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INTRODUÇÃO 1.1 O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA LEI 11.343/2006 A problemática das drogas sempre foi palco para insuperáveis discussões e controvérsias. Trata-se de questão que, nas últimas décadas, vem recebendo cada vez mais a atenção não só dos especialistas, mas também da população em geral. Isso ocorre porque o problema deixou de ser difuso e passou a afetar diretamente a todos. Atualmente, é forçoso reconhecer que são raros aqueles que nunca se depararam com um conhecido ou parente que ostente o vício por alguma droga, ou que tenha sido vítima de delito praticado por alguém que se encontrava sob o efeito de drogas. E este problema não é exclusivo dos brasileiros - a questão das drogas pode ser tida, no mundo todo, como um dos principais conflitos das sociedades contemporâneas. No campo médico-científico, pululam estudos e pesquisas sobre os efeitos das drogas e a origem dos vícios, bem como sobre os melhores métodos para alcançar-se a abstinência. No âmbito do Direito, em especial do Direito Penal e da Criminologia, não poderia ser diferente. As discussões, na seara do Direito, vão desde a ausência de eficácia da punição estatal ao usuário à necessidade de repressão mais efetiva ao tráfico, passando pelos estudos de criação e adoção de microssistemas jurídico-penais voltados especificamente à questão das drogas. O legislador, por sua vez, não se manteve inerte. Bem ou mal, movimentou-se no sentido de fazer refletir, no ordenamento jurídico, 17 r no ao em 3 4 , ;$.;;z.IIW LEI DE DROGAS - Comentada 16 as discussões que se multiplicavam na sociedade civil. Em alguns pontos, premido pelo clamor popular que constantemente pressiona pela efetividade da segurança pública, contrariou tendências de setores da doutrina penal que pregam pela insubsistência do agravamento das penas como meio de refrear as práticas criminosas. Por outro lado, acatou outras tendências, discutidas com ênfase pela comunidade médico científica, e pareceu, aos olhos da população, estar tratando com maior leniência a questão das drogas. É neste contexto que surgiu, em 2002, a primeira alteração significativa no panorama da legislação brasileira sobre drogas. Desde 1976, estava em vigor a Lei 6.368, que não mais servia a refrear plenamente as nuances da criminalidade moderna e tampouco refletia os avanços nas pesquisas e estudos científicos sobre drogas. Era necessária, portanto, a atualização da legislação, de forma a permitir a repressão à criminalidade complexa do século XXI, inclusive con ferindo meios ao Estado para identificar e apurar os delitos cometidos por intermédio das novas tecnologias postas à disposição dos autores de crimes. Além disso, impunha-se dar início à distinção normativa entre usuários e traficantes, eis que já começava a sedimentar-se o entendi mento de que a repressão penal não seria suficiente para prevenir o uso de drogas, cada vez mais arraigado na cultura popular. O Congresso Nacional aprovou, em 2002, a Lei 10.409, que tinha como objetivo realizar a renovação do ordenamento jurídico. No entanto, a técnica legislativa utilizada para a elaboração das disposições da Lei 10.409/2002 foi duramente criticada pela doutrina e o diploma acabou por sofrer diversos vetos pelo Presidente da República, que considerou muitos trechos como ofensivos à Constituição e ao interesse público. A Lei 10.409/2002 acabou por viger, assim, inteiramente desca racterizada, pois os vetos presidenciais impediram a aplicabilidade de outros dispositivos sancionados. E, como o capítulo em que constavam os tipos penais foi integralmente vetado, o ordenamento passou a ser composto de diplomas esparsos, no tempo e na intenção, passando a valer, conjuntamente, as Leis 6.368/1976 e 10.409/2002. Dentre as diversas críticas apresentadas, cite-se que a legislação anterior, picotada por vetos presidenciais, era praticamente inaplícável; que era prevista a realização de dois interrogatórios, sem que ficasse claro o que se pretendia com isso; que se impunha a suspensão do processo para hipóteses de revelia com citação pessoal, dentre outros exemplos. Nesse sentido, Vicente Greco Filho, Tóxicos Prevenção - Repressão, Introdução Diante disso, ainda no ano de 2002 o Poder Executivo, responsável pelos vetos, encami~hou ao Congress? Nacional, em !egi~e ~e urgên cia, o Projeto de LeI 6.108, que preVIa novas alteraçoes a LeI 10.409/ 2002, recém-aprovada. Em tramitação na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Violência e Narcotráfico da Câmara dos Deputados, o Projeto foi alterado integralmente pela aprovação de uma nova versão, consubstanciada em um substitutivo. Paralelamente, a Comissão Mista de Segurança Pública do Con gresso Nacional, formada por parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, elaborou novo anteprojeto de lei, disciplinando integralmente a matéria. Este anteprojeto foi apresentado diretamente Senado FederaJ,2 recebendo a designação de Projeto de Lei do Senado 115, de 2002. Aprovado naquela casa legislativa, o projeto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 7.134. Na Câmara dos Deputados, ainda no ano de 2002, todos estes projetos e versões sobre a matéria foram agrupados e apensados, passando a seguir como um só, sob a rubrica de Projeto de Lei 7.134/ 2002.3 A despeito da celeridade inicial na tramitação dos projetos que visavam a corrigir as imperfeições da legislação sobre tóxicos, o requerimento de urgência acabou por ser retirado e o Projeto de Lei 7.13412002 passou a tramitar sob o rito ordinário. Inexplicavelmente, a matéria foi novamente considerada urgente cabo do ano de 2003, sendo incluída na pauta da convocação extraordinária do Congresso Nacional, que iria ter lugar no mês de janeiro de 2004. Na ocasião, o então Projeto de Lei 7.134/2002 estava trâmite na Comissão de Constituição e Justiça4 da Câmara dos Deputados. Comentários à Lei 10.40912002 e à parte vigente da Lei 6.368/1976, 12. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2006. 2 Segundo o art, 142 do Regimento Comum do Congresso Nacional, os projetos elaborados por Comissão Mista serão encaminhados, alternadamente, ao Senado e à Câmara dos Deputados. As informações sobre a tramitação das proposições podem ser verificadas nos sítios www.camara.gov.br e www.senado.gov,br. À época da tramitação dos projetos de lei referidos, esta comissão denominava-se Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, tendo sua designação posteriormente alterada para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mantivemos nomen clatura mais simples, para não dar azo a dúvidas. www.senado.gov,br www.camara.gov.br LEI DE DROGAS - Comentada 18 Em vista da necessidade de apresentar a versão final para o que viria a ser a nova Lei de Drogas, foi criado um grupo de trabalho formado por técnicos de diversos setores do Poder Executivo e do Poder Legislativo. O intuito era elaborar novo substitutivo ao projeto de lei em tramitação, de forma que a matéria a ser apresentada tivesse sido contemplada por equipe multidisciplinar, abarcando as mais variadas gamas de conhecimento sobre a questão das drogas. A intenção merecia louvor. Sem embargo, a realidade dos trabalhos demonstrou que o equívoco no procedimento adotado foi o de exigir que projeto de tamanha importância fosse discutido e refeito em aproxima 'damente duas semanas, no curso de uma convocação extraordinária da Câmara dos Deputados. A urgência, que aqui, mais uma vez, foi inimiga da perfeição, era inteiramente desnecessária - prova disso é que o Senado Federal levou outros dois anos e meio para aprovar o projeto, que voltou à casa original por conta das alterações realizadas na Câmara. De volta ao Senado, o Projeto de Lei sofreu poucas alterações mas, em alguns casos, foram retomadas redações de alguns dispositivos que não condiziam com o restante do substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados. É o caso, por exemplo,dos parágrafos do art. 28, que versa sobre o crime de porte para consumo pessoal, em que o Senado Federal acabou por misturar as disposições da proposta anterior com a aprovada pela Câmara, as quais divergiam em tudo. Trata-se de mais uma razão para as imperfeições da nova lei sobre drogas. Após vetos presidenciais que não alteraram a essência do projeto, acabou por ser sancionada a Lei 11.343/2006. Assim, a nova legislação sobre drogas veio ao ordenamento jurídico com diversos pontos falhos, aos quais, por certo, a doutrina especializada não poupará críticas. Esta obra indicará muitos desses equívocos, que não se restringem a for malidades, tratando-se, muitas vezes, de relevantes pontos da Lei. Além das críticas, advirão severas divergências sobre a aplicação de alguns de seus preceitos. De qualquer sorte, o resultado do esforço legislativo, ao final, é de qualidade superior à das normas que vigiam desde as Leis 6.368/ 1976 e 10.409/2002. Com o aprofundamento das discussões nas lides forenses e na comunidade acadêmica, os pontos controversos da Lei acabarão por ser pacificados ou, ao menos, será viável optar-se por um dos entendimentos propostos. A excelência dos quadros jurídicos nacionais permite antever que as normas, os conceitos e as discussões da nova Lei de Drogas serão Introdução Ar!. 1.°19 I e de uso finais objeto de textos virtuosos, em que Junstas e operadores do Direito emprestarão conhecimento jurídico, raciocínio e experiência para apre sentar teorias e soluções aos ávidos profissionais e estudantes que se debruçarão sobre a matéria. Não almejando permear o mesmo contexto, a presente obra objeti va, de maneira mais singela, permitir a estudantes, advogados, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário e demais operadores do Direito conhecer as inovações e alterações da legislação, apresentando, com destaque, os pontos que serão objeto de dúvidas e controvérsias sugerindo soluções de interpretação alternativas, atentando para as discussões travadas durante a tramitação do Projeto de Lei no Congresso Nacional. Sempre que possível, analisaremos as inovações à luz da jurisprudência dos Tribunais, principalmente dos Superiores, com o fito tentar aplicar os ensinamentos anteriores como tábua segura em momentos de maior dificuldade interpretativa. 1.2 A ESTRUTURA DA LEI. DISTINÇÃO ENTRE PREVENÇÃO E REPRESSÃO <~~<~i~:~tei~ê'~MNa(!l~deP(}lftiCAs PóbticassobreOr:ogas doU!30 i!"\dev~,a;ténção~.reilJ!3~rção e$bê~ryorrnas para .r~es!3ãO dê .i:IrOOàS e define crimes. A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, tem seus dispositivos organizados em seis títulos. Suas designações permitem extrair a compreensão inicial da estrutura da Lei, formada por dispositivos versando sobre as disposições preliminares (título I); o sistema nacional de políticas públicas sobre drogas (11); as atividades de prevenção do indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas (I1I); a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas (IV); a cooperação internacional (V) e as disposições e transitórias (VI). As denominações dos títulos da Lei, em especial os títulos III e IV, expressam o que dispõem sua ementa e seu art. 1.°, caput. E o que ali Art. 1.° LEI DE DROGAS _ Comentada 20 I se exprime nada mais é do que o objeto da nova Lei de Drogas,5 que pennite delinear o que constitui o escopo maior e a principal inovação do diploma: a separação entre prevenção ao uso e repressão ao tráfico. Com efeito, a Lei torna clarividente - desde a ementa, a designação dos títulos e o art. 1.0 que o Estado pretende tratar a questão das drogas por ângulos diferenciados de atuação. Por um lado, tem a intenção de prevenir o uso indevido de drogas pela população, disciplinando os meios e as políticas que o Estado adotará para tanto. E por reconhecer que o uso de drogas é disseminado na sociedade, também pretende o Poder Público criar medidas para atender aos usuários e dependentes, . bem como reinseri-Ios no meio social. Por outro lado, sabe-se que é preciso reprimir o tráfico e a produção de drogas por medidas severas, o que implica a necessária dotação de normas jurídicas que dêem lugar à efetividade das medidas a tomar nesse sentido. No campo do Direito Penal, verifica-se, desde logo, que o objetivo maior da Lei foi a separação do tratamento jurídico a ser dispensado ao usuário e ao traficante. A inovação, neste ponto, vai além da mera diferenciação no sistema de penas a serem aplicadas a usuários e traficantes. O que prevê a nova Lei é a alteração substancial do enfoque social sobre as drogas, com a adoção de regime diferenciado para a prevenção do uso e a repressão ao tráfico. O mote desta nova linha metódica é o reconhecimento de que o uso de drogas é uma realidade e que suas causas e efeitos constituem um problema social. Com base nesta premissa, não é suficiente, para a prevenção geral e especial,6 taxar os usuários de droga..,> de criminosos e impor-lhes a reclusão, permitindo a superveniência de todas as conseqüências adversas desta forma de repressão em especial, o preconceito - e, ao mesmo tempo, negando aos usuários a assistência integral devida pelo Estado. Este novo plano se manifesta na alteração da nomenclatura do sistema a ser criado, que deixou de ser o Sistema Nacional Antidrogas 5 Nos tennos da Lei Complementar 95, de 1998, arts. 5.° e 7.°, o objeto da lei deve ser indicado por sua ementa e seu primeiro artigo. 6 "Para uns a prevenção se realiza mediante a retribuição exemplar e é prevenção geral, que se dirige a todos os integrantes da comunidade jurídica. Para outros, a prevenção deve ser especial, procurando com a pena agir sobre o autor, para que aprenda a conviver sem realizar ações que impeçam ou perturbem a existência alheia", segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, em Manual de direito penal brasileiro, Parte Geral, 5. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 102. 21 Introdução Art. 1.° para constituir-se no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. O legislador deixou evidente, já no art. 1.0 da nova Lei, que a atuação do Estado deve ser guiada por programas de ação, com o objetivo de realizar os fins propostos. Seguindo a mesma linha, outra relevante inovação da Lei é a previsão, dentre as atividades de atenção e reinserção social de usuários ou dependentes de drogas, da implementação de ações que visem à redução dos riscos e dos danos à saúde associados ao uso de drogas, no Capítulo 11 do Título 111. A controversa política da redução de danos7 agora é vetor de atuação estatal, não mais cabendo ao renitente conservadorismo enjeitá-Ia a pretexto de evitar o auxílio ou a colabo ração para o uso de drogas. Especificamente sobre o tratamento da dependência, a nova Lei também modifica o tom desta medida. O legislador reconheceu que o tratamento é medida especial e não deve ser aplicado, indiscriminada mente, a todos os usuários de drogas, ou seja, nem todos os usuários são dependentes. Além disso, acatou reivindicação da área de saúde para admitir que o tratamento somente funciona se estiverem presentes a vontade e a colaboração do usuário. Com tais medidas, busca-se, destarte, diferenciar o trato conferido pelo Estado, resguardando as medidas repressivas para o traficante, enquanto para o usuário as medidas são de proteção. A Lei assentiu a idéia de que o uso de drogas não é uma questão primordialmente "de polícia", mas sim de saúde. Dentro deste escopo, o Título 111 da Lei disciplinou não apenas as atividades de prevenção, mas também a atenção e a reinserção social dos usuários e dependentes de drogas. A atividade de "Pre venção" visa a reduzir os fatores de vulnerabilidade e comportamentos de risco ao acesso às drogas, bem como a promover e fortalecer os fatores de proteção, ou seja, aqueles fatores que afastariam os potenciais usuários das drogas, tais como incentivo às atividadesesportivas, culturais e profissionais. A "Atenção", direcionada ao usuário, dependente e respectivos familiares, visa a melhorar a qualidade de vida e reduzir os riscos e danos associados ao uso de drogas, não somente à saúde individual, mas à sociedade como um todo (art. 20). Por fim, a "Reinserção Social" visa à integração e 7 Como, por exemplo, a distribuição de seringas aos usuários de cocaína. Art. 1.° LEI DE DROGAS - Comentada 22 à reintegração, em redes sociais, do usuário, dependente e respectivos familiares (art. 21), ou seja, permitir que eles sejam novamente integrados à sociedade, evitando a marginalização. E, reforçando a separação total entre usuário e traficante, o legislador, inclusive, distanciou as suas condutas típicas. Os crimes e as penas do usuário foram tratados no Capítulo IH do Título III, referente às atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção do usuário e dependente de droga. No Título IV, em outra vertente, são trazidas as disposições referentes à repressão ao tráfico ilícito e à produção não autorizada de "drogas. As condutas tipificadas como crimes, dentro desta linha, são tratadas neste Título, de forma separada do delito praticado pelo usuário. Ali também estão previstas as normas sobre investigação, instrução criminal e apreensão e destinação de bens que constituam instrumento, produto ou proveito dos crimes. Com estas breves considerações, pretende-se que o leitor tenha em mente, desde o início do estudo da nova Lei de Drogas, a sistemática adotada pelo legislador e o objetivo do diploma. No momento em que forem vistas e discutidas as particularidades das normas trazidas pela Lei, a serem aI vo dos próximos capítulos da obra, é importante levar em consideração o que se apresentou como o escopo da Lei, para permitir ao estudioso do tema formular suas conclusões tendo em vista a utilização de uma interpretação que atenda não apenas aos fins da lei (interpretação teleológica), mas também à unidade que deve presidir a interpretação da lei e, mais ainda, do ordenamento jurídico como um todo (interpretação sistemática). 8 Segundo o mestre Carlos Maximiliano, ao tratar da interpretação teleológica, "considera se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser. na essência, teleológica. O henneneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais: será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a foi regida". Em relação ao processo sistemático de interpretação das leis leciona o mesmo mestre que consiste "em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as conseqüentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma", Hennenêutica e aplicação do direito. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 151 152 e p. 128, respectivamente. 23 Art. 1.° 1.3 CONCEITO DE DROGAS Afastando-se da nomenclatura utilizada pela Lei 6.368/1976, a nova Lei não utiliza mais a terminologia "substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica". Alterou a tradição para valer-se simplesmente do termo "drogas". Entendemos que, apesar de ter rompido com o termo tradicionalmente utilizado, andou bem o legislador ao adotar a expressão "drogas", pois esta já era utilizada pela Organização Mundial de Saúde. Ademais, a terminologia anterior poderia trazer a equivocada impressão de que qualquer substância que determinasse dependência física ou psíquica era considerada entorpe cente, o que, como sabemos, não é verdade. Por fim, o termo droga, além de ser mais amplo que o de substância entorpecente, é a expressão mais difundida no meio social, principalmente entre a população. Porém, afora a alteração da nomenclatura, continuou a sistemática de remeter a caracterização das drogas à lei ou às listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União (art. 1.0, parágrafo único). Ou seja, será droga aquilo que estiver relacionado na lei ou nas portarias do órgão competente. O Projeto determinava ser atribuição do Ministério da Saúde a formulação destas listas, mas o dispositivo, que constituiria o art. 9.°, I, foi vetado. A matéria já foi objeto de regulamentação pelo Poder Executivo após a edição da nova Lei: o art. I, a, do Decreto 5.912, de 27 de setembro de 2006, determina ser atribuição do Ministério da Saúde publicar as listas atualizadas perio dicamente das substâncias ou produtos capazes de causar dependência. Enquanto não houver a atualização da terminologia, o art. 66 da Lei 9 determina que se denominam drogas as "substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVSIMS 344, de 12 de maio de 1998", que atualmente lista as substâncias. É uma prudente norma de transição para se evitar qualquer alegação de que teria ocorrido abo/itlo criminis em razão de suposta mente não existir no ordenamento jurídico qualquer lei ou portaria que arrole quais seriam as "drogas" - apenas substâncias entorpecentes _ 9 Incluído no Título VI, relativo às Disposições Finais e Transitórias. Arts. 1.° e 2.' LEI DE DROGAS - Comentada 24 proibidas no ordenamento jurídico. Apesar de a alteração ter sido apenas de nomenclatura, em razão da importância da matéria, melhor não correr qualquer risco. 10 1.4 EXCEÇÕES À PROIBIÇÃO DAS DROGAS Art.. 2." FlcamptOitlidas, em todo o. território nacionaJ, a$ drogas, /:lQm.col',l'l!1l o plantio, acultlira., a oolheita e a exploração de vegetals e sUbstratos .dQS. quais. possam ser eXtra~sou pmdulidas drogas, resealvadl1 la hiPOteSB$~jf~ lSÇão ~•. Ou· ~tar; .l::IEMTIoomoi:)· que estabeléOO 8: Çomtei:lçíJQ;$ Viena•. 11&$. N~ t)nldas,sobre SubstânciaS Psiootr6plcas, dE! .1971, a respqiIQ de plantas de uSO ~entê ritt.IaIf$tlco-rellgioso. Parágtafo ÚÍ1iéCl.ppda a Uníão' autorizara plàlitio, a dura e àoo~íta d!iiS Vegetalsrefe~f 00 C8Pfit ~SW·artigo,exelúsivmneflte pa,m. fIM· rnedléinaiS ou ~ntffi~ ~... 1OOe~EI p~~()prêdetefminadOs, mediante.fiscaH~,res.i·· peitadas asl'e~. ~~líàdas. o art. 2.° da Lei proíbe as drogas em todo o território nacional, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas as drogas, em termos semelhantes ao que já estava disposto no art. 2.° da Lei 6.368/1976. A inovação, aqui, diz respeito à ressalva relativa às plantas de uso estritamente rítualístico-religioso. Ou seja, pretendeu o legislador deixar claro que continua em vigor a possibilidade de excepcionar o caráter antijuridico do cultivo e porte para uso em rituais mágicos ou religiosos de plantas que contenham substâncias incluídas no rol das drogas. A Lei faz remissão à Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de Viena, de 1971, aprovada no Brasil pelo Decreto 79.388, de 14 de março de 1977. O que prevê referida convenção internacional é a possibilidade de o país formular reservas em relação às plantas utilizadas em rituais mágicos ou religiosos. Veja, nesse sentido, o teor da previsão: !O É relevante destacar a importância das normas legais e administrativas que especificam quais as substâncias entorpecentes - agora "drogas" proibidas. Como são normas penais em branco, quando uma substância é retirada do rol dos entorpecentes, haverá, apesar de divergência doutrinária, abolitio criminis, segundo posição do STF. O Egrégio Tribunal assim entendeu quando o cloreto de etila foi excluído da lista pela Portaria de 4 de abril de 1984. mesmo tendo sido reincluída em 13 de março de 1985. Recentemente houve, novamente, exclusãodo cloreto de etila da Lista por meio da Portaria 104, de 6 de dezembro de 2000, editada pelo Diretor-Presidente da Anvisa. Porém, o STJ firmou posição afastando a ocorrência de abolitio criminis em razão de Introdução Art. 2,'25 I' "Art. 32 Reservas 4. O Estado em cujo território cresçam plantas silvestres que conte nham substâncias psicotrópicas dentre a<; incluídas na Lista I, e que são tradicionalmente utilizadas por pequenos grupos, nitidamente caracteri zados, em rituais mágicos ou religiosos, poderão (sic), no momento da assinatura, ratificação ou adesão, formular reservas em relação a tais plantas, com respeito às disposições do art. 7.°, exceto quanto às disposições relativas ao comércio internacional". O caput do art. 2.° da Lei não significa, portanto, que está legalizada a utilização de toda e qualquer planta da qual façam uso grupos religiosos, pois a norma prevista na referida Convenção não possui tal condão. Afora a necessidade de verificar se o Brasil formulou alguma reserva em relação àquela planta específica, I I deverá ser objeto de regulamentação o plantio das referidas plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Enquanto não ocorrer, continuam proibidas. Dian te disso, o que se tem é que a inovação da Lei acaba por não trazer efeito prático, eis que não permitirá que sejam sanadas as discussões sobre a constitucionalidade da proibição de plantas que contenham substâncias entorpecentes e que sejam objeto de rituais, diante da garantia constitucional da liberdade de exercício dos cultos religiosos.1 2 A autorização deve ocorrer, portanto, caso a caso. No Brasil, a hipótese mais rumorosa de utilização de planta da qual pode ser extraída ou produzida droga diz respeito à bebida denominada Ayahuasca, produzida com plantas amazônicas e utilizada pelo movimento religioso conhecido como Santo Daime. Há mais de vinte anos é autorizado o uso da Ayahuasca para fins religiosos, tendo a regulamentação sido iniciada pelo antigo Conselho Federal de Entorpecentes por intermédio ter ocorrido ato administrativo nulo, pois a exclusão foi feita isolada e solitariamente, sem tal ato ter sido contemplado com o beneplácito da diretoria colegiada, que o cassou por incompetência do seu signatário (STJ - AGA 484.012 - MG - 5." T. - ReI. Min. Felix Fischer DiU 29.09.2003 - p. 00316). Sob pena de responder internacionalmente pela não-observância do disposto no art. 32 da Convenção de Viena mencionada. 12 ConstitUição Federal, art. 5.°: "VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei. a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". http:religiosos.12 Ali. 2.° LEI DE DROGAS - Comentada 26 da Resolução n. 6, de 4 de fevereiro de 1986, e a exclusão da bebida e das espécies vegetais que a compõem das listas de substâncias entorpecentes e psicotrópicas do Poder Executivo. Como, entretanto, a discussão sobre a legalidade da utilização da Ayahuasca nunca cessou, o Conselho Nacional Antidrogas CONAD instituiu, em 2004, um Grupo Multidisciplinar de Trabalho para avaliar novamente a utilização da bebida. Já sob a vigência da nova Lei de Drogas, o Grupo de Trabalho reafirmou que "o uso ritualístico religioso da Ayahuasca, há muito reconhecido como prática legítima, constitui-se manifestação cultural indissociável da identidade das populações tradicionais da Amazônia e de parte da população urbana do País, cabendo ao Estado não só garantir o pleno exercício desse direito à manifestação cultural, mas também protegê-la por quaisquer meios de acautelamento e prevenção, nos termos do art. 2.°, caput, Lei 11.343/06 e art. 215, caput e § 1.0 c/c art. 216, caput e §§ 1.0 e 4.° da Constituição Federa]". No entanto, o mesmo Grupo de Trabalho considerou irregular a exploração da Ayahuasca para outros tins que não os ritualístico-religiosos, como a exploração turística, o uso terapêutico, o comércio e a propaganda. l3 o relatório do Grupo Multidisciplinar de Trabalho do CONAD, datado de 23 de novembro de 2006, tem as seguintes conclusões: "I. O chá Ayahuasca é o produto da do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectívas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas; 2. Todo o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida, sendo vedada a comercialização e/ou a percepção de qualquer vantagem, em ou in natura, a título de pagamento. quer seja pela produção, quer seja pelo consumo, ressalvando-se as contribuições destinadas à manutenção e ao regular funcionamento de cada entidade, de acordo com sua tradição ou disposições estatutárias; 3. O uso responsável da A vahuasca pressupõe que a das espécies vegetais sagradas o ritual Cada entidade constituída deverá buscar a auto-sustentabilidade em prazo razoável, desenvolvendo seu próprio cultivo, capaz de atender suas necessidades e evitar a das espécies tlorestais nativas. A extração das espécies da floresta nativa deverá observar as normas ambientais; 4. As entidades devem evitar o oferecimento de pacotes turístícos associados à propaganda dos efeitos da Ayahuasca, ressalvando os intercâmbios legítimos dos membros das entidades religiosas com suas comunidades de referência; 5. Ressalvado o direito constitucional à informação, recomenda-se que as entidades evitem a propaganda da Ayahuasca, devendo em suas manifestações públicas orientar-se sempre pela discrição e moderação no uso e na difusão de suas propriedades; 6. A prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira. As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca que as entidades conhecem e atestam requerem responsável e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda e qualquer propaganda que possa induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos; 7. Recomenda-se aos grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca que se constituam em 27 Introdução Art. 2.° I Ademais, interessante anotar a recente decisão da Suprema Corte Americana, prolatada no caso "Gonzáles v. O Centro Espírita Bene ficente União do Vegetal", no qual esta instituição brasileira pleiteava o direito de importar a bebida Ayahuasca. Segundo noticia Samuel Miranda Arruda, "a Suprema Corte entendeu que o direito à liberdade religiosa pode albergar também o direito de importar e fazer uso ritualístico de substância proscrita. Caberá ao Estado o ônus de provar que há prejuízos concretos e riscos desmesurados à saúde pública que fundamentem o sacrifício de direito de livre exercício da crença religiosa aos adeptos, em nome da segurança coletiva".14 Além da questão relativa ao uso ritualístico, a Lei também permite o cultivo de plantas das quais possam ser extraídas ou produzidas drogas para fins medicinais ou científicos. Neste caso, a autorização deve partir Ministério da Saúde l5 e ter local e prazo determinados, sendo obrigatória a fiscalização. sob a condução de pessoas responsáveis com experiência no reconhecimento e cultivo das sagradas, na preparação e uso da Ayahuasca e na condução dos ritos; 8. Compete a cada entidade religiosa exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proct'clt'r entrevista dos interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela ministrada a pessoas com histórico de transtornos mentais. bem como a pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas; 9. Recomenda-se ainda manter ficha cadastral com dados do participante e informá-lo sobre os princípios do ritual, horários, nonnas. incluindo a necessidade de permanência no local até o término do ritual e dos efeitos da Ayahuasca. lO. Observados os princípios definidos, eabe a cada entidade e a seus membros indistintamente. no relacionamentoinstitucional, ou social que venham a manter umas com as outras, em qualquer instância, :z,clar pela ética e pelo respeito mútuo" (Relatório Final Ayahuasca, OBID. Disponível em <http://www2.obid.senad.gov.br/OBIDlDiver_ sos/salvarlocal.jsp?id=18276>. Acesso em: 3 jun. 2007). 14 Drogas: aspectos penais e processuais Lei 11.34312006. São Paulo: Ed. Método, 2007. p. 60. I, Art. 14, I. c. do Decreto 5.912, de 2006. http://www2.obid.senad.gov.br/OBIDlDiver http:coletiva".14 http:propaganda.l3 o SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS , PUBLICAS SOBRE DROGAS - SISNAD A Lei 11.34312006 criou o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. Em seu art. 3.°, mais uma vez esclarece que este sistema - assim como toda a Lei - tem dupla finalidade: de uma parte, a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes; de outra, a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas. O novo Sisnad veio a substituir os anteriores Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão, originalmente previsto pela Lei 6.368/1976, e Sistema Nacional Antidrogas, este trazido pela alteração do art. 3.° da Lei 6.368/1976 pela Medida Provisória 2.225-45/200 1. Considerando-se que a nova Lei veio a implantar uma nova linha de atuação estatal sobre a questão das drogas, de fato se fazia necessário Art. 3." LEI DE DROGAS - Comentada 30 romper com os sistemas até então vigentes, que não eram fulcrados na distinção entre traficante e usuário. O novo sistema, no entanto, manteve a mesma sigla que já era atribuída ao Sistema Nacional Antidrogas - Sisnad. É relevante a alteração da nomenclatura do sistema. A expressão "anti drogas" era considerada de cunho repressivo e não refletia os novos pilares da política estatal sobre o tratamento a ser dado ao uso e ao tráfico de drogas. O novo nome deixa patente que a atuação do Estado deve ser guiada por programas dirigidos a criar ações governamentais que se destinem a tratar adequadamente o problema social que cons tituem as drogas. O Sisnad não é um órgão, mas sim um sistema composto de vários órgãos. A finalidade do sistema é a articulação, integração, organização e coordenação de todas as atividades relacionadas à prevenção do uso, à atenção e à reinserção social de usuários e à repressão da produção e do tráfico de drogas. Dentro deste sistema, diversos órgãos atuarão em conjunto, cada qual com funções exclusivas e outras concorrentes. O projeto aprovado pelo Congresso Nacional já previa a função de cada um dos órgãos componentes do Sisnad, mas as disposições nesse sentido foram objeto de veto pelo Presidente da República. I A regu lamentação da matéria ficou a cargo, portanto, do Poder Executivo, que já se desincumbiu da função peJa edição do Decreto 5.912, de 27 de setembro de 2006. Consoante este ato normativo, integram o Sisnad: a) o Conselho Nacional Antidrogas Conad; b) a Secretaria Nacional Antidrogas - Senad; c) o conjunto de órgãos e entidades púb1ícos que exerçam as atividades de que tratam os incisos I e II do art. 1.°, do Poder Executivo federal e, mediante ajustes específicos, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal; e d) as organizações, instituições ou entidades da sociedade civil que atuem nas áreas da atenção à saúde e da assistência social e que atendam a usuários ou dependentes de drogas e respectivos familiares, me diante ajustes específicos. 2 Foram vetados os arts. 6.° e 8.° a 15 do Projeto, sob dois fundamentos: o vício de iniciativa (art. 61, § 1.0, e, ele o art. 84, VI, a, da CF) e a ofensa à autonomia dos entes federados (art. 18 da CF). 2 Art. 2.° do Decreto 5.912, de 2006. o Sistema Nacional de POliticas Pllblicas sobre Drogas Arts. 3," e 4,·31 I Vê-se, assim, que o Poder Executivo preferiu deixar em aberto o rol de componentes do Sisnad, admitindo a participação de qualquer órgão ou entidade, público ou privado, que exerça atividades compa tíveis com a finalidade do sistema. Neste ponto, não seguiu os dispo sitivos vetados da Lei e a regulamentação anterior da matéria (Decretos 3.696, de 2000, e 4.513, de 2(02), que elencavam, um a um, os órgãos públicos componentes do sistema. Mas são certamente integrantes do Sisnad o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça, que têm atribuições específicas dentro do sistema, conforme o art. 14 do referido Decreto. A abertura às organizações, instituições ou entidades da sociedade civil não foi ilimitada, eis que não se prevê que participem em atividades de repressão à produção não autorizada e ao tráfico, mas apenas em atividades de atenção à saúde, a<;sistência social e atendimento de usuários de drogas, dependentes e seus respectivos familiares. 2.1 PRINCÍPIOS DO SISNAD t, " " db'.'SiSteIna' Nadonul,deci; <soiJteDtQgas , tis 'da pessoa ,humana, 'especialmente beréfade; , , , , ' , e ,às especificldádes populacionais existentes; 111 - á promoçãO dós valores éticos, culturais. e de cidadania do povo bráSileiro, recon~oortiOfátorQs de pl'Oteção para o uso indevido de drogas e outros comportamentos cormlacionados~ IV - a promoção de con$OOSOS nacionais. de ampla particiPação social, para o estabelecimento dos fundamentoáe estratégias do Slsnad; V a promoção da respoosabi!idàde<é::ompar1i1hada entre Estado e Sociedade, reconhecendo a importancia da~ção social nas atividades do Sisnad; VI- O~ da in~dos tator6Scorrelacionados com o uso indevido de drogas, com a sua ~ não autolÍzada e o seu tráfico ilícito; VII - a integração das estratégias. ',1'lIMlk.mais e internacionais de prevenção do uso indevido, atenção e reinserçãcJ~ de usuários e dependentes de drogas e de repressão li sua ~<~~~ e ao seu tráfICO VIII - a al1iCUl8!;Io com os n~(~~~~rio Público e dos Poderes Legislativo ~ JudIciárío. viAndo"Ji_rMtmútUa nas atividades do Sisnad; Art. 4.° LEI DE DROGAS - Comentada 32 As normas do art. 5.° são de caráter principiológico e programá tico,3 apresentando as diretrizes e os direcionamentos que os órgãos do Sisnad deverão seguir na formulação das políticas públicas e na realização das atividades de que trata a Lei (prevenção ao uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas). Os incisos do art. 4.° refletem o que já foi dito sobre o intuito da nova Lei de Drogas, que é o de admitir que o uso das drogas é um problema social real e deve ser prevenido pelos meios adequados, que não se restringem à sanção penal. Reconhece-se, assim, a autonomia e a liberdade da pessoa humana (inciso I), refletida, dentre outros aspectos, na não obrigatoriedade do tratamento, a ser objeto de comentários adiante (arts. 28, § 7.°, e 47 da Lei); a diversidade cultural e étnica ao mesmo tempo como garantia contra o excesso da repressão (inciso 11) e como fator de proteção para o uso indevido de drogas (inciso IJI); a responsabilidade conjunta entre Estado e sociedade para a definição das estratégias e atividades a cargo de ambos (incisos IV e V) e a existência de fatores variados, intersetoriais, que levam ao uso e ao tráfico de drogas e que, portanto, devem ser combatidos com abordagem multidisciplinar (incisos VI e IX). Adota-se, também, a integração de estratégias nacionais e internacionais sobre a questão das drogas (inciso VII) e a articulação com o Ministério Público e os Poderes Judiciário e Legislativo (inciso VIII), tudo visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad. J Segundo José Afonso da Silva, nonnas definidoras de princípio programático "são aquelas que traçam esquemas de fins sociais, que devem ser cumpridos pelo Estado. mediante uma providência nonnativa ou mesmo administrativa ulterior", Aplicabilidade das nonnas constitucionais, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 262. 33 o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Arts. 4.° e 5.· Quanto a estes órgãos, releva anotar quenão têm assento no Conad, mas um membro do Ministério Público Federal será sempre convidado a participar das reuniões como observador, com direito a voz.4 Considera-se princípio do Sisnad a observância às orientações e normas do Conad (inciso XI). Dentre as orientações de observância obrigatória, a normatização mais relevante é a Resolução n.O 3 do CONAD, de 27 de outubro de 2005, que aprova a Política Nacional sobre Drogas. Por fim, e mais uma vez demonstrando a intenção maior do legislador com a edição da nova Lei, prevê-se que as atividades de repressão ao tráfico e à produção devem ser balanceadas, com equilíbrio, com as atividades de prevenção, atenção e reinserção social, visando a garantir a estabilidade e o bem-estar social (inciso X). 2.2 OBJETIVOS DO SISNAD Art..." O srsnad tem ossegUinfesôbjetfVGS: I -contribuir para. B!inCII.iSãO $tlCíaI·do cidadão, wsandQa t, vulnerá~1 a .$SSUfllircqmpo~t~ çIa .risco paraQ. uso indevido seu tráfiCo ilíeitQ e outros comportamentos correlaciona<io$;' . 11-promoveriú:ó~O soCialização do l".onltle(:~m~!nfO IH .promover a íntegraçãoenttéas polltlCas dê prevenção tio uso,;·it~~clifi; atenQiOê ràinsarção~.de uSuários e depenôenbis de ~.6 derêpliiSl.::t: à sua p~não~eao !ttáficoilrcito eU.políticas tios órgãos do Podl1!( EXE!QUtivo da União,. Distrito Feâerál, Estados e IV - ~SS&gijrar~ corrdiçõe6 para a coorden~o, a integração e a das ativídadesdeque tratá o 'aFt, 3.° deSta Lei. . o art. 5.° dá continuidade à parte programática da Lei, dispondo sobre os objetivos do Sisnad, que são, em síntese: promover a inclusão social do cidadão como forma de diminuir sua suscetibilidade ao uso de drogas, com a socialização do conhecimento sobre a matéria (incisos J e JI); promover a integração entre as políticas de prevenção, atenção e reinserção social e repressão e as políticas públicas setoriais (inciso I1I) e assegurar que seja possível a coordenação, integração e a articulação destas atividades (inciso IV). 4 Art. 11, parágrafo único, do Decreto 5.912/2006. http:r�insar��o~.de 34Arts. 6.° a 17 lEI DE DROGAS - Corn8ntada 2.3 ORGANIZAÇÃO DO SISNAD Câpitulom (Vetado) Art. 9.° a 14. (Vetarm.) Os artigos que diziam respeito à composlçao do Sisnad foram vetados. A esse respeito, já tratamos ao analisar o art. 3.° da Lei. Interessa registrar, em relação ao art. 7.°, único salvo pela sanção presidencial neste Capítulo, que a execução das atividades definidas na Lei (prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes e repressão ao tráfico e à produção de drogas) deve ser realizada de descentralizada, pelos do Sisnad que possuam atribuição para tanto. A centralização é mantida apenas para a formulação da orientação sobre a execução dessas atividades. A própria Lei prevê a regulamentação infralegal da matéria, hoje consubstanciada no Decreto 5.912, de 2006. Os demais artigos, do 9.° ao 14, foram vetados, como já dito. 2.4 INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS Capítulo IV Da coleta, análise e disseminação 4e Informações sobre drogas Art. 15. (Vetado.) Art. 16. As instituições com aGSistência social que atendafY:I o Sistema Nacional de Políticas Públícas sobre Drogas Arts. 15 a 17 .", QOtTiun!Car ao órgão~Emt\;!cfQ'mpectivo sistema municipal de saúde os preSérvando a identidade das pessoas, c:onf(){mEl Orientações emanada$ da União. Art. 17. 0$ dadOS ElStatfsticOS nacionais de repressão ao tráfico iffcito de drogas integrarão sistema de infonnaçóes do Poder Executivo. A importância das disposições deste Capítulo está em permitir que seja o Sisnad provido de todos os dados necessários para corretamente exercer suas funções. Apesar do veto ao art. 15, continua a existir o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, órgão da estrutura do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.5 O art. 16 da Lei é necessário para que não se possa opor à coleta sigilo imposto entre médico e paciente. Uma vez preservada a identidade das pessoas, a comunicação de atendimentos de drogas, pelas instituições com atuação em atenção à saúde e assistência social de usuários e dependentes de drogas, sigilo profissional. dos Decretos 5.772 e 5.912, de 2006. Para maiores informações, 35 I' casoS· atendidos li' 0$ óbitôS ~, das informações o e óbitos decorrentes em nada macula o mp:lfobid.senad.go DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO, ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL DE , USUARIOS E DEPENDENTES DE DROGAS 3.1 ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO DE DROGAS Arts. 18 e 19 LEI DE DROGAS - Comentada 38 111 - O fortalecimento da autonomia e ao uso indevido de drogas; IV - o compartilhamento de responsabilic com as instituições do setor privado e com os dfveri!t>s Incluindo usuários e dependentes de drogas e meio do estabelecimento de parcerias; V - a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às espe· cificidades sooiooulturais das diversas populações, bem como das difer~. drogas utilizadas; . VI - o reconhecimento do "não-uso', do "retardamento do uso' e da redUQlO' de riscos como resultados desejáveiS das atividades de natureza préVElI1liYB, quando da definição dos objetivos a serem alcançados; VII - o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da populaçãé), levando em cOr\Sideraçãé) as suas necessidades especIficas; VIR - a articut4~ éntre Os seNiços à ,OllIarHzações que aMâm ém atividades de prevenção ~ uso. Inde'lido de drQgas ,8 a rede da atenção a, uslJérios e dependamel!f de drdgas e ~. familiares; .,' IX":" o il!t~~ emalfe~aséf,orti~as. cutt\Jrais,artf~s;ptófi~. entre outras, como fon'na de Inclusão social e de melhoria da qualidade de vidâ; x - o estabelecimento de polrtlcas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profISsionais de educação nos três nfveís de erlSino; XI - 8, implantação ,deprojEjrlofl pedagógicos da prevenção do uSÇj itJ(ieyido.àe drogas, nas IrlStlW~de ermlna públioo.e priVado,alii1hadosàs DirêtÃzeS· Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a dll:lg!iS; XII - a obsarvândadas orientações EI normas emanadas do Conad; XIII - o alinha~1'ltP às dif~r!Zes dos órgãos de controle social da poIlticas setoriala,~. . . ' . . ,'.. ,'. . .. o Capítulo I do Título IH da nova Lei volta-se às atividades de prevenção do uso indevido de drogas, especificando seus objetivos, princípios e diretrizes. Foge à finalidade deste livro a análise de todas as atividades tratadas nos arts. 18 e 19. Importante anotar, no entanto, que a Lei considera como atividade de prevenção, consoante os princípios já vistos do Sisnad, a redução dos fatores reconhecidos de vulnerabilidade e risco, bem como a promoção dos fatores de proteção. Nesse sentido, o art. 19 lista diversos princípios e diretrizes a serem seguidos pelas atividades de prevenção do uso indevido de drogas. I Alice Bianchini observa que a nova Lei de Drogas contempla os três momentos dos programas de prevenção ao uso indevido de drogas: "Prevenção prírruíria: tem por 39 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 18 e 19 r E, em relação às atividades dirigidas a crianças e adolescentes, o Sisnad deve adequar-se às diretrizes do Conselho Nacional dos da Criança e do Adolescente - Conanda. 3.1.1 Política de redução de danos o inciso VI do art. 19 da nova Lei de Drogas prevê que é diretriz das atividades de prevenção do uso indevido o reconhecimento do "retardamento do uso" e da redução de riscos como resultados dese jáveis, isto é, objetivos dessas atividades. Trata-se da controversa política de redução de danos, que por muito tempo foi contestada por setores da sociedade que a viam como incentivo ao uso. A redução de danos tem por fundamento o reconhecimento de que a disseminação do uso de drogas na sociedade é uma realidade e, como tal, não poderá ser estancada pelas fórmulas tradicionais de prevenção e repressão. Alémdisso, esta política admite que os danos e os riscos causados pelas estratégias tradicionais de combate às drogas acabem, vezes, a suplantar os próprios prejuízos causados pelo uso.2 Exemplificamos. Pelos meios tradicionais de prevenção e repressão, o dependente de drogas injetáveis deverá ser privado de todo e qualquer contato com a substância na qual é viciado, bem como de todos os meios que teria à disposição para obter e utilizar a droga. Com isso, espera-se que as dificuldades colocadas impeçam-no de saciar o vício. O resultado dessa linalidade impedir o primeiro contato do indivíduo com a droga, ou de retardá-lo. ( ... ) Prevenção secundária: busca evitar que aqueles que uso moderado de drogas passem a usá-las de fonna mais freqüente e prejudiciaL (. ..) terciária: incide quando ocorrem problemas com o uso ou a dependência de drogas, sendo que fazem pa11e deste momento todas as ações voltadas para a do dependente." Lei de Drogas Comentada artigo por artigo: Lei 11.34312006, de 23.08.2006, Luiz Flávio Gomes Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e WilIiam Terra, 2. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 58/59 2 O assassinato de cinco prostitutas na cidade inglesa de Ipswich, em dezembro de 2006, levou a um debate nacional no Reino Unido sobre as políticas para reduzir os danos SOCiais decorrentes do uso de drogas. As investigações concluíram que as cinco vítimas, possivelmente, haviam se prostituído para financiar seus gastos com heroína e crack, mesma razão que leva milhares de mulheres daquele país à prostituição. Após os assassinatos, cresceu o apoio a um programa experimental do Serviço Nacional de Saúde inglês, que distribui heroína gratuitamente a 400 dependentes, ao custo de dez mil libras esterlinas por ano aos cofres públicos, por participante do programa. (NHS heroin 'will protect women', BBC News, Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/2/hilheal thJ634209I.stm>. Acesso em: 3 jun. 2007). I http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/2/hilheal http:itJ(ieyido.�e 41 r- Arts. 18 e 19 LEI DE DROGAS - Comentada 40 estratégia de combate, no entanto, por vezes, traz mais danos à saúde do dependente e à sociedade do que a própria utilização da droga. Veja que, no exemplo, o que acontece em regra não é a abstinência do uso. Ao contrário, o dependente passa a buscar todos os meios possíveis para obter e usar a droga, ainda que ilícitos. Assim, quem se sentir premido pela necessidade de consumo poderá vir a cometer outros crimes para obter drogas, ampliando a margem de atuação do crime organizado, responsável pela oferta do produto. Além disso, poderá também utilizar-se de vias não ortodoxas de utilização das drogas, causando ainda mais danos a sua saúde. Mediante a política de redução de danos, o dependente versado no exemplo seria tratado de forma diferenciada. Se for viciado em drogas injetáveis, deverão ser-lhe distribuídas, gratuitamente, seringas descartáveis, para que não pre~e fazer uso das seringas de outras pessoas, evitando o risco de contágio com doenças transmissíveis pelo sangue, em especial a AIDS. A depender da gravidade da dependência, é possível que seu tratamento passe pela disponibilização descontinuada de drogas, até que seja possível não mais fazer uso delas. Insurgiam-se contra a estratégia de redução de danos setores que não admitiam, de qualquer forma, que o Estado pudesse ser responsável pelo auxílio ao uso de drogas - alguns diriam até mesmo tratar-se de atividade criminosa. A Lei, sem embargo, pôs fim a este posicionamen to, e qualquer adução de motivos neste sentido será objetada pela disposição do inciso VI do art. 19, que, ao autorizar estas ati vidades, exclui a antinormatividade da conduta.3 Agora, portanto, passa a ser dever do Estado a formulação de ações como a troca e distribuição gratuita de seringas, reduzindo o dano de contaminação de usuários por doenças transmissíveis, bem como o incentivo para que seja alterada a via de administração, estimulando se, por exemplo, os usuários de drogas injetáveis a utilizarem a via aspirada, por ser menos arriscada.4-5 Consoante ensinam Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, em Manual de direito brasileiro, Parte Geral, 5. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 436, "0 juízo de tipicidade não é um mero juízo de típicidade mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipícidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa". 4 Cartilha de Redução de Danos da Reduc Rede Brasileira de Redução de Danos, fascículo 4, em www.reduc.org.br. 5 Noticiou o jornal Folha de S.Paulo, em edição de dia 8 de junho de 2007, a produção de um panfleto para ser distribuído na "Parada do Orgulho GLBT de São Paulo", evento Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 18 a 22 A redução de danos já era prevista na legislação anterior (art. 12, § 2.°), porém de forma tímida e desfocada, já que vinculada apenas a atividades de tratamento. A nova Lei, ao tratar a redução de danos como princípio ou diretriz das atividades de prevenção, generalizou as pos sibilidades de sua aplicação. 3.2 ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO SOCIAL DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE DROGAS Capitulo 11 ,Das ati'fklades de atenção e de reinserção social de usuários .ou dependentes de drqgas Att.20. CoOstiíl1OOl atividades deatanção ao usuário e dependente de drogas .~ fl:ífniliares, para'efeito desta Lei, aquelas que viSem à màltloria, de qualidade de Vida:~à~, OOS riscos e dos <fanoS;~,ao uso 4EI drogas. .' " , , • ' , '_ 2'1. ~el'natiVidades de reinserção social 00 ~o,ou 00, depentfenté dedroga& é r~ famíliafes, para efeito desta Lef"aquelíls dlrecí~ para' ,,sua. ~gração,OU, reintegra;~ am redes SOCiais., ,,~ ,22. Ata,' atÍlllàades de at~ e liI$ de reinserção soci$l ®tlSlIário. e ,do dependentedSdrOgas: e respectivost'amiliares devam obsél\lar Os seguintes ptÍrlcfplos e direttt2:es: ", " " l:"rêspslro8ó Usuário e ao dependente de drogas, independe:ntementJ de QIlafs'IIJe;r~; ~IlÓO$, !llS"dlreitos fundamentais cta,pes$Oa humana, os~j:Iios: e d~es do Sistema Omco de Saúde e da PoIitjca Nacional de A$slStênciai'Soci$J; ., , tr,-:,a~de~Í8S difetendádasde atenção e reinserçãóSOlilial ckl ~no e'dQ, ~ 'da ~ e, respectivos ,falTliliares que cOtI&lqEuetn liI$ suas p9cuJiaridade$ SOCioeu_urais; , , " , " , IU-definlçãotàe proje1o terapêuÍico lndIvk:Iaatizado. orierinidoparaii indtlSlo sccíat e para a ~ de, rIscos.9 de, dlmos ,sociais 9 li SB.Ilde; " IV -~~~uário QU depende.!ie drogas e ~ t'eliIpectiy!llSfàmí!lar~ sempre q~~dfl forma ~iMre:pQl' equlpes mu~natS~ V - observanciá dasOrien~~~••norrnas e~,dOiConJiQ~ ~=.t~~.:.~"de ~flIe'SOQIaI ~poI~as mais conhecido como "Parada Gay", em que se orientava a forma mais segura de usar drogas: "Para cheirar, prefira um canudo individual a notas de dinheiro", "Faça uma piteira de papel se for rolar um baseado", "Compartilhe a droga, nunca () material a ser usado". Consultado pela reportagem, o Governo, que patrocinava () folheto, defendeu a política de redução de danos a usuários. www.reduc.org.br 43 r se Arts. 20 a 26 LEI DE DROGAS - Comentada 42 A prevlsao específica da necessidade de atender e reinserir na sociedade o usuário e o dependente de drogas não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois já existia desde a Medida Provi sória 2.225-4512001, que alterou a Lei 6.368/1976. Entretanto, a nova Lei de Drogas, neste ponto, deu nova formulação à matéria, elevando as atividades de atenção e reinserção social ao mesmo nível de importância das atividades de prevenção do uso indevido e repressão ao tráfico e à produção não autorizada. Trata-se de mais uma conseqüên cia do reconhecimento, pelo legislador, de que o problema envolvendo as drogas é efetivo e, para sua solução, não maisse fazem suficientes apenas medidas repressivas ou de prevenção genérica. Impõe-se, agora, a reinserção social daqueles que já foram atingidos pelo uso de drogas, bem como a devida atenção àquges que estão no mesmo caminho. Assim, dispõe a Lei que as atividades de atenção têm por objetivo a melhoria da qualidade de vida e a redução dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas;6 as de reinserção social, por sua vez, destinam-se à integração ou reintegração em redes sociais. É de extrema relevância a ampliação dos alvos destas atividades. Consoante os arts. 20 e 21 da Lei, não apenas os usuários e os dependentes de drogas necessitam de atenção e reinserção social, mas também seus familiares. Com isso, admitiu-se que a família do usuário e do dependente é figura-chave nestas atividades, tanto por ser de vital importância sua participação no processo de reinclusão, como por constituir, a própria família, uma vítima do uso de drogas. O art. 22 prescreve os princípios e diretrizes das atividades de atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. Deixamos de comentar especificamente estas disposições por ser a matéria alheia ao objetivo deste trabalho. 3.3 EXECUTORES DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL Art. 23.. As redes dos 8SfViÇO$ do Distrito Federal. dos Mt,mieíplos dese~ ao usuário e ao dependente de drogas. respeItadaS da Saúde e os princfpIos explicitados 00 " •.fJnWisAo orçamentária adequada. 6 Sobre política de redução de danos, ver comentários ao inciso VI do art. 19 da Lei. Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 23 a 26 . iri'24. A UniãO. .E~,:i:1~l:~'lttlFederal e os Munícfpios· poderão .~,.~à$~::~ que desenvolverem programas de ~ 00 ~rcadode~; do usuário e do dependente -de drog88 . ~hadoS"pOr órgão ~: ... " ••.', .•'., Aft.,25. As instituiÇões da~êíilil. sem fins lucrativos, com atuação nas •.~ da atençãoã saúde edaalSlstência social, que atendam usuários ou ~ntes de drogas poderão I'éOOber. recursos do Funad, condicionados à .. ~disPOOibilidade Ol'ÇQmentária e tlnallC$ira. Art. H. O uStJál'io e o dependente de drogas que, em razão da prática. de Infração Pf,ffi3l. OOtiverem ctll'nprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurança. têm garantido..q os servíços de atenção à sua saúde, dafinldos pato respectivo sistell'lli peniteoc:iário. A Lei de Drogas dispõe que os serviços de saúde dos entes federativos - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - deverão responsabilizar-se por programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas. A norma, constante do art. 23 da Lei, nada fala a respeito das atividades de reinserção social, levando a crer que não estariam abarcadas pela rede pública de saúde. Apesar do silêncio da Lei, não vemos razão a impedir que os poderes públicos também mantenham estes serviços, podendo a regulamentação ser feita por meio de atos infralegais. Permite-se a participação de setores privados nestas atividades. Assim, empresas privadas poderão receber benefícios do Poder Público desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho (espécie de reinserção social) a usuários ou dependentes encaminhados por órgão oficial. Também poderão ter benesses públicas as instituições da sociedade civil sem fins lucrativos com atuação em atenção à saúde e reinserção social. Nestes casos, é possível até mesmo o repasse de recursos do Fundo Nacional Antidrogas - Funad. Consoante o teor da previsão do art. 24, é necessária a participação do poder público nos programas de reinserção no mercado de trabalho para que possam ser concedidos os benefícios previstos no artigo. Assim, conforme lembra Renato Marcão,7 a prática espontânea de promover a reinserção no mercado de trabalho de usuário ou dependente que não tenha sido encaminhado por órgão oficial não dá ensejo à concessão de benefícios. Garante-se, ainda, que os presos tenham à disposição os mesmos serviços de atenção à saúde dos cidadãos em liberdade, definidos pelo sistema penitenciário. As infrações penais a que se refere a Lei não são ) Tóxicos: Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, nova lei de drogas. 4. cd. rcformulada. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 50. ", « ;;tc."ap; ( Arts. 23 a 26 LEI DE DROGAS - Comentad.! 44 apenas aquelas previstas na própria Lei de Drogas, mas qualquer infração penaL Sabe-se que o uso de drogas atinge grande parte da população carcerária no Brasil, não havendo, na maioria dos estabelecimentos, condições materiais e de recursos humanos para atender a todos. A disposição é importante por garantir aos presos as mesmas medidas de atenção. Se não for devidamente cumprida, esta disposição deverá ser alvo, inc1usive, da atuação do Ministério Público, para fazer valer este direito. 3.3.1 Comunidades terapêuticas ou similares Vale a menção de que a versão do projeto de lei aprovada na Câmara dos Deputados contemplava a problemática questão das comu nidades terapêuticas, que nada I1'fiiis são do que serviços autônomos de atenção à saúde de usuários e dependentes. Muitas exercem aplaudido serviço social, porém outras não respeitam condições mínimas de higiene. Além disso, há, ainda, as comunidades que se utilizam de meios não usuais, sem embasamento científico, para atender aos usuários e dependentes de drogas. A disposição não proibia as comunidades terapêuticas, mas previa sua adequação aos princípios da Lei e às diretrizes específicas a serem criadas.8 O Senado Federal rejeitou o dispositivo, sob o pretexto de que já havia regulamentação sobre a matéria.9 Não nos parece válida a justificativa, eis que, com a elevação da previsão à categoria de Lei, haveria mais segurança sobre a legalidade e a fiscalização das comu nidades terapêuticas ou similares. De qualquer sorte, permanece em vigor a Resolução - RDC 101, de 20 de maio de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que "estabelece Regulamento Técnico disciplinando as exi gências mínimas para o funcionamento de serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas, segundo modelo psicossocial, também conhecidos como Comunidades Terapêuticas, parte integrante desta Resolução". ! A versão incluía um parágrafo único no art. 23, com a seguinte redação: "Parágrafo único. Os serviços da rede de apoio social ao usuário ou dependente e respectivos familiares que não forem de natureza sanitária, executados por comunidades terapêuticas e similares, deverão se alinhar aos princípios dispostos no art. 22 desta Lei e às diretrizes específicas a serem regulamentadas". 9 Cf. relat6rio publicado no Diário do Senado Federal, de 6 de julho de 2006, p. 22.786. 45 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. Z7 e 28 r 3.4 CRIMES RELACIONADOS AO CONSUMO PESSOAL tompiuecirnento a programa .ouquriK:.! eQ~o, suõmete-se quem, para seu. COIlSU/TlO ~Oal. itas.'dSstlnadaa à preparação tlepéqliléna: quantltládê de.i;~;~~'~PÜ~ caU$ar depenc:JêliClaffsl~íi!U p$ÍqQi~. .. . . ~se•• a drogadestlnava-sa a CQfISUIOOPQ$S09I; Q.. juiz. iA quartti$de da SUbstênciaapreE!l:'!did~•..~.. ~,~ . ,~voIWu à ação. às circunStáncias sOCIafffe~lS, . iwm/Ir}m!là antecedentes do agente: ..... .. t 3.DI~PEmas'PAMstas;nos .IOOlsoa " alH do capuf deste artigoseráGél'plicactàs _~~mo~ 5 (1i:Íf:lCQ)meS8$. ", ,"",', /";, "","" ,"" ',i " , §4."ERl.çaso:.de relf1Oidência,;:lS penas previstrulno& jncjsos I! e lU ~ c;Jput deste ártiQoserl6àP1icadas PelO prazo máximo de 10 (dEIl) meses. ~ 5.° Aprestaqio de SEírViços li comunidade será eumprictà em programas . '~$WId~~cacIonais ou a~iais. hOspitais, e~lecí~ ~•.•• O\'fl~~•• ~bli~ou privados: sem· fins ·k.tcratívos, que •. se· ocupem. pref~I~,âapreveoção.OO consume) ou da recuperaçâ9 dé. usu~ e~rtte$.â~dr09«s.·· . i.·· •. .. ....., . ...... .. ... . ·16,;' P_~doli:tmprifrIentQ das medidas 00uCaJ1vaS 8 que. se~re ocaput,n9$I~>I. 1Ie UI, aQueinj~eníIi$e.~o.1$. PQ!;terà .o,úi~SIJ~o. sucessivamente a: f - adInoes~ ~; 11 - mtllta. . §7.'1 O tu~ ~ 9OPodeF; .publieoQue coloque à di&poaição do' infrator. ~~~,dO,~,~eretlciam:lente· ~al,.pará ~1ltO>~gjo. ·2. . . . ' 3.4.1 Crime de porte para consumo pessoal No Capítulo III do Título III encontraremos as maiores inovações da nova Lei. http:pref~I~,�apreveo��o.OO http:ERl.�aso:.de Arts. 27 e 28 LEI DE DROGAS - Comentada 46 I Como já antecipado, o intuito da Lei foi o de evitar, a qualquer custo, a aplicação de pena privativa de liberdade ao usuário de drogas. Partindo-se da premissa de que a reclusão do usuário ou dependente não traria qualquer benefício seja à saúde individual, seja à saúde o legislador determinou a aplicação de outras penas não privativas de liberdade, as quais chamou, eufemisticamente, de "me didas educativas". Analisando a nova Lei, verifica-se que em nenhuma hipótese poderá ser aplicada pena privativa de liberdade ao usuário. Neste sentido, trazemos à colação a justificativa final do Senado ao Projeto de Lei 115, convertido na presente Lei, veiculado pelo parecer 846, da Comissão de assuntos sociais do Senado, publicado no Diário do Senado Federal em 6 de julho de 2006: "O maior avanço do Projeto e]tá certamente no seu art. 28, que trata de acabar com a pena de prisão para o usuário de drogas no Brasil. A pena de prisão para o usuário de drogas é totalmente injustificável, sob todos os aspectos. Em primeiro lugar, porque o usuário não pode ser tratado como um criminoso, já que é, na verdade, dependente de um produto, como há dependentes de álcool, tranqüilizantes, cigarro, dentre outros. Em segundo lugar, porque a pena de prisão para o usuário acaba por alimentar um sistema de corrupção policial absurdo, já que quando pego em flagrante, o usuário em geral tenderá a tentar corromper a autoridade policial, diante das conseqüências que o simples uso da droga hoje pode lhe trazer". É importante destacar que o legislador utilizou-se, no art. 28, de uma redação diversa da que geralmente é utilizada para a tipificação das condutas delitivas, sendo mais um signo da tentativa do legislador em separar cabalmente a conduta daquele que porta para consumo próprio da conduta do traficante. 3.4.1.1 Elementos do tipo Deve-se destacar que somente se caracterizarão as condutas quando presente o elemento subjetivo do tipo representado pela são "para consumo pessoal". A Lei 6.368/1976, é de se recordar, utilizava a expressão "para uso próprio". Apesar da alteração, não vemos modificação substancial no sentido da expressão, 10 pois o relevante é '0 Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi (Lei de Drogas Anotada: Lei 11.34312006. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 44) entendem que a substituição da expressão "para uso Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 27 e 2847 I verificar se a destinação da droga, dentro do planejamento do agente, era para seu próprio uso. O legislador trouxe os elementos a serem investígados pelo magistrado para veri~car se restou caracterizada ou não a finalidade de consumo próprio. E o que dispõe o art. 28, § 2.°: "Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente". Assim, todos estes elementos reunidos e considerados globalmente é que permitirão analisar se estamos diante do delito aqui previsto ou daqueles previstos nos arts. 33 e seguintes da Lei. Samuel Miranda Arrudall afirma que o legislador não poderia ter utilizado os antecedentes do agente como critério interpretativo na tipificação da conduta: "Cria-se, assim, uma rotulação perigosa dos indivíduos. Deixa-se de analisar o fato criminoso objetivamente para realizar uma apreciação subjetiva do agente. Como se pode justificar que uma mesma conduta, se praticada por Pedro, já condenado por tráfico, seja enquadrada no tipo penal do artigo 33, enquanto a Paulo, primário e de bons antecedentes, imputa se o delito associado ao uso? Cremos, mesmo, ser de constitucionalidade duvidosa essa disposição. O legislador erigiu aí verdadeira presunção de culpabilidade em nada compatível com o princípio inverso, da por "para consumo de conteúdo. Segundo lecionam: "A alteração é relevante porque lossibilidade de enquadramento no tipo mais benéfico das condutas para consumo próprio ou de outrem em caráter pessoal, ou seja, sem animus de disseminação. Na lei anterior, somente poderia ser aplicado o art. 16, desqualificando-se o artigo 12, se o agente trazia consigo para uso exclusivamente caracterizando-se o então artigo 12 se a droga fosse também para uso pessoal de terceiro. O texto atual, portanto, é mais amplo e benéfico, abrangendo situação que era antes considerada injusta, a de se punir com as penas do então art. 12 aquele que, dividia a droga com companheiros ou a adquiria para consumo doméstico maIS de uma pessoa". Apesar da sabedoria dos mestres, não podemos concordar com o quanto exposto. Hoje quem adquire droga para consumo de terceiro apenas será passível de punição nas penas do art. 33. § 3.°, se tiver preenchido todos os requisitos previstos no artigo (cessão eventual, sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para a consumirem). A conduta do cedente, portanto, somente não será considerada tráfico (artigo 33, caput) se preencher os requisitos mencionados no § 3.° do mesmo artigo 33 e não porque se alterou a locução "para uso próprio" por "para uso pessoal". Em outras palavras, se não forem preenchidos todos os requisitos especializantes do artigo 33, § 3.°, o cedente responderá por tráfico (por exemplo, se ceder a droga para consumo pessoal de um desconhecido). Se fosse verdade o quanto dito pelos doutrinadores. a norma que trata do uso compartilhado (art. 33, § 3.°) seria desnecessária. IIOb. cit., p. 31 e 32. Arts. 27 e 28 LEI DE DROGAS - Comentada 48 I presunção de inocência". Entendemos que a crítica é justa, mas não concordamos inteiramente com as conclusões. Embora realmente o Direito Penal do fato atualmente consagrado - não pennita que questões pessoais do agente sejam os únicos elementos a julgar a conduta, o legislador utilizou-se de um critério que auxiliará o magis trado, desde que analisado ao lado e conjuntamente com os outros elementos indicados. Em outras palavras, entendemos que o critério dos antecedentes pode ser sim utilizado como guia interpretativo, mas desde que seja confirmado pelos demais critérios indicados (local, circuns tância da ação, modo de acondicionamento etc). Realmente, solitaria mente, não seria possível diferenciar o usuário do traficante apenas com base em seus antecedentes, sob pena de retomo ao malfadado Direito Penal do autor. Mas em um caso em que o agente é encontrado com pequenas trouxas de cocaína, acondicionadas em Ínvólt.téros plásticos, e já possui condenações anteriores por tráfico, não há dúvidas que o passado criminoso do agente poderá ser considerado elemento de reforço ao intérprete na distinção entre uso e tráfico. Como se sabe, o intérprete e, notadamente, os operadores do direito entre eles o magistrado devem estar atentos à realidade em que vivem e, assim, observar aquilo que normalmente acontece. Isso, de fonna alguma, impede que o agente comprove que a droga seria para consumo pessoal. Apenas é um indício, que poderá ser utilizado pelo magistrado, ao lado de tantos outros. Não vemos, portanto, a alegada inconstitucionalidade que o mestre acima citado sugeriu. Quanto às condutas típicas, o artigo inovou em relação aos verbos núcleos ter em depósito e transportar, não constantes do art. 16 da Lei 6.368/1976 (que somente falava em adquirir, guardar e trazer consigo). Agora, o tipo em análise prevê tanto a conduta de ter em depósito quanto a de guardar, razão pela qual será necessáriodistingui-las. Quando estávamos diante do art. 12 da Lei 6.368/1976, sempre reinou discussão em tomo de sua diferenciação. À época, afinnava-se majoritariamente, com fulcro nas lições de Magalhães Noronha e Nelson Hungria,12 que a distinção estava na titularidade da detenção, ou seja, se a retenção fosse em nome próprio, haveria o depósito, enquanto restaria caracte rizada a guarda se a retenção se desse em nome de terceiro. Porém, a discussão possuía mais interesse doutrinário do que prático, haja vista 12 Apud Vícente Greco Filho, Tóxicos, prevenção - repressão, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 89. 49 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 27 e 28 que ambas as condutas se enquadravam no conceito de tráfico de drogas. Com a nova Lei, entendemos que a distinção deve ser revista. Realmente, corno as condutas de "guardar" e "ter em depósito" aqui devem ser para consumo pessoal, não poderemos utilizar como critério de discrímen a titularidade da retenção. Expliquemos. Se alguém retém a droga para uso de terceiro ("guarda" na lição da doutrina tradicional) a conduta daquele não poderá se enquadrar no art. 28, haja vista que a finalidade da retenção não é para consumo próprio, mas sim para consumo de terceiro. Assim, se para a caracterização do tipo previsto no art. 28 é necessário que a droga destine-se a consumo pessoal, aquele que a retém em nome e para uso de terceiro não se enquadrará no tipo do art. 28, mas no art. Da mesma forma, se alguém comprar a droga para consumo pessoal de terceiro, responderá neste mesmo art. e não como partícipe do crime do art. 28. Tendo em vista o elemento subjetivo do tipo "para consumo pessoal", não poderemos mais nos valer da distinção entre guardar ou ter em depósito, como tradicionalmente era feita pela doutrina majo ritária. No contexto do art. 28 e à luz do elemento subjetivo mencionado, as duas condutas somente restarão caracterizadas quando posto em evidência o interesse do próprio agente, que retém a droga para seu próprio consumo. Assim, entendemos que a lição do professor Vicente Greco se toma ainda mais atual, quando, ainda sob a égide da Lei 6.368/ 1976, já defendia que "ter em depósito" significaria a retenção provi sória e possibilidade de deslocamento rápido da droga de um lugar para outro, enquanto "guardar" se conceituaria como a mera ocultação da droga. Vejamos: "Interpretamos, pois, os dois verbos de forma diferente: ambos têm o mesmo conteúdo físico que é o reter, a detenção; mas o primeiro tem um sentido de provisoriedade e mobilidade do depósito, ao passo que o 'guardar' não sugere essas circunstâncias, compreen dendo a ocultação pura e simples, permanente ou precária. O último é mais genérico em relação ao primeiro, mas têm ambos sentido bastante aproximado de modo a ser difícil, às vezes, sua diferenciação".n Portanto, dentro na concepção do art. 28, tanto na conduta de guardar como na de ter em depósito existirá a retenção da droga para consumo próprio, e a relação entre elas será de continente para conteúdo, pois aquele verbo-núcleo englobaria este. 13 Tóxicos, prevenção repressão, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 89. .Ai*" tia 3 !' Arts. 27 e 28 LEI DE DROGAS - Comentada 50 De outro giro, o verbo transportar, por sua vez, significa a conduta de levar de um local para outro por intermédio de algum meio de locomoção que não o pessoal (pois neste caso configuraria o "trazer consigo"). Assim, se o agente coloca a droga em seu veículo para levá à sua casa, haverá o transporte, enquanto, se a conduz junto ao próprio corpo, estará a trazendo consigo. Apesar da inclusão dos dois verbos na descrição típica, não houve alteração significativa na incriminação, comparando-se com a legislação anterior. As condutas introduzidas já estavam, de maneira direta ou indireta, abrangidas nos verbos previstos no art. 16 da Lei 6.36811976. Pela jurisprudência, por exemplo, se o agente transportasse a droga em seu veículo, a estaria trazendo consigo ou guardando. Da mesma forma, guardar incluiria a conduta ter em depósito. 3.4.1.2 Atipicidade do uso A conduta de mero uso da droga é típica em face da nova Lei? Em regra, o agente que faz uso da droga anteriormente a adquire ou traz consigo. Assim, se o agente está consumindo a droga e é flagrado em situação na qual é possível constatar a materialidade delitiva, haverá crime, não na modalidade "usar", que é atípica, mas porque o agente a tem consigo. Porém, não necessariamente o uso será precedido das condutas de adquirir ou trazer consigo. Como bem lembra Vicente Greco Filho, "Poder-se-ia dizer que, para usar, alguém necessariamente deveria ter trazido consigo. Em primeiro lugar, isto nem sempre é verdadeiro, porque alguém pode receber uma injeção de tóxico, por exemplo, ministrado diretamente; depois, o que a lei focaliza é aquele perigo contra a saúde pública, acima referido, existente enquanto o agente traz a droga, mas que desaparece com o seu consumo. Da mesma forma, na mesma ocasião, desaparecerá a situação de flagrância, tendo em vista ser essa conduta de caráter permanente".14 Ademais, como lembra com perspicácia Damásio de Jesus, se o uso fosse crime, não seria necessário tipificar autonomamente a conduta daquele que auxilia, instiga ou determina alguém a usar droga, pois bastaria a regra da participação prevista no art. 29 do CP. 15 Importante 14 Ob. cit. p. 121. 15 Lei antitóxicos anotada, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 89. 51 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 27 e 28 í lembrar que o Supremo Tribunal Federal já tangenciou a questão no exame do HC 79.189, da 1.a Turma, reI. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 09.03.2001, afirmando a impossibilidade de se punir o uso pretérito. '6 Em razão destas considerações e como não houve alteração subs tantiva nos verbos-núc1eo utilizados, entendemos que a conduta de usar, em si, continua atípica. 17 Por esta razão chamamos o delito previsto no art. 28 de porte de droga para consumo pessoal e não simplesmente de uso de drogas. No sentido do texto, em relação à nova Lei de Drogas, também é a lição de Guilherme de Souza Nucci. 18 3.4.1.3 Constitucionalidade do crime de porte para consumo pessoal Alguns doutrinadores afirmam que o delito de porte de droga para consumo pessoal seria inconstitucional, por violação ao direito à assegurado constitucionalmente (art. 5.°, inc. X, da CF), bem como o direito à autodeterminação e a própria dignidade da pessoa humana. Por todos, trazemos à baila lições da Juíza de Direito apo sentada Maria Lúcia Karam: "Mantendo a criminalização da posse para uso pessoal, a Lei 11.343/2006 repete as violações ao princípio da lesividade e às normas que, assegurando a liberdade individual e o respeito à vida privada, se vinculam ao próprio princípio da legalidade, 16 "Entorpecentes: posse para uso próprio: inexistência do crime ou, de qualquer sorte, de prova indispensável à condenação: habeas corpus deferido por falta de justa causa. 1. Ê mais que razoável o entendimento dos que entendem não realizado o tipo do alt. 16 da Lei de Entorpecentes (L. 6.368/1976) na conduta de quem, recebendo de terceiro a droga, para uso próprio, incontinente, a consome: a incriminação do porte de tóxico para uso próprio só se pode explicar segundo a doutrina subjacente à lei - como delito contra a saúde pública, que se insere entre os crimes contra a incolumidade pública, que só se configuram em fatos que 'acarretam situação de perigo a indeterminado ou não individuado grupo de pessoas' (Hungria). 2. De qualquer sorte, conforme jurispru dência sedimentada, o exame toxicológico positivo da substância de porte vedado é elemento essencial à validade da condenação pelo crime o que pressupõe sua apreensão na posse do agente e não de terceiro: impossível, assim, imputar a a posse anterior do único cigarro de maconha que teria fumado em ocasião allterior, se só se
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