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Temática Contábil e Balanços Boletim IOB - Bol. 26/2005 TC 1 CONTABILIDADE EMPRESARIAL ______ Análise crítica de balanços - Parte I Prof. Eliseu Martins SUMÁRIO 1. Introdução 2. O objetivo da Análise de Balanços 3. O que é preciso para se fazer uma boa Análise de Balanços? 4. O primeiro passo: a análise do Parecer do Auditor 4.1 O parágrafo da abrangência da auditoria 4.2 O parágrafo dos procedimentos de auditoria utilizados 4.3 O parágrafo da opinião 4.4 Os parágrafos de ênfase 4.5 E se não houver Parecer do Auditor? 5. O segundo passo: conhecer o negócio da empresa e os fundamentos contábeis que utiliza 5.1 O negócio 5.2 A Contabilidade 6. O terceiro passo: só há de fato dois objetivos na Análise de Balanços 1. INTRODUÇÃO A Análise de Balanços (obvimente estamos nos referindo à Análise das Demonstrações Contá- beis como um todo, mas vamos utilizar essa expres- são mais simples que se tornou muito tradicional entre nós) é assunto que tanto pode ser estudado e enten- dido dentro de suas formas mais simplórias possíveis, quanto pode ser estudado em níveis como o de um Mestrado em Contabilidade, por exemplo. Vamos aqui, em diversos artigos ao longo do tempo, analisar esse assunto dentro de um enfoque um tanto quanto sui generis, pois começaremos com conceitos simples e comumente encontrados nos cursos de graduação mais comuns e até nos bons cursos de técnico de contabilidade, mas nos aprofun- daremos em muitos tópicos, chegando até o nível de pós-graduação. As diversas experiências acadêmicas nos ani- mam a seguir esse caminho, procurando contribuir com pontos que, em grande parte, não costumam ser tratados na literatura a respeito. Perceberemos que alguns assuntos serão discutidos conforme a gran- de maioria dos livros-texto utilizados entre nós, mas muitos a serem vistos, provavelmente, simplesmente inexistem na nossa bibliografi a hoje difundida. Vamos, também, discutir os aspectos típicos dessa análise no Brasil, dadas as características le- gais da nossa contabilidade societária (ou aqui tam- bém denominada de contabilidade fi nanceira – não confundir com contabilidade das instituições fi nancei- ras) e da nossa legislação tributária que ainda tanto atravanca o desenvolvimento da nossa profi ssão e do nosso produto: a informação para fi ns gerenciais e externos. Nesta série de textos, nossa atenção estará voltada à análise das demonstrações contábeis de entidades com fi ns lucrativos, que na maioria das vezes denominaremos de empresas, que utilizam a estrutura das demonstrações, conforme consta na Lei das S/A, a de no 6.404/1976. Assim, não estaremos nos referindo às entidades de fi ns não lucrativos ou às entidades públicas que usam a Lei no. 4.320/1964. Quando não houver observação em contrário, estare- mos também nos referindo, basicamente, a entidades comerciais, industriais e de alguns tipos de serviços; outros ramos como o dos bancos, das seguradoras etc., quando discutidos, estarão sendo mencionados especifi camente. 2. O OBJETIVO DA ANÁLISE DE BALANÇOS Entendemos que o objetivo geral da análise de balanços seja o de formar uma idéia sobre o desem- penho da empresa durante um certo período e o de extrair informações que ajudem, complementarmente a outras, a efetuar projeções sobre o futuro dessa en- tidade. Compreendemos que diversos objetivos es- pecífi cos podem estar presentes na mesma análise, mas, costumeiramente, algum deles acaba prevale- cendo, tal como o de um credor de curto prazo, inves- tidor minoritário especulador em ações, fi nanciador de longo prazo, investidor em ações a longo prazo, profi ssional à procura de emprego com segurança, sindicato atrás da capacidade da empresa em su- portar aumentos de salários e benefícios para seus empregados, fornecedor, cliente, o de um analista in- teressado na segurança dos elos da cadeia de valor ou simplesmente o de um cidadão que deseja apenas 2 TC IOB - Bol. 26/2005 Temática Contábil e Balanços avaliar o desempenho de uma empresa sem qualquer intenção de decisão a tomar. Sabemos que para cada tipo de interesse pre- valecente um conjunto de instrumentos de análise acaba se mostrando superior a outros. Portanto, não há modelos completos que consigam, com a mesma efi cácia, resolver os interesses desses e de outros usuários em busca de informações. 3. O QUE É PRECISO PARA SE FAZER UMA BOA ANÁLISE DE BALANÇOS? Diz-se, de maneira um tanto quanto jocosa, que para fazer uma boa análise de balanço basta sa- ber ler, conhecer um pouco da empresa e muito de contabilidade. Costumamos também afi rmar que uma boa análise pode ser feita sem quaisquer instrumentos mais sofi sticados ou índices que exijam recursos de calculadoras ou computadores, bastando um mínimo de habilidade em relações entre números e um pouco de esforço para “fazer conta de cabeça”. “Provaremos que uma ótima análise pode ser feita, no domingo, lendo-se o jornal numa poltrona confortável, com os pés sobre uma banqueta, sem máquina de calcular”. É comum ainda, infelizmente, vermos alguns textos que se preocupam muito mais com uma quan- tidade infi ndável de “índices” do que com a análise crítica da capacidade de dizer de cada um deles. Normalmente uma pequena quantidade desses indi- cadores é sufi ciente para a extração das conclusões mais relevantes. Na verdade, pode-se afi rmar que, quanto mais indicadores se utilizar, a partir de mais ou menos uma meia dúzia deles, maior poderá ser o risco de perder o conjunto de vista e de se fi xar em detalhes sem tanta importância. Entretanto, há algo importante para se dizer logo de início que, sabemos, não tem a unanimidade entre todos que, inclusive até profi ssionalmente, se dedicam a essa análise: é preciso, comumente, sa- ber muito mais de contabilidade do que se imagina. É realmente notável o número de conclusões errône- as por causa do desconhecimento dos fundamentos contábeis utilizados em certos casos. Mas o mais relevante é salientarmos essas questões ao longo deste trabalho e, na medida do possível, ilustrá-lo com exemplos práticos reais. 4. O PRIMEIRO PASSO: A ANÁLISE DO PARECER DO AUDITOR É inconcebível que se queira analisar uma de- monstração contábil sem que antes seja lido o Parecer do Auditor. Corre-se o risco de se fi rmar determinadas conclusões para, ao ler esse parecer apenas no fi nal, descobrir-se quanta bobagem se concluiu e quanto tempo se perdeu. Para isso é preciso entender um pouco sobre como é elaborado esse parecer. Não vamos aqui in- vestir muito tempo nisso, sugerindo que o leitor procu- re bibliografi a que permita um aprofundamento maior. Vamos ao essencial, ou seja, verifi car como se deve olhar os vários parágrafos que compõem esse pare- cer. 4.1 O parágrafo da abrangência da auditoria O parecer denominado “limpo”, ou seja, no qual não há qualquer ressalva do auditor, tem pelo menos 3 parágrafos. O primeiro especifi ca quais de- monstrações foram analisadas pelo auditor (“Exami- namos...”). É preciso observar esse parágrafo com cuidado, porque, não raro, estão publicadas as de- monstrações completas de dois anos consecutivos de uma empresa, mas o parecer evidencia que só foi analisado, por exemplo, o balanço fi nal. Ou então es- tão presentes as demonstrações individuais e as con- solidadas, mas o auditor afi rma que só analisou as demonstrações “da sociedade” e não menciona a pa- lavra “consolidadas”; logo, estas serão apresentadas sem terem sido auditadas (conforme aconteceu, por exemplo, por mais de uma década, com determinado grande grupo brasileiro). Às vezes o auditor menciona que examinou apenas o balanço do fi nal do último exercício e as res- pectivas demonstrações do resultado, das mutações do patrimônio e das origens e aplicações de recursos, mas, noutro parágrafo, normalmente o último ou mes- mo nesse, menciona que as demonstrações do exer- cício anterior, apresentadas comparativamente, foram emitidas por outro auditor; ele deverá citar se esseparecer anterior foi emitido com ou sem ressalva ou outra observação importante (também deverá fazer essa citação caso nesse parecer anterior ele mesmo tenha sido o auditor e nele tenha feito alguma quali- fi cação). Menciona, ainda, nesse parágrafo que a res- ponsabilidade pela elaboração das demonstrações não é dele, auditor, e sim da administração da em- IOB - Bol. 26/2005 TC 3 Temática Contábil e Balanços presa, e cita que a sua responsabilidade é relativa à opinião que expressa sobre elas. Outro ponto: o fato de determinada(s) demonstração(ões) ter(em) sido auditada(s) não sig- nifi ca que o auditor esteja efetivamente opinando so- bre ela(s). Veja o item 4.3 adiante. 4.2 O parágrafo dos procedimentos de auditoria utilizados O segundo parágrafo normalmente faz uma menção à aplicação das normas de auditoria geral- mente aceitas no Brasil (especifi cadas pelo Conselho Federal de Contabilidade - CFC e pelo Instituto de Au- ditores Independentes do Brasil - Ibracon) e ressalta, fortemente, que seu trabalho é feito sempre à base de testes e não de um levantamento completo de todas as transações e todos os documentos. Afi rma que considerou o que é relevante ser analisado e também levou em conta os níveis de qualidade dos controles internos encontrados. Salienta que as práticas e as estimativas são da administração, não dele, auditor, mas que examinou as mais representativas. Isso tudo caso tenha conseguido, de fato, apli- car todas as normas de auditoria pertinentes à situa- ção. Se houver algum procedimento relevante para a conclusão do auditor que deveria ter sido, mas que não foi efetivamente aplicado, deverá ser claramente dito nesse parágrafo. 4.3 O parágrafo da opinião O parágrafo da opinião é comumente o terceiro e aquele em que o auditor expressa sua posição com relação às demonstrações analisadas e, se não tiver qualquer objeção a elas, dirá que “as demonstrações tais e tais...” (ou apenas se refere “às citadas no pri- meiro parágrafo”)... “representam, adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a posição patrimo- nial e fi nanceira..., os resultados..., as mutações do seu patrimônio líquido e as origens e aplicações de recursos... de acordo com as práticas contábeis ado- tadas no Brasil”, conforme modelo hoje utilizado. Esse modelo em uso omite a menção aos “prin- cípios contábeis geralmente aceitos”, por uma ques- tão de um certo repúdio à palavra “geralmente”, bem como a relativa aos “Princípios Fundamentais da Con- tabilidade”, por não estarem nossas demonstrações, de fato, sendo efetuadas conforme tais Princípios, tendo em vista a não-aplicação de qualquer forma de correção dos dados como decorrência da infl ação(1). O primeiro item a observar nesse parágrafo, conforme já relatado anteriormente, é o relativo a quais demonstrações o auditor está, de fato, se refe- rindo em sua opinião. Às vezes ele analisa um certo conjunto, mas só opina sobre parte dele. Isso signifi - ca que ele não está, obviamente, opinando sobre as demais, mas a razão disso pode não fi car evidente. E o segundo é verifi car se realmente não há qualquer tipo de ressalva. Se o auditor julgar que há algum procedimen- to contábil em desacordo com as práticas contábeis brasileiras com efeito signifi cativo deverá mencionar, nesse parágrafo, a expressão “exceto quanto” ou algo similar, evidenciando o fato de que está em desacordo com essas práticas e, se não houver a quantifi cação dessa exceção em nota explicativa, deverá mostrá- la nesse mesmo parágrafo (a não ser que isso seja inviável - o que deverá também fi car relatado). Isso signifi cará que parte das demonstrações não conta com a aprovação do auditor, e o analista deverá então decidir sobre como continuar. A primeira providência de quem analisa será, provavelmente, a de ajustar es- sas demonstrações por tal ou tais exceções, se for viável essa tarefa. É também normal que, no caso de ressalva, antes do parágrafo da opinião apareça um ou mais parágrafos contendo o que está sendo ressalvado. Veja-se, por exemplo, este caso real em que o parágrafo de número 5, com a opinião, assim apare- ce: “5. Em nossa opinião, exceto pelos efeitos do assunto mencionado nos parágrafos 3 e 4, as demonstrações....” (grifo nosso) E os citados parágrafos 3 e 4 assim explicam: (1) Tanto o documento básico sobre esses Princípios da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Ibracon, contido na Deliberação CVM nº 29/1986 e apli- cável às companhias abertas, quanto o emitido pelo CFC, Resolução nº 750/1993, citam a atualização monetária das demonstrações contábeis como fun- damentais para uma boa informação. O CFC, através da Resolução nº 900/2001, acabou limitando essa atualização a quando a infl ação atinge, no total de 3 anos consecutivos, a pelo menos 100%, acompanhando uma esdrúxula regra internacional, mas os auditores não voltaram a usar a expressão “Princípios Fundamentais de Contabilidade” mesmo quando abaixo disso mas com efeitos que sabemos, sim, normalmente relevantes na maioria dos casos. 4 TC IOB - Bol. 26/2005 Temática Contábil e Balanços “3. A controlada... não atualiza integralmente sua dívida.... Conseqüentemente, o patrimônio líquido e o exigível a longo prazo da contro- ladora e do consolidado estão apresentados, respectivamente, a maior e a menor em R$..., e o resultado do exercício da controladora e do consolidado a maior por R$... 4. A controlada... diferiu variações cambiais em exercícios anteriores... Conseqüentemente, o patrimônio líquido...” Seguem-se todos os detalhes relativos aos valores dos desvios e os efeitos, em cada elemento, deles decorrentes, ou seja, estão disponíveis nesses dois parágrafos informações sobre o quanto o ativo inicial e quanto o ativo fi nal estão a maior por cau- sa de variação cambial diferida que deveria ter sido considerada como despesa desde o nascedouro, e o mesmo com seu patrimônio líquido, bem como quanto precisa ser ajustado nos resultados para sanar essa prática que contraria os princípios contábeis. Tam- bém estão disponíveis as informações para ajustar o exigível a longo prazo inicial e fi nal, bem como os patrimônios líquidos e o resultado dos exercícios por uma atualização não feita no passivo de determinada controlada. Trabalho adicional para o analista, é claro, que precisará recompor essas demonstrações para me- lhor analisá-las, a não ser que ele concorde com es- sas práticas... Outro exemplo real (cujos nomes serão sempre omitidos): “3. Conforme mencionado nas notas explicati- vas... e..., a sociedade apropria os resultados auferidos na comercialização de imóveis de acordo com os critérios fi scais, os quais dife- rem das práticas contábeis adotadas no Brasil que determinam o reconhecimento dos referi- dos resultados pela evolução das obras. Como conseqüência, o patrimônio líquido em 31 de dezembro de... e o lucro líquido para o resulta- do fi ndo nessa data estão diminuídos de R$... e R$..., respectivamente, líquido dos efeitos tri- butários. 4. Em nossa opinião,... exceto pelos efeitos do assunto mencionado no parágrafo 3,... 5. As demonstrações fi nanceiras referentes ao exercício fi ndo em..., apresentadas para fi ns de comparação, foram examinadas por outros auditores independentes que emitiram parecer em ... o qual contém ressalva semelhante à descrita no parágrafo 3, cujos efeitos, naquela data, foram, lucro líquido e patrimônio líquido a menor em R$... e R$..., respectivamente.” (nos- sos grifos) Veja-se que, nesse caso, o auditor menciona, no parágrafo 3, os problemas das demonstrações que ele analisou e ressalvou no parágrafo 4, e no 5, os que o auditor anterior analisou e também ressalvou. Poderia ser mais simples. Note-se que, neste último exemplo, só foram citadas as informações sobre efeitos no patrimônio e lucro líquidos, e não nas diversas contas de ativo e passivo. E nesse caso há valores enormes ressalva- dos no grupo “Resultado de Exercícios Futuros” (jáque esse grupo só é utilizado exatamente por causa dos critérios fi scais contestados pelo auditor). Essas informações mais analíticas deveriam ter sido, então, divulgadas nas notas explicativas mencionadas no parecer, mas infelizmente não foram. Com isso, o ana- lista não terá, provavelmente, como reconstruir inte- gralmente as demonstrações conforme os princípios contábeis. Em resumo, neste último caso, os auditores afi rmam que os procedimentos contábeis utilizados servem para fi ns de tributação, mas não para fi ns contábeis, evidenciando o efeito líquido no resultado e no patrimônio líquido das diferenças entre ambos os conjuntos de práticas. Não mais utilizaremos os exemplos de ressal- vas, que existem de muitas outras naturezas, porque o objetivo aqui é alertar o analista para o problema da absoluta necessidade de começar observando o parecer dos auditores. Só lembramos que pode ocorrer (raramente) de o auditor dizer que, apesar dos exames, ou pela limitação deles, não tem condi- ções de emitir sua opinião (para quê então analisar demonstrações como essa?) ou então pode dizer simplesmente, convencido de tantos desvios aos princípios contábeis, que as demonstrações “não representam adequadamente...” (alguém mais expe- riente se lembra do balanço do Banco Comind, de 30 de junho de 1985?). Analisar, neste caso, é mes- mo falta de senso. Portanto, vemos que é por este parágrafo que se deve começar, de fato, o trabalho de análise. Mas há outros a analisar. IOB - Bol. 26/2005 TC 5 Temática Contábil e Balanços 4.4 Os parágrafos de ênfase É muito relevante saber que, hoje, utilizam-se, e bastante, os denominados parágrafos de ênfase, quando o auditor possui elementos que considera re- levantes aos usuários das demonstrações contábeis, mas que, por exemplo, não chegaram ainda ao ponto de exigir uma posição de exceção a ressalvar o pa- recer. Com isso, esses parágrafos muitas vezes são ironicamente denominados de “...o gato subiu no te- lhado...”. Essas ênfases podem ser decorrentes de vá- rios fatores, como, por exemplo, de riscos de desem- bolsos futuros que a empresa não contabilizou e que, de fato, não estão ainda, conforme julgamento da administração da companhia e de seus consultores (normalmente advogados), com um nível de probabi- lidade de ocorrer tal que obriguem ao registro como efetivo passivo, mas que, pela sua relevância e pelos riscos envolvidos, merecem uma atenção especial por parte do leitor. O auditor ainda não está convencido de que as demonstrações deveriam conter o seu re- gistro no passivo, mas a situação não é tão cristalina a ponto de deixar passar em branco o fato. A razão da ênfase pode ser ainda de outra na- tureza, mas que também tenha a característica de le- var o auditor a chamar a atenção do usuário para tal fato especial, ou então tem sido o caso muito comum de existência de demonstrações apresentadas pela empresa, além das exigidas pela legislação e pela normatização contábeis brasileiras, que o auditor examinou e é instado a falar sobre elas. Por exemplo (mais casos reais): “As informações suplementares para os exercí- cios fi ndos em..., referentes às demonstrações do fl uxo de caixa descritas na nota..., às de- monstrações fi nanceiras em moeda de poder aquisitivo constante... e à demonstração do va- lor adicionado... são apresentadas com o pro- pósito de permitir análises adicionais e não são requeridas como parte das demonstrações fi - nanceiras básicas. Essas informações foram por nós examinadas de acordo com os procedi- mentos de auditoria mencionados no parágrafo 2 e, em nossa opinião, estão adequadamente apresentadas, em todos os aspectos relevan- tes, em relação às demonstrações fi nanceiras tomadas em conjunto.” Observe-se que é um “parecer dentro do pa- recer”. Nesse parágrafo estão descritas as demons- trações adicionais (à lei e à normatização existentes) examinadas, repetem-se os procedimentos de audito- ria aplicados e expressa-se a opinião. Tudo isso para referência aos fl uxos de caixa, às demonstrações com correção monetária integral e à demonstração do valor adicionado que estão sendo apresentadas pela administração da sociedade, mas que não são obrigatórias hoje no Brasil. Às vezes o parágrafo de ênfase existe porque a empresa está numa situação fi nanceira tão deplorável e com uma falta de condição de obter rentabilidade que, apesar de ainda não estar decididamente a pon- to de “fechar as portas”, corre esse risco. Quando a empresa está de fato para ser descontinuada, precisa abandonar os critérios de avaliação fundamentados no custo, avaliando todos os ativos pelo seu provável valor líquido de realização, bem como devem os pas- sivos conter os efeitos dessa provável desativação. Quando a situação é crítica, mas ainda não chegou a esse ponto, o auditor faz a menção de que as de- monstrações foram preparadas “no pressuposto da continuidade” e que “não contêm os efeitos que advi- riam do seu abandono”. Analista, tenha cuidado! Se- gue um exemplo real de parágrafo de ênfase quanto à continuidade da empresa, logo após o parágrafo da opinião: “As demonstrações fi nanceiras da Companhia foram preparadas de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil que pressupõem a continuidade operacional. A Companhia tem apresentado prejuízos operacionais re- correntes e capital de giro negativo... Conse- qüentemente a manutenção das atividades da Companhia e a liquidação de suas obrigações dependem do aporte de recursos fi nanceiros de seu acionista controlador, geração de novas receitas e a renegociação da dívida com os seus credores, até o momento em que as suas operações produzam recursos sufi cientes para a recomposição de sua situação fi nanceira. As demonstrações fi nanceiras em... não contem- plam nenhum ajuste relativo à recuperação dos ativos da Companhia ou a liquidação de seus passivos em decorrência dessa incerteza.” Interessante, não? O auditor já fez o trabalho do analista e já deu suas conclusões... Exemplo diferente de parágrafo de ênfase (sempre casos reais neste tópico): “Conforme mencionado nas notas x e y, a Com- panhia incorreu em custos de organização, de- senvolvimento e pré-operacionais, os quais, 6 TC IOB - Bol. 26/2005 Temática Contábil e Balanços de acordo com as estimativas e projeções da administração, começaram a ser absorvidos pelas receitas das operações, consideran- do o início de suas atividades operacionais, ocorrido em... Adicionalmente, conforme men- cionado na nota... , durante os exercícios de ... e ..., a administração contabilizou créditos tributários de imposto de renda e contribuição social sobre prejuízos fi scais e base negativa, no montante de R$... . A realização do referido montante está condicionada à efetiva geração dos resultados tributáveis, previstos pela ad- ministração da Companhia para os próximos exercícios.” Veja-se que o auditor não está totalmente con- fortável com o ativo diferido e com os créditos tribu- tários registrados também no ativo, mas também não está convencido de que esses valores sejam irrecu- peráveis (neste caso deveria ter feito pura e simples- mente a ressalva). Assim, emitiu um parecer “limpo”, mas deu ênfase a essa situação para chamar a aten- ção dos leitores. No entanto, há também parágrafo de ênfase com outro enfoque: o que melhora as condições e perspectivas da empresa. Muitas vezes a empresa possui um ativo contingente, ou seja, está prestes a adquirir o direito de receber um crédito tributário, por exemplo, por impostos já pagos, em função de uma disputa com o governo. Segundo os princípios con- tábeis, enquanto não estiver totalmente assegurada essa realização não há contabilização de tal ativo. Se for de relevante valor, às vezes o auditor indica a existência desse quase direito em um parágrafo de ênfase. Há outras situações desses parágrafos de ên- fase, mas acreditamos que esses são exemplos sufi - cientes para evidenciar a necessidadeda leitura do parecer antes que formemos novas opiniões. 4.5 E se não houver parecer do auditor? Se o analista conhece os controladores (pro- prietários, se for o caso), os administradores e o con- tador, ainda dá para, eventualmente, se ter condições para analisar. Caso contrário, talvez seja preferível não tentar extrair conclusões. 5. O SEGUNDO PASSO: CONHECER O NEGÓCIO DA EMPRESA E OS FUNDAMENTOS CONTÁBEIS QUE UTILIZA 5.1 O negócio Não faz o mínimo sentido querer analisar uma empresa cujo ramo comercial se desconhece. Não se deve perder tempo e muito menos se arriscar com isso. Se não se sabe o que faz uma distribuidora de valores, não se queira concluir sobre suas demons- trações. Se não se sabe o que é uma administradora de consórcios e também não se conhece como opera uma trading company, idem. Se não se entende de pecuária e não se conhece seus riscos, como concluir sobre o balanço de uma empresa que se dedique a isso? Se quiser saber apenas se essas empresas que não se conhece estão tendo resultado positivo, ainda vá lá, mas mesmo assim com muito cuidado... mas não se queira concluir sobre sua liquidez, sobre a adequação da distribuição de seus ativos, sobre suas chances no futuro etc. Outro ponto: as demonstrações fi nanceiras têm, no Brasil, uma relativa padronização dada pela Lei das S/A e, em alguns casos, têm uma padronização mais detalhada por conta do seu órgão de controle (Banco Central, Susep etc.). Todas as padronizações acabam, geralmente, criando situações às vezes que exigem um cuidado especial do analista, que deve, para isso, conhecer muito bem o setor para não fi car aplicando determinados “índices” e concluir de forma não condizente com a realidade. Veja-se, por exemplo, o balanço de uma insti- tuição fi nanceira que capta depósitos de poupança e aplica a maior parte desses recursos em operações de empréstimos a longo prazo, fi nanciando atividade imobiliária; que tipo de “índice de liquidez corrente” apresenta, classifi cando esses valores todos capta- dos como depósitos de poupança no passivo circu- lante e classifi cando suas operações de crédito no ativo realizável a longo prazo? Se não se tem idéia disso, pode-se concluir que essa instituição já que- brou e só não fechou suas portas porque ninguém a avisou... (por aí se vê porque em tantos países não se classifi cam dessa forma os ativos e passivos das instituições fi nanceiras e seguradoras). Se não se sabe como funcionam os negócios numa empresa e/ou quais as regras contábeis aplicá- veis, não devem ser analisadas suas demonstrações. 5.2 A Contabilidade E de novo chamamos a atenção para algo tão relevante: caso se conheça o ramo de negócios, mas não os procedimentos contábeis que estão sendo aplicados a ela (empresa), também não se deve tirar conclusões.... isso é muitíssimo perigoso. Cada ramo de negócios possui suas peculia- ridades, seus riscos, suas características que o dife- renciam dos demais. E, dentro de cada ramo, as em- IOB - Bol. 26/2005 TC 7 Temática Contábil e Balanços presas assumem essas características também com diferenças entre si. A realidade de cada ramo é diferente e o de cada empresa dentro do mesmo ramo também. Só que a Contabilidade é um Modelo que pro- cura representar o que vem ocorrendo com a empre- sa, mas modelo, por defi nição, é aproximação da rea- lidade, nunca a própria realidade. A Contabilidade, se fosse perfeita, e não o é, no máximo reproduziria os riscos e a situação de uma empresa; mas isso jamais acontece. Por ser um mo- delo, uma simplifi cação, sempre estará mostrando algo de maneira também mais simplifi cada do que de fato é, e estarão sempre faltando informações para se entender de forma completa o que está ocorrendo. E esses “modelos contábeis” às vezes são muito bons para se aproximar da realidade, mas às vezes não tão bons, principalmente quando em determinados ramos os tipos de riscos e situações existentes difi - cultam sua mensuração e evidenciação. Costumamos dizer que os balanços (e demais peças contábeis) deveriam ser divulgados “colo- ridos”, com as cores signifi cando o grau de efetiva representatividade de cada elemento. Por exemplo, o Caixa teria uma cor forte, já que não haveria, des- de que devidamente auditado, diferença entre o va- lor relatado e a realidade. Já a carteira a receber de Clientes precisaria ter uma cor um pouco menos for- te, já que nunca haveria total certeza quanto à sua realização, por melhor provisionado que estivesse o valor de recebimento duvidoso. Qual a cor de uma Provisão para Contingências? E de um imobilizado sendo depreciado com base em estimativa de vida útil econômica e valor residual esperado (ainda mais que, na quase totalidade dos casos brasileiros, nem isso é devidamente considerado). Essas cores não só variariam de item para item em cada empresa, como variariam de empresa para empresa, e, dentro da mesma empresa, cada item ainda variaria com o decorrer do tempo. O grau de risco de um elemento patrimonial tem variações “his- tóricas” e “geográfi cas”, variando com o tempo e com a localização em termos de negócios. Por exemplo, a “validade”, ou seja, a probabi- lidade de os valores contábeis, como participantes de um modelo, representarem a efetiva realidade no caso de uma empresa comercial, com poucos imobi- lizados e comprando e vendendo tudo a vista, é uma. Esse balanço seria composto por cores fortes ou per- to delas. Já a situação de uma empresa de seguros, dependendo de expectativas de vida de seus clien- tes, de probabilidades de acidentes automobilísticos, de sinistros como incêndios e outros será sempre completamente diferente. Quando a empresa atua fortemente com derivativos então... Ou possui grande descasamento entre a moeda de seu passivo (muita dívida em euro, por exemplo) e a de seu ativo... Só que os balanços e demais demonstrações, de todos os tipos de empresas, de todos os lugares, de todos os tempos, vêm com todos os seus elemen- tos numa única cor. Cabe ao usuário desenvolver a capacidade de olhar esses números todos e dar-lhes as cores devidas. O desconhecimento das práticas contábeis é inaceitável para quem quer efetivamente analisar uma determinada situação. Por exemplo, há até um certo tempo, as administradoras de consórcio tinham, em seu próprio balanço, os registros de todo o saldo e de toda a movimentação dos recursos próprios e os de seus consorciados. Hoje isso não acontece mais, já que as regras estipuladas pelo Banco Central obri- garam à segregação: nas contas das administrado- ras estão só os passivos, os ativos, as despesas e as receitas que pertencem a ela, administradora, e os recursos dos consorciados são registrados à parte, evidenciados em notas explicativas às demonstra- ções das administradoras, mas fora do seu patrimô- nio, como se pertencessem a entidades distintas. Os fundos de investimento administrados pe- los bancos não estão nos balanços dos bancos, em seus ativos e passivos. Estão em “entidades” à parte, como se fossem outras empresas separadas. Mas os valores captados pelos bancos para aplicação em títulos do mercado aberto estão no seu próprio ba- lanço: os títulos no ativo e as captações no passivo, mesmo que, juridicamente, esses ativos pertençam aos seus aplicadores. E como fi cam os fundos exclusivos de investi- mento (um só sócio, por exemplo) se estiverem tam- bém registrados à parte? Se o investimento nele feito pela sua proprietária (que mostra o valor investido no fundo em seu ativo) suporta suas dívidas, o fato de os ativos desses fundos não aparecerem no balanço da proprietária não limita, e muito, a análise? Noutro caso, as empresas que exploram ativi- dade imobiliária vêm modifi cando, e bastante, seus critérios contábeis no Brasil; de regras totalmente fi s- cais, sem fundamento econômico muitas vezes, vêm passando, grande parte delas, para modelos con- tábeis mais condizentes com a efetiva realidade de suas operações; porém,por incrível que possa pare- cer, para algumas delas a contabilidade “fi scal” repre- 8 TC IOB - Bol. 26/2005 Temática Contábil e Balanços senta sua situação melhor do que a contabilidade mal denominada de “pelo regime de competência”(2). Uma empresa adquire o direito de exploração de uma grande rodovia, que já está pronta. Por isso assume o compromisso de pagar, durante 30 anos, R$ 1 milhão por mês. Qual o modelo contábil que me- lhor representa sua situação: a) deve registrar como ativo o custo relativo à aquisição desse direito de concessão pelo to- tal de R$ 360 milhões a pagar, em contrapar- tida a um passivo que representará essa sua obrigação, e amortizar esse ativo pelo prazo da concessão (o que daria uma despesa de amortização exatamente de R$ 1 milhão por mês)? Nesse caso cada pagamento seria re- gistrado como amortização de uma dívida. E ativo e passivo decairão por valores iguais ao longo do tempo; b) ou não deve registrar nem ativo nem passivo e tratar esse R$ 1 milhão mensal como despe- sa, igualmente a um aluguel ou arrendamento operacional? Nesse caso sua despesa será igual à alternativa anterior, com nome diferente, mas o valor do ativo e do passivo sofrerá uma redução fantástica. O que representa melhor sua situação? c) ou deve registrar como ativo o valor presente do custo de aquisição do direito de concessão, descontando-o por uma taxa de juros? (Só para ter idéia da diferença, se for trazido a valor pre- sente pela “modesta” taxa 0,5% ao mês, o va- lor presente será de R$ 167 milhões, ao invés dos R$ 360. Nesse caso a amortização será dos R$ 167 milhões divididos pelos 360 meses, ou seja, R$ 463 mil, uma despesa um pouco superior à metade das versões anteriores, mas terá uma despesa de juro a ser contabilizada pela atualização do passivo, e essa despesa será classifi cada como fi nanceira e será maior no início (0,5% de R$ 167 milhões = R$ 834 mil no primeiro mês), caindo conforme for sendo registrada a amortização do passivo (a primei- ra amortização será de R$ 166 mil, a parte da prestação de R$ 1 milhão não representada pelos juros). Com isso a primeira despesa total, de amortização e juros, será de R$ 1.297 mil, e a última será praticamente só de R$ 463 mil, já que o último valor de juros será mínimo. Ativo e passivo irão decaindo, mas não de forma igual: o ativo decairá linearmente, e o passivo expo- nencialmente ao contrário. Só para se ter uma idéia, no Brasil temos hoje, na prática, exemplos de diversas dessas situações, já que não há uma normatização a respeito. Mesmo os organismos internacionais ainda não chegaram a um consenso sobre a melhor representação. Ainda outra situação: quando é que se tem uma representação mais adequada da obtenção de lucro de uma empresa que vive de produzir soja? Deve-se reconhecer seu lucro quando ela consegue produzir a soja, colhê-la e armazená-la em lugares protegidos e próprios, ou apenas quando a vende? No primeiro caso, os estoques são avaliados a preços de merca- do quando produzidos e devidamente guardados, e o lucro pela “produção” é reconhecido nesse momento, antes mesmo da venda (é claro que para isso se exi- gem condições de liquidez de mercado, preço obje- tivamente determinado, conhecimento das despesas a contrapor a essa receita etc.); no segundo, ou seja, quando se reconhece o lucro apenas na venda, os estoques produzidos permanecem pelo custo e o re- sultado só é registrado quando da entrega do produto vendido. No Brasil, duas empresas exatamente iguais podem escolher esses critérios de forma independen- te. Qual a melhor? Poderíamos aqui descrever inúmeras outras situações, mas o importante é alertar: conheça o ne- gócio e conheça os critérios contábeis que ele utiliza. Para isso é importante que estejam bem divulgados, nas notas explicativas às suas demonstrações con- tábeis, o contexto operacional da empresa e as suas principais práticas contábeis. É uma pena que isso não seja, de fato, bem observado pela grande maioria das sociedades, e nada observado, aliás, pelas que não são sociedades anônimas. Apesar de a Lei e as normas estarem aí exigindo isso de todos. 6. O TERCEIRO PASSO: SÓ HÁ DE FATO DOIS OBJETIVOS NA ANÁLISE DE BALANÇOS (Continuaremos com esse tópico em um Bole- tim posterior.) ◙ (2) Alguém se sentiria bem caso registrasse o lucro de uma empresa quando ela vendesse centenas de terrenos numa periferia super pobre, recebendo nada de entrada, com a primeira prestação “quando do 13º salário” e o restante em 60 prestações mensais? O relevante para medir o desempenho numa atividade como essa é conseguir vender? Conseguir a assinatura do promitente comprador? Ou conseguir receber as prestações? Não seria mesmo um procedimento mais realista reconhecer o resultado apenas por ocasião dos recebimentos? Ou não poderia inclusive, em certas situações extremas, ser economicamente mais adequado considerar todos os recebimentos primeiramente como recuperação do custo, sem qualquer lucro a ser registrado, para este só aparecer nas últimas prestações, após essa completa recuperação? Há países que procedem assim.
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