sears saberá a escolha do concorrente antes de fazer sua decisão. O jogo pode ser modelado em uma árvore de decisão mostrada na figura 1, que mostra todas as opções possíveis e os resultados de cada opção. Para facilitar a explicação, para cada passo do jogo existe um número que representa um "nó". Figura 1 Você pode ver que o Entrante (nó 1) deve decidir entre Entrar e Não Entrar nesse mercado, ou seja, construir uma torre mais alta ou não. Se escolher Não Entrar, o jogo termina no nó 2. Se escolher Entrar, então o Sears (nó 3) tem duas opções, Não Construir (nó 4) ou Construir um prédio maior (nó 5). 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 22/128 Os resultados em termos matemáticos (utilidades, pontos, dinheiro) são necessários para que os jogadores tomem as suas decisões. Se Entrante não entrar, nada muda na situação atual Sears recebe uma recompensa de 100, e o Entrante recebe zero (nó 2). Se o Entrante entrar e Sears não competir pela construção de uma torre ainda maior, então Entrante tem a vantagem e captura uma recompensa de 60, enquanto Sears recebe 40 (nó 4). Se o Sears construir um prédio mais elevado, então o Entrante perde dinheiro com um resultado de 50 e Sears obtem 30 (nó 5). O Sears naturalmente quer que o Entrante não entre no mercado porque obtem o resultado de 100 (nó 2), mas esta decisão depende apenas do Entrante. Como é que o Entrante deve decidir? Como vimos, ele deve usar o conceito de indução retroativa (backward inducton). O que chamamos de Regra 1, Visualizar adiante, Raciocinar para trás, também é denominada por alguns autores como "Mire no Futuro e Raciocine com o Passado". Assim, de trás para frente, olhando para as escolhas possíveis do Sears (última etapa), e assumindo que o Sears quer maximizar o seu retorno, o Sears vai preferir não construir um edifício maior, porque o retorno de 40 (não construir) é maior do que 30 (construir). O Entrante sabe que Sears vai pensar dessa maneira, então se escolher entrar, o seu resultado será de 60 (nó 4). Em seguida, o Entrante sabe que, se escolher Não Entrar (outro ramificação), ele vai ficar com zero. Se escolher Entrar, ele vai ficar 60. Consequentemente, o Entrante vai preferir Entrar e construir uma torre. O resultado esperado é o nó 4. Figura 2 Note que neste modelo existem muitas simplificações, uma vez que há muito mais alternativas na vida real. Por exemplo, o Entrante poderá construir um prédio pequeno, ou Sears poderia construir outra torre mesmo que o Entrante não entre, ou pode construir um pequeno edifício se o Entrante se entrar. No entanto, esta simplificação é útil para explicar a dinâmica da Teoria dos Jogos na construção de cenários e como tomar decisões neste tipo de análise: os jogadores possuem várias opções a decidir para cada combinação de decisões há um resultado (lucro, receita ou qualquer utilidade) os jogadores querem maximizar o resultado (dizemos que eles são "racionais") todos conhecem as opções e o resultado de cada combinação (o chamado "conhecimento comum") uma vez que há uma sequência de decisões (um espera o outro escolher a opção), via indução retroativa é fácil descartar as possibilidades, nó a nó, e entender a melhor opção de cada jogador desta forma, o equilíbrio é o resultado final neste raciocínio. 23/02/2017 Imprime todos os trechos http://www.cienciadaestrategia.com.br/teoriadosjogos/listimprimetodostrechos.asp 23/128 [1] Baseado em exemplo no livro Microeconomics and Behavior, de Robert Frank, com alterações. Exemplo 2: Construir uma nova fábrica? Considere um duopólio no mercado químico em que dois concorrentes, Chemco e Matco, precisam decidir sobre a construção de uma nova fábrica [2]. Não está claro qual será o primeiro a chegar a uma conclusão, mas por simplicidade vamos supor Chemco irá decidir primeiro. O objetivo de cada empresa a longo prazo é maximizar os lucros, de modo que os resultados (payoffs) na árvore de decisão representam cálculos de valor presente líquido (VPL), na figura 1. Neste exemplo, se nenhum deles construir uma nova fábrica, cada jogador deve ganhar uma VPL de 100 (nó 4). Figura 1 Usando o conceito de indução retroativa (backward induction), Chemco deve olhar para a frente e raciocinar para trás a fim de tomar sua decisão. • Se Chemco constuir uma nova fábrica, os payoffs sugerem que Matco não deve construir (pois 80 é melhor que 70). Estas decisões farão Chemco ganhar 125 e Matco receber 80 (nó 6). • Se Chemco decidir não construir a usina, Matco deve optar por construir no lugar (pois 115 é melhor que 100). Assim os resultados de Chemco e Matco serão 80 e 115, respectivamente (nó 5). Chemco sabe todos os resultados e a reação de Matco em cada momento de decisão. Portanto, entre ganhar 115 (se escolher Construir) e 80 (se escolher Não Construir), a opção dele é Construir. O resultado do jogo é o nó 6: Chemco constrói, Matco não constrói. Os incentivos (payoffs) na árvore de decisão mostra também que, embora seja rentável para uma nova fábrica a ser construída no setor, duas novas fábricas vão levar ao excesso de capacidade, consequente desconto de preços e lucros mais baixos para ambos os jogadores (nó 7). Que visões estratégicas podem ser aprendidas com este exercício? Primeiro, ele ilustra a vantagem competitiva em ser o primeiro no jogo (firstmover advantage). Ao fazer a decisão de construir e se comprometer com a planta nova antes de Matco, Chemco influencia os incentivos de Matco para evitar um resultado sombrio se ambos decidirem por novas plantas. Ele também demonstra simetria da vantagem do primeiro jogador: Matco também tem seus próprios incentivos para mover primeiro. Redesenhando o jogo com Matco em primeiro, na figura 2, o equilíbrio
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