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TEXTOS - Saúde Coletiva e Saúde da Família

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PPSC – Preparatório para Pós-
graduações em Saúde Coletiva e 
Saúde da Família 
 
 
-2013- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEXTOS 
 
 
 
www.cursosgesp.com 3 
SUMÁRIO 
 
TEXTOS Pág. 
CONCEITO, EVOLUÇÃO E USOS DA EPIDEMIOLOGIA 05 
A HISTORICIDADE DO CONCEITO DE CAUSA 19 
PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E PRINCIPAIS PARADIGMAS EM SAÚDE 25 
INDICADORES DEMOGRÁFICOS E DE SAÚDE 39 
PERFIL E TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA, EPIDEMIOLÓGICA E NUTRICIONAL 53 
SITUAÇÃO DE SAÚDE E CONDIÇÕES DE VIDA 69 
EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS TRANSMISSÍVEIS 76 
EPIDEMIOLOGIA DAS DOENÇAS CRÔNICAS 99 
EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO 112 
EPIDEMIOLOGIA DESCRITIVA E O PROCESSO EPIDÊMICO 121 
VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA 128 
VIGILÂNCIA SANITÁRIA 139 
SAÚDE DO TRABALHADOR 148 
SAÚDE AMBIENTAL: CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS SAUDÁVEIS NO BRASIL 154 
SISTEMAS DE INFORMAÇÃO 157 
ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS 169 
HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL 186 
O MOVIMENTO DA REFORMA SANITÁRIA BRASILEIRA 201 
CONSTRUÇÃO DO SUS: PRINCÍPIOS E DIRETRIZES 205 
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988 215 
LEI 8.080/1990 217 
LEI 8.142/1990 228 
PACTO PELA SAÚDE 2006 230 
DECRETO 7.508/2011 245 
LEI COMPLEMENTAR 141/2012 252 
MODELOS DE ATENÇÃO À SAÚDE 265 
PLANEJAMENTO E PROGRAMAÇÃO EM SAÚDE (avulso no CD do GESP) 276 
POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA E ESF 284 
NÚCLEO DE APOIO À SAÚDE DA FAMÍLIA - NASF 299 
POLÍTICA DE HUMANIZAÇÃO NO SUS (avulso no CD do GESP) - 
 POLÍTICA DE PROMOÇÃO DA SAÚDE (avulso no CD do GESP) - 
 REDES PRIORITÁRIAS DE ATENÇÃO À SAÚDE (avulso no CD do GESP) - 
POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DO HOMEM 301 
 
www.cursosgesp.com 4 
POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL 310 
ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SUS 317 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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CONCEITO, EVOLUÇÃO E USOS DA EPIDEMIOLOGIA 
 
 Na evolução de uma disciplina que se tornou muito abrangente, o campo da 
epidemiologia apresenta hoje várias subdivisões, por área de conhecimento, as quais 
foram surgindo, à medida que os problemas tornaram-se prioritários. 
 
1. AS DOENÇAS INFECCIOSAS E AS ENFERMIDADES CARENCIAIS 
 
 No passado, o alvo da epidemiologia era representado pelas doenças que se 
apresentavam sob a forma de epidemias bem evidentes, tais como as de cólera, peste, 
tifo, varíola e febre amarela – afecções de evolução aguda e que sempre alarmaram a 
população e as autoridades. No entanto, para possibilitar a detecção precoce de 
epidemias, ficou logo evidente a conveniência do estudo da doença em seus períodos 
interepidêmicos, pois a epidemia é apenas uma fase na evolução do processo mórbido, 
na coletividade. Por isto, os estudiosos passaram a vigiar, de maneira contínua, a 
ocorrência e a distribuição das doenças agudas, na população. 
 O sucesso alcançado com a aplicação de semelhante abordagem, na investigação das 
doenças infecciosas de evolução aguda, concorreu para estendê-la ao estudo das 
doenças infecciosas de evolução crônica, que é exemplo a tuberculose. Outras afecções, 
cujo comportamento assemelhava-se ao das doenças de natureza transmissível, como as 
nutricionais – em especial, a pelagra e o beribéri, passaram, também, a ser pesquisadas 
da mesma maneira. 
 
2. AS DOENÇAS CRÔNICO-DEGENERATIVAS E OS OUTROS DANOS À SAÚDE 
 
 A diminuição da mortalidade por doenças infecciosas e carenciais, o envelhecimento 
progressivo da população e a mudança no perfil de morbidade, fatos que ocorreram 
primeiramente em países hoje considerados mais desenvolvidos, levaram a que o campo 
da aplicação da epidemiologia fosse ainda mais ampliado, passando a compreender as 
doenças crônicas do tipo degenerativo, as anomalias congênitas e muitos outros 
eventos, como os acidentes e os envenenamentos, que não são doenças, mas que 
justificam uma abordagem semelhante. Daí é costume dizer-se que o objetivo da 
epidemiologia é representado por qualquer dano ou agravo à saúde estudado em termos 
de população. 
Ao contrário das doenças infecciosas, não há um agente etiológico conhecido para a 
maioria das enfermidades crônico-degenerativas. A ausência de agentes ou fatores 
específicos para cada doença torna o diagnóstico mais difícil e, conseqüentemente, 
também é complexa a separação entre pessoas doentes e não-doentes. 
 As investigações etiológicas sobre os agravos à saúde de natureza não-infecciosa 
foram, então, dirigidas para o estudo de condições presentes em fase anterior ao 
aparecimento de alterações clínicas ou anatomopatológicas, especialmente os fatores 
de risco e os estados fisiológicos. Como conseqüência desta expansão, os conceitos e 
métodos da epidemiologia, hoje em dia, estão sendo aplicados a qualquer evento 
relacionado com a saúde da população – e não especificamente a doenças. São exemplos 
a investigação epidemiológica sobre o hábito de fumar, o peso ao nascer, os níveis de 
glicemia de uma população, a fadiga profissional, a violência urbana e o consumo de 
drogas, ao lado das pesquisas mais tradicionais de morbidade e mortalidade. 
 
 
 
 
3. OS SERVIÇOS DE SAÚDE 
 
 
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 A assistência aos doentes e as práticas preventivas representam fatores que 
intervêm na distribuição e na ocorrência das doenças. Conseqüentemente, os serviços 
de saúde também passaram a ser abordados, mediante a utilização do quadro 
referencial da epidemiologia. Os estudos epidemiológicos sobre serviços de saúde são 
realizados com objetivos diversos, entre os quais o de conhecer a situação – por 
exemplo, cobertura populacional ou a qualidade do atendimento, com o intuito de 
identificar problemas, assim com investigar as suas causas, propor soluções compatíveis 
e avaliá-las com os métodos usados na epidemiologia. 
 
– DEFINIÇÕES DE EPIDEMIOLOGIA ATRAVÉS DO TEMPO 
 
 As definições mais antigas estão limitadas à preocupação exclusiva com as doenças 
transmissíveis, pelos que afirmam tratar-se de ciência ou doutrina médica da epidemia, 
ou de disciplina dedicada à investigação das causas e ao controle de epidemias. Já as 
recentes incluem, também, as doenças não-infecciosas, outros problemas de saúde e 
até os estados pré-patológicos e fisiológicos. Vejamos algumas definições: 
 
 “A epidemiologia é o campo da ciência médica preocupado com o inter-
relacionamento de vários fatores e condições que determinam a freqüência e a 
distribuição de um processo infeccioso, uma doença ou um estado fisiológico em uma 
comunidade humana”. 
 “A epidemiologia é um campo da ciência que trata dos vários fatores e condições que 
determinam a ocorrência e a distribuição de saúde, doença, defeito, incapacidade e 
morte entre os grupos de indivíduos”. 
 “A epidemiologia ocupa-se das circunstâncias em que as doenças ocorrem e nas quais 
elas tendem ou não a florescer... Estas circunstâncias podem ser microbiológicas ou 
toxicológicas; podem estar baseadas em fatores genéticos, sociais ou ambientais. 
Mesmo os fatores religiosos ou políticos devem ser considerados, desde que se note 
que têm alguma influência sobre a prevalência da doença. É uma técnica para 
explorar a ecologia da doença humana”. 
 “A epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes da freqüência de 
doenças no homem”. 
 “A epidemiologia é o estudo da distribuição e dos determinantes da saúde em 
populações humanas”. 
 “A epidemiologia é uma maneira de aprender a fazer perguntas e a colher respostas 
que levam a novas perguntas... empregada no estudo da saúde e doença das 
populações. É a ciência básica da medicina preventiva e comunitária, sendo aplicada 
a uma variedade de problemas, tanto de serviços de saúde como de saúde”. 
 
 Diante do exposto, compreende-se que, embora não haja consenso em sua definição, 
a epidemiologia é entendida, em sentido amplo, como o estudo do comportamento 
coletivo da saúde e da doença. 
 
– PREMISSASBÁSICAS 
 
 Um dos princípios básicos da epidemiologia é o de que os agravos à saúde não 
ocorrem, ao acaso, na população. A partir deste princípio, dois corolários se aplicam: 
 
 A distribuição desigual dos agravos à saúde é produto da ação de fatores que se 
distribuem desigualmente na população; a elucidação destes fatores, responsáveis 
pela distribuição das doenças, é uma das preocupações constantes da epidemiologia; 
 
www.cursosgesp.com 7 
 O conhecimento dos fatores determinantes das doenças permite a aplicação de 
medidas, preventivas e curativas, direcionadas a alvos específicos, cientificamente 
identificados, o que resulta em aumento da eficácia das intervenções. 
 
O detalhamento destes corolários costuma ser feito sob diferentes óticas, segundo a 
visão de seus formuladores, gerando teorias e modelos com os quais se tenta apreender 
a realidade, com maior precisão. 
 
– APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA 
 
 O objetivo geral da epidemiologia é o de concorrer para reduzir os problemas de 
saúde, na população. Um importante passo intermediário para alcançar semelhante 
objetivo, no qual a epidemiologia pode muito contribuir, representado pelo melhor 
conhecimento da distribuição das doenças, dos fatores que determinam esta 
distribuição e das possibilidades de êxito das intervenções destinadas a alterá-las. Logo, 
as principais aplicações da epidemiologia podem ser colocadas em três grandes grupos 
que guardam estreita relação com a definição de epidemiologia apresentada, 
anteriormente, e são resumidas, a seguir: 
 
 Informar a situação de saúde da população – inclui a determinação das freqüências, o 
estudo da distribuição dos eventos e o conseqüente diagnóstico dos principais 
problemas de saúde ocorridos, inclusive com identificação dos segmentos da 
população afetados, em maior ou menor proporção, por estes problemas; 
 Investigar os fatores que influenciam a situação de saúde – trata-se do estudo 
científico dos determinantes do aparecimento e manutenção dos danos à saúde, na 
população; 
 Avaliar o impacto das ações propostas para alterar a situação encontrada – envolve 
questões relacionadas à determinação da utilidade e segurança das ações isoladas, 
dos programas e dos serviços de saúde. 
 
 Estas três formas de uso da epidemiologia fornecem valioso subsídio para auxiliar as 
decisões, seja em nível coletivo seja em nível individual. 
 Em nível coletivo, as decisões são tomadas pelos planejadores de saúde, a partir das 
evidências proporcionadas pela epidemiologia, no sentido de implementar novas 
intervenções, reorientar as atualmente existentes ou manter as mesmas estratégias em 
curso. 
 Em nível individual, valem-se dos subsídios, apurados com o uso da epidemiologia, os 
profissionais de saúde que lidam diretamente com as pessoas, no sentido de 
fundamentar cientificamente decisões e condutas, tais como o diagnóstico clínico, a 
solicitação de exames complementares e a prescrição de vacinas, de drogas e de 
regimes alimentares. 
 
– ESPECIFICIDADE DA EPIDEMIOLOGIA 
 
 O objetivo geral da epidemiologia é o de concorrer para o controle dos problemas de 
saúde da população, através do melhor conhecimento da situação, de seus fatores 
determinantes e das melhores oportunidades de prevenção de cura e de reabilitação. 
Mas este objetivo geral é encontrado, também, em outras disciplinas das ciências da 
saúde. Qual é, pois, a contribuição própria da epidemiologia, que a diferencia das 
demais? Essencialmente, é a de fornecer conceitos, o raciocínio e as técnicas para 
estudos populacionais, no campo da saúde. 
 
 
 
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 Exemplo: fatores de risco para coronariopatias. 
 
As investigações epidemiológicas têm, consistentemente, apontado que as taxas de 
colesterol, situadas acima dos valores médios registrados para a população, ou níveis 
séricos de HDL, situados no limite inferior da distribuição, estão associados a maiores 
riscos de infarto do miocárdio. Somente as investigações epidemiológicas puderam 
evidenciar que semelhantes relações, de fato, existem, e quantificar os riscos a que 
estão sujeitas as pessoas, em função dos níveis séricos destas substâncias no organismo, 
o que aponta para as condutas de prevenção, a adotar. 
 
– PERSPECTIVA HISTÓRICA 
 
 A busca das raízes da epidemiologia confunde-se com a história da medicina e com a 
própria evolução das teorias sobre as causas das doenças. O conhecimento do passado é 
essencial para entender a situação atual, mormente a atitude dos técnicos e da 
população, em face da doença e das maneiras de enfrentá-la. Através da menção a 
vultos ilustres e a acontecimentos do passado, serão realçados alguns marcos da história 
da epidemiologia. 
 
– EVOLUÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA ATÉ O SÉCULO XIX 
 
 A história da epidemiologia pode ser traçada desde a Antiguidade clássica – embora o 
termo “epidemiologia” seja relativamente recente, como referido no início do capítulo. 
 
 Hipócrates 
 
 Hipócrates, médico grego que viveu há cerca de 2.500 anos, dominou o pensamento 
médico de sua época e dos séculos seguintes. Analisava as doenças em bases racionais, 
afastando-se do sobrenatural, teoria então em voga para explicá-las. As doenças, para 
ele, eram produto da relação complexa entre a constituição do indivíduo e o ambiente 
que o cerca, muito na linha do raciocínio ecológico atual. Uma sofisticada explicação 
desta teoria é encontrada em seus livros, onde figura a orientação ao médico, de 
sempre considerar, na avaliação do paciente, entre outros fatores, o clima, a maneira 
de viver, os hábitos de comer e de beber. Este sábio da Grécia antiga estudou as 
doenças epidêmicas e as variações geográficas das condições endêmicas. Além disto, 
deixou-nos um juramento, que constitui o fundamento da ética médica, e a defesa do 
exame minucioso e sistemático do paciente, que consiste na base para o diagnóstico e 
para a fiel descrição da história natural das doenças. Pelo muito que fez e legou a 
posteridade, Hipócrates, o pai da medicina, é considerado, também, por alguns, o pai 
da epidemiologia ou o primeiro epidemiologista. 
 
 Preservação dos ensinamentos hipocráticos 
 
 A tradição de Hipócrates foi mantida, entre outros, por Galeno (138-201) na Roma 
antiga, preservada por árabes na Idade Média e retomada por clínicos, primeiramente 
na Europa Ocidental, a partir da Renascença, e depois em, praticamente, toda parte. 
 Embora muito de Hipócrates e de Galeno tenha chegado até nós, parte de sua 
contribuição foi perdida ou deturpada. Acrescente-se que, mesmo a parte que nos 
chegou até hoje, foi relegada a segundo plano, durante certo tempo, dando lugar a 
outras explicações. Neste caso, encontra-se a teoria dos miasmas, vigente há séculos, e 
que dominou o pensamento médico até a segunda metade do século XIX. 
 
 
 
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 Miasmas 
 
 A origem das doenças, na teoria miasmática, situava-se na má qualidade do ar, 
proveniente de emanações oriundas da decomposição de animais e plantas. A malária, 
junção de mal e ar, deve seu nome à crença neste modo de transmissão, os miasmas, ou 
seja, as emanações passariam do doente para os indivíduos suscetíveis, o que explicaria 
a origem das epidemias das doenças contagiosas. 
 Note-se que, ainda hoje, o sobrenatural e os miasmas são utilizados por leigos como 
explicações para as doenças, levando a numerosas práticas místicas, em que avultam as 
doenças e o uso de amuletos para afastar danos à saúde, ou o emprego de substâncias 
de odor forte, como o álcool, a menta e o eucalipto usados em fricções no corpo ou 
aspergidos no ambiente em casos de infecção respiratória. 
 
 Primórdios da quantificação dos problemas de saúde 
 
 O advento da quantificação de temas biológicos e sociais foi um acontecimento de 
grande importância, pois encontrou campo fértil na saúde pública e na clínica. Foi 
somente há cerca de três séculos que alguns pioneiros iniciaram tal tipo de abordagem, 
mediantea utilização de dados de mortalidade. 
 
 John Graunt 
 
 John Graunt (1620-1674), no ano de 1662, publicou um tratado sobre as tabelas 
mortuárias de Londres, no qual analisou a mortalidade por sexo e região. Nisto não 
haver, à época, anotação da idade no registro de óbitos, este ilustre precursor 
selecionou determinadas causas, como prematuridade e raquitismo, para estimar a 
proporção de crianças nascidas vivas e que morriam antes dos seis anos de idade. 
 Entretanto, se forem desconsideradas estas primeiras tentativas, mais de natureza 
demográfica do que propriamente epidemiológica, o aparecimento de uma massa crítica 
de investigações, semelhantes às que hoje ao denominadas “epidemiológicas”, somente 
ocorreu no século XIX. 
 
– O SÉCULO XIX 
 
 A Europa no século XIX era o centro das ciências. Uma sucessão de acontecimentos 
influenciava profundamente as pessoas e as idéias. A Revolução Industrial, iniciada por 
volta de 1750 na Inglaterra e um pouco mais tarde em outros países, produziu um 
extenso deslocamento das populações do campo para as cidades, atraídas por emprego 
nas fábricas recém-criadas. À época, importantes correntes filosóficas e políticas 
estavam nascendo ou mostravam suas repercussões, entre as quais a Revolução Francesa 
do final do século XVIII e o positivismo, o materialismo filosófico e os movimentos 
político-sociais da metade do século XI. Epidemias de cólera, febre tifóide e febre 
amarela constituíam graves problemas nas cidades, levando maiores preocupações 
quanto à higiene, ao aprimoramento da legislação sanitária e à criação de uma 
estrutura administrativa para a aplicação das medidas preconizadas. A explicação das 
causas das doenças era disputada entre os que defendiam a teoria dos miasmas e os que 
advogavam a dos germes. 
 Franceses e ingleses ocuparam posição de destaque na história da medicina e da 
epidemiologia daquela época, embora investigadores de outros países tenham também 
produzido obras de grande valor. Entre os cientistas franceses, do século XIX, lembrados 
como pioneiros e como representantes de importantes correntes do pensamento que 
influenciaram a epidemiologia atual, encontram-se Pierre Louis, pelo uso da estatística 
em pesquisa clínica; Louis Villerme, pelo estudo das determinantes sociais das doenças; 
 
www.cursosgesp.com 10 
e Louis Pasteur, por suas investigações no campo da microbiologia. Entre os ingleses, 
merecem menção William Farr, pela aplicação da estatística ao estudo da mortalidade, 
e John Snow, por seus trabalhos de campo, voltados à elucidação de epidemias de 
cólera. Vejamos algumas características do trabalho destes cinco cientistas de modo a 
realçar, através deles, as correntes de pensamento da epidemiologia no século XIX. 
 
 Pierre Louis 
 
 Pierre Louis (1787-1872) fundou escola em Paris, freqüentada por interessados 
vindos de muitos países. Entre as suas obras, encontram-se estudos clínico-patológicos 
sobre a tuberculose e sobre a febre tifóide. Sua maior contribuição foi haver introduzido 
e divulgado o método estatístico, utilizando-o na investigação clínica das doenças. Em 
Paris, àquela época, propugnava-se a contagem rigorosa de eventos para realçar 
semelhanças e diferenças entre segmentos da população, na linha abraçada pela 
epidemiologia atual. Com esta visão, foi possível a Pierre Louis, ao analisar as 
internações hospitalares em Paris – mais especificamente, a letalidade da pneumonia 
em relação à época em que o tratamento por sangria era iniciado – revelar a conduta 
prejudicial, representada por esta técnica, no tratamento de pneumonias, muito mais 
perigosa do que benéfica para os pacientes. Por trabalhos como este Pierre Louis é 
referenciado, por muitos, como a figura ideal do clínico que usa adequadamente a 
epidemiologia e o modelo para os profissionais de saúde que hoje colocam em prática a 
chamada “epidemiologia clínica”. Alguns o consideram como o iniciador da estatística 
médica e outros como o verdadeiro pai da epidemiologia moderna, embora não haja 
consenso quanto a este último título, já que os autores anglo-saxões se dividem entre 
Farr e Snow. 
 
 Louis Villermé 
 
 Louis Villermé (1782-1863) investigou a pobreza, as condições de trabalho e suas 
repercussões sobre a saúde, realçando as estreitas relações entre situação 
socioeconômica e mortalidade, o que o torna um dos pioneiros dos estudos sobre a 
etiologia social das doenças. Sua pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores das 
indústrias de algodão, lã e seda é considerada clássica. Já em épocas mais remotas, 
havia consciência do papel dos fatores sociais sobre a saúde. No entanto, somente no 
século XIX, as relações entre condições econômicas e sociais, e seus efeitos sobre a 
saúde, foram mais consistentemente apontados, expandindo-se, desde então, a noção 
de que estas relações devem ser submetidas à investigação científica. 
 
 William Farr 
 
 William Farr (1807-1883) estudou por dois anos em Paris, com Pierre Louis, e foi 
influenciado pelo enfoque social que Villermé conferia às investigações. Retornando a 
Londres, após a sua estada na França, trabalhou por mais de 40 anos no Escritório do 
Registro Geral da Inglaterra. Entre as suas contribuições, destaca-se: uma classificação 
de doenças, uma descrição das leis das epidemias – ascensão rápida no início, elevação 
lenta até o ápice e, em seguida, uma queda mais rápida (“lei de Farr”) – e a produção 
de informações epidemiológicas sistemáticas usadas para subsidiar o planejamento das 
ações de prevenção e controle. Nos relatórios anuais do Registro Geral, onde trabalhou 
desde a sua fundação, em 1839, apresentava as informações de mortalidade e descrevia 
situações que apontavam para as grandes desigualdades, regionais e sociais, nos perfis 
de saúde. 
 Os relatórios do Registro Geral da Inglaterra possibilitaram o acesso de estudiosos a 
um manancial de informações sobre a saúde, até então não-disponível. Friedrich Engels 
 
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(1820-1895) utilizou-as especialmente na sua obra “A condição da classe trabalhadora 
na Inglaterra, em 1844”, e Edwin Chadwick (1800-1890), um advogado nos seus 
relatórios sobre a saúde das classes trabalhadoras (1842) e sobre os cemitérios (1843), 
que subsidiaram a reforma sanitária inglesa da metade do século XIX. Chadwick, 
baseado em informações do Registro Geral da Inglaterra, mostrou a grave situação de 
saúde de grande parte da população, através de constatações como as seguintes: mais 
da metade das crianças das classes trabalhadoras não chegava à idade de cinco anos, a 
idade média do óbito na classe mais abastada era de 36 anos, entre os trabalhadores do 
comércio era de 22 anos e entre os trabalhadores da indústria, de 16 anos. 
 Em outros centros culturais de então, além de Paris e Londres, a pesquisa das causa 
das doenças também tomou um rumo semelhante, com ênfase conjunta nos aspectos 
biológicos e sociais. Serve de exemplo a investigação realizada por Rudolf Virchow 
(1821-1902), uma das figuras centrais da patologia moderna, sobre uma epidemia de 
febre tifóide, ocorrida na Alemanha, em 1848, cujas conclusões foram as de que as 
causas eram tanto sociais, econômicas e políticas, quanto físicas e biológicas. 
 
 John Snow 
 
 John Snow (1813-1858) conduziu numerosas investigações no intuito de esclarecer a 
origem das epidemias de cólera, ocorridas em Londres, no período 1849-1854. Foi assim 
que conseguiu incriminar o consumo de água poluída como responsável pelos episódios 
da doença, e traçar os princípios de prevenção e controle de novos surtos, válidos ainda 
hoje, mais fixados em uma época muito anterior ao isolamento do respectivo agente 
etiológico, o que só aconteceu em 1883. O trabalho de Snow, na elucidação da epidemia 
de cólera, é considerado um clássico da “epidemiologia de campo”. 
 A expressão “epidemiologia de campo” significa a coleta planejada de dados, em 
geral, na comunidade. Snow, na tentativa de elucidara etiologia das epidemias de 
cólera, visitou numerosas residências para minucioso estudo dos pacientes e do 
ambiente onde viviam, inclusive com exame químico e microscópico da água de 
abastecimento. 
 A obra deixada por Snow é muito apreciada como exemplo de “experimento 
natural”; conjunto de circunstâncias que ocorrem naturalmente e em que as pessoas 
estão sujeitas a diferentes graus de exposição a um determinado fator, simulando, 
assim, uma verdadeira experiência planejada com esta finalidade. Naquela época, duas 
companhias comerciais forneciam à população de Londres a água do rio Tamisa, retirada 
de locais próximos entre si e muito poluídos. Em determinado momento, uma das 
companhias mudou o local de coleta de água para um ponto mais a montante do rio, 
antes de sua penetração na cidade. Logo, raciocinou Snow, se a ingestão de água 
contaminada fosse fator determinante na distribuição da doença, a incidência de cólera 
deveria ser diferente entre as pessoas que se abasteciam de um ou de outra 
fornecedora de água. Para comprovar a sua hipótese, procurou saber a fonte de 
suprimento de água de cada domicilio onde era registrado caso fatal de cólera. Como o 
dado não existisse na forma por ele desejada, passou, juntamente com um assistente, a 
anotar os óbitos registrados como devidos à doença e a visitar os domicílios, para 
certificar-se da proveniência da água. Os resultados encontrados mostram que a 
companhia que mudou o seu ponto de captação de água estava relacionada a uma taxa 
de mortalidade várias vezes menor, o que foi tomado como uma forte evidência para 
sustentar a teoria da transmissão hídrica, mormente quando não havia outras 
diferenças, de cunho social, geográfico ou demográfico, que pudessem explicar 
variações de mortalidade entre os clientes das duas companhias. 
 
 Louis Pasteur 
 
 
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 Pasteur (1822-1895), considerado pai da bacteriologia, foi uma das figuras mais 
importantes da ciência, no século XIX. Foi ele quem assentou as bases biológicas para os 
estudos das doenças infecciosas, influenciando profundamente a história da 
epidemiologia. Na verdade, a noção de que as doenças eram transmitidas por contágio é 
antiga. No século XVI, Girolamo Fracastorius (1484-1533) descreveu a transmissão de 
infecções por contacto direto, através de gotículas de saliva e de fômites (objetos que, 
contaminados, propagam a infecção). Nos séculos seguintes, outros cientistas também 
afirmaram que as doenças eram causadas por agentes animados, diferentes para cada 
doença, conceito que era negado pelas mais importantes figuras da época. 
 Os trabalhos de Pasteur, seguidos pelos de Robert Koch (1843-1910) e de outros 
brilhantes microbiologistas, criaram a impressão de que as doenças poderiam ser 
explicadas por uma única causa, o agente etiológico, que passou para a história como a 
“teoria do germe”. As pesquisas em epidemiologia passaram a ter um forte componente 
laboratorial, pois parecia evidente que a busca de agentes para explicar as doenças 
substituía, com vantagens, a teoria dos miasmas, constituindo uma linha promissora de 
investigação etiológica. Além de tudo, trazia para o raciocínio causal uma precisão não 
encontrada nas teorias anteriores, qual seja, a comprovação laboratorial da presença de 
um agente. 
 
 Outras figuras de destaque 
 
 Muitos outros vultos históricos poderiam e mereceriam ser citados por suas 
contribuições expressivas, como Semmelweis, Janner, Quetelet e Mendel, mas a citação 
completa seria impraticável. Apenas aos quatro citados faremos ainda menção. 
 O médico húngaro Ignaz Semmelweis (1818-1865) investigou as causas da febre 
puerperal em duas clínicas da maternidade em que trabalhava, no Hospital Geral de 
Viena. Em uma delas, cuja taxa de mortalidade era alta (9,9% nos anos 1841-1846), os 
estudantes vinham à enfermaria e examinavam as mulheres logo após realizarem 
dissecações na sala de autópsias. Na outra, onde a mortalidade era mais baixa (3,4%no 
mesmo período, 1841-1846), isto não acontecia, Semmelweis suspeitou de que os 
estudantes, ao exame, contaminavam as mulheres com algum material infeccioso. 
Graças a medidas de higiene e desinfecção das mãos, regime instituído nas 
maternidades no ano de 1847, a taxa de mortalidade por infecção materna, em ambas 
as clínicas, diminuiu para 1,3%, no ano de 1848. As conclusões de Semmelweis não 
foram aceitas pelos seus colegas de trabalho. 
 Os três vultos, ainda aqui lembrados, não o são porque tenham efetuado 
investigações epidemiológicas, da maneira como são vistas atualmente, das quais é 
protótipo e de Semmelweis, mas pela repercussão de suas pesquisas pioneiras, no 
campo da epidemiologia e da prevenção. 
 Edward Jenner (1743-1823), médico inglês, foi o primeiro a utilizar, cientificamente, 
uma vacina, empregada contra a varíola e, por isso, é considerado o pai da imunologia. 
 Jacques Quetelet (1796-1857), estatístico belga, é lembrado pela aplicação pioneira 
do raciocínio estatístico às ciências biológicas e sociais. 
 Gregor Mendel (1822-1884), padre e botânico austríaco, foi o pioneiro dos estudos de 
genética, abrindo caminho para decifrar os mistérios da transmissão de características 
de pais para e filhos e, conseqüentemente, explicar, em parte, a distribuição desigual 
da doença, na coletividade. 
 
– A PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX 
 
 A história da epidemiologia, neste século, não será narrada com base na referência a 
vultos ilustres, como na seção anterior, embora haja citação de alguns nomes – visto 
compreender acontecimentos recentes, com numerosos protagonistas, muitos dos quais 
 
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ainda não ultrapassaram o teste do tempo. Além do mais, o que levou a epidemiologia à 
sua posição atual não foi a contribuição de um ou de alguns poucos brilhantes 
intelectuais, mas a de um conjunto de pequenos avanços, cuja obtenção foi 
compartilhada por muitos. 
 
1. INFLUÊNCIA DA MICROBIOLOGIA 
 
 A revolução representada pelo desenvolvimento da bacteriologia, na segunda 
metade do século XIX, influenciou profundamente as primeiras décadas do século XX, 
causando uma substancial reorientação do pensamento médico, pois alterou os 
conceitos de doença e de contágio. A partir de então, comprovou-se fartamente que 
seres microscópicos, dotados de características especiais, minuciosamente descritas, 
desempenhavam papel predominante na gênese de muitas doenças. A clínica e a 
patologia tornaram-se subordinadas ao laboratório, que ditava também padrões para a 
higiene e para a legislação sanitária. Nas escolas de saúde pública tradicionais, pontos 
de formação de sanitaristas, o ensino concentrava-se também no laboratório. 
Fundaram-se institutos de pesquisa aplicada em praticamente todo o mundo, nos 
moldes do Instituto Pasteur de Paris, criado para facilitar as investigações do 
pesquisador francês e de seus discípulos. Serve de ilustração o que aconteceu no Rio de 
Janeiro. 
 
 Oswaldo Cruz e a Escola de Manguinhos 
 
 Oswaldo Cruz (1872-1917), o renomado sanitarista brasileiro, estudou no Instituto 
Pasteur em Paris e, no seu retorno a Brasil, fundou, no início do século, em Manguinhos, 
no Rio de Janeiro, o Instituto que hoje tem o seu nome, reproduzindo o modelo de 
sucesso de então e que também se tornou, com o passar do tempo, um dos poucos 
exemplos de longevidade de instituições de pesquisa na América Latina. 
 Além de criar o Instituto, no qual possibilitou condições excepcionais de trabalho 
para numerosos cientistas que recrutou para investigar os principais problemas 
nacionais de saúde. Oswaldo Cruz empreendeu vitoriosa campanha contra a febre 
amarela, no Rio de Janeiro, e o combate à peste e à varíola, com grande competência 
técnica, o que lhe valeu ser reconhecido como um dos grandes vultos da saúde pública 
brasileira. Entre os que se destacaram no Instituto Oswaldo Cruz, figura Carlos Chagas 
(1879-1934), que descreveu a entidade nosológica que leva o seunome. A descoberta 
ocorreu em 1909, em Lassance, Minas Gerais, quando lá esteve para colaborar no 
combate a um surto de malária, que dificultava a construção da estrada de ferro local. 
Também fez parte do grupo de Manguinhos o brilhante protozoologista Adolfo Luts 
(1855-1940), que havia deixado sua posição de diretor do Instituto Bacteriológico, em 
São Paulo, onde trabalhara no controle da febre amarela e de outras endemias, ao lado 
de outro grande sanitarista, Emílio Ribas (1862-1925). Muitas obras públicas no país, 
naquela época, foram possíveis ou facilitadas graças à ação direta dos técnicos do 
Instituto Oswaldo Cruz, indicando as medidas saneadoras preventivas que deviam ser 
tomadas ou, indiretamente, em conseqüência do treinamento que o Instituto promovia 
e das descobertas científicas que ali aconteciam. 
 
 
2. DESDOBRAMENTOS DA TEORIA DOS GERMES 
 
 Embora o século XIX tenha sido muito rico na produção do conhecimento, o seguinte 
assistiu a um progresso ímpar da ciência e da tecnologia. Os grandes avanços da 
bacteriologia, já assinalados, fizeram com que, nas primeiras décadas do século XX, os 
caminhos da prevenção se consolidassem através da identificação de agentes etiológicos 
 
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e dos meios de combater sua ação morbígena, mediante o aumento da resistência 
específica do organismo humano, com o uso das imunizações, e da promoção do 
saneamento ambiental. 
 
 Saneamento ambiental, vetores e reservatórios de agentes 
 
 O saneamento ambiental é preocupação antiga da humanidade. Os romanos 
construíram monumentais aquedutos, alguns dos quais até hoje preservados e, nas suas 
cidades, era grande o cuidado com o saneamento básico. Nos séculos XVIII e XIX, os 
sanitaristas lutavam pela ampliação do saneamento ambiental, como forma de 
enfrentar as doenças contagiosas. Na urbanização das cidades, os médicos eram ouvidos 
e aconselhavam a construção de avenidas largas, para facilitar a ventilação e, desta 
maneira, combater os miasmas. A urbanização do centro da cidade do Rio de Janeiro, 
com a drenagem de pântanos e a demolição de morros, desde meados do século XIX, foi 
profundamente influenciada pelos profissionais de saúde que, na época, comungavam 
da visão miasmática das causas da doença. Mas as descobertas científicas, ocorridas na 
biologia e na medicina, fizeram com que o meio ambiente pudesse ser estudado mais 
cientificamente, colocando em destaque o seu papel na transmissão, visto que ele 
fornece o substrato não só para grande número de agentes produtores de doenças, 
como para os hospedeiros suscetíveis. O campo de investigação expandiu-se, para 
incluir vetores e os reservatórios de agentes, o que resultou no esclarecimento do ciclo 
dos parasitas, ampliando as possibilidades de prevenção. Como ilustração de 
investigações orientadas para elucidar o papel dos mosquitos e outros vetores na 
etiologia das doenças infecciosas, empreendidas no final do século XIX e início do século 
XX, citam-se as realizadas pelo francês Alphonse Laveran (1845-1922) e pelo inglês 
Richard Ross (1857-1932) sobre a malária, as do inglês Patrick Manson (1844-1922) sobre 
filariose e esquistossomose, as do cubano Carlos Finlay (1833-1915) e do norte-
americano Walter Reed (1851-1902) sobre febre amarela, e as do brasileiro Carlos 
Chagas, já mencionado, sobre a tripanossomíase americana, ou seja, a doença de 
Chagas. 
 
 Ecologia 
 
 O aprofundamento do conhecimento sobre a transmissão das doenças fez com que a 
teoria centrada nos germes cedesse lugar a esquematizações sobre agentes, hospedeiro 
e meio ambiente, sob a forma de modelos unificados, iniciando a fase atual, mais 
sofisticada, de explicação das doenças, baseada na multicausalidade. A saúde passa a 
ser mais bem compreendida e entendida como uma resposta adaptativa do homem ao 
meio ambiente que o circunda, e a doença como um desequilíbrio desta adaptação, 
resultante de complexa interação de múltiplos fatores. “Os estados de saúde e doença 
são a expressão do sucesso ou do fracasso experimentado pelo organismo em seus 
esforços para responder adaptativamente a desafios ambientais. A epidemiologia, por 
sua preocupação com o estudo das doenças em relação a fatores ambientais é, então, 
considerada como “ecologia médica” ou, em sentido amplo, “ecologia da saúde”. 
 
 
3. BASE DE DADOS PARA A MODERNA EPIDEMIOLOGIA 
 
 A coleta sistemática de dados sobre as características das pessoas falecidas, em 
especial as causa mortis, atividade esta já praticada há séculos e que tem sido 
progressivamente aperfeiçoada, permitiu o estabelecimento de um sistema moderno de 
informações, centralizado, útil para a detecção do aparecimento e do perfil de muitas 
doenças na comunidade. Desta maneira, as chamadas “estatísticas vitais”, que incluem 
 
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informações sobre nascimentos e óbitos, tornaram-se uma fonte de dados para a qual se 
voltaram, e se voltam, com freqüência cada vez maior, os profissionais de saúde, 
visando a aprimorar o conhecimento das condições de saúde da população. 
 
A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX 
 
 Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve um impressionante 
desenvolvimento da epidemiologia. 
 
1. ÊNFASE DAS PESQUISAS 
 
 O século XX, como já foi assinalado, testemunhou a mudança do perfil das doenças 
prevalentes, com a importância crescente das condições crônico-degenerativas, como 
causas de morbidade e mortalidade. A epidemiologia progride através da pesquisa sobre 
muitos temas, entre os quais: 
 
 A determinação das condições de saúde da população; 
 A busca sistemática de fatores antecedentes ao aparecimento das doenças, que 
possam ser rotulados como agentes ou fatores de risco; 
 A avaliação da utilidade e da segurança das intervenções propostas para alterar a 
incidência ou a evolução da doença, através de estudos controlados. 
 
a) DETERMINAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE SAÚDE DA POPULAÇÃO 
 
 Os inquéritos de morbidade constituem exemplos de investigações sobre o estado de 
saúde da comunidade. Na verdade, pesquisas deste tipo já haviam sido realizadas em 
épocas anteriores, mas somente foram empregadas em grande número e com maior 
nível de detalhamento na segunda metade do século XX. O mesmo se passou com os 
inquéritos de mortalidade, dos quais muitos exemplos podem ser encontrados na 
literatura de algumas décadas atrás, mas apenas a segunda metade do século 
testemunhou pesquisas desta natureza, bem controladas e de grande porte, como as 
Investigações Interamericanas de Mortalidade. 
 
b) INVESTIGAÇÕES ETIOLÓGICAS 
 
 Quanto às pesquisas etiológicas, que abriram uma nova fase na epidemiologia, 
merecem citação as que evidenciaram o papel da rubéola nas malformações congênitas, 
as do cigarro na etiologia de afecções respiratórias e as dos fatores de risco 
relacionados às coronariopatias. Para tal, foi necessário o aperfeiçoamento de estudos 
controlados, de cunho não-experimental, quer prospectivos que retrospectivos. Os 
estudos de coorte e de caso-controle têm sido os principais tipos de delineamentos para 
investigações etiológicas. 
 
c) AVALIAÇÃO DE INTERVENÇÕES 
 
 Foi só recentemente, a partir de meados do século XX, que a avaliação de 
procedimentos preventivos e curativos, através de estudos populacionais controlados, 
teve maior espaço na literatura da epidemiologia. São exemplos pioneiros as 
investigações experimentais levadas a efeito para verificar a eficácia da estreptomicina 
no tratamento da tuberculose, da fluoretação da água na prevenção da cárie dentária e 
da vacina contra a poliomielite. Desde então, esta metodologia passou a ser 
amplamente usada, sendo exemplo recente do seu emprego a avaliação das 
 
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intervenções adotadas para reduzir a prevalência de fatores de risco das doenças 
cardiovasculares. 
 
2. SITUAÇÃO ATUAL 
 
 Para lidar com o complexo problema da multicausalidade na realização de estudos 
analíticos, em especial dos tipos coortee caso-controle, e afastar, ao mesmo tempo, as 
numerosas variáveis confundidoras da interpretação dos resultados, foi necessário 
imprimir grande complexidade ao arsenal analítico, de caráter estatístico, pouco 
acessível ao não-especialista. Como conseqüência, são características marcantes da 
pesquisa epidemiológica do final do século XX o rigor metodológico, na tentativa de 
imprimir imparcialidade na verificação dos eventos, e a sofisticação do planejamento 
das investigações e da análise estatística, em computador. 
 Vale assinalar a publicação pioneira, em 1960, da primeira edição de um livro-texto, 
que teve grande influência no desenvolvimento da epidemiologia. Nele é feita a 
primeira síntese dos princípios e métodos utilizados na epidemiologia, e são abordadas, 
em detalhe, as técnicas mais simples dos estudos descritivos, bem como a metodologia 
mais avançada dos estudos caso-controle, de coorte e de intervenção randomizada. 
 Na atualidade, a situação é complexa. Praticamente todos os agravos à saúde já 
foram ou estão sendo estudados através de investigações epidemiológicas. Nas pesquisas 
etiológicas são analisados não só fatores físicos e biológicos, de indiscutível 
predominância como foco de interesse nas pesquisas etiológicas, mas também, em 
número crescente, os fatores psicossociais. Tornou-se claro, para os pesquisadores e 
estudiosos da matéria, que os agentes microbiológicos e físicos não eram capazes de 
explicar todas as questões de etiologia e prognóstico. Isto fez com que conceitos e 
técnicas de psicologia, passassem a ser utilizados e incorporados aos fundamentos e aos 
métodos da moderna epidemiologia. A aproximação com estas disciplinas e a 
necessidades de melhor precisar as condições de aparecimento e evolução das doenças 
trouxeram, para epidemiologia, ênfase ainda maior em técnicas quantitativas, de que 
são exemplos os inquéritos em amostras representativas e o uso de análises estatísticas 
multivariadas. A evolução da técnica foi marcante na segunda metade do século XX, em 
grande parte devido às necessidades inerentes às investigações sobre os múltiplos 
fatores determinantes das doenças crônicas não-transmissíveis. 
 
 Duas tendências da epidemiologia atual 
 
 No último quarto do século, duas tendências, de contornos distintos, marcaram a 
moderna epidemiologia: uma natureza clínica e outra de cunho social. 
 
a) EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA 
 
 É o retorno da epidemiologia ao ambiente estritamente clínico, mas com 
características diferentes, em comparação à ênfase de outrora, que tinha uma 
conotação eminentemente ecológica – ou seja, de conhecer o ambiente imediato em 
que vive o paciente, de modo a verificar as circunstâncias que possibilitam o 
aparecimento da doença. A prática clínica sempre foi dependente de informações 
epidemiológicas, essenciais para o diagnóstico e para a orientação do paciente. Foram 
os médicos os primeiros epidemiologistas, os primeiros que usaram a disciplina, para a 
pesquisa etiológica ou para conferir uma visão mais abrangente, ou ecológica, à saúde. 
Mas na década de 1970, surge algo diferente: um movimento também de médico, de 
cunho metodológico, para utilizar a epidemiologia e a estatística no ambiente clínico, 
de modo a trazer maior rigor científico à prática da medicina, em que foi denominada 
 
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“epidemiologia clínica”. Ele consiste na aplicação dos fundamentos epidemiológicos 
modernos ao diagnóstico clínico e ao cuidado direto com o paciente. 
 
b) EPIDEMIOLOGIA SOCIAL 
 
 Trata-se de contestação à visão clássica da epidemiologia – criticada como 
“reducionista”, “funcionalista” ou “positivista” – e que passou a ser conhecida como 
“epidemiologia social”. Foi o renascer do estudo da determinação social da doença. O 
seu intuito é o de procurar melhor entender a situação de saúde da população, em 
especial nas regiões subdesenvolvidas – ou dos segmentos desfavorecidos da população, 
mesmo das nações industrializadas - dentro de alguns postulados básicos, que são 
encontrados principalmente na sociologia. Conseqüentemente, o seu objetivo tem sido 
o de produzir conhecimentos dentro de uma lógica até então pouco utilizada ou 
totalmente esquecida na epidemiologia. A justificativa de semelhante enfoque advém 
da constatação das enormes desigualdades existentes na sociedade e que, enquanto 
este contexto de desigualdades não for resolvido, a saúde dos grupos socialmente menos 
favorecidos sofrerá as suas conseqüências adversas: a alta prevalência de doenças, 
quando deles tem necessidade. 
 
 
– PILARES DA EPIDEMIOLOGIA 
 
 O desenvolvimento da epidemiologia, descrito anteriormente, fez com que a 
disciplina, antes restrita à saúde pública e com ênfase nos aspectos físicos e biológicos, 
se expandisse para a área clínica e para a área social, levando a sua incorporação ao 
currículo de todo o pessoal de saúde. Em vista desta expansão, a epidemiologia 
moderna é uma disciplina complexa, que se vale dos conhecimentos gerados em muitas 
outras áreas, mas onde podem ser identificados três eixos básicos: as ciências 
biológicas, as ciências sociais e a estatística. A boa compreensão e a aplicação da 
epidemiologia, nos dias atuais, requerem sólidos conhecimentos sobre estes seus três 
pilares. Vejamos cada um deles, a seguir. 
 
 CIÊNCIAS BIOLÓGICAS 
 
 A epidemiologia apóia-se em conhecimentos biológicos, encontrados ou 
desenvolvidos em outras áreas do próprio campo da saúde, tais como a clínica, a 
patologia, a microbiologia, a parasitologia e a imunologia. Estas e outras disciplinas 
afins contribuem para que se possa melhor descrever as doenças, classificá-las mais 
adequadamente e, assim, atingir maior grau de precisão na determinação da freqüência 
com que estão ocorrendo na população, o que se reflete na qualidade dos estudos de 
correlação e nas pesquisas, de maneira geral. 
 
 CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 As ciências sociais conferem uma dimensão mais ampla à epidemiologia. Os fatores 
que produzem a doença são biológicos e ambientais, com significados sociais complexos. 
A sociedade, de forma como está organizada, embora ofereça proteção aos indivíduos, 
também determina muito dos riscos de adoecer, bem como o maior ou menor acesso 
das pessoas às técnicas de prevenção das doenças e de promoção e recuperação da 
saúde. 
 A busca de melhor conhecimento da interação do social com o biológico, na 
produção da doença, passou a ser fundamental, na epidemiologia atual. As ciências 
sociais dispõem de teorias e métodos, além de toda uma tradição de pesquisa, ou estão 
 
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sendo trazidos para a epidemiologia como instrumentos e formas de abordagem a serem 
empregados na investigação social das doenças não é recente, como se menciona em 
diversas passagens deste livro, mas existe, na atualidade, um ressurgir de interesse 
sobre o assunto, inclusive quanto à forma de conceber o marco teórico das 
investigações. 
 
 ESTATÍSTICA 
 
 A estatística é a ciência e a arte de coletar, resumir e analisar dados sujeitos a 
variações. Tem papel fundamental na epidemiologia, pois fornece o instrumental a ser 
levado em conta nas investigações de questões complexas, com a aleatoriedade dos 
eventos e o controle de variáveis que dificultam a interpretação dos resultados. Em 
diversas fases de uma pesquisa, a estatística assume papel de realce: é o que ocorre, 
por exemplo, na etapa do planejamento, especialmente na determinação do tamanho 
da amostra e na forma de selecionar as unidades que deverão compô-la. Outra 
ilustração é representada pela fase de análise dos dados, em particular, no estudo do 
significado das variações de freqüências, quando se tenta verificar se as diferenças são 
simplesmente devidas ao acaso ou se traduzem ocorrências sistemáticas, cujas causas 
merecem ser pesquisadas. A aproximação da epidemiologia à estatística fez com que a 
primeira fosse ocupando um espaço até então não preenchido na área da saúde, 
formando uma “ponte”,que o pessoal de saúde utiliza para melhor conhecer a 
estatística, e tornando-se uma disciplina científica de síntese, onde são encontrados 
conceitos e métodos para planejamento, execução, análise e interpretação de 
resultados de estudos sobre a saúde de grupos de pessoas. Pelo fato de a epidemiologia 
envolver o estudo de muitas pessoas, gerando, no mais das vezes, uma massa 
considerável de dados para análise, o advento das modernas técnicas eletrônicas de 
computação, dinamizando as tarefas de cálculo, fizeram com que a informática tivesse 
ampla aplicação na disciplina. Vale referir os programas estatísticos, para 
microcomputador, de uso em epidemiologia, que estão sendo desenvolvidos em ritmo 
crescente, com grande economia de tempo no planejamento e na análise de dados. 
 
REFERÊNCIAS 
 
1. PEREIRA, M. Aspectos Gerais. In:_____________. Epidemiologia: Teoria e Prática. 
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1995. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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A HISTORICIDADE DO CONCEITO DE CAUSA 
 
 
A questão da causalidade é central na Epidemiologia, isto é, a compreensão do 
processo de determinação da doença é uma das vertentes, talvez a mais importante, na 
história dessa área de conhecimento. 
 Enquanto conceito, a causalidade é determinada, de um lado, pelas condições 
concretas de existência do homem, de outro, pela sua capacidade intelectiva em cada 
contexto histórico. Vale dizer, enquanto conceito, categoria explicativa, a questão da 
causa é revestida de historicidade. Daí a necessidade de reconstruir a história do 
conceito, a fim de apreender as transformações de conteúdo por que passou. 
 As primeiras interpretações que o homem deu a questão da causa, entre os povos 
da Antiguidade, podem ser separadas em duas vertentes. A primeira, presente nas 
concepções dos assírios, egípcios, caldeus, hebreus e outros povos, toma o corpo 
humano como receptáculo de uma causa externa que, penetrando-o, irá produzir a 
doença sem que o organismo, de algum modo, participe ativamente no processo. As 
causas tanto podem ser elementos naturais, quanto espíritos sobrenaturais, de acordo 
com o paradigma SOBENATURAL OU MÍSTICO. 
 Os sistemas filosóficos de compreensão do mundo, desses povos, eram todos de 
caráter religioso. Assim, as observações empíricas relativas ao aparecimento das 
doenças e a função curativa de plantas e recursos naturais também eram revestidas 
desse caráter religioso. 
A segunda vertente é representada pela medicina hindu e chinesa. A doença é 
vista como conseqüência do DESEQUILÍBRIO ENTRE OS ELEMENTOS, humores, que 
compõem o organismo humano. A causa do desequilíbrio era buscada no ambiente 
físico, isto é, na influência dos astros, no clima, nos insetos e outros animais associados 
às doenças. A medicina chinesa desenvolveu um sistema complexo de correspondências 
entre os cinco elementos que compõem os organismos vivos (madeira, metal, terra, 
água, ar e fogo), suas características, cores, planetas e órgãos-sede. Por exemplo, o 
coração mantém correspondência com o fogo, é quente, vermelho e regido por Marte. 
 A saúde, para os chineses, resulta do equilíbrio entre os princípios Yin e Yang. As 
causas externas provocam desequilíbrio dos princípios, o que levará a um desequilíbrio 
dos elementos, com o aparecimento da doença. Para restabelecer a saúde, procura-se 
restabelecer o equilíbrio da energia interna, através de várias terapêuticas (acupuntura, 
do-in, etc.). 
 Nesta concepção de doença, o homem desempenha um papel ativo no processo e 
as causas são naturalizadas, isto é, perdem o caráter mágico e religioso predominante 
na outra conceituação. 
 Na Grécia, o estudo da medicina continua no caminho apontado pelas teorias 
hindus e chinesas. A saúde é um estado de isonomia, ou seja, de harmonia perfeita 
entre os quatro elementos que compõem o corpo humano: terra, ar, água e fogo. A 
doença aparece como conseqüência da ação de fatores externos que provocam no 
organismo, uma disnomia. 
(...) A maneira pela qual elas (as doenças) se formam pode ser clara a 
qualquer um. O corpo é composto da mistura de quatro elementos: terra, 
fogo, água e ar. A abundância ou a falta desses elementos fora do natural; a 
mudança de lugar, fazendo com que eles saiam de sua posição natural para 
outra que não lhes seja bem adaptada; ou o fato de um deles ser forçado a 
receber uma quantidade que não é própria para ele, mas conveniente para 
outra espécie; todos esses fatores e outros similares são as causas que 
produzem distúrbios e moléstias (PLATÃO). 
 
 
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 Hipócrates enriqueceu as concepções gregas de saúde e doença, por meio da 
prática clínica e de cuidadosas observações da natureza. Ele estabeleceu a 
correspondência entre os humores, seus elementos, qualidade e órgãos-sede, como a 
medicina chinesa. Assim, o sangue com sede no coração é quente e corresponde ao 
elemento fogo; a pituíta produzida pelo cérebro é fria e corresponde ao ar; a bile 
amarela corresponde a terra e é produzida pelo fígado; enquanto que a bile negra, 
sediada no baço e no estômago, é úmida e corresponde à água. A terapêutica baseava-
se na aplicação dos elementos contrários, para tentar restabelecer o equilíbrio inicial. 
 A importância atribuída por Hipócrates ao ambiente físico na causalidade das 
doenças pode ser avaliada pelo seguinte trecho do livro Dos ares, das águas e dos 
lugares: 
 
Quem quiser prosseguir no estudo da ciência da medicina deve proceder 
assim. Primeiro, deve considerar que efeitos que cada estação do ano pode 
produzir, porque todas as estações não são iguais, mas diferem muito entre 
si mesmas e nas suas modificações. Tem que considerar, em outro ponto, os 
ventos quentes e os frios, em particular aqueles que são universais, 
mostrando bem aqueles peculiares a cada região. Deve também considerar 
as propriedades das águas, pois estas diferem em gosto e peso, de modo que 
a propriedade de uma difere muito de qualquer outra. Usando esta prova, 
deve examinar os problemas que surgem (HIPÓCRATES). 
 
 A escola grega elaborou uma concepção que inúmeros fatores do ambiente físico 
poderiam ser capazes de produzir doença quando, agindo sobre o organismo humano, 
desencadeassem alterações dos humores. O conceito de causalidade apresentado é, 
assim, mais complexo e elaborado, envolvendo as reações do homem às agressões 
provenientes de seu ambiente natural. 
 A partir das observações empíricas, os antigos conseguiram elaborar hipóteses 
sobre o contágio das doenças, como atesta a seguinte citação de um escritor 
romano:“Talvez vivam nos lugares pantanosos pequenos animais que não possam ser 
percebidos pelos olhos e penetrem no corpo pela boca e pelas narinas e causem 
desordens graves”. 
 
Durante a Idade Média, isto é, o período de consolidação do modo de produção 
feudal, praticamente não ocorreu avanços no estudo da causalidade. Os princípios 
hipocráticos são conservados ao nível de explicação teórica e a prática clínica é 
completamente abandonada. Sob a influência do Cristianismo, a medicina volta a se 
revestir do caráter de uma prática religiosa. No final desse período, com o número 
crescente de epidemias que assolam a Europa, retorna-se à questão da causalidade das 
doenças. O centro das preocupações médicas são as questões relativas às doenças 
infecciosas. A concepção de contágio existente no século XIV pode ser avaliada pela 
seguinte citação, relativa à peste de 1374, na Itália: 
 
Devido a uma infecção do hálito que se espalhou em torno deles enquanto 
falavam, um infectava o outro, (...) e não só faziam morrer quem quer que 
falasse com eles, como também, quem quer que comprasse, tocasse ou 
tirasse alguma coisa que lhes pertencesse (MICHELE PIAZZA, monge 
franciscano). 
 
 
É patente a noção de que a doença poderia ser produzida por meio do contágio 
entre os homens, isto é, homem doente era capaz, por algum modo, de provocar a 
doença nos demais. Quanto às causas, as explicações encontradas iam desde awww.cursosgesp.com 21 
influência da conjugação de certos planetas, até o envenenamento dos poços pelos 
leprosos e judeus ou pelas bruxarias dos endemoniados. 
 No Renascimento, a medicina volta a ser exercida predominantemente por leigos 
e são retomados os experimentos e as observações anatômicas que resultarão na 
formação das ciências básicas. 
 Na tentativa de se elaborar uma explicação para a disseminação das doenças 
epidêmicas, concebe-se a existência de partículas invisíveis, responsáveis pela produção 
das doenças e que atingem o homem de diferentes maneiras (contágio direto ou indireto 
– através de fômites ou outros veículos). 
 Fracastoro, no século XVI, elabora a TEORIA DO CONTÁGIO da seguinte 
forma:“Os seminaria (princípio do contágio) se disseminam escolhendo os humores 
pelos quais têm afinidades, sendo lançados nos vasos por atração. Podem ser absorvidos 
pela respiração e aderir aos humores que os levam ao coração”. 
 Estamos, novamente, diante de uma formulação da causalidade, em que um 
fator externo ao organismo penetra nele determinando o aparecimento da doença. Em 
certo sentido, a concepção hipocrática mais totalizadora fica relegada. Interessa agora, 
descobrir a origem dessas matérias contagiosas. Outra vez, o organismo humano é um 
receptáculo da doença, pouco se podendo fazer para evitá-la. 
 Do desdobramento dessas elaborações teóricas inicias sobre o contágio, vai surgir 
a TEORIA MIASMÁTICA, que será hegemônica até o aparecimento da bacteriologia, na 
segunda metade do século XIX. 
 As seguintes citações, retiradas da obra de Boyle e Sydeham, respectivamente, 
demonstram as formulações existentes no século XVII, a respeito da causalidade das 
doenças: 
 
As doenças originam-se, parcialmente, das partículas da atmosfera e 
parcialmente de diferentes fermentações e putrefações dos humores. As 
primeiras insinuam-se entre os sucos do corpo, desagregando-os, misturam-
se ao sangue e finalmente contaminam todo o organismo. 
 
A peste é um complexo sintomático que a natureza usa para demonstrar a 
eliminação natural, pela qual um abscesso ou outra forma de erupção, pode 
expelir do corpo aquelas partículas miasmáticas que nós adquirimos com o 
ar que respiramos. 
 
Durante todo o século XVIII, os estudos médicos se voltam para a compreensão 
do funcionamento do corpo humano e das alterações anatômicas sofridas durante a 
doença. O estudo das causas cede lugar à prática clínica. As pesquisas científicas 
interessam-se pela localização das sedes das doenças no organismo e se voltam para 
desvelar a linguagem dos sinais e sintomas clínicos. O método clínico, pelo seu próprio 
caráter intensivo e singular, não propicia a abordagem das questões relativas às causas 
das doenças, pois estas se dão no plano coletivo, não sendo, portanto, verificáveis na 
dimensão particular do indivíduo. 
 No final do século XVIII, após a Revolução Francesa, no contexto da crescente 
urbanização dos países europeus e da consolidação do sistema fabril, aparece, com 
força crescente, a concepção de CAUSAÇÃO SOCIAL, isto é, das relações entre as 
condições de vida e trabalho das populações e o aparecimento de doenças. 
 Ao lado das condições objetivas de existência, o desenvolvimento teórico das 
ciências sociais permitiu, no final do século XVIII, a elaboração de uma TEORIA SOCIAL 
da medicina. O ambiente, origem de todas as causas de doença nas outras teorias, deixa 
momentaneamente de ser natural para revestir-se do social. É nas condições de vida e 
trabalho do homem que as doenças deverão ser buscadas. 
 
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 Necessário é lembrar que a concepção miasmática da causalidade permanece 
hegemônica, enquanto a medicina social aparece entre os revolucionários ligados aos 
diversos movimentos políticos do final do século XVIII e primeira metade do século XIX. 
 O pensamento desses revolucionários pode ser ilustrado pelas seguintes citações: 
 
A ciência médica é intrínseca e essencialmente uma ciência social; enquanto 
isso não for reconhecido na prática, não seremos capazes de desfrutar de 
seus benefícios e teremos que nos satisfazer com um vazio e uma 
mistificação (NEUMANN). 
 
Se a doença é uma expressão da vida individual sob condições desfavoráveis, 
a epidemia deve ser indicativa de distúrbios, em maior escala, da vida das 
massas. As epidemias não apontarão sempre para as deficiências da 
sociedade? Podem-se apontar como causas as condições atmosféricas, as 
mudanças cósmicas gerais e coisas parecidas, pois estes problemas nunca 
causam epidemias. Só podem produzi-las onde, devido às condições sociais 
de pobreza, o povo viveu durante muito tempo em uma situação anormal 
(VIRCHOW). 
 
 Os fatores externos que até então vinham sendo responsabilizados pela produção 
das doenças tem seu papel minimizado, sua ação só se traduzirá em doença onde e 
quando o contexto social permitir que tal fato ocorra. 
 Com a derrota dos movimentos revolucionários, a medicina social praticamente 
teve seu desenvolvimento retardado. As denúncias cada vez mais freqüentes e de certo 
modo inegáveis, de que as condições de vida e trabalho estavam levando ao desgaste do 
proletariado, comprometendo até mesmo sua reprodução, serão absorvidas pelos 
governos. Entretanto, as respostas dadas a elas não serão a transformação da 
organização social, mas as medidas sanitárias e a legislação trabalhista. 
 As descobertas bacteriológicas ocorridas na metade do século XX irão deslocar de 
vez as concepções sócias, restabelecendo com redobrada força o primado das causas 
externas representadas por partículas que podem provocar o aparecimento de doenças. 
Os seminaria de Fracastoro são agora ‘visíveis’ e se chamam bactérias. Para a ciência 
dominante, a bacteriologia veio liberar a medicina dos complexos determinantes 
econômicos, sociais e políticos que a impediam de se desenvolver cientificamente. 
 A questão da causalidade fica reposta em termos bem mais simplificados: para 
cada doença, um agente etiológico deverá ser identificado e combatido, por meio de 
vacinas ou produtos químicos. 
 A insuficiência dessa formulação UNICAUSAL só ficará evidente no final do século 
XX, quando se dará o retorno às concepções multicausais, sem que, entretanto, se 
recupere o conceito de causação social. 
 
 
A MULTICAUSALIDADE 
 
 Durante todo o século XX, a noção de multicausalidade das doenças será 
dominante no campo da Epidemiologia. 
 As formas sob as quais o conceito será apresentado irão sofrendo transformações 
ao longo dos tempos. De qualquer modo, o que há de mais característico nos diferentes 
modelos é a tentativa de redução e sua descaracterização através de construções 
ahistóricas e biologicistas. 
 A primeira destas formulações do conceito de multicausalidade aparece no 
MODELO DA BALANÇA, elaborada por Gordon, na década de 20. A saúde é vista, neste 
modelo, como um estado de equilíbrio entre fatores diversos e múltiplos. A doença 
 
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ocorre quando o equilíbrio é alterado por uma mudança na força com que opera um ou 
mais destes fatores. São reconhecidos três tipos de fatores: os do agente, os do 
hospedeiro e os do meio ambiente. 
 Gordon empregou a analogia de uma balança, onde o fulcro é representado pelos 
fatores do meio ambiente e em cada prato estão colocados os fatores do agente e do 
hospedeiro, respectivamente. 
 A doença pode surgir por desequilíbrios que aumentam o peso dos fatores 
relacionados ao agente ou ao hospedeiro, ou por deslocamento dos fatores do meio 
ambiente na direção de um ou outro desses fatores. 
 Esse modelo representa uma simplificação exagerada do processo complexo de 
causação do adoecimento, além de ser extremamente mecanicista. Nessa concepção, os 
fatores são tomados isoladamente, como se não houvesse interações entre eles e, na 
prática, apenas um tipo de fator, aquele de maior peso, atuasse na produção da 
doença. Dessa forma, a multicausalidade vê-se reduzida à unicausalidade, com uma 
única diferença de serem admitidas outrascausas que não, apenas, a presença do 
agente etiológico. 
 Também no início do século, uma outra ordem dos fatores causais passa a ser 
agregada ao conceito de multicausalidade: os fatores psíquicos. Assim é que o 
movimento da MEDICINA INTEGRAL, nos Estados Unidos, na década de 40, vai definir o 
homem como ser bio-psico-social. 
 Novamente, o social vai aparecer como atributo do homem e não como essência 
da própria existência humana. O homem que tem o corpo biológico também tem 
funções psíquicas e atributos sociais, tais como ocupação, renda, instrução e outros. 
 Outro modelo em que o conceito de multicausalidade se exprime é aquele 
proposto por MacMahom, sob a denominação de REDE DE CAUSALIDADE: “(...) torna-se 
evidente que as cadeias lineares de causação representam somente uma fração da 
realidade e que a genealogia toda poderia ser pensada mais propriamente, como uma 
rede que em sua complexidade e origem está muito além de nossa compreensão”. 
 Apesar de admitir a existência de relações de interação recíprocas entre os 
múltiplos fatores envolvidos na causação da doença, MacMahom assume o ponto de vista 
positivista, negando a possibilidade de conhecimento de todas as causas. Mais do que 
isto, ele afirma que tal conhecimento nem sempre é necessário para que as medidas de 
controle possam ser tomadas:“Afortunadamente, para executar medidas preventivas, 
não é necessário compreender os mecanismos causais em sua integridade”. 
 Este tipo de formulação respondia as necessidades objetivas da época. Para 
atuar sobre as doenças, bastava identificar na rede de causalidade um componente mais 
frágil à intervenção, sem que fosse preciso alterar todo o conjunto de fatores 
envolvidos. 
Um dos modelos mais acabados do conceito de multicausalidade é o MODELO 
ECOLÓGICO no qual as inter-relações entre os fatores são apresentadas sob a forma de 
um sistema fechado com um feed-back regulador. A atividade e a sobrevivência dos 
agentes e hospedeiros dependem do ambiente, são alteradas por ele e, por outro lado, 
também alteram o ambiente em que se encontram. 
 O modelo ecológico processa uma redução naturalista na interpretação das 
relações sociais em que o homem estabelece com a natureza e os outros homens, na 
produção de sua vida material. Todos os elementos da relação são colocados em um 
mesmo plano ahistórico, intemporal e a vida humana fica reduzida à sua condição 
animal. A produção social do homem se reduz a mais um dos fatores do meio ambiente. 
As determinações sociais, naturalizadas no conceito de multicausalidade, perdem 
inclusive seu potencial de crítica. 
 A distribuição triangular dos elementos introduz no modelo uma racionalidade 
coerente com a ideologia capitalista. Estas conclusões são duplamente úteis ao 
capitalismo, porque escondem as profundas diferenças de classe que resultam da 
 
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organização produtiva e permitem uma atuação limitada com relação aos problemas de 
saúde. Uma vez que as alterações do homem são exclusivamente biológicas e as 
relações entre agente, hospedeiro e meio se dão no plano ecológico, pode-se atuar 
sobre todos estes fatores com medidas ecológicas, sem necessidade de modificar a 
organização social. 
 O modelo ecológico não permite uma interpretação fiel da realidade para 
transformá-la. Quando muito, permite uma tarefa reformista, compatível com a 
dominação sutil e tecnicista do capitalismo. 
 As críticas ao modelo ecológico intensificaram-se no final da década de 60, 
visando a uma reformulação da compreensão do processo saúde-doença, de tal forma 
que os conhecimentos epidemiológicos possam estar mais de acordo com os interesses 
populares, orientando novas práticas de intervenção. 
 Surge daí, uma nova conceituação do processo saúde-doença e a formulação da 
concepção de DETERMINAÇÃO SOCIAL das doenças. 
 
Por processo saúde-doença da coletividade entendemos o modo específico 
pelo qual ocorre, nos grupos, o processo biológico de desgaste e reprodução, 
destacando como momentos particulares a presença de um funcionamento 
biológico diferente, gerando conseqüências para o desenvolvimento regular 
das atividades cotidianas, isto é, o surgimento da doença. O processo saúde-
doença é determinado pelo modo como o homem se apropria da natureza 
em um dado momento, apropriação que se realiza por meio de processo de 
trabalho baseado em determinado desenvolvimento das forças produtivas e 
relações sociais de produção (CRISTINA LAURELL). 
 
O processo saúde-doença se configura como um processo dinâmico, 
complexo e multidimensional por englobar dimensões biológicas, 
psicológicas, sócio-culturais, econômicas, ambientais, políticas, enfim, 
pode-se indentificar uma complexa interrelação quando se trata de saúde e 
doença de uma pessoa, de um grupo social ou de sociedades (CRUZ, 2009). 
 
O processo saúde-doença é um conceito central da proposta da 
epidemiologia social, que procura caracterizar a saúde e a doença como 
componentes integrados de modo dinâmico nas condições concretas de vidas 
das pessoas e dos diversos grupos sociais (ROUQUAYROL, 1993). 
 
 Novamente, como na época de Virchow e Pasteur, defrontam-se duas 
concepções de causalidade. De um lado o modelo ecológico, com seu caráter ahistórico 
e biologizante. De outro, o modelo de determinação social, com maior poder 
explicativo, porém com uma potencialidade transformadora da prática epidemiológica 
que não interessa aos grupos dominantes. É em torno dessa tarefa de transformação 
conceitual, metodológica e das práticas da epidemiologia que os profissionais da 
medicina social se alocam hoje. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
1. BARATA, R.C. B. A Historicidade do Conceito de Causa (Mímeo). 
2. CRUZ, M. M. Concepção de saúde-doença e o cuidado em saúde. In: OLIVEIRA, R. G.; 
GRABOIS, V.; MENDES JÚNIOR, W. V. Qualificação de Gestores do SUS. Rio de Janeiro: 
EAD/ENSP/FIOCRUZ, 2009. 
3. ROUQUAYROL, M. Z. Epidemiologia e saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: Medsi, 1999. 
 
 
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PROCESSO SAÚDE-DOENÇA E NÍVEIS DE PREVENÇÃO EM SAÚDE 
 
 
 Uma definição precisa do termo epidemiologia não é fácil: sua temática é dinâmica 
e seu objeto, complexo. Pode-se, de uma maneira simplificada, conceituá-la como: 
ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a 
distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos 
associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle ou 
erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao 
planejamento, administração e avaliação das ações de saúde. 
 Esta definição pode ser aclarada pelo aprofundamento de algumas concepções nela 
expressas: 
a) Considerando o conjunto de processos sociais interativos que, erigidos em sistema, 
definem a dinâmica dos agregados sociais, um em especial constitui o campo sobre o 
qual trabalha a epidemiologia: é o processo saúde-doença. Segundo Laurell (1983), o 
processo saúde-doença da coletividade pode ser entendido como “o modo específico 
pelo qual ocorre, nos grupos, o processo biológico diferente, com conseqüências para o 
desenvolvimento regular das atividades cotidianas, isto é, o surgimento da doença”. 
 Colocada neste contexto, a expressão saúde-doença é um qualificativo empregado 
para adjetivar genericamente um determinado processo social, qual seja o modo 
específico de passar de um estado de saúde para um estado de doença e o modo 
recíproco. Descontextualizada, a expressão saúde-doença refere-se a uma ampla gama 
que vai dede “o estado de completo bem-estar físico, mental e social” (OMS, 1953) até 
o de doença, passando pela coexistência de ambos em proporções diversas. A ausência 
gradativa ou completa de um destes estados corresponde ao espaço do outro e vice-
versa. 
b) A análise dos fatores determinantes e condicionantes envolve a aplicação do método 
epidemiológico ao estudo de possíveis associações entre um ou mais fatores suspeitos e 
um estado característico de ausênciade saúde, definido como doença; 
c) A prevenção visa empregar medidas de profilaxia a fim de impedir que os indivíduos 
sadios venham a adquirir a doença; o controle visa baixar a incidência a níveis mínimos; 
a erradicação, após implantadas as medidas de controle, consiste na não-ocorrência de 
doença, isto significa permanência de incidência zero (a varíola está erradicada do 
mundo dede 1977 e a poliomielite está erradicada do Brasil dede 1990). 
 Muitas doenças, cujas origens até bem recentemente não encontravam explicação, 
têm tido suas causas esclarecidas pela metodologia epidemiológica, que tem base o 
método científico aplicado da maneira mais abrangente possível a problemas de 
doenças ocorrentes em nível coletivo. 
 Hiroshi Nakajima, então diretor da Organização Mundial de Saúde, por ocasião da 12ª 
Reunião Científica Internacional da Associação Internacional de Epidemiologia (1990), 
analisando o alcance da epidemiologia e concentrando seus comentários sobre a 
epidemiologia na aids, comenta que: 
O descobrimento desta enfermidade devemo-lo à epidemiologia! A aids foi 
reconhecida pela primeira vez como uma enfermidade em 1981, antes que o 
vírus da imunodeficiência humana, dois anos mais tarde, fosse identificado 
como agente causador da aids. A observação epidemiológica anotou a 
prevalência de uma combinação curiosa e inexplicável de manifestações 
clínicas de outros estados patológicos: astenia, perda de peso, dermatose, 
deterioração do sistema imunológico e o sarcoma de Kaposi, assim como a 
presença de ‘infecções oportunistas’, como a pneumonia por Pneumocystis 
corinii. Ainda hoje em dia, é este complexo de sinais clínicos, em 
combinação com o resultado positivo da prova de HIV, o que define um caso 
de aids. Pode-se ser HIV positivo e, ainda assim, não ser portador da aids. 
 
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Ademais, foi através da análise epidemiológica que inicialmente a síndrome 
foi relacionada com certos grupos de população e comportamentos de riscos 
conexos. Se enfocamos a aids como uma epidemia mundial, ela nos 
apresenta como algo novo e súbito; porém, se o nosso ponto de visa é a aids 
como doença e o vírus como sua causa, concluímos que nenhum dos dois são 
novos, pelo menos datam do anos 50. Fizeram falta as ferramentas da 
epidemiologia para não dizer que enfrentávamos uma patologia discreta e 
letal naquela primeira época. 
 Ainda, segundo Nakajima (1990) a epidemiologia não se limita a avaliar a situação 
sanitária e socioeconômica existente (ou passada). Se aceitarmos critério mais amplo do 
Prof. Cruiskshank, teremos de insistir na necessidade de avaliação das tendências 
futuras, isto é, uma ‘epidemiologia prospectiva’. A pergunta é: o que nos dizem as 
tendências atuais sobre a provável situação futura para a qual teremos de fazer planos e 
tomar (ou não tomar) medidas corretivas? Qual será o provável resultado amanhã? Por 
conseguinte, estamos presenciando o surgimento de uma nova dimensão na ciência da 
epidemiologia, que será muito importante para o planejamento, a dotação dos recursos, 
o manejo e a avaliação de saúde, e que poderia afetar o curso futuro da história 
humana. 
 Autores norte-americanos, europeus e latino-americanos, entre os quais se destacam 
MacMahon (1975), Leavel e Clark (1976), Barker (1976), Lilienfeld (1976), Forattini 
(1976), Rojas (1978), Colimon (1978) e Jenicek e Cleroux (1982), definem epidemiologia 
de modo bastante semelhante, tendo como ponto comum o estudo da distribuição das 
doenças nas coletividades humanas e dos fatores causais responsáveis por essa 
distribuição. 
 Esse conceito toma por base relações existentes entre os fatores do ambiente 
(físicos, químicos e biológicos), do agente e do hospedeiro ou suscetível. Dentro desta 
concepção, os fatores culturais e socioeconômicos são partes integrantes do sistema, 
contribuindo à sua maneira, associados a outros fatores causais, para a eclosão em 
massa de doenças e agravos à saúde. 
 Outros autores, especialmente latino-americanos, entre os quais se salientam Uribe 
(1975), Laurell (1976), Tambellini (1976), Arouca (1976), Cordeiro (1976), Breihl (1980), 
Rufino e Pereira (1982), Luz (1982), Garcia (1983), Barata (1985), Marsiglia (1985), 
Carvalheiro (1986), Possas (1989), Goldbaum (1990) e Loureiro (1990), avançam em 
direção a uma nova epidemiologia cuja visão dialética se posiciona contra a fatalidade 
do “natural” e do “tropical”. Dá-se ênfase ao estudo da estrutura socioeconômica a fim 
de explicar o processo saúde-doença de maneira histórica, mais abrangente, tornando a 
epidemiologia um dos instrumentos de transformação social. Essa nova epidemiologia, 
também chamada de Epidemiologia Social, no conceito de Breihl (1980), deve ser um 
conjunto de conceitos, métodos e formas de ação prática que se aplicam ao 
conhecimento e transformação do processo saúde-doença na dimensão coletiva ou 
social. 
 
 
– HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA 
 
 História natural da doença é o nome dado ao conjunto de processos interativos 
compreendendo as inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que 
afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o 
estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela 
resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, 
recuperação ou morte (LEAVEL; CLARK, 1976). 
 A história natural da doença, portanto, tem desenvolvimento em dois períodos 
seqüenciados: o período epidemiológico e o período patológico. No primeiro, o interesse 
 
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é dirigido para as relações suscetível-ambiente; no segundo, interessam as modificações 
que passam no organismo vivo. Abrange, portanto, dois domínios interagentes, 
consecutivos e mutuamente exclusivos, que se completam: o meio ambiente, onde 
ocorrem as pré-condições, e o meio interno, locus da doença, onde se processaria, de 
forma progressiva, uma série de modificações bioquímicas, fisiológicas e histológicas, 
próprias de uma determinada enfermidade. Em uma situação normal, em ausência de 
estímulos, esses fatores jamais se exteriorizariam como doenças. Em presença destes 
fatores intrínsecos preexistentes, os estímulos externos transformam-se em estímulos 
patogênicos. Dentre as pré-condições internas, citam-se os fatores hereditários, 
congênitos ou adquiridos em conseqüência de alterações orgânicas resultantes de 
doenças anteriores. 
 O homem se faz presente em todas essas etapas. É gerador das condições 
socioeconômicas favorecedoras das anomalias ecológicas predisponentes a alguns dos 
agentes diretamente responsáveis por doenças. Ao mesmo tempo, é a principal vítima 
do contexto de agressão à saúde por ele favorecido. 
 Ao tratar a história natural de uma doença em particular como sendo uma descrição 
de sua evolução, desde os seus primórdios no ambiente biopsicossocial até seu 
surgimento no suscetível e conseqüente desenvolvimento no doente, deve-se ter um 
esquema básico, de caráter geral, onde ancoram as descrições específicas. Este 
esquema geral, arbitrário, é apenas uma aproximação da realidade, sem pretensão de 
funcionar como uma descrição da mesma (Figura 1). A história natural das doenças, sob 
este ponto de vista, nada mais é do que um quadro esquemático que dá suporte à 
descrição das múltiplas e diferentes enfermidades. Sua utilidade maior é apontar os 
diferentes métodos de prevenção e controle, servindo de base para a compreensão de 
situações reais e específicas, tornando operacionais as medidas de prevenção. 
Esta figura mostra esquematicamente que, no período de pré-patogênese, 
podem ocorrer situações que vão desde um mínimo de risco até risco máximo, 
dependendo dos fatores presentes e da forma como estes fatores se estruturam. Pessoas 
abastadas adoecerem de cólera é um evento de baixa probabilidade, isto é, para o que 
eles dispõem de meios, a estrutura formada pelos fatores predisponentes à cólera tem 
de risco

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