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EPIDEMIOLOGIA SOCIAL

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1	
  
EPIDEMIOLOGIA SOCIAL* 
Rosa Maria Godoy Serpa da Fonseca 
Emiko Yoshikawa Egry 
 
INTRODUÇÃO 
No processo de construção da vida social os seres humanos estabelecem 
relações entre si e com a natureza. Ao mesmo tempo em que vão estabelecendo as 
relações de produção, criam e recriam a estrutura social constituída fundamentalmente 
de relações de poder. Nas sociedades classistas, estas relações são determinadas pela 
detenção dos meios de produção por certos conjuntos de indivíduos que, na verdade, 
acabam determinando a forma como se dá o próprio existir. Nessas sociedades é 
frequente a diferenciação de poder entre homens e mulheres, num processo em que a 
importância e a valorização social da mulher é sempre menor que a do homem. Da 
mesma forma, se configuram as relações de geração, raça e etnia, além de outras. 
Para legitimar esta forma de existir e o poder que dela redunda, são 
elaboradas representações mentais das relações sociais que interagindo, fazem expandir 
e crescer a consciência num processo dialético de compreensão da realidade objetiva. 
Nesse processo, a consciência vai se desenvolvendo e ampliando o seu alcance, 
buscando cada vez mais otimizar as respostas às exigências imediatas da ação humana e 
propiciar a explicação dos elementos da vida. Assim ocorre originalmente o processo de 
conhecer, que é o desenvolvimento de uma força explicativa, capaz de estabelecer os 
nexos entre objetos e situações da realidade e que gera um sentido na consciência 
subjetiva, como uma força compreensiva (Severino, 1994)1. 
Disto pode ser inferido o próprio conceito de conhecimento que é “o esforço 
do ‘espírito’ para compreender a realidade objetiva dando-lhe um sentido, uma 
significação, mediante o estabelecimento de nexos aptos a satisfazerem as exigências 
intrínsecas de sua subjetividade. Mas são várias as formas de conhecimento, 
culturalmente já caracterizadas, em função das peculiaridades de seu processo de 
elaboração: assim, o senso comum, o mito, a religião, a arte, a ciência são, de suas 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
*	
  Bibliografia: Fonseca RMGS; Egry EY. Epidemiologia Social. In: Epidemiologia social. In: Garcia TR; 
Egry EY. (Org.) Integralidade da atenção no SUS e sistematização da assistência de enfermagem. Porto 
Alegre: Artmed, 2010 
	
   2	
  
perspectivas específicas, esforços de compreensão dos vários aspectos do real” 
(Severino, 1994)1. 
Cercado pelas coisas do mundo e convivendo com seus semelhantes, o ser 
humano, diferentemente dos demais seres, problematiza o mundo que o rodeia, não se 
contentando apenas em transitar entre as coisas, mas procurando estabelecer nexos que 
esclareçam o seu significado, o seu porquê e seu como. (Hryniewicz, 2008)2 
Assim, a reflexão sobre o processo de conhecer passa necessariamente pela 
maneira como é reconhecido, delimitado e abordado o objeto de estudo. Desde a 
antiguidade, através da observação empírica, até a utilização dos procedimentos 
metodológicos oriundos dos conhecimentos científicos, na atualidade, este recorte se faz 
dependendo da maneira como o investigador interpreta o mundo que o cerca, 
articulando-o a determinada teoria explicativa da realidade. Assim, “todo conhecimento 
científico pressupõe uma especulação filosófica sobre a problemática dos seus 
determinantes, porque existe um hiato entre o objeto da investigação e as possíveis 
representações dele (...) para que a realidade se torne inteligível e seja conhecida deve 
ser estruturada e ordenada pelo ser humano segundo sua visão de mundo” (Costa, 
1992). 3 
Há várias formas de interpretação racional da realidade na produção de 
conhecimentos que norteiam a ação humana. Ocorre que estes conhecimentos sempre 
acompanham a organização social vigente, havendo, para cada modo de produção, ao 
mesmo tempo, uma forma predominante de interpretar a realidade. No tocante à 
interpretação da saúde e da doença, observa-se o mesmo movimento, conforme 
explicitado a seguir. 
 
1. A HISTÓRIA DA EPIDEMIOLOGIA 
A compreensão do desenvolvimento histórico da epidemiologia, enquanto 
conjunto de conhecimentos que tem a finalidade de explicar o aparecimento das doenças 
na sociedade, passa pelo entendimento das transformações ocorridas no conceito de 
causalidade dos agravos à saúde, vista como uma das vertentes mais importantes na 
história da epidemiologia. 
	
   3	
  
“Enquanto conceito, a causalidade é determinada, de um lado, pelas 
condições concretas de existência e de outro, pela capacidade intelectiva do ser humano, 
em cada conceito histórico; vale dizer, enquanto conceito, categoria explicativa, a 
questão da causa é revestida de historicidade” (Barata, 1990) 4. 
A causalidade adquire formas diferenciadas no decorrer dos tempos, 
dependendo da maneira pela qual o ser humano entra em contato com o mundo que o 
cerca. Até o final do século XIX, a construção do conhecimento sobre a determinação 
da doença e suas concepções oscilam, segundo Canguilhem (1995)5, entre duas formas 
de representação da enfermidade: 
a. concepção ontológica que corresponde às concepções vigentes na antiguidade entre 
os assírios, egípcios, caldeus, hebreus e outros povos, que atribuem à enfermidade 
um estatuto de causa única e de entidade sempre externa ao ser humano e com 
existência própria – um mal. O doente é visto como um ser humano ao qual essa 
entidade – malefício – se agrega. O corpo humano é visto como receptáculo de um 
elemento natural ou espírito sobrenatural que ao invadi-lo, produz doença, sem que 
nenhuma participação ou controle desse organismo interfira no processo de 
causação. 
A ontologia refere-se às especulações filosóficas que tratam da realidade em 
abstração, do conhecimento do ser, independentemente do modo pelo qual se manifesta. 
O conhecimento é reduzido à instituição de um ser soberano como origem e fundamento 
de realidade (Severino, 1994)1. 
Essa vertente ontológica da teoria unicausal foi dominante nas épocas 
primitiva e escravista e tem suas origens na dominação do ser humano pela Natureza. 
Apesar das oscilações interpretativas que sofreu ainda predomina no pensamento 
contemporâneo. 
b. concepção dinâmica – opõe-se à primeira na medida em que é naturalista. A 
natureza (physis), tanto interna como externamente ao ser humano, é harmônica e 
apresenta equilíbrio de forças. O ser humano desempenha um papel ativo no 
processo e as causas, também externas nessa concepção, são naturalizadas, 
perdendo assim seu caráter prático e religioso. 
	
   4	
  
A concepção dinâmica corresponde inicialmente às concepções vigentes na 
medicina hindu e chinesa. A doença é tida como produto do desequilíbrio entre os 
elementos orgânicos do corpo humano – os humores. Os elementos que compõem a 
natureza – a madeira, o metal, a terra, a água e o fogo, recebem um complexo sistema 
de correspondência com os planetas e com os órgãos do corpo humano, como por 
exemplo: fogo/calor/vermelho/morte/coração. A doença é o produto do equilíbrio dos 
princípios básicos/forças primárias da vida, como por exemplo, na filosofia chinesa a 
crença na existência de duas forças complementares antagônicas: o “yang”, centrípeta e 
o “yin”, centrífuga. Assim, a doença enquanto perturbação desse equilíbrio e busca de 
um novo ponto de harmonia não se localiza num determinado local do corpo do ser 
humano ou fora dele, mas em todo o ser humano (Fachini, 1994)6. 
No primeiro caso, a cura é obtida através dos recursos naturais ou dos 
procedimentos religiosos. Já, no segundo, o restabelecimento da saúde é feito através de 
medidas terapêuticas que procuram restabelecer o equilíbrio da energia interna. Ao 
contrário da vertente anterior, nesta, o ser humano desempenha papelativo no processo 
saúde-doença e as causas das doenças reportam-se ao natural, perdendo o caráter 
mágico e religioso. 
Para os gregos, a teoria explicativa da saúde-doença também parte da noção 
de equilíbrio tendo a natureza como substrato. A diferença entre essa concepção e a dos 
chineses e hindus é que aqui a saúde é um estado de isonomia, ou seja, de perfeita 
harmonia entre os quatro elementos que compõem o corpo humano, ou seja, a terra, o 
ar, a água e o fogo enquanto a doença, que é o desequilíbrio ou disnomia aparece como 
conseqüência da ação de fatores externos sobre a isonomia. Esta concepção é 
claramente explicitada por Platão: “O corpo é composto da mistura de quatro elementos: 
terra, fogo, água e ar. A abundância ou falta desses elementos, fora do natural; a 
mudança de lugar, fazendo com que eles saiam de sua posição natural para outra que 
não lhe seja bem adaptada; ou o fato que um deles é forçado a receber uma quantidade 
que não é própria para ele, mas conveniente para outra espécie; todos esses fatores e 
outros similares são as causas que produzem distúrbios e moléstias” (Platão apud 
Barata, 1990) 4. 
Ainda na Grécia antiga, Hipócrates enriquece estas concepções por meio de 
cuidadosas observações da natureza e da prática clínica. A importância atribuída por ele 
	
   5	
  
ao ambiente físico se verifica quando incorpora uma perspectiva comunitária na 
compreensão das enfermidades. Alguns autores referem que este filósofo foi quem 
utilizou pela primeira vez, as palavras gregas que deram origem ao termo 
“epidemiologia”. Estas palavras são “epidemeion” e “endemeion” e, na época 
diferenciam as enfermidades que visitam a comunidade (epidemeion) daquelas que nela 
residem (endemeion) (Najera, 1991)7. 
Numa outra perspectiva conceitual, há quem refute esta origem semântica a 
partir do significado da palavra epidemia. “O significado do termo ‘epidemia’ já se 
encontrava nos textos hipocráticos, formado pela junção do prefixo epi-(em cima de, 
sobre...) com o radical demos, significando ‘povo’ (...). O sufixo –logos também vem do 
grego ‘palavra, discurso, estudo’, por sua vez derivado de legein (falar, reunir, 
organizar) (...) Em síntese, a palavra Epidemiologia significa etimologicamente ‘ciência 
do que ocorre (se abate) sobre o povo” (Almeida Filho; Rouquayrol, 2002)8. 
Enquanto precursor da visão epidemiológica, Hipócrates em seu estudo 
“Ares, Águas e Lugares” refere-se à epidemiologia enquanto estudo da distribuição das 
doenças em termos da qualidade dos elementos naturais disponíveis (águas e ares); do 
espaço ocupado; e do clima (estação do ano). 
“Quem quiser prosseguir no estudo da ciência da medicina deve proceder 
assim. Primeiro, deve considerar que efeitos cada estação do ano pode produzir, porque 
todas as estações não são iguais, mas diferem muito entre si mesmas e nas suas 
modificações. Tem que considerar em outro ponto os ventos quentes e os frios, em 
particular aqueles que são universais, mostrando bem as particularidades de cada região. 
Deve também considerar as propriedades das águas, pois estas diferem em gosto e peso, 
de modo que a propriedade de um difere muito de qualquer outra. Usando esta prova, 
deve examinar os problemas que surgem. Porque, se um médico conhece essas coisas 
bem, de preferência todas elas de qualquer modo a maior parte, ele, ao chegar a uma 
cidade que não lhe é familiar, não ignorará as doenças locais ou a natureza daquelas que 
comumente dominam” (Hipócrates, 1991)9. 
Outros povos antigos conseguiram elaborar hipóteses sobre o contágio das 
doenças, como os romanos, por exemplo, ampliando a concepção sobre a causalidade e 
os conceitos de saúde-doença. Durante a Idade Média, sob o modo de produção feudal e 
sob o poder exercido predominantemente pela Igreja Católica, como ocorreu em todas 
	
   6	
  
as áreas do conhecimento humano, há referências de que poucos avanços são 
conseguidos na área da epidemiologia. A prática clínica é abandonada e as explicações 
causais são novamente relacionadas à religião. Um grande número de epidemias assola 
a Europa motivo pelo qual no centro das preocupações estão as doenças infecciosas 
constituindo-se esta, a gênese da teoria miasmática que viria surgir mais tarde, no 
Renascimento e que permaneceria hegemônica até o século XIX. (Barata, 1990) 4 
A citação de um monge franciscano sobre uma epidemia de peste durante o 
ano de 1374 na Itália evidencia essa preocupação: “Devido a uma infecção do hálito que 
se espalhou em torno deles enquanto falavam um infectava o outro... e não só faziam 
morrer quem quer que falasse com eles como também quem quer que comprasse, 
tocasse ou tirasse alguma coisa que lhes pertencesse” (Michele Piazza apud Barata; 
1990) 4 
Na Idade Média firma-se a Teoria Miasmática, facilmente demonstrada nas 
citações de vários autores, sobre as doenças de um modo geral: 
“As doenças originam-se, parcialmente, das partículas da atmosfera e 
parcialmente de diferentes fermentações e putrefações dos humores. As primeiras 
insinuam-se entre os sucos do corpo, desagregando-os, misturam-se ao sangue e 
finalmente contaminam todo o organismo” (Boyle apud Barata, 1990) 4. 
Ou sobre a peste: 
“A peste é um complexo sintomático que a Natureza usa para demonstrar a 
eliminação natural, pela qual um abcesso ou outra forma de erupção pode expelir do 
corpo aquelas partículas miasmáticas que nós adquirimos com o ar e respiramos” 
(Sydeham apud Barata, 1990) 4. 
A origem das epidemias atribuídas aos miasmas pode ser compreendida na 
concepção de constituição epidêmica: “Há diferentes constituições em diferentes 
épocas. Elas não se originam nem do calor, nem do frio, nem da unidade, nem da 
secura, elas dependem de certas misteriosas e inexplicáveis alterações nas entranhas da 
Terra. Pelos seus eflúvios, a atmosfera torna-se contaminada e os organismos dos 
homens são predispostos e determinados” (Sydeham apud Barata, 1990) 4. 
	
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Esta noção de contágio, como as demais existentes na época, pressupõe que 
um ser humano doente é capaz de provocar doença nos demais, coexistindo com as 
outras formas de interpretação do processo saúde-doença anteriormente apontadas. “As 
causas variavam da conjugação dos planetas, até o envenenamento dos povos pelos 
leprosos e judeus ou pelas bruxarias dos endemoniados” (Barata, 1990) 4. 
No âmbito político, o século XVII testemunha o aparecimento do Estado 
Moderno, especificando-se os conceitos de Estado, Governo, Nação e povo. “A idéia de 
que a riqueza principal de uma nação era o seu povo, aliado ao dado objetivo de que o 
poder político era o poder dos exércitos fez com que fosse necessário contar o povo e o 
exército, ou seja, o Estado. A medida do Estado era então a estatística. O povo como 
elemento produtivo e o exército como elemento beligerante precisavam não apenas do 
número, mas também da disciplina e da saúde”. (Almeida Filho, 1989)10. 
Estas constituem as bases da aritmética política e da estatística que vão, 
mais tarde, constituir os pilares da epidemiologia. 
No Renascimento, são retomadas as observações empíricas. A dissecação 
dos cadáveres, até então proibida por motivos religiosos, passa a permitir a geração de 
conhecimento das ciências básicas como a anatomia e a fisiologia, entre outras. No 
entanto, prossegue a noção da transmissibilidade das doenças a partir de partículas 
invisíveis, por contágio direto, fómites ou outros veículos. Uma destas teorias é 
atribuída a Fracastoro, no século XVI, que explica a ação dos seminaria: “os seminaria 
(princípio de contágio) se disseminam escolhendo os humores pelos quais têm 
afinidade, sendo lançados nos vasos por atração. Podem ser absorvidos pela respiração e 
aderir aos humores que os levam ao coração (Fracastoro apud Barata, 1990) 4. 
A despeito do conceito de epidemia já ser utilizado à época, a palavra 
Epidemiologia surge pela primeira vez na Espanha,no final do século XVIII por 
Angelerio, um médico que desenvolveu um estudo sobre a peste. Entretanto, somente 
em 1802, Juan de Villalba torna o conceito oficial, utilizando-o para descrever a história 
das epidemias naquele país (Najera, 1991) 7. 
No século XVIII, ao lado do predomínio da Teoria Miasmática, vários 
estudos mostram a distribuição das doenças na população, encontrando-se alguns 
trabalhos sobre epidemias, que buscam relacionar alguns fatores ao aparecimento de 
	
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algumas delas como, por exemplo, a presença de malária em regiões arrozeiras. Nestas 
zonas úmidas era constatada a presença de um mosquito cujo ciclo se interrompia 
quando a terra secava ou reiniciava quando se tornava novamente úmida (Najera, 1991) 
7. 
Ora, essas conclusões podem ser tidas como muito avançadas para a época e 
são reputadas como as primeiras interpretações epidemiológicas. A despeito disto, 
pode-se ressaltar que predomina ainda uma visão individualizada da doença cujo locus é 
o indivíduo e não o coletivo. 
Segundo Foucault, a primeira medicina verdadeiramente do coletivo é a 
veterinária. A Academia de Medicina de Paris, fundadora da Clínica Moderna no século 
XVII, organiza-se a partir da ordem real para que os médicos estudem uma epidemia 
que periodicamente dizima o rebanho ovino, com graves perdas para a nascente 
indústria têxtil francesa. Pela primeira vez, são mensuradas quantitativamente as 
doenças especificamente buscando o seu controle. Contrapondo-se a isto, a clínica nasce 
considerando o individual e estudando o unitário, o caso. O método clínico, por seu 
caráter intensivo e singular, não propicia a abordagem das questões relativas às causas 
das doenças no coletivo (Foucault, 1977)11. 
Durante o século XVIII, consolida-se o poder político da burguesia e com 
isto recrudescem os estudos que buscam associar as questões sociais ao processo saúde-
doença. Exemplo disto é o estudo de Casal, na Espanha, que estabelece a relação entre o 
tipo de alimentação das pessoas pobres que viviam quase exclusivamente à base de 
milho, sem carne, ovos ou outros alimentos protéicos e que desenvolvem um tipo de 
doença que chamam “mal da rosa” devido à dermatite que produz. Mais tarde a doença 
passa a ser conhecida por pelagra (Najera, 1991) 7. 
O século XIX assiste o debate entre os defensores do paradigma da Teoria 
Miasmática que é dominante e, portanto, defendida pelos conservadores, versus os que 
as atribuem à pobreza ou a outras condições sociais adversas. Neste momento, como 
conseqüência da Revolução Industrial, as cidades crescem desordenadamente e as 
condições de vida se agravam. Os movimentos sociais e revolucionários buscam 
soluções para a crise, propiciando o desenvolvimento de estudos sobre as condições de 
vida da população. Por esta razão, delineiam-se as correntes que irão subsistir na 
	
   9	
  
epidemiologia mais tarde, ou seja, a miasmática, a microbiana e a social. A segunda, 
apesar de incipiente, já pode ser identificada, embora ainda não amplamente aceita. 
Cabe citar que, em 1854, John Snow, considerado o pai da epidemiologia, 
publica seu célebre estudo sobre a epidemia de cólera, intitulado “Sobre a maneira de 
transmissão do Cólera”. Pela primeira vez é realizada uma pesquisa epidemiológica 
com o fito de determinar a causa de um surto epidêmico e, através dela, o autor refuta a 
teoria miasmática, afirmando a origem hídrica da doença e relacionando-a a “alguma 
substância que passa do enfermo ao sadio e que tem a propriedade de crescer e se 
multiplicar no organismo da pessoa” (Snow, 1990)12. 
Além disso, discute a noção de transmissibilidade e vulnerabilidade dos 
pobres às doenças deste tipo, relacionando-as às suas condições de vida, pelo 
confinamento nas habitações, pela precariedade dos ambientes de trabalho e por outros 
traços culturais. É interessante uma citação sobre a relação entre determinadas práticas 
da época e o aparecimento da doença: 
“O manejo do cadáver (amontoá-lo e acomodá-lo) quando era efetuado por 
mulheres da classe trabalhadora que têm o costume de comer e beber em tais ocasiões, 
em seguida, eram atacadas pelo cólera; pessoas que somente assistiam ao funeral e não 
tiveram nenhum contato com o cadáver, com frequência também contraíam a 
enfermidade; levando-se em consideração estes pontos é evidente a participação dos 
alimentos preparados ou manipulados por pessoas que atenderam o paciente ou que 
manusearam suas roupas pessoais ou de cama” (Snow, 1990) 12. 
Ainda relaciona a doença ao consumo de água: “As evacuações dos doentes 
de cólera se misturam com a água que se usa para beber e para o consumo doméstico, 
seja infiltrando-se no terreno que rodeia poços ou cisternas, seja correndo por canais que 
deságuam em rios de onde algumas vezes populações inteiras se abastecem de água” 
(Snow, 1990) 12. 
O final do século XIX constitui um período crítico para a epidemiologia. 
Vários estudos são realizados evidenciando o aporte teórico da epidemiologia para 
explicar a saúde-doença. Essa é a época em que a “patologia social”, enquanto corrente 
de pensamento, fundamenta na França, em 1848, o projeto de intervenção denominado 
por Guérin, “Medicina Social”, designando uma dada concepção de prática médica 
	
   10	
  
fundamentada na análise dos problemas sociais e da sua relação com as doenças. Essa 
corrente é também designada genericamente como “modos de tomar coletivamente a 
questão da saúde” (Almeida-Filho; Rouquayrol, 2002) 8. 
Essa prática focaliza principalmente as medidas para a promoção da saúde e 
a prevenção das patologias sociais. 
Outro inspirador desse movimento é Villermé que escreve acerca das 
condições existentes nas fábricas de produtos têxteis e demonstra com clareza a relação 
entre a situação econômica e mortalidade. Em 1826, aparece sua obra acerca da 
mortalidade nos diferentes setores de Paris na qual vincula a pobreza às doenças. Estes 
trabalhos fundamentam-se nas condições criadas pela Revolução Francesa, que 
incorpora pela primeira vez os interesses da coletividade na organização social do 
Estado. Mais que pesquisar as causas das doenças, os estudiosos realizam uma 
verdadeira tarefa de saúde pública, trazendo para toda a coletividade, algumas medidas 
antes privilégio da nobreza (Terris, 1991)13 (Villermé, 1988)14 
Por outro lado, na Inglaterra, o higienismo sanitário, enquanto corrente de 
pensamento, imprime processos de intervenção conformados pela saúde pública cujas 
práticas tornam o social como mais um fator na rede de causalidade. Exemplos disso 
são os estudos de Farr descrevendo a mortalidade em diferentes classes sociais. Cabe 
ressaltar que naquele país a Revolução Industrial trazia em sua economia política a 
noção de “força de trabalho”. Necessitando aumentá-la para a sua consolidação através 
do aumento da industrialização, propicia a emergência de várias medidas sociais para a 
sua consecução. Há, por exemplo, um ambiente muito especial para a promulgação da 
“Nova Lei dos Pobres”, que preconiza que os trabalhadores recebam assistência médica 
no local de trabalho e não mais nas paróquias, como era feito até então. Esta iniciativa 
tenta proteger a força de trabalho engajada no setor produtivo e o exercício de reserva 
em formação (Najera, 1991) 7. 
Ao lado disto, este clima político determina também o aparecimento de 
estudos que relacionam as condições de saúde das classes trabalhadoras às condições 
sociais vigentes. “A formação de um proletariado urbano submetido a intensos níveis de 
exploração, expressava-se como luta política sob a forma de diferentes socialismos, 
ditos utópicos porque iniciais. O desgaste da classe trabalhadora deteriorava 
profundamente as suas condições de saúde, conforme mostra Engels em seu “As 
	
   11	
  
condições da classe trabalhadora na Inglaterra”, escrito em 1844 e constituindo talvez 
o primeiro texto analítico da epidemiologia críticajá que os demais eram 
predominantemente descritivos, apesar de relacionar a doença ao contexto social mais 
amplo (Almeida-Filho, 1989).∗ 
O pensamento dos revolucionários do final do século VXIII e do início do 
século XIX ligados a diversos movimentos políticos também aponta para o objeto da 
chamada ciência médica como sendo o coletivo e não o individual, ainda que o coletivo 
seja concebido sob o recorte da penúria. Este pensamento pode ser exemplificado nessa 
citação: “A ciência médica é intrínseca e essencialmente uma ciência social; enquanto 
isto não for reconhecido na prática, não seremos capazes de desfrutar de seus benefícios 
e teremos que nos satisfazer com um vazio e uma mistificação” (Neumann apud Barata, 
1990) 4. 
Mesmo a explicação das epidemias adquire, na época, uma dimensão social 
ligada às condições de vida da população: “se a doença é uma expressão da vida 
individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser indicativa de distúrbios, em 
maior escala, da vida das massas... As epidemias não apontarão para as deficiências da 
sociedade? Pode-se apontar como causas as condições atmosféricas, as mudanças 
cósmicas gerais e coisas parecidas, mas, em si e por si, estes problemas nunca causam 
epidemias. Só podem produzi-las onde, devido às condições sociais de pobreza, o povo 
viveu durante muito tempo em uma situação anormal” (Virchow apud Barata, 1990) 4. 
As condições precárias de vida resultantes da urbanização, ao determinarem 
o aumento das doenças transmissíveis, tornam-se uma ameaça concreta de redução do 
contingente ainda insuficiente de mão-de-obra industrial. Simultaneamente ao 
desenvolvimento tecnológico, criam-se as condições favoráveis para a descoberta dos 
microorganismos passando a ser, concretamente conhecidas, as causas destas doenças. 
Os seminaria de Fracastoro tornam-se então visíveis e são chamados de “bactérias”. 
Este fato redefine todo o arsenal teórico da epidemiologia. Com a descoberta de que as 
doenças são causadas por agentes etiológicos específicos, os conhecimentos até ali 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
∗ Para ler mais a respeito ver Engels F. The condition of the working class in England. 3ed. Progress: 
Moscow, 1977. 
	
  
	
   12	
  
acumulados sobre os fatores relacionados à ocorrência de doenças e à sua determinação 
social sofrem um grande retrocesso (Terris, 1991)13. 
Nesta fase, acompanhando o processo de reorganização das sociedades sob 
a égide do capitalismo, todo o conhecimento científico passa a ser construído sobre as 
bases do Positivismo. Pelo fato dessa visão preconizar que o critério de verdade se 
assenta sobre as bases da investigação experimental, diminui a importância das 
disciplinas observacionais como a Epidemiologia. Como consequência disto e de modo 
geral é negada qualquer outra explicação para o surgimento da doença. Firma-se então a 
teoria da unicausalidade, baseada na teoria bacteriológica nascente. 
Ao lado disto, constata-se um incremento no campo da estatística que, 
iniciado em 1839 com o trabalho de William Farr, através da criação de um registro 
anual de mortalidade e morbidade para a Inglaterra e o País de Gales, progride até a 
formulação das Teorias das Probabilidades de Major Greenwood, no início deste século. 
Isso faz com que seja rejeitado o caráter fundamentalmente descritivo da epidemiologia 
das epidemias que eram controladas numericamente desde o século anterior (Terris, 
1991) 13. 
É importante ressaltar a contribuição de Florence Nightingale para o 
redirecionamento da enfermagem com base no conhecimento epidemiológico da época. 
Isso é evidenciado quando concebe a doença como um esforço da natureza para 
restaurar a saúde e a ação da enfermagem como sendo a de favorecer esse processo 
reparativo, mediante o uso do ar puro, da luz e do calor, da limpeza, do repouso e da 
dieta, com um mínimo dispêndio das energias vitais do paciente, de modo a mantê-lo 
nas melhores condições para que a natureza nele pudesse agir. (Castro, 1989)15 
Assim, Florence construiu a enfermagem visando à manutenção de 
condições ótimas para a recuperação da saúde, enfatizando a atenção individual, embora 
desde o início do seu trabalho na Guerra da Criméia tenha baseado suas ações na 
observação do coletivo, ao estudar as condições em que viviam os soldados feridos que, 
segundo ela, matavam muito mais que os próprios ferimentos de combate. Na Criméia, 
	
   13	
  
73% de 8 regimentos morreram em 6 meses, em conseqüência de doenças (Woodham-
Smith, 1951) 16 ∗ 
Na verdade, sua visão de saúde-doença e de enfermagem, embasava-se 
numa mescla de várias teorias. Essa foi a razão pela qual algumas das suas Notas foram 
consideradas ultrapassadas, como pode ser verificado nos comentários feitos em Notas 
do Editor na edição de 1861 de seu livro “Notas sobre a enfermagem: o que é e o que 
não é” que revelam o embate vigente na epidemiologia: 
“Notas sobre a enfermagem (...) foi imediatamente reconhecido pelos 
líderes da ciência médico sanitária como um trabalho de importância capital, um desses 
raros livros aos quais, em sua categoria, o termo fazer época pode justificadamente ser 
aplicado (...) Aqui e ali um obter dictum de miss Naghtingale foi deixado à margem 
pela ciência moderna. Devemos ter cuidado e não inferir sobre a crença na geração 
espontânea da doença ou no seu aparecimento em virtude da ‘sujeita’ (...) passagens 
antiquadas como essas não afetam em absoluto o valor dos seus ensinamentos em seu 
próprio campo (...) O que continua verdadeiro e atual é a essência do livro – a visão da 
autora sobre as necessidades de limpeza no ar, na água, nas pessoas, roupas e nos 
ambientes; de iluminação, silêncio e ordem no quarto do doente (L.H.S.N apud 
Nightingale, 1989).17 
A epidemiologia das doenças infecciosas é sustentada pela teoria da 
unicausalidade até que controladas aquelas (pelo menos no plano técnico científico), as 
doenças não transmissíveis começam a ameaçar o contingente humano produtivo em 
virtude das novas formas de trabalho e de vida. Mesmo no plano das doenças 
transmissíveis, o modelo unicausal em pouco tempo se mostra insuficiente para explicar 
a gama de questões que emergem da ampliação do arsenal de conhecimentos da 
biologia e da ecologia. Desenvolve-se, então, a teoria da interação do agente com o 
hospedeiro em um ambiente composto por elementos de diversas ordens, sejam elas 
físicas, biológicas ou sociais. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
∗ A respeito das contribuições de Florence Nightingale para a Epidemiologia ler: Fonseca RMGS da. 
Uma leitura generificada da (re)inauguração de um fazer para mulheres: da Inglaterra ao Brasil. Rev 
Bras Enferm 2002 55(1): p.75-84 
	
  
	
   14	
  
Dentro desse novo sistema teórico, ocorrem avanços importantes no tocante 
às doenças infecciosas como, por exemplo, a identificação dos vetores de uma série de 
doenças parasitárias tais como a febre amarela, a doença de Chagas, a esquistossomose. 
Com a certeza de um agente causal e de variáveis relacionadas à transmissão do agente, 
os modelos matemáticos têm o seu desenvolvimento estimulado. Neste sentido, alguns 
autores falam de uma “epidemiologia antiga” que evolui até o esclarecimento das 
doenças infecciosas e de uma “nova epidemiologia” que, necessitando buscar novos 
paradigmas para explicar problemas como as doenças não transmissíveis ou 
ocupacionais e para cuja explicação a teoria da unicausalidade não é suficiente, 
determina o aparecimento da teoria da multicausalidade,na primeira metade do século 
XX (Najera, 1991)7. 
No plano político, o capitalismo em expansão necessita da saúde como 
mecanismo de controle social. O avanço tecnológico da prática médica determina uma 
redução do seu alcance social dado que a fragmentação do cuidado à saúde leva à 
especialização, à ênfase em procedimentos complementares e à elevação dos custos da 
assistência. Isto faz com que a assistência seja acessível a um número reduzido de 
pessoas não se elevando no coletivo, o nível de saúde das populações. Esse fenômeno 
determina que a prática em saúde, especialmente as médicas, se volte para a 
recuperação dos corpos individuais utilizando o hospital como meio. (Foucault, 1977) 11 
Em outras palavras, a crise das sociedades capitalistas monopolistas 
ocidentais revela a incapacidade do sistema econômico em prover condições mínimas 
de vida e saúde para a totalidade das populações. Há uma incongruência entre os 
avanços tecnológicos e os sociais, a despeito da necessidade cada vez maior da higidez 
do trabalhador para a consolidação do sistema econômico. A teoria da multicausalidade 
surge, então, para recolocar na causalidade o social como um fator no qual é possível 
“resolver” a questão da incapacidade de se obter níveis satisfatórios de saúde para as 
populações, culpando a pobreza e o subdesenvolvimento pela ocorrência das doenças 
numa relação linear e unívoca. 
A primeira das formulações do conceito de multicausalidade aparece no 
modelo da balança de Gordon, durante a década de 1920. Nesse, a doença é resultante 
de um estado de desequilíbrio dentre múltiplos fatores. O fulcro da balança é 
representado pelos fatores do meio ambiente e os seus pratos pelo agente e pelo 
	
   15	
  
hospedeiro. “Este modelo representa uma simplificação exagerada do complexo de 
causação, além de ser extremamente mecanicista. Nesta concepção os fatores são 
tomados isoladamente como se não houvesse interação entre eles e, na prática, como se 
apenas um tipo de fator, aquele de maior peso, atuasse na produção da doença. Desta 
forma, a multicausalidade vê-se reduzida à unicausalidade, com a única diferença de 
serem admitidas outras causas que não apenas a presença do agente etiológico” (Barata, 
1990) 4. 
A expressão “doença de massa” ou doença enquanto fenômeno de massa, 
destacando o caráter coletivo do objeto epidemiológico encontra-se incorporada nas 
definições da Epidemiologia adotadas pelos primeiros cientistas desse campo de saber. 
Isso pode ser encontrado na afirmativa de Greenwood, em 1932, onde a epidemiologia 
aborda “os aspectos de massa da doença, onde o grupo, o coletivo e não o indivíduo 
doente é a unidade de observação” (Almeida-Filho; Rouquayrol, 1992) 8. 
Evidentemente que essa noção de coletivo refere-se apenas à somatória de 
indivíduos, deixando valadas as intermediações do social na relação entre pessoas. É 
importante destacar que nem por isso há alguma dúvida sobre o estatuto científico da 
epidemiologia. Wade Hampton Frost, primeiro professor de Epidemiologia da 
universidade de Johns Hopkins define a disciplina como “uma ciência indutiva 
preocupada não meramente em descrever a distribuição das doenças, porém, sobretudo 
em compreendê-la a partir de uma filosofia consistente” (Fee, 1987)18. 
Na década de 40, o movimento de Medicina Integral, surgido nos Estados 
Unidos, busca definir o ser humano como ser biopsicossocial, concebendo este social 
como atributo humano e não como categoria básica da organização da sociedade. Data 
dessa época a sistematização da História Natural da Doença, elaborada por John Ryle 
em 1936 (Almeida Filho; Rouquayrol, 1992) 8. Mesmo a Teoria de Leavell e Clark, da 
segunda metade do século XX, apesar de representar uma variante mais dinâmica e 
desenvolvida do modelo multicausal, não propõe uma interpretação diferente do social. 
Na década de 1930, a crise das sociedades capitalistas ocidentais revelou a 
incapacidade do sistema econômico em prover condições mínimas de vida e de saúde 
para a totalidade da população. Assim, mesmo que ressaltemos que “o social surge 
como mais um fator a ser julgado no conjunto de outros tantos que colaborarão no 
processo de produção da doença”, nesse cenário é que foi redescoberto o caráter social e 
	
   16	
  
cultural da enfermidade e da medicina, bem como suas articulações com a estrutura e a 
superestrutura da sociedade. Na realidade, “buscava-se a consolidação de um discurso 
sobre a sociedade capaz de dar conta dos processos culturais, econômicos e políticos 
que pareciam levar resistências à competência técnica da medicina” (Almeida Filho; 
Rouquayrol, 1992) 8. 
Desta forma, “o retorno ao social fez pelo recurso à Epidemiologia, 
supostamente despojada da politização assumida pelo movimento da medicina social. O 
desenvolvimento da disciplina atraiu para o padrão positivista das ciências do ser 
humano, espelhando-se no modelo da biologia. A fisiopatologia, que aborda os 
processos patológicos do organismo, corresponde à Epidemiologia que trataria dos 
processos mórbidos no organismo social” (Almeida Filho; Rouquayrol, 1992) 8 
Por isto, as medidas corretivas propostas nesse contexto não contemplam 
mudanças estruturais, mas se restringem a fornecer soluções paliativas para os 
problemas de saúde. A despeito disso, passa a influenciar toda a epidemiologia 
hegemônica daí para adiante, baseando-se em justificativas como esta, a seguir: “Sob o 
ponto de vista do bem público, uma das implicações práticas da epidemiologia é que o 
estudo das influências externas torna a prevenção possível, mesmo quando a patogênese 
da doença concernente não é ainda compreendida. Mas isto não quer dizer que a 
epidemiologia seja, de alguma maneira, oposta ao estudo de mecanismos ou, 
reciprocamente que o conhecimento do mecanismo não seja, às vezes, crucial para a 
prevenção” (Acheson, 1979)19. 
O autor, embora sem se referir explicitamente, opina que a prevenção se faz 
com base no conhecimento da história Natural da Doença, que passa a ser investigada 
cada vez mais até nossos dias. O que se deduz é que, apesar de se voltar para o social, a 
Epidemiologia passa a se fundamentar nos mesmos paradigmas estabelecidos para as 
ciências biológicas, baseando-se na naturalização dos fenômenos sociais. Neste período 
inicia-se também o que mais tarde se define como Demografia, cujo enfoque está 
centrado na compreensão da chamada “fisiologia social” por estudar os processos 
normais das populações. Diferencia-se da Epidemiologia, tida como o estudo da 
patologia social. 
A organização dos exércitos para a Segunda Guerra Mundial levanta a 
questão da saúde física e mental dos combatentes, representando uma demanda concreta 
	
   17	
  
para o desenvolvimento de métodos mais eficientes para medi-la e cujo 
aperfeiçoamento resulta na possibilidade de sua aplicação para o estudo das doenças nas 
populações civis. 
A intensa expansão do sistema capitalista no pós-guerra que propicia o 
acelerado desenvolvimento das tecnologias em saúde e do aperfeiçoamento dos métodos 
de estudo, permite a realização de grandes inquéritos-epidemiológicos especialmente a 
respeito das doenças não infecciosas que se revelam como problema de saúde pública 
durante o processo de seleção de recrutas para os exércitos. A perspectiva populacional 
ainda está marcadamente presente na abordagem de Morris de 1957 que propõe noções 
abstratas como “saúde” e “doença” para tema básico da ciência epidemiológica com um 
certo privilégio do coletivo. A perspectiva populacional é substituída por abordagens 
mais imprecisas baseadas em noções idealistas como “humanidade” conforme se pode 
verificar na conceituação de Mac Mahon, Pugh & Ipsen, em 1960. Os autores referem-
se ao objeto epidemiológico como prevalência de doenças no ser humano. Nessa 
mesma linha, a própria Associação Internacional de Epidemiologia a define como a 
ciência que estuda osfatores que determinam a frequência e a distribuição das doenças 
nas coletividades humanas (Almeida-Filho; Rouquayrol, 1992) 8. 
A publicação da primeira edição do livro de Mac Mahon et al tem um 
significado de síntese na medida em que apresenta os conteúdos básicos constituintes da 
forma que assumirá a disciplina, denominada por muitos, “Epidemiologia clássica” 
(Barreto, 2002)20. Nesta época aperfeiçoam-se ou são descobertos e testados novos 
desenhos de pesquisas. A partir daí, se estabelecem regras básicas da análise 
epidemiológica, sobretudo pela fixação dos indicadores típicos de área, como incidência 
e prevalência e pela delimitação do conceito de risco. Com a introdução da computação 
eletrônica no início dos anos 60, a pesquisa epidemiológica tendeu cada vez mais a 
evidenciar a forte matematização da área. 
Por conta disso, neste período, observa-se um aprofundamento na 
explicação da causa das doenças nos estudos observacionais e descritivos. Por outro 
lado, evidencia-se a exigência de procedimentos terapêuticos e diagnósticos altamente 
sofisticados, principalmente nos países desenvolvidos, redundantes das conquistas 
quanto aos direitos de cidadania, que refletem nos padrões de ética médica. Tais 
procedimentos são desenvolvidos em laboratórios e produzidos pelo diversificado 
	
   18	
  
complexo industrial, possibilitando a sua utilização posterior em serem humanos. Isto 
passa a impulsionar os estudos experimentais, principalmente os do tipo ensaio clínico-
epidemiológico. 
Mais ainda, com o avanço e a adesão das teorias da administração para a 
organização dos serviços de saúde, os conceitos sobre Epidemiologia a colocam como 
“a ciência que estuda o processo saúde-doença na sociedade, analisando a distribuição 
populacional e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos 
associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle ou 
erradicação da doença e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, 
administração e avaliação das ações de saúde” (Almeida Filho; Rouquayrol, 1992) 8. 
Dos anos 70 em diante, além da massificação do uso dos computadores 
inicia-se um debate acirrado em torno da questão da causalidade e o objeto da 
epidemiologia. Assim, têm lugar dois importantes movimentos. O primeiro ocorre nos 
países desenvolvidos e irradia-se para os subdesenvolvidos, fazendo ressurgir o 
interesse pela epidemiologia clínica que busca recuperar a credibilidade científica da 
prática clínica. Esta redefine suas bases, de modo a colocá-la no mesmo patamar de 
outras disciplinas biomédicas referenciadas no modelo experimental. Isto ocorre no 
momento em que a biologia, em sua vertente molecular, estimula um retorno às 
atividades experimentais, na tentativa de descobrir o entendimento dos mecanismos 
biológico-moleculares para a compreensão do processo saúde-doença, comparando os 
fatores ambientais na ocorrência de doenças, quase sob uma abordagem miasmática 
modernizada. As demais buscam fundamentos que justifiquem e desenvolvam a 
racionalidade das práticas médicas dominantes (Barreto, 2002) 20. 
Ao lado desse debate, prospera a formulação de Lilienfeld de que a 
epidemiologia é o estudo da distribuição de uma doença ou condição fisiológica em 
populações humanas e dos fatores que influenciam tal distribuição. Nessa definição “o 
sujeito da doença não é mais definido de forma abstrata, passando-se a considerar como 
delimitador do objeto o seu coletivo menos comprometido como ‘populações 
humanas’”. (Lilienfeld apud Almeida Filho; Rouquayrol, 1992) 8 
O segundo movimento surge nos países subdesenvolvidos, mais 
especificamente na América Latina, em um momento de profunda crise econômica e 
social na qual se evidencia uma intensa repressão política e ideológica. Renasce o 
	
   19	
  
interesse pela determinação social do processo saúde-doença, num movimento 
denominado “epidemiologia social”, por pretender explicar com elementos científicos 
as verdadeiras causas das condições de vida e de saúde da grande maioria das 
populações dessa região que, neste momento, são comparáveis ou talvez piores que 
aquelas existentes em países europeus no século XIX (Arouca, 1975) 21. 
Tal movimento ressurge como uma crítica ao modelo ecológico, visando à 
reformulação do entendimento do processo saúde-doença de tal forma que os 
conhecimentos epidemiológicos possam orientar novas práticas de intervenção em 
saúde, mais voltadas ou respondendo às necessidades e aos interesses das classes sociais 
subalternas. Na atualidade evidencia-se o debate em torno destas diferentes concepções 
e práticas epidemiológicas. Desta recuperação histórica deduz-se que a epidemiologia 
nasce como uma confluência de uma série de correntes de pensamento que, possuidoras 
de paradigmas próprios e autônomos, explicam os movimentos no seu interior. Nisto, o 
que importa assinalar é que podem ser identificadas basicamente duas correntes de 
pensamento, uma que mantém aproximação com uma visão idealista de mundo e outra 
que se aproxima da visão realista de mundo, representados atualmente pela Teoria da 
Multicausalidade e pela Teoria da Determinação do Processo Saúde-Doença. 
 
2. A TEORIA DA MULTICAUSALIDADE 
A teoria da multicausalidade embasa a epidemiologia clássica hegemônica 
atual e o seu fundamento básico procura definir e relacionar fatores associados às causas 
das doenças. Partindo do método positivista, esta visão interpreta a sociedade como um 
agregado de elementos tidos como homogêneos, de caráter basicamente natural, na qual 
um sistema ecológico equilibrado passa a ser o sinônimo de normalidade ou de bom 
funcionamento e onde significa anormalidade desequilíbrio. 
A compreensão positivista da sociedade é dada pelos fundamentos do 
funcionalismo sociológico que são os seguintes: 
a) “as sociedades são totalidades. A totalidade social se expressa no conceito de 
sistema social, o qual se define como um conjunto de elementos inter-
relacionados, interdependentes, que contribuem para a integração do sistema. A 
	
   20	
  
definição de sistema social não considera a causalidade como um dos 
determinantes sociais. 
b) ‘a integração de todas as partes – ou subsistemas, embora nunca perfeita, produz 
sem dúvida, um estado de equilíbrio. A tendência geral é para a estabilidade e 
inércia, produzindo-se ajustes relativos, tanto para as influências internas como 
externas e, por conseguinte, os mecanismos de controle social desempenham um 
papel crucial. 
c) ‘desvio e tensão existem como elementos ‘disfuncionais’ que tendem a ser 
institucionalizados ou resolvidos, de modo que a integração é a tendência 
dominante do sistema social. 
d) ‘a mudança social não é revolucionária, mas adaptável e gradual; se ocorre uma 
mudança rápida, esta se dá ao nível da superestrutura da sociedade, deixando 
sem mudança a estrutura básica institucional. As mudanças procedem 
fundamentalmente de fatores externos, através da diferenciação estrutural e 
funcional mediante inovações e invenções de indivíduos e de grupos. 
e) ‘a integração social se obtém através de um consenso valorativo, de orientações 
cognoscitivas compartilhadas, ou seja, uma série de princípios amplamente 
difundidos que legitimam a estrutura política, social e econômica existente” 
(Swingewood apud Garcia, 1989)22. 
Ainda para facilitar a compreensão da aderência desta corrente de pensamento 
ao positivismo, descrevemos, a seguir, alguns pontos que caracterizam o método 
positivista com algumas aproximações em relação à forma como é visualizado o 
processo saúde-doença e a assistência à saúde: 
• para a ciência positivista, somente tem sentido o que é observável 
e experimentalmente comprovável, portanto as causas das doenças têm que ser 
comprovadas empiricamente, assim como os seus métodos de prevenção; 
• o todo é a somatória das partes isoladas. Assim, a saúde é parte do 
funcionamentoequilibrado do organismo que por sua vez também pode ser 
dividido em partes para ser tratado. A realidade social é decomposta em 
variáveis sócio-econômicas. Assim, a análise se reduz à verificação de 
associações estatísticas entre aspectos arbitrariamente destacados do todo social; 
• é possível uma manipulação objetiva de um objeto (ele se impõe 
ao sujeito que tem apenas que o retratar e a sua manipulação não deixa no objeto 
	
   21	
  
a marca do sujeito e nem da sociedade). A assistência à saúde pode ser feita “de 
fora para dentro”, com algum sujeito agindo externamente sobre o objeto; 
• o mesmo método se aplica a todas as formas de disciplinas 
científicas (absorção dos métodos das ciências naturais para as ciências sociais), 
portanto a saúde-doença pode ser interpretada por princípios mecanicistas que, 
por sua vez, podem também nortear a assistência; 
• trata-se de um método dedutivo que preconiza que para atender a 
realidade é preciso deduzi-la ou seja, dissecá-la em partes. A análise da situação 
de saúde é igualmente dedutiva, parte do todo para entender a parte; 
• valoriza a objetividade: a pesquisa é vista como pura, desligada 
dos interesses do pesquisador e da sociedade, assim como toda a assistência à 
saúde, onde não é desejável um envolvimento do sujeito com o objeto 
(clientela); 
• almeja alcançar um padrão pré-concebido, baseando-se na idéia 
de utopia. Existem padrões de saúde-doença que devem ser buscados alcançar, 
padrões estes dados por um nível de normalidade ótima, existente apenas no 
nível das idéias. O mesmo se considera para a assistência; 
• pressupõe um determinismo das leis causais: todo fenômeno tem 
causa e efeito. Assim, hipoteticamente, se podem relacionar dois fatores, pelo 
menos, no nível de um condicionamento mútuo. Há variáveis intervenientes que 
são estranhas ao fenômeno e que têm que necessariamente ser controladas. A 
saúde-doença é produto de fatores isolados; 
• não considera a historicidade dos fatos sociais. Pressupõe a 
existência de padrões universais de saúde-doença, derivados da visão de um ser 
humano universal, de essência única; 
• considera o social equivalente a estrato social, camuflando as 
contradições entre as classes sociais (Demo, 1985)23. 
Além disso, introduz a noção de risco definido como o equivalente 
epidemiológico do conceito matemático de probabilidade, ou seja, considera o risco 
como a probabilidade dos membros de uma determinada população desenvolver uma 
dada doença ou evento relacionado à saúde em um dado período de tempo. Na verdade, 
o conceito de risco foi essencial para o desenvolvimento da epidemiologia das doenças 
não infecciosas (Almeida Filho; Rouquayrol, 1992) 8. 
	
   22	
  
Ainda é importante salientar que a noção de risco, acoplada ao termo fator, 
implica necessariamente, segundo Miettinen (1985)24 em uma relação causal, de 
produção de alteração, dado que fator deriva do latim factor que significa “aquilo que 
faz, o que produz”. 
Nestes pressupostos está assentada toda a visão epidemiológica hegemônica 
atual que segundo seus seguidores, pretende ter o “propósito prático de descobrir as 
relações que oferecem possibilidade para prevenção das doenças”, mesmo 
reconhecendo que nem sempre é possível relacionar diretamente os fatores causais: 
“não fomos capazes muitas vezes de descobrir algum poder ou conexão necessária, 
alguma qualidade que ligue o efeito à causa e faça com que seja consequência infalível 
da outra” (Mac Mahon; Pugh, 1975)25. 
Mesmo a Teoria de Leavell e Clark que representa uma variante mais 
dinâmica e desenvolvida do modelo multicausal, se baseia nos pressupostos positivistas, 
não buscando as reais causas dos problemas sociais na organização da sociedade. As 
medidas corretivas que propõem não contemplam mudanças estruturais, antes 
sistematizam as ações segundo os atributos do agente causador da doença, meio 
ambiente e hospedeiro, limitando-se a fornecer soluções paliativas para os problemas. 
Para esta teoria, a prevenção se faz com base no conhecimento da História Natural da 
Doença que pode ser definida como um conjunto de processos interativos 
compreendendo “as inter-relações do agente, do suscetível e do ambiente que afetam o 
processo global e o seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o 
estímulo patológico no meio ambiente ou, em qualquer outro lugar, passando pela 
resposta do ser humano ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, 
recuperação ou morte” (Leavell; Clark, 1976)26. 
A história natural da doença tem o seu desenvolvimento assentado em duas 
vertentes seqüenciadas: a vertente epidemiológica e a vertente patológica. Na primeira, 
o enfoque é a relação agente-hospedeiro suscetível-ambiente; na segunda, interessam as 
modificações que se passam no organismo vivo. Abrange, portanto, dois domínios 
interagentes consecutivos e mutuamente exclusivos que se completam: o meio ambiente 
onde ocorrem os agentes e o meio interno onde se desenvolve a doença (Almeida Filho; 
Rouquayrol, 1992)8. 
	
   23	
  
Intrinsecamente essa teoria traz em si a idéia de despolitização, 
profundamente útil ao capitalismo, por esconder as desigualdades que resultam da 
organização do sistema social. A este respeito, comenta Barata (1990) 4: “a distribuição 
triangular dos elementos introduz no modelo uma racionalidade coerente com a 
ideologia capitalista na medida em que: - reduz o elemento homem à sua condição 
animal, biológica, transferindo para o ‘meio ambiente’ sua condição de produtor, 
expressa pelos padrões de consumo de que desfruta, como conseqüência de sua inserção 
na produção. Dessa forma, o ser humano, reduzido a ser de categoria natural, pode ser 
classificado segundo critérios naturais, tais como idade, sexo e raça; -produz uma 
ruptura entre o sujeito social e seus produtos, obscurecendo a origem social da produção 
cultural, ou seja, os fatores do meio ambiente também como naturais; - reduz os agentes 
etiológicos a sua condição biológica, negando a ela a historicidade e atribuindo-lhe 
apenas o caráter ecológico” (Barata, 1990) 4. 
O modelo da História Natural da Doença é um esquema geral 
necessariamente arbitrário, que tem a pretensão de fazer uma descrição aproximada da 
realidade. Trata-se de um quadro descritivo para visualizar as múltiplas e diferentes 
enfermidades, sendo sua maior utilidade dar sentido aos diferentes métodos de 
prevenção e controle (Almeida Filho; Rouquayrol, 1992)8 
Ademais, “a crítica ao modelo desenvolvido a partir da História Natural da 
Doença, centrada em conceitos da clínica médica e da demografia privilegiando o uso 
de métodos estatístico-descritivos, explicitou a insuficiência dessa proposta mais 
generalizada em relação à capacidade explicativa e articulação, com uma prática de 
pesquisa consistente, levando à identificação da epidemiologia apenas como um 
método, sem campo conceitual próprio” (Sabroza, 2002)27. 
Nessa perspectiva, a epidemiologia opera através da naturalização da 
doença, reduzindo-a a uma idéia biologicista individualizada. Esse “ardil reducionista 
leva a legitimação da intervenção normativa, à ruptura das conexões entre o fenômeno 
concreto e seu contexto histórico-social, ao mesmo tempo em que submete a jurisdição 
do saber médico todos os fenômenos que caracterizam o transcorrer da vida, atomizados 
agora em um sem-número de fatores isolados” (Costa, 2002)28. 
Não é por acaso que “o pecado original das concepções do empirismo e de 
suas variantes que tanto influenciam a Saúde Pública, radica essencialmente na idéia de 
	
   24	
  
um mundo que teria as seguintes características: a de ser fragmentado (processos 
físicos, biológicos e sociais constituem realidades à parte e só se tocam exteriormente – 
exemplo: o conceito de cadeia de transmissão das infecções); a de ser regular ou 
periódico (processos se reduzem a sistemas dinâmicos tendentes ao equilíbrioe 
harmonia – exemplo: tríade ecológica e história natural); a de ser regido por um 
determinismo mecanicista (por estar determinado pelas relações externas e reduzido a 
conexões causais – exemplo: a noção de fatores causais) e por fim a de constituir um 
mundo hierárquico (onde as coisas se resolvem pelo reducionismo de que tudo obedece 
às mesmas leis ‘fundamentais’ da natureza – exemplo: o submetimento de toda análise 
epidemiológica às leis probabilísticas dos sistemas regulares)” (Breilh, 1995) 29. 
 
HISTÓRIA NATURAL DE QUALQUER PROCESSO MÓRBIDO DO HOMEM 
Essa teoria tem constituído as bases da formação de profissionais de saúde, 
especialmente de enfermagem. No âmbito da prestação dos serviços de saúde tem 
balizado as ações de prevenção, tratamento e reabilitação, enquanto compartimentos 
independentes e que não guardam articulação entre si. 
HISTÓRIA	
  NATURAL	
  DE	
  QUALQUER	
  PROCESSO	
  MÓRBIDO	
  NO	
  HOMEM	
  
Período	
  de	
  
pré-­‐patogênese	
  
Período	
  de	
  patogênese	
  
Antes	
  do	
  homem	
  adoecer	
  
Interação	
  de:	
  
Patogênese	
  
precoce	
  
Doença	
  
avançada	
  
Morte	
  
Estado	
  
crônico	
  
Invalidez	
  
Recuperação	
  
Períodos	
  de	
  pré-­‐patogênese	
  da	
  história	
  natural	
  
Fonte:	
  LEAVELL;	
  CLARK,	
  1976.	
  
Agente	
  
da	
  
doença	
  
Hospedeiro	
  
Humano	
  
Fatores	
  ambientais	
  que	
  
produzem	
  ESTÍMULO	
  à	
  doença	
  
O	
  curso	
  da	
  doença	
  no	
  homem	
  
HORIZONTE	
  
CLÍNICO	
  
Interação	
  
HOSPEDEIRO-­‐
ESTÍMULO	
  
Doença	
  precoce	
  
discernível	
   Convalescença	
  
	
   25	
  
 
3. TEORIA DA DETERMINAÇÃO SOCIAL DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA 
A Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença se contrapõe à 
da multicausalidade porque procura relacionar a forma como a sociedade está 
organizada ao aparecimento de riscos ou de potencialidades que determinam os 
processos de adoecer e morrer. 
Pode-se dizer que essa teoria tem sua gênese no século XVIII no movimento 
da “patologia social” e “da medicina social” e tem a sua importância recrudescida na 
América Latina, por força da crise social e política que tem lugar na região, na medida 
em que propõe a articulação entre os processos sociais e políticos com o perfil de 
morbimortalidade, dando conta de explicar as intermediações existentes entre o 
desenvolvimento econômico e social da região com os perfis epidemiológicos. Baseada 
numa visão realista, o conhecimento epidemiológico se desenvolve em torno do esforço 
para explicar os problemas de saúde-doença em sua dimensão social, tornando o objeto 
de estudo da epidemiologia fenômeno saúde-doença como processo particular da 
sociedade. Recorre a uma metodologia de caráter extensivo para estudar grandes grupos 
sociais, explicando as determinações mais profundas que operam sobre eles e trazem 
como consequência o aparecimento de perfis ou padrões típicos de saúde e de doença 
peculiares segundo a forma de inserção na sociedade de diferentes grupos sociais. A 
explicação dos determinantes e da distribuição das doenças ou do processo saúde-
doença se refere a um dos produtos mais diretos do processo de reprodução social 
(Breilh, 1991)30. 
A epidemiologia social, portanto, aborda os processos reais de um nível de 
maior integridade e, em sua busca científica das determinações que operam sobre a vida 
social, deve recorrer necessariamente ao estudo sistemático de: 
• processos estruturais da sociedade que por se acharem na base do desenvolvimento 
da coletividade, permitem explicar o aparecimento de condições de vida 
particulares. Estes processos configuram as leis da dimensão estrutural da realidade 
objetiva social; 
• perfis de reprodução social (produção e consumo) dos diferentes grupos sócio-
econômicos (classes sociais) com as correspondentes potencialidades (bens ou 
valores de uso) de saúde e sobrevivência, assim como os riscos (contravalores) de 
	
   26	
  
adoecer e morrer. Estes processos configuram as leis que regem a dimensão 
particular da realidade objetiva social; 
• fenômenos biopsíquicos que configuram os padrões típicos de saúde-doença dos 
grupos e dos indivíduos que os compõem, que configuram as leis e processos da 
dimensão singular da realidade social (Breilh, 1991) 30. 
 
À luz da Teoria da Determinação Social, o processo saúde-doença da 
coletividade é entendido como sendo: “o modo específico pelo qual ocorre nos grupos, 
o processo biológico de desgaste e reprodução, destacando como momentos particulares 
a presença de um funcionamento biológico diferente, com conseqüências para o 
desenvolvimento regular das atividades quotidianas, isto é, o surgimento da doença” 
(Laurell, 1983)31. 
Assim, para a compreensão deste conceito, é indispensável o entendimento da 
categoria processo que, contrapondo-se à visão estática do positivismo, expressa o 
caráter dinâmico dos fatos vinculados à saúde-doença em todas as dimensões. Se a 
realidade objetiva acha-se em permanente processo de modificação, tanto a investigação 
como as práticas de assistência devem ter em conta tal perspectiva. Particularizado para 
o processo saúde-doença, a categoria processo apresenta as seguintes características: 
• a realidade processual tem sempre historicidade. Assim o processo saúde-doença 
da sociedade é histórico, dependendo da sucessão dos modos de produção; 
• na realidade processual a sociedade é conflitiva e está em constante mutação. O 
processo saúde-doença resulta de contradições sociais e está em constante 
transformação; 
• é processo o que está sempre e apenas em formação. A realidade processual é 
inacabada, fragmentária não como defeito, mas como condição de existência; 
• há também uma relativa persistência temporal nas fases históricas da realidade 
processual, ocorrendo o mesmo com o processo saúde-doença; 
• há uma relação dialética entre o perene e o efêmero; 
• a realidade processual está sempre se fazendo ela “vem a ser”. Desta forma não 
há verdade absoluta sobre a realidade processual. Disto decorre que não há 
padrões ideais de saúde-doença que devem ser perseguidos, senão níveis que 
podem ser alcançados dentro de uma determinada realidade; 
	
   27	
  
• a realidade processual admite superação, mutação e crítica; 
• processo não significa progresso. Pode incluir também o regresso ou o 
retrocesso. O movimento é sempre o ponto de partida e de chegada e inclui 
momentos de evolução onde as transformações são apenas quantitativas e 
momentos de revolução cuja característica principal são as grandes modificações 
denominadas “salto qualitativo” (Demo, 1985)23. 
Esquematicamente, para entender a Teoria da Determinação Social do Processo 
Saúde-Doença deve-se proceder ao estudo de processos específicos que se dão nos 
níveis da realidade objetiva da sociedade, como mostra o quadro a seguir. 
 
Para exemplificar a abordagem multicausal, Breilh (1991)30 relaciona a alta 
ocorrência de abortamentos provocados no Equador a diversos fatores que produzem, 
como efeito, os indicadores de mortalidade por aborto. Assim, esquematicamente, os 
resultados deste tipo de investigação podem ser assim exemplificados: 
PROCESSOS QUE CONSTITUEM OS OBJETOS DE 
ESTUDO DA EPIDEMIOLOGIA SOCIAL 
SUPERESTRUTURAIS 
formas 
político 
jurídicas 
formas de 
ideologia 
instituições e 
leis 
cultura 
ciência 
educação 
instituições e 
práticas de 
saúde 
formas de 
conhecimento 
e transmissão 
a respeito de 
saúde doença 
propriedad
e 
controle 
distribuiçã
o 
relações 
sociais de 
produção 
forças 
produtivas 
meios de 
produção 
força de 
trabalho 
ESTRUTURAIS 
Classes sociais com formas 
diferenciadas de vida 
(perfis de produção e consumo) 
Diferentes probabilidades de 
RISCOS 
- 
doença 
- morte 
POTENCIALIDADES 
- saúde 
- vida 
Fonte:	
  BREILH;	
  GRANDA,	
  1991	
  
	
   28	
  
 
 
Contrapondo-se a isto, uma abordagem que utilize o referencial teóricoda 
epidemiologia social relaciona a ocorrência de aborto às condições peculiares de 
produção e reprodução social da sociedade equatoriana, com os diferenciais típicos das 
classes sociais que a conformam, situando-se neste âmbito a determinação do 
fenômeno. Isto pode ser visualizado esquematicamente no quadro a seguir 
 
ELEMENTOS PARA A ABORDAGEM SOCIAL DO PROBLEMA DO ABORTO 
Características Dimensões da 
Realidade processos essenciais processos aparentes 
Processos gerais 
(estruturais) 
− acumulação e 
concentração 
econômica 
− exclusão de 
amplos setores dos 
bens e riquezas 
produzidos 
(empobrecimento) 
− desenvolvimento 
produtivo e 
modernização da 
força de trabalho 
− decomposição de 
formas agrícolas 
tradicionais 
− mudanças na 
− distribuição 
desigual da renda 
− transculturação 
− migração e 
urbanização 
− mudanças no 
padrão de vida 
EFEITO 
ABORTO 
FATORES 
- poucos recursos econômicos 
- más condições higiênicas 
- deficiências morais 
- deficiências culturais 
- conflitos familiares 
- alta paridade 
- deficiências nutricionais 
	
   29	
  
divisão social do 
trabalho e 
assalariamento 
− transformações 
ideológicas 
Processos 
particulares (classe 
social) 
− transformações 
das formas de 
trabalho da mulher 
− transformação do 
valor econômico e 
social dos filhos 
− trabalho infantil 
− mudanças nas 
formas de 
consumo simples 
e ampliado 
− excesso relativo 
de produção 
(certos grupos) 
− limitação da renda 
− alimentação 
deficitária 
− crise educacional 
e moral 
Processos 
individuais (família) 
− decomposição da 
família extensa e 
tradicional 
− repercussão do 
problema 
produtivo 
(trabalho) na 
fertilidade da 
mulher 
− conflitos 
conjugais 
− manutenção do 
status social 
− estado nutricional 
deficitário e outros 
efeitos da crise 
− estado civil 
− retaliação moral 
− transformação de 
valores 
− idade, paridade, 
raça, etc 
 
Fonte: Breilh, 1995 29 
 
Outro exemplo desse enfoque pode ser o estudo do perfil reprodutivo 
biológico de mulheres atendidas em Unidades Básicas de Saúde de um município da 
Região Metropolitana de São Paulo. (Fonseca, 1990)32. Tratou-se de um estudo de 
enfoque analítico-social que compreendeu: 
1. O estudo da dimensão geral ou estrutural do problema para estabelecer as 
classes sociais que compunham a formação social onde foi realizado o estudo (Taboão 
da Serra – SP, município situado na Região Metropolitana de São Paulo, 
predominantemente industrial, pertencente ao sistema capitalista periférico). 
2. A definição das modalidades de trabalho da mulher (doméstico e não 
doméstico) e do chefe da família para compreender o valor social dos filhos. 
	
   30	
  
3. O estudo do perfil de consumo de cada classe social incluindo assistência 
à saúde da mulher. 
4. O estudo de algumas formas ideológicas relacionadas à constituição 
familiar e à compreensão da identidade social da mulher. 
5. O estudo das manifestações individuais e de classe em relação ao 
controle do tamanho da família – práticas e aspirações. 
6. A análise dos dados para compreender o nexo coesivo entre o social e o 
biológico, situando nas três dimensões da realidade objetiva a gênese do fenômeno da 
reprodução humana, a saber: 
- estrutural – o desenvolvimento de modo capitalista de produção na Região 
Metropolitana de São Paulo e sua objetivação em relação ao controle do tamanho das 
classes trabalhadoras, expressa nos níveis de fecundidade constatados na Região. 
- particular – o modo como cada classe social incorpora os processos gerais, 
com base nos seus perfis específicos de produção e consumo. 
- singular – a maneira como cada mulher incorpora, na sua individualidade, 
os processos estruturais e os processos de classe. (Fonseca, 1990)32 
Dos exemplos anteriores se depreende que a questão central da 
epidemiologia é o estudo da causalidade dos fenômenos, estudo este que tem diferentes 
formas de interpretação de acordo com o referencial teórico metrológico adotado. O 
ponto central para compreensão das diferenças entre as duas visões antagônicas, a 
Teoria da Multicausalidade e a da Determinação Social é a diferenciação entre causa e 
determinação, que é a maneira como estas teorias entendem, respectivamente, a 
causalidade em epidemiologia. 
A noção de causa, baseada no paradigma positivista, pressupõe uma relação 
de linearidade e universalidade. Assim, a causa vai reproduzir sempre a mesma 
conseqüência, mesmo que em situações diferentes. É algo externo que pode ser 
delimitado, baseando o seu conteúdo explicativo na lógica formal. A noção de 
determinação, ao contrário, pressupõe uma relação dialética entre dois fenômenos não 
reproduzíveis igualmente em diferentes condições. Englobando a causa, trabalha com a 
dialética da externalidade e internalidade dos fenômenos. Pressupõe a realidade em um 
movimento sujeito a leis, estabelecendo uma relação entre o geral, o particular e o 
	
   31	
  
singular. No processo saúde-doença, por exemplo, relaciona as formas de organização 
social, representada pela estrutura das forças produtivas e das relações de produção, 
com o processo de reprodução social de cada classe social, conformado pelos processos 
de produção e de consumo, articulados às condições específicas de cada pessoa no 
quotidiano (fenótipo e genótipo) (Breilh, 1991)30. 
Como se percebe, a categoria central para a compreensão da noção de 
determinação social é a noção de reprodução social que “é a forma de organização da 
vida social, tanto no conjunto global de uma sociedade como nos grupos particulares da 
mesma. A reprodução social é um processo dinâmico determinado por um sistema de 
contradições que ocorrem em vários domínios integrados: a vida de trabalho e de 
consumo (eixo de reprodução), a vida organizativa e consciencial-cultural e a vida de 
relações com o meio ambiente. Nesses domínios recai a determinação da qualidade de 
vida” (Breilh, 1995)29. 
Assim, a reprodução social tem como eixo a relação entre produção e 
consumo que determina as demais relações. Neste processo há forças benéficas 
(valores) e forças destrutivas (contra-valores), cuja relação se expressa em 
manifestações de saúde-doença (Breilh, 1991) 30. 
“No início da história da sociedade os homens produziam e consumiam 
equilibradamente. Nesse sentido, o movimento determinante era o consumo. Se 
produzia na medida exata da demanda do consumo. Portanto, a sociedade se reproduzia 
como um todo social unitário mediante a elaboração de ‘coisas’ como a realização de 
um projeto. No entanto, ocorreram modificações históricas que determinaram o 
surgimento de etapas nas quais o movimento produtivo passou a ser hegemônico” 
(Marx, 1982) 33. 
Um dos pontos mais importantes para e epidemiologia social é que da forma 
específica deste predomínio e do efeito dele sobre a qualidade do consumo (reprodução 
social), resulta um certo perfil de trabalho e reposição de cada grupo social que, por sua 
vez, determina um perfil típico de saúde-doença, denominado perfil epidemiológico. 
Dada a existência de uma especificidade histórica da reprodução social de 
cada classe social, que se transforma com o tempo porque é sujeita às leis da 
	
   32	
  
determinação histórica, há uma especificidade histórica do perfil reprodutivo típico de 
cada classe que sofre, igualmente, permanente transformação. (Breilh, 1991) 30. 
“As condições de saúde das pessoas e dos grupos sociais são o resultado do 
processo complexo e dinâmico que se produz socialmente em todos os âmbitos em que 
a vida social se desenvolve. As condições de saúde dos trabalhadores das cidades, por 
exemplo, se produzem em seus locais de trabalho, no âmbito da vida familiar em casa, 
na vida associativa, na vida cultural, tudo isso em espaços ou ambientes determinados. 
Em cada um desses espaços da vida social ocorrem fatos que são destrutivos para o 
funcionamento do corpo ou da mente dos trabalhadores.Em todos e em cada um desses 
locais ocorrem também fatos que são benéficos para a saúde. Dito de outra forma, os 
processos fisiológicos e condições psíquicas (fenótipo) assim como as formas de reação 
genética (genótipos) se debatem entre o fisiológico e o fisiopatológico devido, 
justamente, aos condicionamentos do padrão de vida, mediado pelos processos 
conjunturais de sua cotidianeidade. Quer dizer, a vida humana se forja entre os aspectos 
que nos causam danos e os que nos protegem em cada momento e o resultado dessas 
contradições é o que se chama “saúde-doença” cujos fenômenos observáveis se fazem 
evidentes nas pessoas” (Breilh, 1995) 29, conforme pode ser visto no quadro a seguir. 
DETERMINANTES EPIDEMIOLÓGICOS: SISTEMA DE CONTRADIÇÕES DO 
PERFIL EPIDEMIOLÓGICO 
 
Sistema de contradições de reprodução social 
 
 
 
DOMÍNIOS 
Processos saudáveis Processos destrutivos 
 
 
GERAL 
- Condições da estrutura econômica (produtividade, distribuição de 
riqueza, remunerações e capacidade aquisitiva do salário etc.) 
- Políticas do Estado e poder das organizações da população. 
- Políticas salariais/poder e cobertura de organizações populares e 
de trabalhadores. 
- Condições ideológicas e culturais. 
Processos laborais saudáveis 
 
Processos laborais destrutivos 
PARTICULAR (Integração, aprendizagem, 
identidade social e pessoal, 
destrezas, intelecto, 
estruturação do tempo etc.) 
(Alienação, subsunção, 
hierarquização do trabalho, 
sobrecargas, processos 
destrutivos para o sistema 
ergonômico, sistemas imune, 
	
   33	
  
sistema cárdio-vascular, cárdio-
respiratório, neurológico, 
estressores, micro-ambiente de 
trabalho. 
Processos saudáveis de 
consumo 
Processos destrutivos de 
consumo 
 
Processos saudáveis do meio 
ambiente (ambiente ou 
território de consumo) 
 
 
 
Formas de organização e poder 
eficazes e protetoras da vida. 
Formas culturais que 
fortalecem a consciência. 
Processos destrutivos do meio 
ambiente (ambiente ou território 
de consumo); deterioração das 
condições naturais (deterioração 
ecológica) 
 
Debilidade da organização para a 
proteção da vida e da saúde. 
Falta de poder 
Formas culturais alienantes 
MEDIAÇÕES 
GRUPAIS 
FAMILIARES 
COTIDIANAS 
Padrões familiares e 
individuais favoráveis 
práticas humanizantes; práticas 
domésticas saudáveis. 
Padrões familiares e cotidianos 
deteriorantes 
Isolamento, privatização da vida, 
conflitividade, pressão para 
trabalho doméstico destrutivos 
(reprodução de privado). 
INDIVIDUAIS 
(Geno-
fenotípicas) 
Processos fisiológicos e 
normas genéticas favoráveis 
Reserva/Recurso 
Processos fisiopatológicos e 
normas genéticas destrutivas 
PERFIL DE 
SAÚDE-
DOENÇA 
- AVANÇO FISIOLÓGICO 
- SOBREVIDA 
- SAÚDE 
 
- DETERIORAÇÃO 
FISIOLÓGICA 
- SOBRE-ENVELHECIMENTO 
- DOENÇA – MORTE 
Fonte: Breilh, 1995. 
 
A epidemiologia clássica hegemônica diferencia-se da epidemiologia crítica de 
diferentes maneiras: 
1. Epidemiologia hegemônica 
a) Epidemiologia acadêmica. É caracterizada pelo reducionismo formal. Pode ser: 
• empírico-positivista – utiliza o método indutivo; 
• falsacionista – utiliza o método hipotético-dedutivo. 
b) Epidemiologia oficial simplificada – características: 
• a versão simplificada para uso nos serviços define as prioridades 
probabilisticamente; 
• reduz as necessidades ao plano fenomênico; 
	
   34	
  
• reifica a realidade em “fatores de risco”. 
Tem grande importância no hemisfério norte, onde tem buscado os 
fundamentos que justificam e desenvolvem a racionalidade das práticas médicas 
dominantes (Barreto, 2002) 20. 
2. Epidemiologia crítica 
• surge no contexto das urgências sócio-sanitárias de populações sobre-
exploradas, especialmente na América Latina, onde os esforços têm se 
concentrado “na busca de explicação e solução para o fosso que separa a 
maioria da população esfomeada e doente de uma maioria saciada e 
sadia” (Barreto, 2002) 20; 
• enfrenta postulados teórico-metodológicos e práticos da saúde pública 
oficial e da medicina hegemônica; 
• não se reduz ao uso progressista de conceitos, técnicas e linhas de ação 
convencionais, tampouco adaptação terceiro-mundista de modalidades 
simplificadas de saber dos centros hegemônicos; 
• surge baseada no pensamento científico emancipador como uma 
expressão particular da luta autárquica que tem como referência as 
necessidades sociais da população; 
• surge como crescimento e aprofundamento especializados da revolução 
filosófica que esteve na periferia dos campos técnicos. (Barreto, 2002) 20 
Na verdade a opção por uma delas, do ponto de vista político se situa da 
seguinte maneira: “ou se fecha em uma mediocrização e funcionalização tecnocrática ou 
se embarca numa profunda transformação em um processo democrático de construção 
de um novo pensamento” (Breilh, 1995)29. 
No que tange às ações em saúde, a diferenciação entre a Saúde Pública e a 
Saúde Coletiva∗ mostram contraste entre a vigilância epidemiológica convencional e o 
monitoramento crítico das condições de saúde da população ou a chamada vigilância à 
saúde, mostra o quadro a seguir: 
 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
∗	
  Para	
  maiores	
  detalhes	
  da	
  diferenciação	
  entre	
  a	
  Saúde	
  Pública	
  e	
  a	
  Saúde	
  Coletiva,	
  ver	
  capítulo	
  
“Considerações	
  a	
  respeito	
  da	
  saúde	
  coletiva”	
  
	
   35	
  
ASPECTO VIGILÂNCIA 
CONVENCIONAL 
MONITORAMENTO 
CRÍTICO 
Objeto • individual 
• eventos 
sentinela 
• perfis de grupo 
• processo crítico-estratégicos 
Observação • doença 
• risco 
• determinantes 
• processos protetores e 
destrutivos: no trabalho; no 
consumo e a vida cotidiana; 
na capacidade e limites para 
a ação;nos saberes e 
ideologia 
Prevenção • etiológica • profunda: multidimensional 
e integral 
Centralização 
da ação 
• centrada no 
Estado 
• centrada na coletividade 
popular 
(negociação/estratégica) 
Projeção da 
ação 
• funcional ao 
Estado 
• informação 
mínima 
necessária 
• construção de poder e 
consciência popular 
• humanização da vida 
humana 
Alvo • evento 
sentinela 
• espaço social de 
monitoramento e ação 
estratégica 
Fonte: Breilh, 199529. 
 
4. A EPIDEMIOLOGIA SOCIAL E O PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE 
Em relação aos usos da epidemiologia social, descrevem-se três campos 
principais: 
1. a investigação da determinação e distribuição do processo saúde-doença na 
população, desenvolvidas sob determinados modos de produção. Estes estudos 
não se referem unicamente à medida e comparação de doenças, mas incluem a 
detecção e o estudo de populações suscetíveis, com suas respectivas condições 
de vida e de saúde. 
2. os estudos referentes ao planejamento e avaliação dos serviços de saúde. 
3. as investigações de caráter específico relacionados às medidas preventivas 
terapêuticas farmacológicas e de conduta, para as quais têm importância os 
estudos experimentais. (Najera, 1991)7 
	
   36	
  
Especificamente em relação aos serviços de saúde, a epidemiologia tem três 
usos principais: o planejamento dos serviços de saúde, a organização e a administração 
desses serviços (incluindo a avaliação do impacto das suas ações) e a investigação sobre 
a causalidade e novos métodos de estudo dos problemas de saúde da população (Najera, 
1991)7. 
Desde os decênios de 50 e 60 é consenso que a epidemiologia pode 
contribuir com o instrumental necessário para planejar, organizar e avaliar os serviços 
de saúde, porém com exceção dos programas verticais ou de determinado tipo de 
assistência à saúde, a epidemiologia, na realidade nunca antes assumiu isto, tendo sido 
utilizada basicamente nos meios acadêmicos. Em conseqüência, os serviços de saúde 
têm mudado em sua maior parte de forma anárquica,

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