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Prof. Fernando Machado Introdução ao Direito Administrativo Conceito e objeto do Direito Administrativo O Direito Administrativo pode ser definido como o ramo do Direito Público que regula a atuação do Estado, a estruturação da Administração Pública, a prestação dos serviços públicos e a disciplina jurídica dos agentes públicos. A partir deste conceito podemos afirmar que o objeto do Direito do Direito Administrativo compreende a) as relações internas da Administração Públicas, entre suas entidades, órgãos e agentes; b) as relações entre a Administração Pública e os administrados, que podem ser reguladas ora pelo Direito Público, ora pelo Direito Privado, e por fim c) as atividades públicas exercidas por particulares em regime de Direito Público, por meio de concessões ou permissões1. Fontes do Direito Administrativo As fontes do Direito Administrativo estão na Constituição Federal, uma vez que a estrutura da organização e as funções públicas tem natureza material de direito constitucional, além da legislação infraconstitucional esparsa, que são consideradas fontes primárias. Registre-se que o Direito Administrativo não é codificado, como ocorre com o Direito Penal, Direito Civil, Processo Civil, dentre outros. As Súmulas Vinculantes, previstas no art. 103-A da Constituição Federal, são consideradas fontes primárias para fins de Direito Administrativo, uma vez que são decisões judiciais de cunho obrigatório que tem por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. Conforme Art. 103-A da Constituição Federal, as Súmulas vinculantes são aprovadas mediante decisão de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que podem ser editadas de ofício ou mediante provocação. 1 ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado. 27. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019, p. 4. Prof. Fernando Machado Além das fontes primárias, temos as fontes secundárias, que são a doutrina e jurisprudência (sobretudo decisões do STJ e STF). Estas fontes não são aplicadas de forma direta, pois prevalecem no Direito Administrativo as fontes primárias, mas atuam na interpretação e integração das normas em caso de conflito ou omissão da norma. Diferença entre Direito Público e Privado Tradicionalmente, o Direito é dividido em dois grandes ramos: o Direito Público e o Direito Privado, cuja diferença primordial se dá pelos interesses tutelados, onde no Direito Público estão alocados os interesses relativos ao Estado e à coletividade (denominado de interesse público), enquanto ao Direito Privado seriam atribuídos os interesses meramente particulares, alheios ao interesse público. Nesta divisão clássica, o Direito Civil é tido como Direito Privado por excelência, por cuidar das relações entre pessoas naturais e jurídicas, negócios jurídicos, direito comercial, família, sucessões e responsabilidade civil. Por outro lado, no Direito Público, estariam as disciplinas de Direito Constitucional, Direito Tributário, Direito Processual, Direito Penal e, evidentemente, Direito Administrativo, por serem aquelas disciplinas que regulam as relações do Estado como instituição jurídico-política. O Direito Privado é regido por dois grandes princípios, ambos com origens que remontam o direito romano: autonomia da vontade e igualdade entre as partes, que foram ao longo dos séculos traduzidos pela expressão latina pacta sunt servanda, que significa, que “os pactos devem ser observados, cumpridos”2. Prevalece no Direito Privado, a ideia de igualdade entre as partes nas relações jurídicas, de modo que nas relações privadas, como por exemplo o casamento, um contrato ou a filiação, as partes estão na mesma condição de isonomia, não podendo uma se sobrepor à outra. Nas relações jurídicas regidas pelo Direito Privado, até mesmo nos casos em que uma pessoa jurídica de Direito Público celebrar uma relação jurídica com um particular, por exemplo, um contrato de aluguel para instalação de uma repartição pública, esta estará em igualdade de condições com o particular locador, devendo cumprir as mesas obrigações como se fosse um particular. 2 CARLETTI, Amilcare. Dicionário de latim forense. 2. ed. Livraria e Editora Universitária de Direito: São Paulo, 1988. Prof. Fernando Machado Já no Direito Público, os princípios basilares são a legalidade e a supremacia do interesse público sobre o privado. O princípio da legalidade atua como um limite para a atuação do Estado sobre o particular, impedindo que o Estado se torne um tirano absolutista, pois sua atuação deverá atender rigorosamente ao previsto em lei, sob pena de incorrer em ilegalidade. O princípio da supremacia do interesse público estabelece que as relações entre o Estado e os particulares sejam regidas pela desigualdade, pois os interesses públicos poderão se sobrepor aos interesses particulares, permitindo que o Estado possa atuar contra a vontade do particular, desde que seja para beneficiar toda a coletividade. Direito Privado = Autonomia da vontade + Igualdade entre as partes Direito Público = Legalidade + Superioridade do Estado (desigualdade nas relações) O exemplo característico da desigualdade nas relações entre o Estado e os particulares é a possibilidade de desapropriação por utilidade pública, prevista no Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, que permite ao Estado desapropriar um imóvel contra a vontade do proprietário, mediante indenização, quando for necessário para a realização de uma obra pública, como uma rodovia ou um hospital. Regime jurídico-administrativo Esta “desigualdade” da Administração Pública sobre o particular, baseada nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público, é chamada de regime jurídico-administrativo, entendido como a prerrogativa que a Administração Pública possui de impor sua atuação contra a vontade do particular, a exemplo da prerrogativa de aplicar multas, de desapropriar bens, de não recair penhora sobre seus bens, dentre outras. Há que se considerar, contudo, que esta divisão tem sido superada pela característica de constitucionalização das relações jurídicas, o que dificulta a divisão absoluta entre o público e o privado, em um fenômeno de publicização das relações jurídicas. Assim, surgem áreas do Direito onde não se verifica uma divisão precisa, a exemplo do Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Criança e Adolescente, ou mesmo pela interferência do Estado nas relações antes majoritariamente particulares, como a incidência do dever de boa- fé nos negócios jurídicos. Prof. Fernando Machado Sistema Administrativo Brasileiro Os dois grandes sistemas administrativos são o inglês e o francês. No sistema inglês, observa-se a chamada unicidade da jurisdição, na qual apenas o Poder Judiciário possui a prerrogativa de proferir decisões com caráter definitivo, ou seja, produzir coisa julgada. Desse modo, todas as decisões administrativas podem ser revistas por uma decisão judicial posterior, pois o Judiciário exerce controle judicial sobre os atos da Administração Pública. O sistema francês, ao contrário, possui a chamada dualidade da jurisdição, onde tanto os tribunais judiciários quanto os tribunais administrativos produzem coisa julgada de forma autônoma, sem que haja interferência entre um e outro. Nesse caso, os tribunais administrativos emanam decisões administrativas definitivas, que não podemser questionadas perante o Poder Judiciário. O Brasil adota o sistema inglês, de modo que as decisões tomadas pela Administração Pública podem ser questionadas judicialmente. Isso não significa dizer que a Administração Pública não possa proferir decisões, pois são inúmeras as competências decisórias do Poder Público, o que se afirma, é que toda decisão administrativa pode ser questionada judicialmente, caso eivada de vício ou ilegalidade, expressando assim a possibilidade de controle judicial da Administração Pública, nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Um exemplo de controle judicial da Administração Pública o mandado de segurança, instrumento processual de natureza constitucional cabível para anulação de ato administrativo para proteger “direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”, conforme art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. Limitações do acesso à Justiça em matéria administrativa Importante esclarecer que, embora o Poder Judiciário exerça jurisdição irrestrita sobre os atos da Administração Pública, existem quatro exceções em matéria administrativa que limitam o acesso ao Poder Judiciário: Prof. Fernando Machado a) As ações relativas às práticas desportivas somente serão admitidas perante o Poder Judiciário, após esgotadas as instâncias administrativas, a exemplo do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, nos termos do art. 217, §1º, da Constituição Federal; “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”. b) O ato administrativo ou a omissão administrativa que contrarie Súmula Vinculante3, só poderá ser objeto de reclamação ao Supremo Tribunal Federal, após comprovado esgotamento das vias administrativas, conforme art. 7º, §1º, da Lei 11.417, de 19 de dezembro de 2006: “Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas”. c) Na ação de habeas data, o autor deverá instruir a petição inicial com prova do prévio requerimento administrativo apresentado à autoridade coatora, conforme art. 8º, § único, da Lei nº 9.507, de 12 de novembro de 1997, configurando-se carência da ação a distribuição da ação sem o anterior requerimento administrativo. d) Nas ações previdenciárias que tiverem por objeto a concessão de benefícios previdenciários, a jurisprudência consolidada exige o prévio requerimento administrativo, uma vez que sem a negativa prévia da autarquia previdenciária não há interesse de agir diante da ausência da “pretensão resistida”. Importante notar que prévio requerimento administrativo não significa “esgotamento da via administrativo”, bastando que seja o benefício requerido e negado, ainda que haja possibilidade de apresentação de recurso administrativo. 3 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
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