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diferenciação social - resumo

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A comida como instrumento de socialização
1. O ato de socializar e sua definição
"Assimilação de hábitos característicos do seu grupo social; todo o processo através do qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade, assimilando a cultura que lhe é própria.
Desenvolver no indivíduo um conjunto de habilidades e sentimentos para torná-lo apto a viver em sociedade."
2. A sociabilidade e a comida
Acredita-se que o ato de comer caminha lado a lado com o ato de socializar-se com o meio, logo nos primeiros anos de vida e perdura ao longo desta. Portanto, o ato de comer torna-se um ato social, pois promove sociabilidade. As pessoas se reúnem com o objetivo de comer e consequentemente acabam interagindo entre si. A comida como ato social também tem espaço histórico. Isso porque, para os gregos antigos por exemplo, os banquetes representavam a crença de sentar-se à mesa com os deuses, gerando resquícios de civilização e a politica também tinha sua representação nesse momento. Os romanos também podem ser lembrados, com “a cena”, uma espécie de celebração e “o prandium”, refeição caseira com o objetivo de alimentar-se. Com isso, observamos uma relação mútua entre nutrir-se e ter seu espaço na sociedade pública. Os egípicios carregavam o hábito de continuar a alimentar os mortos, pois acreditava-se que estes precisavam preservar sua energia vital, que perdurava muito além do corpo físico. Crenças como essas induziam as pessoas a levar comida para os mortos e fazer espécies de piquines e reuniões junto às tumbas.
3. Comida e Status
“Comer e beber à vontade era uma forma de exibicionismo que muitos impérios ostentavam para impor seu poder diante da sociedade e do mundo.” (PERELLA E PERELLA)
A busca incessante pelo prestígio e ascensão social, que traz uma ideia elitista, é foco do homem, fato explícito por Bourdieu. A pequena burguesia busca incessantemente diferenciar-se dos demais, destacando-se como melhores, tendo seu gosto como referência. Isso é o que fundamenta as bases de uma “sociologia do gosto”: o bom gosto como sendo privilégio da classe dominante.
Até o ato de cozinhar ao longo dos anos foi se firmando como referência de status social, no âmbito de cursos sofisticados da área, como “haute cusine” e de enologia, os quais apenas as classes de segmentos econômicos mais altos estão inseridas. Com isso, nota-se uma mudança ao longo dos tempos, visto que antigamente cozinhar era tarefa de subordinados.
Mesmo em sociedades ditas igualitárias, onde há um disfarce nas diferenças de classe, a alimentação pode favorecer o elitismo. Atos como saber beber, portar determinados talheres e utensílios e modos à mesa, fundamentam a ideia de educação e superioridade, firmando um status social.
Separação, diferenciação social e a comida
A mesma cultura que une e insere a comunicação no meio, acaba tornando-se instrumento de separação e diferenciação social.
1. Preferências e diferenças no cenário alimentar
No geral, os gostos em comum podem funcionar como uma espécie de filtragem dos indivíduos, separando-os em grupos. Preferências que organizam as diversas práticas cotidianas.
Tomaz Tadeu acredita que no momento em que se observamos uma característica em si mesmo a qual não está presente no outro e chegamos a conclusão de que o indivíduo não faz parte do mesmo grupo que eu, surge a diferença e consequentemente, uma espécie de produção social da identidade. Produção social da identidade e da diferença. 
“A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre ‘nós’ e ’eles’”. O problema surgirá quando essa diferenciação se tornar motivo para que determinado grupo intitule-se melhor que outro.
No cenário social alimentar não é diferente. Recapitulando a ideia de carregar “bons modos e boas maneiras à mesa” como adjetivo de superioridade em relação aos demais, é um dos fatores que diferencia certa camada social da massa “popular”, além de certos tipos de alimento, determinadas marcas de produtos alimentícios, bares ou restaurantes que também acabam “filtrando” as pessoas, em um contexto social. Segundo Bulcão (2007), até a maneira como uma pessoa come ou a comida que escolhe ou o material dos talheres utilizados no ato de nutrir-se e a bebida que acompanhará o prato, produzem uma distinção social.
2. Preferências baseadas nas condições de vida que cada indivíduo possui
De fato, as preferências surgem de acordo com as condições de vida que cada indivíduo possui. Gostar ou não de caviar, por exemplo, depende do acesso que um indivíduo ou determinado grupo possui de saborear essa iguaria. Porém, como dito anteriormente, muitas escolhas podem vir a se basear na necessidade de exibir um status social, e o caviar como exemplo, muitas vezes é ingerido como uma espécie de sinalizador de uma alta condição financeira, a música de Zeca Pagodinho inclusive frisa essa ideia “Caviar é comida de rico, curioso fico, só sei que se come na mesa de poucos”.
A busca pela inserção e aceitação em determinado grupo social
As referências e hábitos culturais dos “outros” podem vir à causar em determinados grupos (geralmente aqueles tidos como inferiores), sentimentos de inveja, atração e curiosidade pela vivência e prática destes. Estes são sentimentos e sensações completamente naturais do ser humano, advindos pela necessidade de enfrentar e derrubar as barreiras sociais, principalmente se o indivíduo tende a se identificar com o grupo o qual não pertence, porém não tem condições (financeiras, neste caso) de estar inserido. Nesse caso, a “regra” é possuir dinheiro suficiente para arcar com as escolhas e o empecilho disso ocorrer é justamente a falta de recursos financeiros suficientes. Esse fato leva muitas vezes as pessoas a se endividarem ou gastarem todo seu salário, em busca de alcançar o mesmo patamar que grupos considerados superiores estão. Tal situação acaba gerando uma espécie de frustração, visto que não há como sustentar essas práticas por muito tempo.
O conceito de “Bom Gosto”
John Dryden difundiu o conceito de ‘bom gosto’ no século XVII. Para ter bom gosto devia seguir-se “caminhos” e “fórmulas” específicas. Havia também uma ideia de que “bom gosto” caminhava lado a lado com as “boas maneiras” adquiridas desde o berço e isso marcava ainda mais as desigualdades sociais. Atitudes como controlar o apetite ou adotar um ar blasé das coisas eram frequentes neste âmbito. As regras de etiqueta modificaram os comportamentos à mesa, atuando como mais um fator de diferenciação social.
Deve-se salientar a “escola de maneiras” instituída na França, no século XVII. Em um mundo movido por aparências, o desejo de “ser refinado” e até mesmo a frequência à cursos relacionados, deixa de ser algo distante da realidade e se torna algo diferenciável, qualificável e desejável. A etiqueta é completamente adjunta às aparências. E com o passar dos anos esta também sofreu mudanças e novas exigências nos comportamentos e interações que envolvem as refeições. Atualmente é comum encontrar-se inclusive profissionais de design de interiores e arquitetos que atuam na decoração e enfeite de mesas de refeições. Percebe-se que o conhecido ditado “beleza não põe mesa” não se encaixa nos tempos pós-modernos, pois a importância dada a aparência rege comportamentos.

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