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PPSC – Preparatório para Pós- graduações em Saúde Coletiva e Saúde da Família -2013- TEXTOS www.cursosgesp.com 3 SUMÁRIO TEXTOS Pág. CONCEITO, EVOLUÇÃO E USOS DA EPIDEMIOLOGIA 05 A HISTORICIDADE DO CONCEITO DE CAUSA 19 PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E PRINCIPAIS PARADIGMAS EM SAÚDE 25 INDICADORES DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE 39 PERFIL E TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA, EPIDEMIOLÓGICA E NUTRICIONAL 53 SITUAÇÃO DE SAÚDE E CONDIÇÕES DE VIDA 69 EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS 76 EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS CRÔNICAS 99 EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 112 EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA E O PROCESSO EPIDÊMICO 121 VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 128 VIGILÂNCIA SANITÁRIA 139 SAÚDE DO TRABALHADOR 148 SAÚDE AMBIENTAL: CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS SAUDÁVEIS NO BRASIL 154 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO 157 ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS 169 HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL 186 O MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA 201 CONSTRUÇÃO DO SUS: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 205 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988 215 LEI 8.080/1990 217 LEI 8.142/1990 228 PACTO PELA SAÚDE 2006 230 DECRETO 7.508/2011 245 LEI COMPLEMENTAR 141/2012 252 MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE 265 PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO EM SAÚDE (avulso no CD do GESP) 276 POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA E ESF 284 NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA - NASF 299 POLÍTICA DE HUMANIZAÇÃO NO SUS (avulso no CD do GESP) - POLÍTICA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE (avulso no CD do GESP) - REDES PRIORITÁRIAS DE ATENÇÃO À SAÚDE (avulso no CD do GESP) - POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DO HOMEM 301 www.cursosgesp.com 4 POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL 310 ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SUS 317 www.cursosgesp.com 5 CONCEITO, EVOLUÇÃO E USOS DA EPIDEMIOLOGIA Na evolução de uma disciplina que se tornou muito abrangente, o campo da epidemiologia apresenta hoje várias subdivisões, por área de conhecimento, as quais foram surgindo, à medida que os problemas tornaram-se prioritários. 1. AS DOENÇAS INFECCIOSAS E AS ENFERMIDADES CARENCIAIS No passado, o alvo da epidemiologia era representado pelas doenças que se apresentavam sob a forma de epidemias bem evidentes, tais como as de cólera, peste, tifo, varíola e febre amarela – afecções de evolução aguda e que sempre alarmaram a população e as autoridades. No entanto, para possibilitar a detecção precoce de epidemias, ficou logo evidente a conveniência do estudo da doença em seus períodos interepidêmicos, pois a epidemia é apenas uma fase na evolução do processo mórbido, na coletividade. Por isto, os estudiosos passaram a vigiar, de maneira contínua, a ocorrência e a distribuição das doenças agudas, na população. O sucesso alcançado com a aplicação de semelhante abordagem, na investigação das doenças infecciosas de evolução aguda, concorreu para estendê-la ao estudo das doenças infecciosas de evolução crônica, que é exemplo a tuberculose. Outras afecções, cujo comportamento assemelhava-se ao das doenças de natureza transmissível, como as nutricionais – em especial, a pelagra e o beribéri, passaram, também, a ser pesquisadas da mesma maneira. 2. AS DOENÇAS CRÔNICO-DEGENERATIVAS E OS OUTROS DANOS À SAÚDE A diminuição da mortalidade por doenças infecciosas e carenciais, o envelhecimento progressivo da população e a mudança no perfil de morbidade, fatos que ocorreram primeiramente em países hoje considerados mais desenvolvidos, levaram a que o campo da aplicação da epidemiologia fosse ainda mais ampliado, passando a compreender as doenças crônicas do tipo degenerativo, as anomalias congênitas e muitos outros eventos, como os acidentes e os envenenamentos, que não são doenças, mas que justificam uma abordagem semelhante. Daí é costume dizer-se que o objetivo da epidemiologia é representado por qualquer dano ou agravo à saúde estudado em termos de população. Ao contrário das doenças infecciosas, não há um agente etiológico conhecido para a maioria das enfermidades crônico-degenerativas. A ausência de agentes ou fatores específicos para cada doença torna o diagnóstico mais difícil e, conseqüentemente, também é complexa a separação entre pessoas doentes e não-doentes. As investigações etiológicas sobre os agravos à saúde de natureza não-infecciosa foram, então, dirigidas para o estudo de condições presentes em fase anterior ao aparecimento de alterações clínicas ou anatomopatológicas, especialmente os fatores de risco e os estados fisiológicos. Como conseqüência desta expansão, os conceitos e métodos da epidemiologia, hoje em dia, estão sendo aplicados a qualquer evento relacionado com a saúde da população – e não especificamente a doenças. São exemplos a investigação epidemiológica sobre o hábito de fumar, o peso ao nascer, os níveis de glicemia de uma população, a fadiga profissional, a violência urbana e o consumo de drogas, ao lado das pesquisas mais tradicionais de morbidade e mortalidade. 3. OS SERVIÇOS DE SAÚDE www.cursosgesp.com 6 A assistência aos doentes e as práticas preventivas representam fatores que intervêm na distribuição e na ocorrência das doenças. Conseqüentemente, os serviços de saúde também passaram a ser abordados, mediante a utilização do quadro referencial da epidemiologia. Os estudos epidemiológicos sobre serviços de saúde são realizados com objetivos diversos, entre os quais o de conhecer a situação – por exemplo, cobertura populacional ou a qualidade do atendimento, com o intuito de identificar problemas, assim com investigar as suas causas, propor soluções compatíveis e avaliá-las com os métodos usados na epidemiologia. – DEFINIÇÕES DE EPIDEMIOLOGIA ATRAVÉS DO TEMPO As definições mais antigas estão limitadas à preocupação exclusiva com as doenças transmissíveis, pelos que afirmam tratar-se de ciência ou doutrina médica da epidemia, ou de disciplina dedicada à investigação das causas e ao controle de epidemias. Já as recentes incluem, também, as doenças não-infecciosas, outros problemas de saúde e até os estados pré-patológicos e fisiológicos. Vejamos algumas definições: “A epidemiologia é o campo da ciência médica preocupado com o inter- relacionamento de vários fatores e condições que determinam a freqüência e a distribuição de um processo infeccioso, uma doença ou um estado fisiológico em uma comunidade humana”. “A epidemiologia é um campo da ciência que trata dos vários fatores e condições que determinam a ocorrência e a distribuição de saúde, doença, defeito, incapacidade e morte entre os grupos de indivíduos”. “A epidemiologia ocupa-se das circunstâncias em que as doenças ocorrem e nas quais elas tendem ou não a florescer... Estas circunstâncias podem ser microbiológicas ou toxicológicas; podem estar baseadas em fatores genéticos, sociais ou ambientais. Mesmo os fatores religiosos ou políticos devem ser considerados, desde que se note que têm alguma influência sobre a prevalência da doença. É uma técnica para explorar a ecologia da doença humana”. “A epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes da freqüência de doenças no homem”. “A epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes da saúde em populações humanas”. “A epidemiologia é uma maneira de aprender a fazer perguntas e a colher respostas que levam a novas perguntas... empregada no estudo da saúde e doença das populações. É a ciência básica da medicina preventiva e comunitária, sendo aplicada a uma variedade de problemas, tanto de serviços de saúde como de saúde”. Diante do exposto, compreende-se que, embora não haja consenso em sua definição, a epidemiologia é entendida, em sentido amplo, como o estudo do comportamento coletivo da saúde e da doença. – PREMISSASBÁSICAS Um dos princípios básicos da epidemiologia é o de que os agravos à saúde não ocorrem, ao acaso, na população. A partir deste princípio, dois corolários se aplicam: A distribuição desigual dos agravos à saúde é produto da ação de fatores que se distribuem desigualmente na população; a elucidação destes fatores, responsáveis pela distribuição das doenças, é uma das preocupações constantes da epidemiologia; www.cursosgesp.com 7 O conhecimento dos fatores determinantes das doenças permite a aplicação de medidas, preventivas e curativas, direcionadas a alvos específicos, cientificamente identificados, o que resulta em aumento da eficácia das intervenções. O detalhamento destes corolários costuma ser feito sob diferentes óticas, segundo a visão de seus formuladores, gerando teorias e modelos com os quais se tenta apreender a realidade, com maior precisão. – APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA O objetivo geral da epidemiologia é o de concorrer para reduzir os problemas de saúde, na população. Um importante passo intermediário para alcançar semelhante objetivo, no qual a epidemiologia pode muito contribuir, representado pelo melhor conhecimento da distribuição das doenças, dos fatores que determinam esta distribuição e das possibilidades de êxito das intervenções destinadas a alterá-las. Logo, as principais aplicações da epidemiologia podem ser colocadas em três grandes grupos que guardam estreita relação com a definição de epidemiologia apresentada, anteriormente, e são resumidas, a seguir: Informar a situação de saúde da população – inclui a determinação das freqüências, o estudo da distribuição dos eventos e o conseqüente diagnóstico dos principais problemas de saúde ocorridos, inclusive com identificação dos segmentos da população afetados, em maior ou menor proporção, por estes problemas; Investigar os fatores que influenciam a situação de saúde – trata-se do estudo científico dos determinantes do aparecimento e manutenção dos danos à saúde, na população; Avaliar o impacto das ações propostas para alterar a situação encontrada – envolve questões relacionadas à determinação da utilidade e segurança das ações isoladas, dos programas e dos serviços de saúde. Estas três formas de uso da epidemiologia fornecem valioso subsídio para auxiliar as decisões, seja em nível coletivo seja em nível individual. Em nível coletivo, as decisões são tomadas pelos planejadores de saúde, a partir das evidências proporcionadas pela epidemiologia, no sentido de implementar novas intervenções, reorientar as atualmente existentes ou manter as mesmas estratégias em curso. Em nível individual, valem-se dos subsídios, apurados com o uso da epidemiologia, os profissionais de saúde que lidam diretamente com as pessoas, no sentido de fundamentar cientificamente decisões e condutas, tais como o diagnóstico clínico, a solicitação de exames complementares e a prescrição de vacinas, de drogas e de regimes alimentares. – ESPECIFICIDADE DA EPIDEMIOLOGIA O objetivo geral da epidemiologia é o de concorrer para o controle dos problemas de saúde da população, através do melhor conhecimento da situação, de seus fatores determinantes e das melhores oportunidades de prevenção de cura e de reabilitação. Mas este objetivo geral é encontrado, também, em outras disciplinas das ciências da saúde. Qual é, pois, a contribuição própria da epidemiologia, que a diferencia das demais? Essencialmente, é a de fornecer conceitos, o raciocínio e as técnicas para estudos populacionais, no campo da saúde. www.cursosgesp.com 8 Exemplo: fatores de risco para coronariopatias. As investigações epidemiológicas têm, consistentemente, apontado que as taxas de colesterol, situadas acima dos valores médios registrados para a população, ou níveis séricos de HDL, situados no limite inferior da distribuição, estão associados a maiores riscos de infarto do miocárdio. Somente as investigações epidemiológicas puderam evidenciar que semelhantes relações, de fato, existem, e quantificar os riscos a que estão sujeitas as pessoas, em função dos níveis séricos destas substâncias no organismo, o que aponta para as condutas de prevenção, a adotar. – PERSPECTIVA HISTÓRICA A busca das raízes da epidemiologia confunde-se com a história da medicina e com a própria evolução das teorias sobre as causas das doenças. O conhecimento do passado é essencial para entender a situação atual, mormente a atitude dos técnicos e da população, em face da doença e das maneiras de enfrentá-la. Através da menção a vultos ilustres e a acontecimentos do passado, serão realçados alguns marcos da história da epidemiologia. – EVOLUÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA ATÉ O SÉCULO XIX A história da epidemiologia pode ser traçada desde a Antiguidade clássica – embora o termo “epidemiologia” seja relativamente recente, como referido no início do capítulo. Hipócrates Hipócrates, médico grego que viveu há cerca de 2.500 anos, dominou o pensamento médico de sua época e dos séculos seguintes. Analisava as doenças em bases racionais, afastando-se do sobrenatural, teoria então em voga para explicá-las. As doenças, para ele, eram produto da relação complexa entre a constituição do indivíduo e o ambiente que o cerca, muito na linha do raciocínio ecológico atual. Uma sofisticada explicação desta teoria é encontrada em seus livros, onde figura a orientação ao médico, de sempre considerar, na avaliação do paciente, entre outros fatores, o clima, a maneira de viver, os hábitos de comer e de beber. Este sábio da Grécia antiga estudou as doenças epidêmicas e as variações geográficas das condições endêmicas. Além disto, deixou-nos um juramento, que constitui o fundamento da ética médica, e a defesa do exame minucioso e sistemático do paciente, que consiste na base para o diagnóstico e para a fiel descrição da história natural das doenças. Pelo muito que fez e legou a posteridade, Hipócrates, o pai da medicina, é considerado, também, por alguns, o pai da epidemiologia ou o primeiro epidemiologista. Preservação dos ensinamentos hipocráticos A tradição de Hipócrates foi mantida, entre outros, por Galeno (138-201) na Roma antiga, preservada por árabes na Idade Média e retomada por clínicos, primeiramente na Europa Ocidental, a partir da Renascença, e depois em, praticamente, toda parte. Embora muito de Hipócrates e de Galeno tenha chegado até nós, parte de sua contribuição foi perdida ou deturpada. Acrescente-se que, mesmo a parte que nos chegou até hoje, foi relegada a segundo plano, durante certo tempo, dando lugar a outras explicações. Neste caso, encontra-se a teoria dos miasmas, vigente há séculos, e que dominou o pensamento médico até a segunda metade do século XIX. www.cursosgesp.com 9 Miasmas A origem das doenças, na teoria miasmática, situava-se na má qualidade do ar, proveniente de emanações oriundas da decomposição de animais e plantas. A malária, junção de mal e ar, deve seu nome à crença neste modo de transmissão, os miasmas, ou seja, as emanações passariam do doente para os indivíduos suscetíveis, o que explicaria a origem das epidemias das doenças contagiosas. Note-se que, ainda hoje, o sobrenatural e os miasmas são utilizados por leigos como explicações para as doenças, levando a numerosas práticas místicas, em que avultam as doenças e o uso de amuletos para afastar danos à saúde, ou o emprego de substâncias de odor forte, como o álcool, a menta e o eucalipto usados em fricções no corpo ou aspergidos no ambiente em casos de infecção respiratória. Primórdios da quantificação dos problemas de saúde O advento da quantificação de temas biológicos e sociais foi um acontecimento de grande importância, pois encontrou campo fértil na saúde pública e na clínica. Foi somente há cerca de três séculos que alguns pioneiros iniciaram tal tipo de abordagem, mediantea utilização de dados de mortalidade. John Graunt John Graunt (1620-1674), no ano de 1662, publicou um tratado sobre as tabelas mortuárias de Londres, no qual analisou a mortalidade por sexo e região. Nisto não haver, à época, anotação da idade no registro de óbitos, este ilustre precursor selecionou determinadas causas, como prematuridade e raquitismo, para estimar a proporção de crianças nascidas vivas e que morriam antes dos seis anos de idade. Entretanto, se forem desconsideradas estas primeiras tentativas, mais de natureza demográfica do que propriamente epidemiológica, o aparecimento de uma massa crítica de investigações, semelhantes às que hoje ao denominadas “epidemiológicas”, somente ocorreu no século XIX. – O SÉCULO XIX A Europa no século XIX era o centro das ciências. Uma sucessão de acontecimentos influenciava profundamente as pessoas e as idéias. A Revolução Industrial, iniciada por volta de 1750 na Inglaterra e um pouco mais tarde em outros países, produziu um extenso deslocamento das populações do campo para as cidades, atraídas por emprego nas fábricas recém-criadas. À época, importantes correntes filosóficas e políticas estavam nascendo ou mostravam suas repercussões, entre as quais a Revolução Francesa do final do século XVIII e o positivismo, o materialismo filosófico e os movimentos político-sociais da metade do século XI. Epidemias de cólera, febre tifóide e febre amarela constituíam graves problemas nas cidades, levando maiores preocupações quanto à higiene, ao aprimoramento da legislação sanitária e à criação de uma estrutura administrativa para a aplicação das medidas preconizadas. A explicação das causas das doenças era disputada entre os que defendiam a teoria dos miasmas e os que advogavam a dos germes. Franceses e ingleses ocuparam posição de destaque na história da medicina e da epidemiologia daquela época, embora investigadores de outros países tenham também produzido obras de grande valor. Entre os cientistas franceses, do século XIX, lembrados como pioneiros e como representantes de importantes correntes do pensamento que influenciaram a epidemiologia atual, encontram-se Pierre Louis, pelo uso da estatística em pesquisa clínica; Louis Villerme, pelo estudo das determinantes sociais das doenças; www.cursosgesp.com 10 e Louis Pasteur, por suas investigações no campo da microbiologia. Entre os ingleses, merecem menção William Farr, pela aplicação da estatística ao estudo da mortalidade, e John Snow, por seus trabalhos de campo, voltados à elucidação de epidemias de cólera. Vejamos algumas características do trabalho destes cinco cientistas de modo a realçar, através deles, as correntes de pensamento da epidemiologia no século XIX. Pierre Louis Pierre Louis (1787-1872) fundou escola em Paris, freqüentada por interessados vindos de muitos países. Entre as suas obras, encontram-se estudos clínico-patológicos sobre a tuberculose e sobre a febre tifóide. Sua maior contribuição foi haver introduzido e divulgado o método estatístico, utilizando-o na investigação clínica das doenças. Em Paris, àquela época, propugnava-se a contagem rigorosa de eventos para realçar semelhanças e diferenças entre segmentos da população, na linha abraçada pela epidemiologia atual. Com esta visão, foi possível a Pierre Louis, ao analisar as internações hospitalares em Paris – mais especificamente, a letalidade da pneumonia em relação à época em que o tratamento por sangria era iniciado – revelar a conduta prejudicial, representada por esta técnica, no tratamento de pneumonias, muito mais perigosa do que benéfica para os pacientes. Por trabalhos como este Pierre Louis é referenciado, por muitos, como a figura ideal do clínico que usa adequadamente a epidemiologia e o modelo para os profissionais de saúde que hoje colocam em prática a chamada “epidemiologia clínica”. Alguns o consideram como o iniciador da estatística médica e outros como o verdadeiro pai da epidemiologia moderna, embora não haja consenso quanto a este último título, já que os autores anglo-saxões se dividem entre Farr e Snow. Louis Villermé Louis Villermé (1782-1863) investigou a pobreza, as condições de trabalho e suas repercussões sobre a saúde, realçando as estreitas relações entre situação socioeconômica e mortalidade, o que o torna um dos pioneiros dos estudos sobre a etiologia social das doenças. Sua pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores das indústrias de algodão, lã e seda é considerada clássica. Já em épocas mais remotas, havia consciência do papel dos fatores sociais sobre a saúde. No entanto, somente no século XIX, as relações entre condições econômicas e sociais, e seus efeitos sobre a saúde, foram mais consistentemente apontados, expandindo-se, desde então, a noção de que estas relações devem ser submetidas à investigação científica. William Farr William Farr (1807-1883) estudou por dois anos em Paris, com Pierre Louis, e foi influenciado pelo enfoque social que Villermé conferia às investigações. Retornando a Londres, após a sua estada na França, trabalhou por mais de 40 anos no Escritório do Registro Geral da Inglaterra. Entre as suas contribuições, destaca-se: uma classificação de doenças, uma descrição das leis das epidemias – ascensão rápida no início, elevação lenta até o ápice e, em seguida, uma queda mais rápida (“lei de Farr”) – e a produção de informações epidemiológicas sistemáticas usadas para subsidiar o planejamento das ações de prevenção e controle. Nos relatórios anuais do Registro Geral, onde trabalhou desde a sua fundação, em 1839, apresentava as informações de mortalidade e descrevia situações que apontavam para as grandes desigualdades, regionais e sociais, nos perfis de saúde. Os relatórios do Registro Geral da Inglaterra possibilitaram o acesso de estudiosos a um manancial de informações sobre a saúde, até então não-disponível. Friedrich Engels www.cursosgesp.com 11 (1820-1895) utilizou-as especialmente na sua obra “A condição da classe trabalhadora na Inglaterra, em 1844”, e Edwin Chadwick (1800-1890), um advogado nos seus relatórios sobre a saúde das classes trabalhadoras (1842) e sobre os cemitérios (1843), que subsidiaram a reforma sanitária inglesa da metade do século XIX. Chadwick, baseado em informações do Registro Geral da Inglaterra, mostrou a grave situação de saúde de grande parte da população, através de constatações como as seguintes: mais da metade das crianças das classes trabalhadoras não chegava à idade de cinco anos, a idade média do óbito na classe mais abastada era de 36 anos, entre os trabalhadores do comércio era de 22 anos e entre os trabalhadores da indústria, de 16 anos. Em outros centros culturais de então, além de Paris e Londres, a pesquisa das causa das doenças também tomou um rumo semelhante, com ênfase conjunta nos aspectos biológicos e sociais. Serve de exemplo a investigação realizada por Rudolf Virchow (1821-1902), uma das figuras centrais da patologia moderna, sobre uma epidemia de febre tifóide, ocorrida na Alemanha, em 1848, cujas conclusões foram as de que as causas eram tanto sociais, econômicas e políticas, quanto físicas e biológicas. John Snow John Snow (1813-1858) conduziu numerosas investigações no intuito de esclarecer a origem das epidemias de cólera, ocorridas em Londres, no período 1849-1854. Foi assim que conseguiu incriminar o consumo de água poluída como responsável pelos episódios da doença, e traçar os princípios de prevenção e controle de novos surtos, válidos ainda hoje, mais fixados em uma época muito anterior ao isolamento do respectivo agente etiológico, o que só aconteceu em 1883. O trabalho de Snow, na elucidação da epidemia de cólera, é considerado um clássico da “epidemiologia de campo”. A expressão “epidemiologia de campo” significa a coleta planejada de dados, em geral, na comunidade. Snow, na tentativa de elucidara etiologia das epidemias de cólera, visitou numerosas residências para minucioso estudo dos pacientes e do ambiente onde viviam, inclusive com exame químico e microscópico da água de abastecimento. A obra deixada por Snow é muito apreciada como exemplo de “experimento natural”; conjunto de circunstâncias que ocorrem naturalmente e em que as pessoas estão sujeitas a diferentes graus de exposição a um determinado fator, simulando, assim, uma verdadeira experiência planejada com esta finalidade. Naquela época, duas companhias comerciais forneciam à população de Londres a água do rio Tamisa, retirada de locais próximos entre si e muito poluídos. Em determinado momento, uma das companhias mudou o local de coleta de água para um ponto mais a montante do rio, antes de sua penetração na cidade. Logo, raciocinou Snow, se a ingestão de água contaminada fosse fator determinante na distribuição da doença, a incidência de cólera deveria ser diferente entre as pessoas que se abasteciam de um ou de outra fornecedora de água. Para comprovar a sua hipótese, procurou saber a fonte de suprimento de água de cada domicilio onde era registrado caso fatal de cólera. Como o dado não existisse na forma por ele desejada, passou, juntamente com um assistente, a anotar os óbitos registrados como devidos à doença e a visitar os domicílios, para certificar-se da proveniência da água. Os resultados encontrados mostram que a companhia que mudou o seu ponto de captação de água estava relacionada a uma taxa de mortalidade várias vezes menor, o que foi tomado como uma forte evidência para sustentar a teoria da transmissão hídrica, mormente quando não havia outras diferenças, de cunho social, geográfico ou demográfico, que pudessem explicar variações de mortalidade entre os clientes das duas companhias. Louis Pasteur www.cursosgesp.com 12 Pasteur (1822-1895), considerado pai da bacteriologia, foi uma das figuras mais importantes da ciência, no século XIX. Foi ele quem assentou as bases biológicas para os estudos das doenças infecciosas, influenciando profundamente a história da epidemiologia. Na verdade, a noção de que as doenças eram transmitidas por contágio é antiga. No século XVI, Girolamo Fracastorius (1484-1533) descreveu a transmissão de infecções por contacto direto, através de gotículas de saliva e de fômites (objetos que, contaminados, propagam a infecção). Nos séculos seguintes, outros cientistas também afirmaram que as doenças eram causadas por agentes animados, diferentes para cada doença, conceito que era negado pelas mais importantes figuras da época. Os trabalhos de Pasteur, seguidos pelos de Robert Koch (1843-1910) e de outros brilhantes microbiologistas, criaram a impressão de que as doenças poderiam ser explicadas por uma única causa, o agente etiológico, que passou para a história como a “teoria do germe”. As pesquisas em epidemiologia passaram a ter um forte componente laboratorial, pois parecia evidente que a busca de agentes para explicar as doenças substituía, com vantagens, a teoria dos miasmas, constituindo uma linha promissora de investigação etiológica. Além de tudo, trazia para o raciocínio causal uma precisão não encontrada nas teorias anteriores, qual seja, a comprovação laboratorial da presença de um agente. Outras figuras de destaque Muitos outros vultos históricos poderiam e mereceriam ser citados por suas contribuições expressivas, como Semmelweis, Janner, Quetelet e Mendel, mas a citação completa seria impraticável. Apenas aos quatro citados faremos ainda menção. O médico húngaro Ignaz Semmelweis (1818-1865) investigou as causas da febre puerperal em duas clínicas da maternidade em que trabalhava, no Hospital Geral de Viena. Em uma delas, cuja taxa de mortalidade era alta (9,9% nos anos 1841-1846), os estudantes vinham à enfermaria e examinavam as mulheres logo após realizarem dissecações na sala de autópsias. Na outra, onde a mortalidade era mais baixa (3,4%no mesmo período, 1841-1846), isto não acontecia, Semmelweis suspeitou de que os estudantes, ao exame, contaminavam as mulheres com algum material infeccioso. Graças a medidas de higiene e desinfecção das mãos, regime instituído nas maternidades no ano de 1847, a taxa de mortalidade por infecção materna, em ambas as clínicas, diminuiu para 1,3%, no ano de 1848. As conclusões de Semmelweis não foram aceitas pelos seus colegas de trabalho. Os três vultos, ainda aqui lembrados, não o são porque tenham efetuado investigações epidemiológicas, da maneira como são vistas atualmente, das quais é protótipo e de Semmelweis, mas pela repercussão de suas pesquisas pioneiras, no campo da epidemiologia e da prevenção. Edward Jenner (1743-1823), médico inglês, foi o primeiro a utilizar, cientificamente, uma vacina, empregada contra a varíola e, por isso, é considerado o pai da imunologia. Jacques Quetelet (1796-1857), estatístico belga, é lembrado pela aplicação pioneira do raciocínio estatístico às ciências biológicas e sociais. Gregor Mendel (1822-1884), padre e botânico austríaco, foi o pioneiro dos estudos de genética, abrindo caminho para decifrar os mistérios da transmissão de características de pais para e filhos e, conseqüentemente, explicar, em parte, a distribuição desigual da doença, na coletividade. – A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX A história da epidemiologia, neste século, não será narrada com base na referência a vultos ilustres, como na seção anterior, embora haja citação de alguns nomes – visto compreender acontecimentos recentes, com numerosos protagonistas, muitos dos quais www.cursosgesp.com 13 ainda não ultrapassaram o teste do tempo. Além do mais, o que levou a epidemiologia à sua posição atual não foi a contribuição de um ou de alguns poucos brilhantes intelectuais, mas a de um conjunto de pequenos avanços, cuja obtenção foi compartilhada por muitos. 1. INFLUÊNCIA DA MICROBIOLOGIA A revolução representada pelo desenvolvimento da bacteriologia, na segunda metade do século XIX, influenciou profundamente as primeiras décadas do século XX, causando uma substancial reorientação do pensamento médico, pois alterou os conceitos de doença e de contágio. A partir de então, comprovou-se fartamente que seres microscópicos, dotados de características especiais, minuciosamente descritas, desempenhavam papel predominante na gênese de muitas doenças. A clínica e a patologia tornaram-se subordinadas ao laboratório, que ditava também padrões para a higiene e para a legislação sanitária. Nas escolas de saúde pública tradicionais, pontos de formação de sanitaristas, o ensino concentrava-se também no laboratório. Fundaram-se institutos de pesquisa aplicada em praticamente todo o mundo, nos moldes do Instituto Pasteur de Paris, criado para facilitar as investigações do pesquisador francês e de seus discípulos. Serve de ilustração o que aconteceu no Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz e a Escola de Manguinhos Oswaldo Cruz (1872-1917), o renomado sanitarista brasileiro, estudou no Instituto Pasteur em Paris e, no seu retorno a Brasil, fundou, no início do século, em Manguinhos, no Rio de Janeiro, o Instituto que hoje tem o seu nome, reproduzindo o modelo de sucesso de então e que também se tornou, com o passar do tempo, um dos poucos exemplos de longevidade de instituições de pesquisa na América Latina. Além de criar o Instituto, no qual possibilitou condições excepcionais de trabalho para numerosos cientistas que recrutou para investigar os principais problemas nacionais de saúde. Oswaldo Cruz empreendeu vitoriosa campanha contra a febre amarela, no Rio de Janeiro, e o combate à peste e à varíola, com grande competência técnica, o que lhe valeu ser reconhecido como um dos grandes vultos da saúde pública brasileira. Entre os que se destacaram no Instituto Oswaldo Cruz, figura Carlos Chagas (1879-1934), que descreveu a entidade nosológica que leva o seunome. A descoberta ocorreu em 1909, em Lassance, Minas Gerais, quando lá esteve para colaborar no combate a um surto de malária, que dificultava a construção da estrada de ferro local. Também fez parte do grupo de Manguinhos o brilhante protozoologista Adolfo Luts (1855-1940), que havia deixado sua posição de diretor do Instituto Bacteriológico, em São Paulo, onde trabalhara no controle da febre amarela e de outras endemias, ao lado de outro grande sanitarista, Emílio Ribas (1862-1925). Muitas obras públicas no país, naquela época, foram possíveis ou facilitadas graças à ação direta dos técnicos do Instituto Oswaldo Cruz, indicando as medidas saneadoras preventivas que deviam ser tomadas ou, indiretamente, em conseqüência do treinamento que o Instituto promovia e das descobertas científicas que ali aconteciam. 2. DESDOBRAMENTOS DA TEORIA DOS GERMES Embora o século XIX tenha sido muito rico na produção do conhecimento, o seguinte assistiu a um progresso ímpar da ciência e da tecnologia. Os grandes avanços da bacteriologia, já assinalados, fizeram com que, nas primeiras décadas do século XX, os caminhos da prevenção se consolidassem através da identificação de agentes etiológicos www.cursosgesp.com 14 e dos meios de combater sua ação morbígena, mediante o aumento da resistência específica do organismo humano, com o uso das imunizações, e da promoção do saneamento ambiental. Saneamento ambiental, vetores e reservatórios de agentes O saneamento ambiental é preocupação antiga da humanidade. Os romanos construíram monumentais aquedutos, alguns dos quais até hoje preservados e, nas suas cidades, era grande o cuidado com o saneamento básico. Nos séculos XVIII e XIX, os sanitaristas lutavam pela ampliação do saneamento ambiental, como forma de enfrentar as doenças contagiosas. Na urbanização das cidades, os médicos eram ouvidos e aconselhavam a construção de avenidas largas, para facilitar a ventilação e, desta maneira, combater os miasmas. A urbanização do centro da cidade do Rio de Janeiro, com a drenagem de pântanos e a demolição de morros, desde meados do século XIX, foi profundamente influenciada pelos profissionais de saúde que, na época, comungavam da visão miasmática das causas da doença. Mas as descobertas científicas, ocorridas na biologia e na medicina, fizeram com que o meio ambiente pudesse ser estudado mais cientificamente, colocando em destaque o seu papel na transmissão, visto que ele fornece o substrato não só para grande número de agentes produtores de doenças, como para os hospedeiros suscetíveis. O campo de investigação expandiu-se, para incluir vetores e os reservatórios de agentes, o que resultou no esclarecimento do ciclo dos parasitas, ampliando as possibilidades de prevenção. Como ilustração de investigações orientadas para elucidar o papel dos mosquitos e outros vetores na etiologia das doenças infecciosas, empreendidas no final do século XIX e início do século XX, citam-se as realizadas pelo francês Alphonse Laveran (1845-1922) e pelo inglês Richard Ross (1857-1932) sobre a malária, as do inglês Patrick Manson (1844-1922) sobre filariose e esquistossomose, as do cubano Carlos Finlay (1833-1915) e do norte- americano Walter Reed (1851-1902) sobre febre amarela, e as do brasileiro Carlos Chagas, já mencionado, sobre a tripanossomíase americana, ou seja, a doença de Chagas. Ecologia O aprofundamento do conhecimento sobre a transmissão das doenças fez com que a teoria centrada nos germes cedesse lugar a esquematizações sobre agentes, hospedeiro e meio ambiente, sob a forma de modelos unificados, iniciando a fase atual, mais sofisticada, de explicação das doenças, baseada na multicausalidade. A saúde passa a ser mais bem compreendida e entendida como uma resposta adaptativa do homem ao meio ambiente que o circunda, e a doença como um desequilíbrio desta adaptação, resultante de complexa interação de múltiplos fatores. “Os estados de saúde e doença são a expressão do sucesso ou do fracasso experimentado pelo organismo em seus esforços para responder adaptativamente a desafios ambientais. A epidemiologia, por sua preocupação com o estudo das doenças em relação a fatores ambientais é, então, considerada como “ecologia médica” ou, em sentido amplo, “ecologia da saúde”. 3. BASE DE DADOS PARA A MODERNA EPIDEMIOLOGIA A coleta sistemática de dados sobre as características das pessoas falecidas, em especial as causa mortis, atividade esta já praticada há séculos e que tem sido progressivamente aperfeiçoada, permitiu o estabelecimento de um sistema moderno de informações, centralizado, útil para a detecção do aparecimento e do perfil de muitas doenças na comunidade. Desta maneira, as chamadas “estatísticas vitais”, que incluem www.cursosgesp.com 15 informações sobre nascimentos e óbitos, tornaram-se uma fonte de dados para a qual se voltaram, e se voltam, com freqüência cada vez maior, os profissionais de saúde, visando a aprimorar o conhecimento das condições de saúde da população. A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve um impressionante desenvolvimento da epidemiologia. 1. ÊNFASE DAS PESQUISAS O século XX, como já foi assinalado, testemunhou a mudança do perfil das doenças prevalentes, com a importância crescente das condições crônico-degenerativas, como causas de morbidade e mortalidade. A epidemiologia progride através da pesquisa sobre muitos temas, entre os quais: A determinação das condições de saúde da população; A busca sistemática de fatores antecedentes ao aparecimento das doenças, que possam ser rotulados como agentes ou fatores de risco; A avaliação da utilidade e da segurança das intervenções propostas para alterar a incidência ou a evolução da doença, através de estudos controlados. a) DETERMINAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE DA POPULAÇÃO Os inquéritos de morbidade constituem exemplos de investigações sobre o estado de saúde da comunidade. Na verdade, pesquisas deste tipo já haviam sido realizadas em épocas anteriores, mas somente foram empregadas em grande número e com maior nível de detalhamento na segunda metade do século XX. O mesmo se passou com os inquéritos de mortalidade, dos quais muitos exemplos podem ser encontrados na literatura de algumas décadas atrás, mas apenas a segunda metade do século testemunhou pesquisas desta natureza, bem controladas e de grande porte, como as Investigações Interamericanas de Mortalidade. b) INVESTIGAÇÕES ETIOLÓGICAS Quanto às pesquisas etiológicas, que abriram uma nova fase na epidemiologia, merecem citação as que evidenciaram o papel da rubéola nas malformações congênitas, as do cigarro na etiologia de afecções respiratórias e as dos fatores de risco relacionados às coronariopatias. Para tal, foi necessário o aperfeiçoamento de estudos controlados, de cunho não-experimental, quer prospectivos que retrospectivos. Os estudos de coorte e de caso-controle têm sido os principais tipos de delineamentos para investigações etiológicas. c) AVALIAÇÃO DE INTERVENÇÕES Foi só recentemente, a partir de meados do século XX, que a avaliação de procedimentos preventivos e curativos, através de estudos populacionais controlados, teve maior espaço na literatura da epidemiologia. São exemplos pioneiros as investigações experimentais levadas a efeito para verificar a eficácia da estreptomicina no tratamento da tuberculose, da fluoretação da água na prevenção da cárie dentária e da vacina contra a poliomielite. Desde então, esta metodologia passou a ser amplamente usada, sendo exemplo recente do seu emprego a avaliação das www.cursosgesp.com 16 intervenções adotadas para reduzir a prevalência de fatores de risco das doenças cardiovasculares. 2. SITUAÇÃO ATUAL Para lidar com o complexo problema da multicausalidade na realização de estudos analíticos, em especial dos tipos coortee caso-controle, e afastar, ao mesmo tempo, as numerosas variáveis confundidoras da interpretação dos resultados, foi necessário imprimir grande complexidade ao arsenal analítico, de caráter estatístico, pouco acessível ao não-especialista. Como conseqüência, são características marcantes da pesquisa epidemiológica do final do século XX o rigor metodológico, na tentativa de imprimir imparcialidade na verificação dos eventos, e a sofisticação do planejamento das investigações e da análise estatística, em computador. Vale assinalar a publicação pioneira, em 1960, da primeira edição de um livro-texto, que teve grande influência no desenvolvimento da epidemiologia. Nele é feita a primeira síntese dos princípios e métodos utilizados na epidemiologia, e são abordadas, em detalhe, as técnicas mais simples dos estudos descritivos, bem como a metodologia mais avançada dos estudos caso-controle, de coorte e de intervenção randomizada. Na atualidade, a situação é complexa. Praticamente todos os agravos à saúde já foram ou estão sendo estudados através de investigações epidemiológicas. Nas pesquisas etiológicas são analisados não só fatores físicos e biológicos, de indiscutível predominância como foco de interesse nas pesquisas etiológicas, mas também, em número crescente, os fatores psicossociais. Tornou-se claro, para os pesquisadores e estudiosos da matéria, que os agentes microbiológicos e físicos não eram capazes de explicar todas as questões de etiologia e prognóstico. Isto fez com que conceitos e técnicas de psicologia, passassem a ser utilizados e incorporados aos fundamentos e aos métodos da moderna epidemiologia. A aproximação com estas disciplinas e a necessidades de melhor precisar as condições de aparecimento e evolução das doenças trouxeram, para epidemiologia, ênfase ainda maior em técnicas quantitativas, de que são exemplos os inquéritos em amostras representativas e o uso de análises estatísticas multivariadas. A evolução da técnica foi marcante na segunda metade do século XX, em grande parte devido às necessidades inerentes às investigações sobre os múltiplos fatores determinantes das doenças crônicas não-transmissíveis. Duas tendências da epidemiologia atual No último quarto do século, duas tendências, de contornos distintos, marcaram a moderna epidemiologia: uma natureza clínica e outra de cunho social. a) EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA É o retorno da epidemiologia ao ambiente estritamente clínico, mas com características diferentes, em comparação à ênfase de outrora, que tinha uma conotação eminentemente ecológica – ou seja, de conhecer o ambiente imediato em que vive o paciente, de modo a verificar as circunstâncias que possibilitam o aparecimento da doença. A prática clínica sempre foi dependente de informações epidemiológicas, essenciais para o diagnóstico e para a orientação do paciente. Foram os médicos os primeiros epidemiologistas, os primeiros que usaram a disciplina, para a pesquisa etiológica ou para conferir uma visão mais abrangente, ou ecológica, à saúde. Mas na década de 1970, surge algo diferente: um movimento também de médico, de cunho metodológico, para utilizar a epidemiologia e a estatística no ambiente clínico, de modo a trazer maior rigor científico à prática da medicina, em que foi denominada www.cursosgesp.com 17 “epidemiologia clínica”. Ele consiste na aplicação dos fundamentos epidemiológicos modernos ao diagnóstico clínico e ao cuidado direto com o paciente. b) EPIDEMIOLOGIA SOCIAL Trata-se de contestação à visão clássica da epidemiologia – criticada como “reducionista”, “funcionalista” ou “positivista” – e que passou a ser conhecida como “epidemiologia social”. Foi o renascer do estudo da determinação social da doença. O seu intuito é o de procurar melhor entender a situação de saúde da população, em especial nas regiões subdesenvolvidas – ou dos segmentos desfavorecidos da população, mesmo das nações industrializadas - dentro de alguns postulados básicos, que são encontrados principalmente na sociologia. Conseqüentemente, o seu objetivo tem sido o de produzir conhecimentos dentro de uma lógica até então pouco utilizada ou totalmente esquecida na epidemiologia. A justificativa de semelhante enfoque advém da constatação das enormes desigualdades existentes na sociedade e que, enquanto este contexto de desigualdades não for resolvido, a saúde dos grupos socialmente menos favorecidos sofrerá as suas conseqüências adversas: a alta prevalência de doenças, quando deles tem necessidade. – PILARES DA EPIDEMIOLOGIA O desenvolvimento da epidemiologia, descrito anteriormente, fez com que a disciplina, antes restrita à saúde pública e com ênfase nos aspectos físicos e biológicos, se expandisse para a área clínica e para a área social, levando a sua incorporação ao currículo de todo o pessoal de saúde. Em vista desta expansão, a epidemiologia moderna é uma disciplina complexa, que se vale dos conhecimentos gerados em muitas outras áreas, mas onde podem ser identificados três eixos básicos: as ciências biológicas, as ciências sociais e a estatística. A boa compreensão e a aplicação da epidemiologia, nos dias atuais, requerem sólidos conhecimentos sobre estes seus três pilares. Vejamos cada um deles, a seguir. CIÊNCIAS BIOLÓGICAS A epidemiologia apóia-se em conhecimentos biológicos, encontrados ou desenvolvidos em outras áreas do próprio campo da saúde, tais como a clínica, a patologia, a microbiologia, a parasitologia e a imunologia. Estas e outras disciplinas afins contribuem para que se possa melhor descrever as doenças, classificá-las mais adequadamente e, assim, atingir maior grau de precisão na determinação da freqüência com que estão ocorrendo na população, o que se reflete na qualidade dos estudos de correlação e nas pesquisas, de maneira geral. CIÊNCIAS SOCIAIS As ciências sociais conferem uma dimensão mais ampla à epidemiologia. Os fatores que produzem a doença são biológicos e ambientais, com significados sociais complexos. A sociedade, de forma como está organizada, embora ofereça proteção aos indivíduos, também determina muito dos riscos de adoecer, bem como o maior ou menor acesso das pessoas às técnicas de prevenção das doenças e de promoção e recuperação da saúde. A busca de melhor conhecimento da interação do social com o biológico, na produção da doença, passou a ser fundamental, na epidemiologia atual. As ciências sociais dispõem de teorias e métodos, além de toda uma tradição de pesquisa, ou estão www.cursosgesp.com 18 sendo trazidos para a epidemiologia como instrumentos e formas de abordagem a serem empregados na investigação social das doenças não é recente, como se menciona em diversas passagens deste livro, mas existe, na atualidade, um ressurgir de interesse sobre o assunto, inclusive quanto à forma de conceber o marco teórico das investigações. ESTATÍSTICA A estatística é a ciência e a arte de coletar, resumir e analisar dados sujeitos a variações. Tem papel fundamental na epidemiologia, pois fornece o instrumental a ser levado em conta nas investigações de questões complexas, com a aleatoriedade dos eventos e o controle de variáveis que dificultam a interpretação dos resultados. Em diversas fases de uma pesquisa, a estatística assume papel de realce: é o que ocorre, por exemplo, na etapa do planejamento, especialmente na determinação do tamanho da amostra e na forma de selecionar as unidades que deverão compô-la. Outra ilustração é representada pela fase de análise dos dados, em particular, no estudo do significado das variações de freqüências, quando se tenta verificar se as diferenças são simplesmente devidas ao acaso ou se traduzem ocorrências sistemáticas, cujas causas merecem ser pesquisadas. A aproximação da epidemiologia à estatística fez com que a primeira fosse ocupando um espaço até então não preenchido na área da saúde, formando uma “ponte”,que o pessoal de saúde utiliza para melhor conhecer a estatística, e tornando-se uma disciplina científica de síntese, onde são encontrados conceitos e métodos para planejamento, execução, análise e interpretação de resultados de estudos sobre a saúde de grupos de pessoas. Pelo fato de a epidemiologia envolver o estudo de muitas pessoas, gerando, no mais das vezes, uma massa considerável de dados para análise, o advento das modernas técnicas eletrônicas de computação, dinamizando as tarefas de cálculo, fizeram com que a informática tivesse ampla aplicação na disciplina. Vale referir os programas estatísticos, para microcomputador, de uso em epidemiologia, que estão sendo desenvolvidos em ritmo crescente, com grande economia de tempo no planejamento e na análise de dados. REFERÊNCIAS 1. PEREIRA, M. Aspectos Gerais. In:_____________. Epidemiologia: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. www.cursosgesp.com 19 A HISTORICIDADE DO CONCEITO DE CAUSA A questão da causalidade é central na Epidemiologia, isto é, a compreensão do processo de determinação da doença é uma das vertentes, talvez a mais importante, na história dessa área de conhecimento. Enquanto conceito, a causalidade é determinada, de um lado, pelas condições concretas de existência do homem, de outro, pela sua capacidade intelectiva em cada contexto histórico. Vale dizer, enquanto conceito, categoria explicativa, a questão da causa é revestida de historicidade. Daí a necessidade de reconstruir a história do conceito, a fim de apreender as transformações de conteúdo por que passou. As primeiras interpretações que o homem deu a questão da causa, entre os povos da Antiguidade, podem ser separadas em duas vertentes. A primeira, presente nas concepções dos assírios, egípcios, caldeus, hebreus e outros povos, toma o corpo humano como receptáculo de uma causa externa que, penetrando-o, irá produzir a doença sem que o organismo, de algum modo, participe ativamente no processo. As causas tanto podem ser elementos naturais, quanto espíritos sobrenaturais, de acordo com o paradigma SOBENATURAL OU MÍSTICO. Os sistemas filosóficos de compreensão do mundo, desses povos, eram todos de caráter religioso. Assim, as observações empíricas relativas ao aparecimento das doenças e a função curativa de plantas e recursos naturais também eram revestidas desse caráter religioso. A segunda vertente é representada pela medicina hindu e chinesa. A doença é vista como conseqüência do DESEQUILÍBRIO ENTRE OS ELEMENTOS, humores, que compõem o organismo humano. A causa do desequilíbrio era buscada no ambiente físico, isto é, na influência dos astros, no clima, nos insetos e outros animais associados às doenças. A medicina chinesa desenvolveu um sistema complexo de correspondências entre os cinco elementos que compõem os organismos vivos (madeira, metal, terra, água, ar e fogo), suas características, cores, planetas e órgãos-sede. Por exemplo, o coração mantém correspondência com o fogo, é quente, vermelho e regido por Marte. A saúde, para os chineses, resulta do equilíbrio entre os princípios Yin e Yang. As causas externas provocam desequilíbrio dos princípios, o que levará a um desequilíbrio dos elementos, com o aparecimento da doença. Para restabelecer a saúde, procura-se restabelecer o equilíbrio da energia interna, através de várias terapêuticas (acupuntura, do-in, etc.). Nesta concepção de doença, o homem desempenha um papel ativo no processo e as causas são naturalizadas, isto é, perdem o caráter mágico e religioso predominante na outra conceituação. Na Grécia, o estudo da medicina continua no caminho apontado pelas teorias hindus e chinesas. A saúde é um estado de isonomia, ou seja, de harmonia perfeita entre os quatro elementos que compõem o corpo humano: terra, ar, água e fogo. A doença aparece como conseqüência da ação de fatores externos que provocam no organismo, uma disnomia. (...) A maneira pela qual elas (as doenças) se formam pode ser clara a qualquer um. O corpo é composto da mistura de quatro elementos: terra, fogo, água e ar. A abundância ou a falta desses elementos fora do natural; a mudança de lugar, fazendo com que eles saiam de sua posição natural para outra que não lhes seja bem adaptada; ou o fato de um deles ser forçado a receber uma quantidade que não é própria para ele, mas conveniente para outra espécie; todos esses fatores e outros similares são as causas que produzem distúrbios e moléstias (PLATÃO). www.cursosgesp.com 20 Hipócrates enriqueceu as concepções gregas de saúde e doença, por meio da prática clínica e de cuidadosas observações da natureza. Ele estabeleceu a correspondência entre os humores, seus elementos, qualidade e órgãos-sede, como a medicina chinesa. Assim, o sangue com sede no coração é quente e corresponde ao elemento fogo; a pituíta produzida pelo cérebro é fria e corresponde ao ar; a bile amarela corresponde a terra e é produzida pelo fígado; enquanto que a bile negra, sediada no baço e no estômago, é úmida e corresponde à água. A terapêutica baseava- se na aplicação dos elementos contrários, para tentar restabelecer o equilíbrio inicial. A importância atribuída por Hipócrates ao ambiente físico na causalidade das doenças pode ser avaliada pelo seguinte trecho do livro Dos ares, das águas e dos lugares: Quem quiser prosseguir no estudo da ciência da medicina deve proceder assim. Primeiro, deve considerar que efeitos que cada estação do ano pode produzir, porque todas as estações não são iguais, mas diferem muito entre si mesmas e nas suas modificações. Tem que considerar, em outro ponto, os ventos quentes e os frios, em particular aqueles que são universais, mostrando bem aqueles peculiares a cada região. Deve também considerar as propriedades das águas, pois estas diferem em gosto e peso, de modo que a propriedade de uma difere muito de qualquer outra. Usando esta prova, deve examinar os problemas que surgem (HIPÓCRATES). A escola grega elaborou uma concepção que inúmeros fatores do ambiente físico poderiam ser capazes de produzir doença quando, agindo sobre o organismo humano, desencadeassem alterações dos humores. O conceito de causalidade apresentado é, assim, mais complexo e elaborado, envolvendo as reações do homem às agressões provenientes de seu ambiente natural. A partir das observações empíricas, os antigos conseguiram elaborar hipóteses sobre o contágio das doenças, como atesta a seguinte citação de um escritor romano:“Talvez vivam nos lugares pantanosos pequenos animais que não possam ser percebidos pelos olhos e penetrem no corpo pela boca e pelas narinas e causem desordens graves”. Durante a Idade Média, isto é, o período de consolidação do modo de produção feudal, praticamente não ocorreu avanços no estudo da causalidade. Os princípios hipocráticos são conservados ao nível de explicação teórica e a prática clínica é completamente abandonada. Sob a influência do Cristianismo, a medicina volta a se revestir do caráter de uma prática religiosa. No final desse período, com o número crescente de epidemias que assolam a Europa, retorna-se à questão da causalidade das doenças. O centro das preocupações médicas são as questões relativas às doenças infecciosas. A concepção de contágio existente no século XIV pode ser avaliada pela seguinte citação, relativa à peste de 1374, na Itália: Devido a uma infecção do hálito que se espalhou em torno deles enquanto falavam, um infectava o outro, (...) e não só faziam morrer quem quer que falasse com eles, como também, quem quer que comprasse, tocasse ou tirasse alguma coisa que lhes pertencesse (MICHELE PIAZZA, monge franciscano). É patente a noção de que a doença poderia ser produzida por meio do contágio entre os homens, isto é, homem doente era capaz, por algum modo, de provocar a doença nos demais. Quanto às causas, as explicações encontradas iam desde awww.cursosgesp.com 21 influência da conjugação de certos planetas, até o envenenamento dos poços pelos leprosos e judeus ou pelas bruxarias dos endemoniados. No Renascimento, a medicina volta a ser exercida predominantemente por leigos e são retomados os experimentos e as observações anatômicas que resultarão na formação das ciências básicas. Na tentativa de se elaborar uma explicação para a disseminação das doenças epidêmicas, concebe-se a existência de partículas invisíveis, responsáveis pela produção das doenças e que atingem o homem de diferentes maneiras (contágio direto ou indireto – através de fômites ou outros veículos). Fracastoro, no século XVI, elabora a TEORIA DO CONTÁGIO da seguinte forma:“Os seminaria (princípio do contágio) se disseminam escolhendo os humores pelos quais têm afinidades, sendo lançados nos vasos por atração. Podem ser absorvidos pela respiração e aderir aos humores que os levam ao coração”. Estamos, novamente, diante de uma formulação da causalidade, em que um fator externo ao organismo penetra nele determinando o aparecimento da doença. Em certo sentido, a concepção hipocrática mais totalizadora fica relegada. Interessa agora, descobrir a origem dessas matérias contagiosas. Outra vez, o organismo humano é um receptáculo da doença, pouco se podendo fazer para evitá-la. Do desdobramento dessas elaborações teóricas inicias sobre o contágio, vai surgir a TEORIA MIASMÁTICA, que será hegemônica até o aparecimento da bacteriologia, na segunda metade do século XIX. As seguintes citações, retiradas da obra de Boyle e Sydeham, respectivamente, demonstram as formulações existentes no século XVII, a respeito da causalidade das doenças: As doenças originam-se, parcialmente, das partículas da atmosfera e parcialmente de diferentes fermentações e putrefações dos humores. As primeiras insinuam-se entre os sucos do corpo, desagregando-os, misturam- se ao sangue e finalmente contaminam todo o organismo. A peste é um complexo sintomático que a natureza usa para demonstrar a eliminação natural, pela qual um abscesso ou outra forma de erupção, pode expelir do corpo aquelas partículas miasmáticas que nós adquirimos com o ar que respiramos. Durante todo o século XVIII, os estudos médicos se voltam para a compreensão do funcionamento do corpo humano e das alterações anatômicas sofridas durante a doença. O estudo das causas cede lugar à prática clínica. As pesquisas científicas interessam-se pela localização das sedes das doenças no organismo e se voltam para desvelar a linguagem dos sinais e sintomas clínicos. O método clínico, pelo seu próprio caráter intensivo e singular, não propicia a abordagem das questões relativas às causas das doenças, pois estas se dão no plano coletivo, não sendo, portanto, verificáveis na dimensão particular do indivíduo. No final do século XVIII, após a Revolução Francesa, no contexto da crescente urbanização dos países europeus e da consolidação do sistema fabril, aparece, com força crescente, a concepção de CAUSAÇÃO SOCIAL, isto é, das relações entre as condições de vida e trabalho das populações e o aparecimento de doenças. Ao lado das condições objetivas de existência, o desenvolvimento teórico das ciências sociais permitiu, no final do século XVIII, a elaboração de uma TEORIA SOCIAL da medicina. O ambiente, origem de todas as causas de doença nas outras teorias, deixa momentaneamente de ser natural para revestir-se do social. É nas condições de vida e trabalho do homem que as doenças deverão ser buscadas. www.cursosgesp.com 22 Necessário é lembrar que a concepção miasmática da causalidade permanece hegemônica, enquanto a medicina social aparece entre os revolucionários ligados aos diversos movimentos políticos do final do século XVIII e primeira metade do século XIX. O pensamento desses revolucionários pode ser ilustrado pelas seguintes citações: A ciência médica é intrínseca e essencialmente uma ciência social; enquanto isso não for reconhecido na prática, não seremos capazes de desfrutar de seus benefícios e teremos que nos satisfazer com um vazio e uma mistificação (NEUMANN). Se a doença é uma expressão da vida individual sob condições desfavoráveis, a epidemia deve ser indicativa de distúrbios, em maior escala, da vida das massas. As epidemias não apontarão sempre para as deficiências da sociedade? Podem-se apontar como causas as condições atmosféricas, as mudanças cósmicas gerais e coisas parecidas, pois estes problemas nunca causam epidemias. Só podem produzi-las onde, devido às condições sociais de pobreza, o povo viveu durante muito tempo em uma situação anormal (VIRCHOW). Os fatores externos que até então vinham sendo responsabilizados pela produção das doenças tem seu papel minimizado, sua ação só se traduzirá em doença onde e quando o contexto social permitir que tal fato ocorra. Com a derrota dos movimentos revolucionários, a medicina social praticamente teve seu desenvolvimento retardado. As denúncias cada vez mais freqüentes e de certo modo inegáveis, de que as condições de vida e trabalho estavam levando ao desgaste do proletariado, comprometendo até mesmo sua reprodução, serão absorvidas pelos governos. Entretanto, as respostas dadas a elas não serão a transformação da organização social, mas as medidas sanitárias e a legislação trabalhista. As descobertas bacteriológicas ocorridas na metade do século XX irão deslocar de vez as concepções sócias, restabelecendo com redobrada força o primado das causas externas representadas por partículas que podem provocar o aparecimento de doenças. Os seminaria de Fracastoro são agora ‘visíveis’ e se chamam bactérias. Para a ciência dominante, a bacteriologia veio liberar a medicina dos complexos determinantes econômicos, sociais e políticos que a impediam de se desenvolver cientificamente. A questão da causalidade fica reposta em termos bem mais simplificados: para cada doença, um agente etiológico deverá ser identificado e combatido, por meio de vacinas ou produtos químicos. A insuficiência dessa formulação UNICAUSAL só ficará evidente no final do século XX, quando se dará o retorno às concepções multicausais, sem que, entretanto, se recupere o conceito de causação social. A MULTICAUSALIDADE Durante todo o século XX, a noção de multicausalidade das doenças será dominante no campo da Epidemiologia. As formas sob as quais o conceito será apresentado irão sofrendo transformações ao longo dos tempos. De qualquer modo, o que há de mais característico nos diferentes modelos é a tentativa de redução e sua descaracterização através de construções ahistóricas e biologicistas. A primeira destas formulações do conceito de multicausalidade aparece no MODELO DA BALANÇA, elaborada por Gordon, na década de 20. A saúde é vista, neste modelo, como um estado de equilíbrio entre fatores diversos e múltiplos. A doença www.cursosgesp.com 23 ocorre quando o equilíbrio é alterado por uma mudança na força com que opera um ou mais destes fatores. São reconhecidos três tipos de fatores: os do agente, os do hospedeiro e os do meio ambiente. Gordon empregou a analogia de uma balança, onde o fulcro é representado pelos fatores do meio ambiente e em cada prato estão colocados os fatores do agente e do hospedeiro, respectivamente. A doença pode surgir por desequilíbrios que aumentam o peso dos fatores relacionados ao agente ou ao hospedeiro, ou por deslocamento dos fatores do meio ambiente na direção de um ou outro desses fatores. Esse modelo representa uma simplificação exagerada do processo complexo de causação do adoecimento, além de ser extremamente mecanicista. Nessa concepção, os fatores são tomados isoladamente, como se não houvesse interações entre eles e, na prática, apenas um tipo de fator, aquele de maior peso, atuasse na produção da doença. Dessa forma, a multicausalidade vê-se reduzida à unicausalidade, com uma única diferença de serem admitidas outrascausas que não, apenas, a presença do agente etiológico. Também no início do século, uma outra ordem dos fatores causais passa a ser agregada ao conceito de multicausalidade: os fatores psíquicos. Assim é que o movimento da MEDICINA INTEGRAL, nos Estados Unidos, na década de 40, vai definir o homem como ser bio-psico-social. Novamente, o social vai aparecer como atributo do homem e não como essência da própria existência humana. O homem que tem o corpo biológico também tem funções psíquicas e atributos sociais, tais como ocupação, renda, instrução e outros. Outro modelo em que o conceito de multicausalidade se exprime é aquele proposto por MacMahom, sob a denominação de REDE DE CAUSALIDADE: “(...) torna-se evidente que as cadeias lineares de causação representam somente uma fração da realidade e que a genealogia toda poderia ser pensada mais propriamente, como uma rede que em sua complexidade e origem está muito além de nossa compreensão”. Apesar de admitir a existência de relações de interação recíprocas entre os múltiplos fatores envolvidos na causação da doença, MacMahom assume o ponto de vista positivista, negando a possibilidade de conhecimento de todas as causas. Mais do que isto, ele afirma que tal conhecimento nem sempre é necessário para que as medidas de controle possam ser tomadas:“Afortunadamente, para executar medidas preventivas, não é necessário compreender os mecanismos causais em sua integridade”. Este tipo de formulação respondia as necessidades objetivas da época. Para atuar sobre as doenças, bastava identificar na rede de causalidade um componente mais frágil à intervenção, sem que fosse preciso alterar todo o conjunto de fatores envolvidos. Um dos modelos mais acabados do conceito de multicausalidade é o MODELO ECOLÓGICO no qual as inter-relações entre os fatores são apresentadas sob a forma de um sistema fechado com um feed-back regulador. A atividade e a sobrevivência dos agentes e hospedeiros dependem do ambiente, são alteradas por ele e, por outro lado, também alteram o ambiente em que se encontram. O modelo ecológico processa uma redução naturalista na interpretação das relações sociais em que o homem estabelece com a natureza e os outros homens, na produção de sua vida material. Todos os elementos da relação são colocados em um mesmo plano ahistórico, intemporal e a vida humana fica reduzida à sua condição animal. A produção social do homem se reduz a mais um dos fatores do meio ambiente. As determinações sociais, naturalizadas no conceito de multicausalidade, perdem inclusive seu potencial de crítica. A distribuição triangular dos elementos introduz no modelo uma racionalidade coerente com a ideologia capitalista. Estas conclusões são duplamente úteis ao capitalismo, porque escondem as profundas diferenças de classe que resultam da www.cursosgesp.com 24 organização produtiva e permitem uma atuação limitada com relação aos problemas de saúde. Uma vez que as alterações do homem são exclusivamente biológicas e as relações entre agente, hospedeiro e meio se dão no plano ecológico, pode-se atuar sobre todos estes fatores com medidas ecológicas, sem necessidade de modificar a organização social. O modelo ecológico não permite uma interpretação fiel da realidade para transformá-la. Quando muito, permite uma tarefa reformista, compatível com a dominação sutil e tecnicista do capitalismo. As críticas ao modelo ecológico intensificaram-se no final da década de 60, visando a uma reformulação da compreensão do processo saúde-doença, de tal forma que os conhecimentos epidemiológicos possam estar mais de acordo com os interesses populares, orientando novas práticas de intervenção. Surge daí, uma nova conceituação do processo saúde-doença e a formulação da concepção de DETERMINAÇÃO SOCIAL das doenças. Por processo saúde-doença da coletividade entendemos o modo específico pelo qual ocorre, nos grupos, o processo biológico de desgaste e reprodução, destacando como momentos particulares a presença de um funcionamento biológico diferente, gerando conseqüências para o desenvolvimento regular das atividades cotidianas, isto é, o surgimento da doença. O processo saúde- doença é determinado pelo modo como o homem se apropria da natureza em um dado momento, apropriação que se realiza por meio de processo de trabalho baseado em determinado desenvolvimento das forças produtivas e relações sociais de produção (CRISTINA LAURELL). O processo saúde-doença se configura como um processo dinâmico, complexo e multidimensional por englobar dimensões biológicas, psicológicas, sócio-culturais, econômicas, ambientais, políticas, enfim, pode-se indentificar uma complexa interrelação quando se trata de saúde e doença de uma pessoa, de um grupo social ou de sociedades (CRUZ, 2009). O processo saúde-doença é um conceito central da proposta da epidemiologia social, que procura caracterizar a saúde e a doença como componentes integrados de modo dinâmico nas condições concretas de vidas das pessoas e dos diversos grupos sociais (ROUQUAYROL, 1993). Novamente, como na época de Virchow e Pasteur, defrontam-se duas concepções de causalidade. De um lado o modelo ecológico, com seu caráter ahistórico e biologizante. De outro, o modelo de determinação social, com maior poder explicativo, porém com uma potencialidade transformadora da prática epidemiológica que não interessa aos grupos dominantes. É em torno dessa tarefa de transformação conceitual, metodológica e das práticas da epidemiologia que os profissionais da medicina social se alocam hoje. REFERÊNCIAS 1. BARATA, R.C. B. A Historicidade do Conceito de Causa (Mímeo). 2. CRUZ, M. M. Concepção de saúde-doença e o cuidado em saúde. In: OLIVEIRA, R. G.; GRABOIS, V.; MENDES JÚNIOR, W. V. Qualificação de Gestores do SUS. Rio de Janeiro: EAD/ENSP/FIOCRUZ, 2009. 3. ROUQUAYROL, M. Z. Epidemiologia e saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1999. www.cursosgesp.com 25 PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E NÍVEIS DE PREVENÇÃO EM SAÚDE Uma definição precisa do termo epidemiologia não é fácil: sua temática é dinâmica e seu objeto, complexo. Pode-se, de uma maneira simplificada, conceituá-la como: ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle ou erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde. Esta definição pode ser aclarada pelo aprofundamento de algumas concepções nela expressas: a) Considerando o conjunto de processos sociais interativos que, erigidos em sistema, definem a dinâmica dos agregados sociais, um em especial constitui o campo sobre o qual trabalha a epidemiologia: é o processo saúde-doença. Segundo Laurell (1983), o processo saúde-doença da coletividade pode ser entendido como “o modo específico pelo qual ocorre, nos grupos, o processo biológico diferente, com conseqüências para o desenvolvimento regular das atividades cotidianas, isto é, o surgimento da doença”. Colocada neste contexto, a expressão saúde-doença é um qualificativo empregado para adjetivar genericamente um determinado processo social, qual seja o modo específico de passar de um estado de saúde para um estado de doença e o modo recíproco. Descontextualizada, a expressão saúde-doença refere-se a uma ampla gama que vai dede “o estado de completo bem-estar físico, mental e social” (OMS, 1953) até o de doença, passando pela coexistência de ambos em proporções diversas. A ausência gradativa ou completa de um destes estados corresponde ao espaço do outro e vice- versa. b) A análise dos fatores determinantes e condicionantes envolve a aplicação do método epidemiológico ao estudo de possíveis associações entre um ou mais fatores suspeitos e um estado característico de ausênciade saúde, definido como doença; c) A prevenção visa empregar medidas de profilaxia a fim de impedir que os indivíduos sadios venham a adquirir a doença; o controle visa baixar a incidência a níveis mínimos; a erradicação, após implantadas as medidas de controle, consiste na não-ocorrência de doença, isto significa permanência de incidência zero (a varíola está erradicada do mundo dede 1977 e a poliomielite está erradicada do Brasil dede 1990). Muitas doenças, cujas origens até bem recentemente não encontravam explicação, têm tido suas causas esclarecidas pela metodologia epidemiológica, que tem base o método científico aplicado da maneira mais abrangente possível a problemas de doenças ocorrentes em nível coletivo. Hiroshi Nakajima, então diretor da Organização Mundial de Saúde, por ocasião da 12ª Reunião Científica Internacional da Associação Internacional de Epidemiologia (1990), analisando o alcance da epidemiologia e concentrando seus comentários sobre a epidemiologia na aids, comenta que: O descobrimento desta enfermidade devemo-lo à epidemiologia! A aids foi reconhecida pela primeira vez como uma enfermidade em 1981, antes que o vírus da imunodeficiência humana, dois anos mais tarde, fosse identificado como agente causador da aids. A observação epidemiológica anotou a prevalência de uma combinação curiosa e inexplicável de manifestações clínicas de outros estados patológicos: astenia, perda de peso, dermatose, deterioração do sistema imunológico e o sarcoma de Kaposi, assim como a presença de ‘infecções oportunistas’, como a pneumonia por Pneumocystis corinii. Ainda hoje em dia, é este complexo de sinais clínicos, em combinação com o resultado positivo da prova de HIV, o que define um caso de aids. Pode-se ser HIV positivo e, ainda assim, não ser portador da aids. www.cursosgesp.com 26 Ademais, foi através da análise epidemiológica que inicialmente a síndrome foi relacionada com certos grupos de população e comportamentos de riscos conexos. Se enfocamos a aids como uma epidemia mundial, ela nos apresenta como algo novo e súbito; porém, se o nosso ponto de visa é a aids como doença e o vírus como sua causa, concluímos que nenhum dos dois são novos, pelo menos datam do anos 50. Fizeram falta as ferramentas da epidemiologia para não dizer que enfrentávamos uma patologia discreta e letal naquela primeira época. Ainda, segundo Nakajima (1990) a epidemiologia não se limita a avaliar a situação sanitária e socioeconômica existente (ou passada). Se aceitarmos critério mais amplo do Prof. Cruiskshank, teremos de insistir na necessidade de avaliação das tendências futuras, isto é, uma ‘epidemiologia prospectiva’. A pergunta é: o que nos dizem as tendências atuais sobre a provável situação futura para a qual teremos de fazer planos e tomar (ou não tomar) medidas corretivas? Qual será o provável resultado amanhã? Por conseguinte, estamos presenciando o surgimento de uma nova dimensão na ciência da epidemiologia, que será muito importante para o planejamento, a dotação dos recursos, o manejo e a avaliação de saúde, e que poderia afetar o curso futuro da história humana. Autores norte-americanos, europeus e latino-americanos, entre os quais se destacam MacMahon (1975), Leavel e Clark (1976), Barker (1976), Lilienfeld (1976), Forattini (1976), Rojas (1978), Colimon (1978) e Jenicek e Cleroux (1982), definem epidemiologia de modo bastante semelhante, tendo como ponto comum o estudo da distribuição das doenças nas coletividades humanas e dos fatores causais responsáveis por essa distribuição. Esse conceito toma por base relações existentes entre os fatores do ambiente (físicos, químicos e biológicos), do agente e do hospedeiro ou suscetível. Dentro desta concepção, os fatores culturais e socioeconômicos são partes integrantes do sistema, contribuindo à sua maneira, associados a outros fatores causais, para a eclosão em massa de doenças e agravos à saúde. Outros autores, especialmente latino-americanos, entre os quais se salientam Uribe (1975), Laurell (1976), Tambellini (1976), Arouca (1976), Cordeiro (1976), Breihl (1980), Rufino e Pereira (1982), Luz (1982), Garcia (1983), Barata (1985), Marsiglia (1985), Carvalheiro (1986), Possas (1989), Goldbaum (1990) e Loureiro (1990), avançam em direção a uma nova epidemiologia cuja visão dialética se posiciona contra a fatalidade do “natural” e do “tropical”. Dá-se ênfase ao estudo da estrutura socioeconômica a fim de explicar o processo saúde-doença de maneira histórica, mais abrangente, tornando a epidemiologia um dos instrumentos de transformação social. Essa nova epidemiologia, também chamada de Epidemiologia Social, no conceito de Breihl (1980), deve ser um conjunto de conceitos, métodos e formas de ação prática que se aplicam ao conhecimento e transformação do processo saúde-doença na dimensão coletiva ou social. – HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA História natural da doença é o nome dado ao conjunto de processos interativos compreendendo as inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte (LEAVEL; CLARK, 1976). A história natural da doença, portanto, tem desenvolvimento em dois períodos seqüenciados: o período epidemiológico e o período patológico. No primeiro, o interesse www.cursosgesp.com 27 é dirigido para as relações suscetível-ambiente; no segundo, interessam as modificações que passam no organismo vivo. Abrange, portanto, dois domínios interagentes, consecutivos e mutuamente exclusivos, que se completam: o meio ambiente, onde ocorrem as pré-condições, e o meio interno, locus da doença, onde se processaria, de forma progressiva, uma série de modificações bioquímicas, fisiológicas e histológicas, próprias de uma determinada enfermidade. Em uma situação normal, em ausência de estímulos, esses fatores jamais se exteriorizariam como doenças. Em presença destes fatores intrínsecos preexistentes, os estímulos externos transformam-se em estímulos patogênicos. Dentre as pré-condições internas, citam-se os fatores hereditários, congênitos ou adquiridos em conseqüência de alterações orgânicas resultantes de doenças anteriores. O homem se faz presente em todas essas etapas. É gerador das condições socioeconômicas favorecedoras das anomalias ecológicas predisponentes a alguns dos agentes diretamente responsáveis por doenças. Ao mesmo tempo, é a principal vítima do contexto de agressão à saúde por ele favorecido. Ao tratar a história natural de uma doença em particular como sendo uma descrição de sua evolução, desde os seus primórdios no ambiente biopsicossocial até seu surgimento no suscetível e conseqüente desenvolvimento no doente, deve-se ter um esquema básico, de caráter geral, onde ancoram as descrições específicas. Este esquema geral, arbitrário, é apenas uma aproximação da realidade, sem pretensão de funcionar como uma descrição da mesma (Figura 1). A história natural das doenças, sob este ponto de vista, nada mais é do que um quadro esquemático que dá suporte à descrição das múltiplas e diferentes enfermidades. Sua utilidade maior é apontar os diferentes métodos de prevenção e controle, servindo de base para a compreensão de situações reais e específicas, tornando operacionais as medidas de prevenção. Esta figura mostra esquematicamente que, no período de pré-patogênese, podem ocorrer situações que vão desde um mínimo de risco até risco máximo, dependendo dos fatores presentes e da forma como estes fatores se estruturam. Pessoas abastadas adoecerem de cólera é um evento de baixa probabilidade, isto é, para o que eles dispõem de meios, a estrutura formada pelos fatores predisponentes à cólera tem de risco
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