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147902181-Lei-de-Drogas-Comentada

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Prévia do material em texto

INTRODUÇÃO 
1.1 O PROCESSO DE CRIAÇÃO DA LEI 11.343/2006 
A problemática das drogas sempre foi palco para insuperáveis 
discussões e controvérsias. Trata-se de questão que, nas últimas décadas, 
vem recebendo cada vez mais a atenção não só dos especialistas, mas 
também da população em geral. Isso ocorre porque o problema deixou 
de ser difuso e passou a afetar diretamente a todos. Atualmente, é 
forçoso reconhecer que são raros aqueles que nunca se depararam com 
um conhecido ou parente que ostente o vício por alguma droga, ou que 
tenha sido vítima de delito praticado por alguém que se encontrava sob 
o efeito de drogas. E este problema não é exclusivo dos brasileiros -
a questão das drogas pode ser tida, no mundo todo, como um dos 
principais conflitos das sociedades contemporâneas. 
No campo médico-científico, pululam estudos e pesquisas sobre 
os efeitos das drogas e a origem dos vícios, bem como sobre os melhores 
métodos para alcançar-se a abstinência. No âmbito do Direito, em 
especial do Direito Penal e da Criminologia, não poderia ser diferente. 
As discussões, na seara do Direito, vão desde a ausência de eficácia 
da punição estatal ao usuário à necessidade de repressão mais efetiva 
ao tráfico, passando pelos estudos de criação e adoção de microssistemas 
jurídico-penais voltados especificamente à questão das drogas. 
O legislador, por sua vez, não se manteve inerte. Bem ou mal, 
movimentou-se no sentido de fazer refletir, no ordenamento jurídico, 
17 
r 
no 
ao 
em 
3 
4 
, ;$.;;z.IIW 
LEI DE DROGAS - Comentada 16 
as discussões que se multiplicavam na sociedade civil. Em alguns 
pontos, premido pelo clamor popular que constantemente pressiona pela 
efetividade da segurança pública, contrariou tendências de setores da 
doutrina penal que pregam pela insubsistência do agravamento das 
penas como meio de refrear as práticas criminosas. Por outro lado, 
acatou outras tendências, discutidas com ênfase pela comunidade médico­
científica, e pareceu, aos olhos da população, estar tratando com maior 
leniência a questão das drogas. 
É neste contexto que surgiu, em 2002, a primeira alteração 
significativa no panorama da legislação brasileira sobre drogas. Desde 
1976, estava em vigor a Lei 6.368, que não mais servia a refrear 
plenamente as nuances da criminalidade moderna e tampouco refletia 
os avanços nas pesquisas e estudos científicos sobre drogas. Era 
necessária, portanto, a atualização da legislação, de forma a permitir 
a repressão à criminalidade complexa do século XXI, inclusive con­
ferindo meios ao Estado para identificar e apurar os delitos cometidos 
por intermédio das novas tecnologias postas à disposição dos autores 
de crimes. Além disso, impunha-se dar início à distinção normativa entre 
usuários e traficantes, eis que já começava a sedimentar-se o entendi­
mento de que a repressão penal não seria suficiente para prevenir o uso 
de drogas, cada vez mais arraigado na cultura popular. 
O Congresso Nacional aprovou, em 2002, a Lei 10.409, que tinha 
como objetivo realizar a renovação do ordenamento jurídico. No 
entanto, a técnica legislativa utilizada para a elaboração das disposições 
da Lei 10.409/2002 foi duramente criticada pela doutrina e o diploma 
acabou por sofrer diversos vetos pelo Presidente da República, que 
considerou muitos trechos como ofensivos à Constituição e ao interesse 
público. 
A Lei 10.409/2002 acabou por viger, assim, inteiramente desca­
racterizada, pois os vetos presidenciais impediram a aplicabilidade de 
outros dispositivos sancionados. E, como o capítulo em que constavam 
os tipos penais foi integralmente vetado, o ordenamento passou a ser 
composto de diplomas esparsos, no tempo e na intenção, passando a 
valer, conjuntamente, as Leis 6.368/1976 e 10.409/2002. 
Dentre as diversas críticas apresentadas, cite-se que a legislação anterior, picotada por 
vetos presidenciais, era praticamente inaplícável; que era prevista a realização de dois 
interrogatórios, sem que ficasse claro o que se pretendia com isso; que se impunha a 
suspensão do processo para hipóteses de revelia com citação pessoal, dentre outros 
exemplos. Nesse sentido, Vicente Greco Filho, Tóxicos Prevenção - Repressão, 
Introdução 
Diante disso, ainda no ano de 2002 o Poder Executivo, responsável 
pelos vetos, encami~hou ao Congress? Nacional, em !egi~e ~e urgên­
cia, o Projeto de LeI 6.108, que preVIa novas alteraçoes a LeI 10.409/ 
2002, recém-aprovada. Em tramitação na Comissão de Segurança 
Pública e Combate ao Crime Organizado, Violência e Narcotráfico da 
Câmara dos Deputados, o Projeto foi alterado integralmente pela 
aprovação de uma nova versão, consubstanciada em um substitutivo. 
Paralelamente, a Comissão Mista de Segurança Pública do Con­
gresso Nacional, formada por parlamentares da Câmara dos Deputados 
e do Senado Federal, elaborou novo anteprojeto de lei, disciplinando 
integralmente a matéria. Este anteprojeto foi apresentado diretamente 
Senado FederaJ,2 recebendo a designação de Projeto de Lei do 
Senado 115, de 2002. Aprovado naquela casa legislativa, o projeto foi 
encaminhado à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número 7.134. 
Na Câmara dos Deputados, ainda no ano de 2002, todos estes 
projetos e versões sobre a matéria foram agrupados e apensados, 
passando a seguir como um só, sob a rubrica de Projeto de Lei 7.134/ 
2002.3 
A despeito da celeridade inicial na tramitação dos projetos que 
visavam a corrigir as imperfeições da legislação sobre tóxicos, o 
requerimento de urgência acabou por ser retirado e o Projeto de Lei 
7.13412002 passou a tramitar sob o rito ordinário. 
Inexplicavelmente, a matéria foi novamente considerada urgente 
cabo do ano de 2003, sendo incluída na pauta da convocação 
extraordinária do Congresso Nacional, que iria ter lugar no mês de 
janeiro de 2004. Na ocasião, o então Projeto de Lei 7.134/2002 estava 
trâmite na Comissão de Constituição e Justiça4 da Câmara dos 
Deputados. 
Comentários à Lei 10.40912002 e à parte vigente da Lei 6.368/1976, 12. ed. atual., 
São Paulo: Saraiva, 2006. 
2 Segundo o art, 142 do Regimento Comum do Congresso Nacional, os projetos elaborados 
por Comissão Mista serão encaminhados, alternadamente, ao Senado e à Câmara dos 
Deputados. 
As informações sobre a tramitação das proposições podem ser verificadas nos sítios 
www.camara.gov.br e www.senado.gov,br. 
À época da tramitação dos projetos de lei referidos, esta comissão denominava-se 
Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, tendo sua designação posteriormente 
alterada para Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mantivemos nomen­
clatura mais simples, para não dar azo a dúvidas. 
www.senado.gov,br
www.camara.gov.br
LEI DE DROGAS - Comentada 	 18 
Em vista da necessidade de apresentar a versão final para o que 
viria a ser a nova Lei de Drogas, foi criado um grupo de trabalho 
formado por técnicos de diversos setores do Poder Executivo e do Poder 
Legislativo. O intuito era elaborar novo substitutivo ao projeto de lei 
em tramitação, de forma que a matéria a ser apresentada tivesse sido 
contemplada por equipe multidisciplinar, abarcando as mais variadas 
gamas de conhecimento sobre a questão das drogas. 
A intenção merecia louvor. Sem embargo, a realidade dos trabalhos 
demonstrou que o equívoco no procedimento adotado foi o de exigir que 
projeto de tamanha importância fosse discutido e refeito em aproxima­
'damente duas semanas, no curso de uma convocação extraordinária da 
Câmara dos Deputados. A urgência, que aqui, mais uma vez, foi inimiga 
da perfeição, era inteiramente desnecessária - prova disso é que o Senado 
Federal levou outros dois anos e meio para aprovar o projeto, que voltou 
à casa original por conta das alterações realizadas na Câmara. 
De volta ao Senado, o Projeto de Lei sofreu poucas alterações mas, 
em alguns casos, foram retomadas redações de alguns dispositivos que 
não condiziam com o restante do substitutivo aprovado na Câmara dos 
Deputados. É o caso, por exemplo,dos parágrafos do art. 28, que versa 
sobre o crime de porte para consumo pessoal, em que o Senado Federal 
acabou por misturar as disposições da proposta anterior com a aprovada 
pela Câmara, as quais divergiam em tudo. Trata-se de mais uma razão 
para as imperfeições da nova lei sobre drogas. 
Após vetos presidenciais que não alteraram a essência do projeto, 
acabou por ser sancionada a Lei 11.343/2006. Assim, a nova legislação 
sobre drogas veio ao ordenamento jurídico com diversos pontos falhos, 
aos quais, por certo, a doutrina especializada não poupará críticas. Esta 
obra indicará muitos desses equívocos, que não se restringem a for­
malidades, tratando-se, muitas vezes, de relevantes pontos da Lei. Além 
das críticas, advirão severas divergências sobre a aplicação de alguns 
de seus preceitos. 
De qualquer sorte, o resultado do esforço legislativo, ao final, é 
de qualidade superior à das normas que vigiam desde as Leis 6.368/ 
1976 e 10.409/2002. Com o aprofundamento das discussões nas lides 
forenses e na comunidade acadêmica, os pontos controversos da Lei 
acabarão por ser pacificados ou, ao menos, será viável optar-se por um 
dos entendimentos propostos. 
A excelência dos quadros jurídicos nacionais permite antever que 
as normas, os conceitos e as discussões da nova Lei de Drogas serão 
Introdução 	 Ar!. 1.°19 
I 
e 
de 
uso 
finais 
objeto de textos virtuosos, em que Junstas e operadores do Direito 
emprestarão conhecimento jurídico, raciocínio e experiência para apre­
sentar teorias e soluções aos ávidos profissionais e estudantes que se 
debruçarão sobre a matéria. 
Não almejando permear o mesmo contexto, a presente obra objeti­
va, de maneira mais singela, permitir a estudantes, advogados, membros 
do Ministério Público e do Poder Judiciário e demais operadores do 
Direito conhecer as inovações e alterações da legislação, apresentando, 
com destaque, os pontos que serão objeto de dúvidas e controvérsias 
sugerindo soluções de interpretação alternativas, atentando para as 
discussões travadas durante a tramitação do Projeto de Lei no Congresso 
Nacional. Sempre que possível, analisaremos as inovações à luz da 
jurisprudência dos Tribunais, principalmente dos Superiores, com o fito 
tentar aplicar os ensinamentos anteriores como tábua segura em 
momentos de maior dificuldade interpretativa. 
1.2 	A ESTRUTURA DA LEI. DISTINÇÃO ENTRE 
PREVENÇÃO E REPRESSÃO 
<~~<~i~:~tei~ê'~MNa(!l~deP(}lftiCAs PóbticassobreOr:ogas­
doU!30 i!"\dev~,a;ténção~.reilJ!3~rção 
e$bê~ryorrnas para .r~es!3ãO 
dê .i:IrOOàS e define crimes. 
A Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, tem seus dispositivos 
organizados em seis títulos. Suas designações permitem extrair a 
compreensão inicial da estrutura da Lei, formada por dispositivos 
versando sobre as disposições preliminares (título I); o sistema nacional 
de políticas públicas sobre drogas (11); as atividades de prevenção do 
indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes 
de drogas (I1I); a repressão à produção não autorizada e ao tráfico 
ilícito de drogas (IV); a cooperação internacional (V) e as disposições 
e transitórias (VI). 
As denominações dos títulos da Lei, em especial os títulos III e IV, 
expressam o que dispõem sua ementa e seu art. 1.°, caput. E o que ali 
Art. 1.° LEI DE DROGAS _ Comentada 20 
I 
se exprime nada mais é do que o objeto da nova Lei de Drogas,5 que 
pennite delinear o que constitui o escopo maior e a principal inovação 
do diploma: a separação entre prevenção ao uso e repressão ao tráfico. 
Com efeito, a Lei torna clarividente - desde a ementa, a designação 
dos títulos e o art. 1.0 que o Estado pretende tratar a questão das drogas 
por ângulos diferenciados de atuação. Por um lado, tem a intenção de 
prevenir o uso indevido de drogas pela população, disciplinando os 
meios e as políticas que o Estado adotará para tanto. E por reconhecer 
que o uso de drogas é disseminado na sociedade, também pretende o 
Poder Público criar medidas para atender aos usuários e dependentes, 
. bem como reinseri-Ios no meio social. Por outro lado, sabe-se que é 
preciso reprimir o tráfico e a produção de drogas por medidas severas, 
o que implica a necessária dotação de normas jurídicas que dêem lugar 
à efetividade das medidas a tomar nesse sentido. 
No campo do Direito Penal, verifica-se, desde logo, que o objetivo 
maior da Lei foi a separação do tratamento jurídico a ser dispensado 
ao usuário e ao traficante. A inovação, neste ponto, vai além da mera 
diferenciação no sistema de penas a serem aplicadas a usuários e 
traficantes. O que prevê a nova Lei é a alteração substancial do enfoque 
social sobre as drogas, com a adoção de regime diferenciado para a 
prevenção do uso e a repressão ao tráfico. 
O mote desta nova linha metódica é o reconhecimento de que o 
uso de drogas é uma realidade e que suas causas e efeitos constituem 
um problema social. Com base nesta premissa, não é suficiente, para 
a prevenção geral e especial,6 taxar os usuários de droga..,> de criminosos 
e impor-lhes a reclusão, permitindo a superveniência de todas as 
conseqüências adversas desta forma de repressão em especial, o 
preconceito - e, ao mesmo tempo, negando aos usuários a assistência 
integral devida pelo Estado. 
Este novo plano se manifesta na alteração da nomenclatura do 
sistema a ser criado, que deixou de ser o Sistema Nacional Antidrogas 
5 Nos tennos da Lei Complementar 95, de 1998, arts. 5.° e 7.°, o objeto da lei deve ser 
indicado por sua ementa e seu primeiro artigo. 
6 "Para uns a prevenção se realiza mediante a retribuição exemplar e é prevenção geral, 
que se dirige a todos os integrantes da comunidade jurídica. Para outros, a prevenção 
deve ser especial, procurando com a pena agir sobre o autor, para que aprenda a conviver 
sem realizar ações que impeçam ou perturbem a existência alheia", segundo Eugenio 
Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, em Manual de direito penal brasileiro, Parte 
Geral, 5. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 102. 
21 Introdução Art. 1.° 
para constituir-se no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre 
Drogas. O legislador deixou evidente, já no art. 1.0 da nova Lei, que 
a atuação do Estado deve ser guiada por programas de ação, com o 
objetivo de realizar os fins propostos. 
Seguindo a mesma linha, outra relevante inovação da Lei é a 
previsão, dentre as atividades de atenção e reinserção social de usuários 
ou dependentes de drogas, da implementação de ações que visem à 
redução dos riscos e dos danos à saúde associados ao uso de drogas, 
no Capítulo 11 do Título 111. A controversa política da redução de danos7 
agora é vetor de atuação estatal, não mais cabendo ao renitente 
conservadorismo enjeitá-Ia a pretexto de evitar o auxílio ou a colabo­
ração para o uso de drogas. 
Especificamente sobre o tratamento da dependência, a nova Lei 
também modifica o tom desta medida. O legislador reconheceu que o 
tratamento é medida especial e não deve ser aplicado, indiscriminada­
mente, a todos os usuários de drogas, ou seja, nem todos os usuários 
são dependentes. Além disso, acatou reivindicação da área de saúde para 
admitir que o tratamento somente funciona se estiverem presentes a 
vontade e a colaboração do usuário. 
Com tais medidas, busca-se, destarte, diferenciar o trato conferido 
pelo Estado, resguardando as medidas repressivas para o traficante, 
enquanto para o usuário as medidas são de proteção. A Lei assentiu 
a idéia de que o uso de drogas não é uma questão primordialmente "de 
polícia", mas sim de saúde. 
Dentro deste escopo, o Título 111 da Lei disciplinou não apenas 
as atividades de prevenção, mas também a atenção e a reinserção 
social dos usuários e dependentes de drogas. A atividade de "Pre­
venção" visa a reduzir os fatores de vulnerabilidade e comportamentos 
de risco ao acesso às drogas, bem como a promover e fortalecer os 
fatores de proteção, ou seja, aqueles fatores que afastariam os 
potenciais usuários das drogas, tais como incentivo às atividadesesportivas, culturais e profissionais. A "Atenção", direcionada ao 
usuário, dependente e respectivos familiares, visa a melhorar a 
qualidade de vida e reduzir os riscos e danos associados ao uso de 
drogas, não somente à saúde individual, mas à sociedade como um 
todo (art. 20). Por fim, a "Reinserção Social" visa à integração e 
7 Como, por exemplo, a distribuição de seringas aos usuários de cocaína. 
Art. 1.° LEI DE DROGAS - Comentada 22 
à reintegração, em redes sociais, do usuário, dependente e respectivos 
familiares (art. 21), ou seja, permitir que eles sejam novamente 
integrados à sociedade, evitando a marginalização. E, reforçando a 
separação total entre usuário e traficante, o legislador, inclusive, 
distanciou as suas condutas típicas. Os crimes e as penas do usuário 
foram tratados no Capítulo IH do Título III, referente às atividades 
de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção do usuário e 
dependente de droga. 
No Título IV, em outra vertente, são trazidas as disposições 
referentes à repressão ao tráfico ilícito e à produção não autorizada de 
"drogas. As condutas tipificadas como crimes, dentro desta linha, são 
tratadas neste Título, de forma separada do delito praticado pelo usuário. 
Ali também estão previstas as normas sobre investigação, instrução 
criminal e apreensão e destinação de bens que constituam instrumento, 
produto ou proveito dos crimes. 
Com estas breves considerações, pretende-se que o leitor tenha em 
mente, desde o início do estudo da nova Lei de Drogas, a sistemática 
adotada pelo legislador e o objetivo do diploma. No momento em que 
forem vistas e discutidas as particularidades das normas trazidas pela 
Lei, a serem aI vo dos próximos capítulos da obra, é importante levar 
em consideração o que se apresentou como o escopo da Lei, para 
permitir ao estudioso do tema formular suas conclusões tendo em vista 
a utilização de uma interpretação que atenda não apenas aos fins da 
lei (interpretação teleológica), mas também à unidade que deve presidir 
a interpretação da lei e, mais ainda, do ordenamento jurídico como um 
todo (interpretação sistemática). 8 
Segundo o mestre Carlos Maximiliano, ao tratar da interpretação teleológica, "considera­
se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística; por isso mesmo 
a sua interpretação há de ser. na essência, teleológica. O henneneuta sempre terá em 
vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A 
norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para 
satisfazer a certas exigências econômicas e sociais: será interpretada de modo que melhor 
corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a 
foi regida". Em relação ao processo sistemático de interpretação das leis leciona o mesmo 
mestre que consiste "em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo 
repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto. Por umas normas se 
conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as 
conseqüentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma", 
Hennenêutica e aplicação do direito. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 151­
152 e p. 128, respectivamente. 
23 Art. 1.° 
1.3 CONCEITO DE DROGAS 
Afastando-se da nomenclatura utilizada pela Lei 6.368/1976, a 
nova Lei não utiliza mais a terminologia "substância entorpecente ou 
que determine dependência física ou psíquica". Alterou a tradição para 
valer-se simplesmente do termo "drogas". Entendemos que, apesar de 
ter rompido com o termo tradicionalmente utilizado, andou bem o 
legislador ao adotar a expressão "drogas", pois esta já era utilizada pela 
Organização Mundial de Saúde. Ademais, a terminologia anterior 
poderia trazer a equivocada impressão de que qualquer substância que 
determinasse dependência física ou psíquica era considerada entorpe­
cente, o que, como sabemos, não é verdade. Por fim, o termo droga, 
além de ser mais amplo que o de substância entorpecente, é a expressão 
mais difundida no meio social, principalmente entre a população. 
Porém, afora a alteração da nomenclatura, continuou a sistemática 
de remeter a caracterização das drogas à lei ou às listas atualizadas 
periodicamente pelo Poder Executivo da União (art. 1.0, parágrafo 
único). Ou seja, será droga aquilo que estiver relacionado na lei ou nas 
portarias do órgão competente. O Projeto determinava ser atribuição 
do Ministério da Saúde a formulação destas listas, mas o dispositivo, 
que constituiria o art. 9.°, I, foi vetado. A matéria já foi objeto de 
regulamentação pelo Poder Executivo após a edição da nova Lei: o art. 
I, a, do Decreto 5.912, de 27 de setembro de 2006, determina ser 
atribuição do Ministério da Saúde publicar as listas atualizadas perio­
dicamente das substâncias ou produtos capazes de causar dependência. 
Enquanto não houver a atualização da terminologia, o art. 66 da 
Lei
9 
determina que se denominam drogas as "substâncias entorpecentes, 
psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria 
SVSIMS 344, de 12 de maio de 1998", que atualmente lista as 
substâncias. É uma prudente norma de transição para se evitar qualquer 
alegação de que teria ocorrido abo/itlo criminis em razão de suposta­
mente não existir no ordenamento jurídico qualquer lei ou portaria que 
arrole quais seriam as "drogas" - apenas substâncias entorpecentes _ 
9 Incluído no Título VI, relativo às Disposições Finais e Transitórias. 
Arts. 1.° e 2.' LEI DE DROGAS - Comentada 24 
proibidas no ordenamento jurídico. Apesar de a alteração ter sido apenas 
de nomenclatura, em razão da importância da matéria, melhor não correr 
qualquer risco. 10 
1.4 EXCEÇÕES À PROIBIÇÃO DAS DROGAS 
Art.. 2." FlcamptOitlidas, em todo o. território nacionaJ, a$ drogas, /:lQm.col',l'l!1l 
o plantio, acultlira., a oolheita e a exploração de vegetals e sUbstratos .dQS. quais. 
possam ser eXtra~sou pmdulidas drogas, resealvadl1 la hiPOteSB$~jf~ 
lSÇão ~•. Ou· ~tar; .l::IEMTIoomoi:)· que estabeléOO 8: Çomtei:lçíJQ;$ 
Viena•. 11&$. N~ t)nldas,sobre SubstânciaS Psiootr6plcas, dE! .1971, a respqiIQ 
de plantas de uSO ~entê ritt.IaIf$tlco-rellgioso. 
Parágtafo ÚÍ1iéCl.ppda a Uníão' autorizara plàlitio, a dura e àoo~íta d!iiS 
Vegetalsrefe~f 00 C8Pfit ~SW·artigo,exelúsivmneflte pa,m. fIM· rnedléinaiS 
ou ~ntffi~ ~... 1OOe~EI p~~()prêdetefminadOs, mediante.fiscaH~,res.i·· 
peitadas asl'e~. ~~líàdas. 
o art. 2.° da Lei proíbe as drogas em todo o território nacional, 
bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais 
e substratos dos quais possam ser extraídas as drogas, em termos 
semelhantes ao que já estava disposto no art. 2.° da Lei 6.368/1976. 
A inovação, aqui, diz respeito à ressalva relativa às plantas de uso 
estritamente rítualístico-religioso. Ou seja, pretendeu o legislador deixar 
claro que continua em vigor a possibilidade de excepcionar o caráter 
antijuridico do cultivo e porte para uso em rituais mágicos ou religiosos 
de plantas que contenham substâncias incluídas no rol das drogas. 
A Lei faz remissão à Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas 
de Viena, de 1971, aprovada no Brasil pelo Decreto 79.388, de 14 de 
março de 1977. O que prevê referida convenção internacional é a 
possibilidade de o país formular reservas em relação às plantas utilizadas 
em rituais mágicos ou religiosos. Veja, nesse sentido, o teor da previsão: 
!O É relevante destacar a importância das normas legais e administrativas que especificam 
quais as substâncias entorpecentes - agora "drogas" proibidas. Como são normas 
penais em branco, quando uma substância é retirada do rol dos entorpecentes, haverá, 
apesar de divergência doutrinária, abolitio criminis, segundo posição do STF. O Egrégio 
Tribunal assim entendeu quando o cloreto de etila foi excluído da lista pela Portaria 
de 4 de abril de 1984. mesmo tendo sido reincluída em 13 de março de 1985. 
Recentemente houve, novamente, exclusãodo cloreto de etila da Lista por meio da 
Portaria 104, de 6 de dezembro de 2000, editada pelo Diretor-Presidente da Anvisa. 
Porém, o STJ firmou posição afastando a ocorrência de abolitio criminis em razão de 
Introdução Art. 2,'25 
I' 
"Art. 32 
Reservas 
4. O Estado em cujo território cresçam plantas silvestres que conte­
nham substâncias psicotrópicas dentre a<; incluídas na Lista I, e que são 
tradicionalmente utilizadas por pequenos grupos, nitidamente caracteri­
zados, em rituais mágicos ou religiosos, poderão (sic), no momento da 
assinatura, ratificação ou adesão, formular reservas em relação a tais 
plantas, com respeito às disposições do art. 7.°, exceto quanto às 
disposições relativas ao comércio internacional". 
O caput do art. 2.° da Lei não significa, portanto, que está legalizada 
a utilização de toda e qualquer planta da qual façam uso grupos 
religiosos, pois a norma prevista na referida Convenção não possui tal 
condão. Afora a necessidade de verificar se o Brasil formulou alguma 
reserva em relação àquela planta específica, I I deverá ser objeto de 
regulamentação o plantio das referidas plantas de uso estritamente 
ritualístico-religioso. Enquanto não ocorrer, continuam proibidas. Dian­
te disso, o que se tem é que a inovação da Lei acaba por não trazer 
efeito prático, eis que não permitirá que sejam sanadas as discussões 
sobre a constitucionalidade da proibição de plantas que contenham 
substâncias entorpecentes e que sejam objeto de rituais, diante da 
garantia constitucional da liberdade de exercício dos cultos religiosos.1 2 
A autorização deve ocorrer, portanto, caso a caso. No Brasil, a 
hipótese mais rumorosa de utilização de planta da qual pode ser extraída 
ou produzida droga diz respeito à bebida denominada Ayahuasca, 
produzida com plantas amazônicas e utilizada pelo movimento religioso 
conhecido como Santo Daime. Há mais de vinte anos é autorizado o 
uso da Ayahuasca para fins religiosos, tendo a regulamentação sido 
iniciada pelo antigo Conselho Federal de Entorpecentes por intermédio 
ter ocorrido ato administrativo nulo, pois a exclusão foi feita isolada e solitariamente, 
sem tal ato ter sido contemplado com o beneplácito da diretoria colegiada, que o cassou 
por incompetência do seu signatário (STJ - AGA 484.012 - MG - 5." T. - ReI. Min. 
Felix Fischer DiU 29.09.2003 - p. 00316). 
Sob pena de responder internacionalmente pela não-observância do disposto no art. 32 
da Convenção de Viena mencionada. 
12 ConstitUição Federal, art. 5.°: "VI é inviolável a liberdade de consciência e de crença, 
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei. 
a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". 
http:religiosos.12
Ali. 2.° LEI DE DROGAS - Comentada 26 
da Resolução n. 6, de 4 de fevereiro de 1986, e a exclusão da bebida 
e das espécies vegetais que a compõem das listas de substâncias 
entorpecentes e psicotrópicas do Poder Executivo. Como, entretanto, 
a discussão sobre a legalidade da utilização da Ayahuasca nunca cessou, 
o Conselho Nacional Antidrogas CONAD instituiu, em 2004, um 
Grupo Multidisciplinar de Trabalho para avaliar novamente a utilização 
da bebida. Já sob a vigência da nova Lei de Drogas, o Grupo de Trabalho 
reafirmou que "o uso ritualístico religioso da Ayahuasca, há muito 
reconhecido como prática legítima, constitui-se manifestação cultural 
indissociável da identidade das populações tradicionais da Amazônia 
e de parte da população urbana do País, cabendo ao Estado não só 
garantir o pleno exercício desse direito à manifestação cultural, mas 
também protegê-la por quaisquer meios de acautelamento e prevenção, 
nos termos do art. 2.°, caput, Lei 11.343/06 e art. 215, caput e § 1.0 
c/c art. 216, caput e §§ 1.0 e 4.° da Constituição Federa]". No entanto, 
o mesmo Grupo de Trabalho considerou irregular a exploração da 
Ayahuasca para outros tins que não os ritualístico-religiosos, como a 
exploração turística, o uso terapêutico, o comércio e a propaganda. l3 
o relatório do Grupo Multidisciplinar de Trabalho do CONAD, datado de 23 de novembro 
de 2006, tem as seguintes conclusões: "I. O chá Ayahuasca é o produto da do 
cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais 
religiosos, em locais autorizados pelas respectívas direções das entidades usuárias, vedado 
o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas; 2. Todo o processo de produção, 
armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida, 
sendo vedada a comercialização e/ou a percepção de qualquer vantagem, em ou 
in natura, a título de pagamento. quer seja pela produção, quer seja pelo consumo, 
ressalvando-se as contribuições destinadas à manutenção e ao regular funcionamento de 
cada entidade, de acordo com sua tradição ou disposições estatutárias; 3. O uso responsável 
da A vahuasca pressupõe que a das espécies vegetais sagradas o ritual 
Cada entidade constituída deverá buscar a auto-sustentabilidade em prazo 
razoável, desenvolvendo seu próprio cultivo, capaz de atender suas necessidades e evitar 
a das espécies tlorestais nativas. A extração das espécies da floresta 
nativa deverá observar as normas ambientais; 4. As entidades devem evitar o oferecimento 
de pacotes turístícos associados à propaganda dos efeitos da Ayahuasca, ressalvando os 
intercâmbios legítimos dos membros das entidades religiosas com suas comunidades de 
referência; 5. Ressalvado o direito constitucional à informação, recomenda-se que as 
entidades evitem a propaganda da Ayahuasca, devendo em suas manifestações públicas 
orientar-se sempre pela discrição e moderação no uso e na difusão de suas propriedades; 
6. A prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira. As propriedades 
curativas e medicinais da Ayahuasca que as entidades conhecem e atestam requerem 
responsável e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda 
e qualquer propaganda que possa induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos; 
7. Recomenda-se aos grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca que se constituam em 
27 Introdução Art. 2.° 
I 
Ademais, interessante anotar a recente decisão da Suprema Corte 
Americana, prolatada no caso "Gonzáles v. O Centro Espírita Bene­
ficente União do Vegetal", no qual esta instituição brasileira pleiteava 
o direito de importar a bebida Ayahuasca. Segundo noticia Samuel 
Miranda Arruda, "a Suprema Corte entendeu que o direito à liberdade 
religiosa pode albergar também o direito de importar e fazer uso 
ritualístico de substância proscrita. Caberá ao Estado o ônus de provar 
que há prejuízos concretos e riscos desmesurados à saúde pública que 
fundamentem o sacrifício de direito de livre exercício da crença 
religiosa aos adeptos, em nome da segurança coletiva".14 
Além da questão relativa ao uso ritualístico, a Lei também permite 
o cultivo de plantas das quais possam ser extraídas ou produzidas drogas 
para fins medicinais ou científicos. Neste caso, a autorização deve partir 
Ministério da Saúde l5 e ter local e prazo determinados, sendo 
obrigatória a fiscalização. 
sob a condução de pessoas responsáveis com experiência no 
reconhecimento e cultivo das sagradas, na preparação e uso da 
Ayahuasca e na condução dos ritos; 8. Compete a cada entidade religiosa exercer 
rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proct'clt'r 
entrevista dos interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela 
ministrada a pessoas com histórico de transtornos mentais. bem como a pessoas sob 
efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas; 9. Recomenda-se ainda 
manter ficha cadastral com dados do participante e informá-lo sobre os princípios 
do ritual, horários, nonnas. incluindo a necessidade de permanência no local até o 
término do ritual e dos efeitos da Ayahuasca. lO. Observados os princípios 
definidos, eabe a cada entidade e a seus membros indistintamente. 
no relacionamentoinstitucional, ou social que venham a manter umas com 
as outras, em qualquer instância, :z,clar pela ética e pelo respeito mútuo" (Relatório 
Final Ayahuasca, OBID. Disponível em <http://www2.obid.senad.gov.br/OBIDlDiver_ 
sos/salvarlocal.jsp?id=18276>. Acesso em: 3 jun. 2007). 
14 Drogas: aspectos penais e processuais Lei 11.34312006. São Paulo: Ed. Método, 
2007. p. 60. 
I, Art. 14, I. c. do Decreto 5.912, de 2006. 
http://www2.obid.senad.gov.br/OBIDlDiver
http:coletiva".14
http:propaganda.l3
o SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS ,
PUBLICAS SOBRE DROGAS - SISNAD 
A Lei 11.34312006 criou o Sistema Nacional de Políticas Públicas 
sobre Drogas. Em seu art. 3.°, mais uma vez esclarece que este sistema 
- assim como toda a Lei - tem dupla finalidade: de uma parte, a 
prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários 
e dependentes; de outra, a repressão da produção não autorizada e do 
tráfico ilícito de drogas. 
O novo Sisnad veio a substituir os anteriores Sistema Nacional de 
Prevenção, Fiscalização e Repressão, originalmente previsto pela Lei 
6.368/1976, e Sistema Nacional Antidrogas, este trazido pela alteração 
do art. 3.° da Lei 6.368/1976 pela Medida Provisória 2.225-45/200 1. 
Considerando-se que a nova Lei veio a implantar uma nova linha de 
atuação estatal sobre a questão das drogas, de fato se fazia necessário 
Art. 3." LEI DE DROGAS - Comentada 30 
romper com os sistemas até então vigentes, que não eram fulcrados na 
distinção entre traficante e usuário. O novo sistema, no entanto, manteve 
a mesma sigla que já era atribuída ao Sistema Nacional Antidrogas -
Sisnad. 
É relevante a alteração da nomenclatura do sistema. A expressão 
"anti drogas" era considerada de cunho repressivo e não refletia os novos 
pilares da política estatal sobre o tratamento a ser dado ao uso e ao 
tráfico de drogas. O novo nome deixa patente que a atuação do Estado 
deve ser guiada por programas dirigidos a criar ações governamentais 
que se destinem a tratar adequadamente o problema social que cons­
tituem as drogas. 
O Sisnad não é um órgão, mas sim um sistema composto de vários 
órgãos. A finalidade do sistema é a articulação, integração, organização 
e coordenação de todas as atividades relacionadas à prevenção do uso, 
à atenção e à reinserção social de usuários e à repressão da produção 
e do tráfico de drogas. Dentro deste sistema, diversos órgãos atuarão 
em conjunto, cada qual com funções exclusivas e outras concorrentes. 
O projeto aprovado pelo Congresso Nacional já previa a função 
de cada um dos órgãos componentes do Sisnad, mas as disposições nesse 
sentido foram objeto de veto pelo Presidente da República. I A regu­
lamentação da matéria ficou a cargo, portanto, do Poder Executivo, que 
já se desincumbiu da função peJa edição do Decreto 5.912, de 27 de 
setembro de 2006. Consoante este ato normativo, integram o Sisnad: 
a) o Conselho Nacional Antidrogas Conad; 
b) a Secretaria Nacional Antidrogas - Senad; 
c) o conjunto de órgãos e entidades púb1ícos que exerçam as atividades 
de que tratam os incisos I e II do art. 1.°, do Poder Executivo federal 
e, mediante ajustes específicos, dos Estados, dos Municípios e do 
Distrito Federal; e 
d) as organizações, instituições ou entidades da sociedade civil que atuem 
nas áreas da atenção à saúde e da assistência social e que atendam 
a usuários ou dependentes de drogas e respectivos familiares, me­
diante ajustes específicos. 2 
Foram vetados os arts. 6.° e 8.° a 15 do Projeto, sob dois fundamentos: o vício de iniciativa 
(art. 61, § 1.0, e, ele o art. 84, VI, a, da CF) e a ofensa à autonomia dos entes federados 
(art. 18 da CF). 
2 Art. 2.° do Decreto 5.912, de 2006. 
o Sistema Nacional de POliticas Pllblicas sobre Drogas Arts. 3," e 4,·31 
I 
Vê-se, assim, que o Poder Executivo preferiu deixar em aberto o 
rol de componentes do Sisnad, admitindo a participação de qualquer 
órgão ou entidade, público ou privado, que exerça atividades compa­
tíveis com a finalidade do sistema. Neste ponto, não seguiu os dispo­
sitivos vetados da Lei e a regulamentação anterior da matéria (Decretos 
3.696, de 2000, e 4.513, de 2(02), que elencavam, um a um, os órgãos 
públicos componentes do sistema. Mas são certamente integrantes do 
Sisnad o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação e o Ministério 
da Justiça, que têm atribuições específicas dentro do sistema, conforme 
o art. 14 do referido Decreto. 
A abertura às organizações, instituições ou entidades da sociedade 
civil não foi ilimitada, eis que não se prevê que participem em atividades 
de repressão à produção não autorizada e ao tráfico, mas apenas em 
atividades de atenção à saúde, a<;sistência social e atendimento de 
usuários de drogas, dependentes e seus respectivos familiares. 
2.1 PRINCÍPIOS DO SISNAD 
t, " " 
db'.'SiSteIna' Nadonul,deci;
<soiJteDtQgas , 
tis 'da pessoa ,humana, 'especialmente 
beréfade; , , 
, , ' , e ,às especificldádes populacionais existentes; 
111 - á promoçãO dós valores éticos, culturais. e de cidadania do povo bráSileiro, 
recon~oortiOfátorQs de pl'Oteção para o uso indevido de drogas e 
outros comportamentos cormlacionados~ 
IV - a promoção de con$OOSOS nacionais. de ampla particiPação social, para 
o estabelecimento dos fundamentoáe estratégias do Slsnad; 
V a promoção da respoosabi!idàde<é::ompar1i1hada entre Estado e Sociedade, 
reconhecendo a importancia da~ção social nas atividades do Sisnad; 
VI- O~ da in~dos tator6Scorrelacionados com o uso 
indevido de drogas, com a sua ~ não autolÍzada e o seu tráfico ilícito; 
VII - a integração das estratégias. ',1'lIMlk.mais e internacionais de prevenção do 
uso indevido, atenção e reinserçãcJ~ de usuários e dependentes de drogas 
e de repressão li sua ~<~~~ e ao seu tráfICO 
VIII - a al1iCUl8!;Io com os n~(~~~~rio Público e dos Poderes 
Legislativo ~ JudIciárío. viAndo"Ji_rMtmútUa nas atividades do Sisnad; 
Art. 4.° LEI DE DROGAS - Comentada 32 
As normas do art. 5.° são de caráter principiológico e programá­
tico,3 apresentando as diretrizes e os direcionamentos que os órgãos 
do Sisnad deverão seguir na formulação das políticas públicas e na 
realização das atividades de que trata a Lei (prevenção ao uso indevido, 
atenção e reinserção social de usuários e dependentes e repressão à 
produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas). 
Os incisos do art. 4.° refletem o que já foi dito sobre o intuito 
da nova Lei de Drogas, que é o de admitir que o uso das drogas 
é um problema social real e deve ser prevenido pelos meios 
adequados, que não se restringem à sanção penal. Reconhece-se, 
assim, a autonomia e a liberdade da pessoa humana (inciso I), 
refletida, dentre outros aspectos, na não obrigatoriedade do tratamento, 
a ser objeto de comentários adiante (arts. 28, § 7.°, e 47 da Lei); 
a diversidade cultural e étnica ao mesmo tempo como garantia contra 
o excesso da repressão (inciso 11) e como fator de proteção para 
o uso indevido de drogas (inciso IJI); a responsabilidade conjunta 
entre Estado e sociedade para a definição das estratégias e atividades 
a cargo de ambos (incisos IV e V) e a existência de fatores variados, 
intersetoriais, que levam ao uso e ao tráfico de drogas e que, portanto, 
devem ser combatidos com abordagem multidisciplinar (incisos VI 
e IX). 
Adota-se, também, a integração de estratégias nacionais e 
internacionais sobre a questão das drogas (inciso VII) e a articulação 
com o Ministério Público e os Poderes Judiciário e Legislativo (inciso 
VIII), tudo visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad. 
J Segundo José Afonso da Silva, nonnas definidoras de princípio programático "são aquelas 
que traçam esquemas de fins sociais, que devem ser cumpridos pelo Estado. mediante 
uma providência nonnativa ou mesmo administrativa ulterior", Aplicabilidade das 
nonnas constitucionais, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 262. 
33 o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Arts. 4.° e 5.· 
Quanto a estes órgãos, releva anotar quenão têm assento no Conad, 
mas um membro do Ministério Público Federal será sempre convidado 
a participar das reuniões como observador, com direito a voz.4 
Considera-se princípio do Sisnad a observância às orientações e 
normas do Conad (inciso XI). Dentre as orientações de observância 
obrigatória, a normatização mais relevante é a Resolução n.O 3 do 
CONAD, de 27 de outubro de 2005, que aprova a Política Nacional 
sobre Drogas. 
Por fim, e mais uma vez demonstrando a intenção maior do 
legislador com a edição da nova Lei, prevê-se que as atividades de 
repressão ao tráfico e à produção devem ser balanceadas, com equilíbrio, 
com as atividades de prevenção, atenção e reinserção social, visando 
a garantir a estabilidade e o bem-estar social (inciso X). 
2.2 OBJETIVOS DO SISNAD 
Art..." O srsnad tem ossegUinfesôbjetfVGS: 
I -contribuir para. B!inCII.iSãO $tlCíaI·do cidadão, wsandQa t, 
vulnerá~1 a .$SSUfllircqmpo~t~ çIa .risco paraQ. uso indevido 
seu tráfiCo ilíeitQ e outros comportamentos correlaciona<io$;' . 
11-promoveriú:ó~O soCialização do l".onltle(:~m~!nfO 
IH .promover a íntegraçãoenttéas polltlCas dê prevenção tio uso,;·it~~clifi; 
atenQiOê ràinsarção~.de uSuários e depenôenbis de ~.6 derêpliiSl.::t: 
à sua p~não~eao !ttáficoilrcito eU.políticas 
tios órgãos do Podl1!( EXE!QUtivo da União,. Distrito Feâerál, Estados e 
IV - ~SS&gijrar~ corrdiçõe6 para a coorden~o, a integração e a 
das ativídadesdeque tratá o 'aFt, 3.° deSta Lei. . 
o art. 5.° dá continuidade à parte programática da Lei, dispondo 
sobre os objetivos do Sisnad, que são, em síntese: promover a inclusão 
social do cidadão como forma de diminuir sua suscetibilidade ao uso 
de drogas, com a socialização do conhecimento sobre a matéria (incisos 
J e JI); promover a integração entre as políticas de prevenção, atenção 
e reinserção social e repressão e as políticas públicas setoriais (inciso 
I1I) e assegurar que seja possível a coordenação, integração e a 
articulação destas atividades (inciso IV). 
4 Art. 11, parágrafo único, do Decreto 5.912/2006. 
http:r�insar��o~.de
34Arts. 6.° a 17 lEI DE DROGAS - Corn8ntada 
2.3 ORGANIZAÇÃO DO SISNAD 
Câpitulom 
(Vetado) 
Art. 9.° a 14. (Vetarm.) 
Os artigos que diziam respeito à composlçao do Sisnad foram 
vetados. A esse respeito, já tratamos ao analisar o art. 3.° da Lei. 
Interessa registrar, em relação ao art. 7.°, único salvo pela sanção 
presidencial neste Capítulo, que a execução das atividades definidas na 
Lei (prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes 
e repressão ao tráfico e à produção de drogas) deve ser realizada de 
descentralizada, pelos do Sisnad que possuam atribuição 
para tanto. A centralização é mantida apenas para a formulação da 
orientação sobre a execução dessas atividades. A própria Lei prevê a 
regulamentação infralegal da matéria, hoje consubstanciada no Decreto 
5.912, de 2006. 
Os demais artigos, do 9.° ao 14, foram vetados, como já dito. 
2.4 INFORMAÇÕES SOBRE DROGAS 
Capítulo IV 
Da coleta, análise e disseminação 4e Informações sobre drogas 
Art. 15. (Vetado.) 
Art. 16. As instituições com 
aGSistência social que atendafY:I 
o Sistema Nacional de Políticas Públícas sobre Drogas Arts. 15 a 17 
.", 
QOtTiun!Car ao órgão~Emt\;!cfQ'mpectivo sistema municipal de saúde os 
preSérvando a identidade das pessoas, 
c:onf(){mEl Orientações emanada$ da União. 
Art. 17. 0$ dadOS ElStatfsticOS nacionais de repressão ao tráfico iffcito de drogas 
integrarão sistema de infonnaçóes do Poder Executivo. 
A importância das disposições deste Capítulo está em permitir que 
seja o Sisnad provido de todos os dados necessários para corretamente 
exercer suas funções. Apesar do veto ao art. 15, continua a existir o 
Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas, órgão da estrutura 
do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.5 
O art. 16 da Lei é necessário para que não se possa opor à coleta 
sigilo imposto entre médico e paciente. Uma vez 
preservada a identidade das pessoas, a comunicação de atendimentos 
de drogas, pelas instituições com atuação em 
atenção à saúde e assistência social de usuários e dependentes de drogas, 
sigilo profissional. 
dos Decretos 5.772 e 5.912, de 2006. Para maiores informações, 
35 
I' 
casoS· atendidos li' 0$ óbitôS ~, 
das informações o 
e óbitos decorrentes 
em nada macula o 
mp:lfobid.senad.go 
DAS ATIVIDADES DE PREVENÇÃO, 
ATENÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL DE , 
USUARIOS E DEPENDENTES DE DROGAS 
3.1 	ATIVIDADES DE PREVENÇÃO DO USO INDEVIDO DE 
DROGAS 
Arts. 18 e 19 LEI DE DROGAS - Comentada 38 
111 - O fortalecimento da autonomia e 
ao uso indevido de drogas; 
IV - o compartilhamento de responsabilic com as 
instituições do setor privado e com os dfveri!t>s Incluindo 
usuários e dependentes de drogas e meio do 
estabelecimento de parcerias; 
V - a adoção de estratégias preventivas diferenciadas e adequadas às espe· 
cificidades sooiooulturais das diversas populações, bem como das difer~. 
drogas utilizadas; . 
VI - o reconhecimento do "não-uso', do "retardamento do uso' e da redUQlO' 
de riscos como resultados desejáveiS das atividades de natureza préVElI1liYB, 
quando da definição dos objetivos a serem alcançados; 
VII - o tratamento especial dirigido às parcelas mais vulneráveis da populaçãé), 
levando em cOr\Sideraçãé) as suas necessidades especIficas; 
VIR - a articut4~ éntre Os seNiços à ,OllIarHzações que aMâm ém atividades 
de prevenção ~ uso. Inde'lido de drQgas ,8 a rede da atenção a, uslJérios e 
dependamel!f de drdgas e ~. familiares; .,' 
IX":" o il!t~~ emalfe~aséf,orti~as. cutt\Jrais,artf~s;ptófi~. 
entre outras, como fon'na de Inclusão social e de melhoria da qualidade de vidâ; 
x - o estabelecimento de polrtlcas de formação continuada na área da prevenção 
do uso indevido de drogas para profISsionais de educação nos três nfveís de erlSino; 
XI - 8, implantação ,deprojEjrlofl pedagógicos da prevenção do uSÇj itJ(ieyido.àe 
drogas, nas IrlStlW~de ermlna públioo.e priVado,alii1hadosàs DirêtÃzeS· 
Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a dll:lg!iS; 
XII - a obsarvândadas orientações EI normas emanadas do Conad; 
XIII - o alinha~1'ltP às dif~r!Zes dos órgãos de controle social da poIlticas
setoriala,~. . . ' . . ,'.. ,'. . .. 
o Capítulo I do Título IH da nova Lei volta-se às atividades de 
prevenção do uso indevido de drogas, especificando seus objetivos, 
princípios e diretrizes. Foge à finalidade deste livro a análise de todas 
as atividades tratadas nos arts. 18 e 19. 
Importante anotar, no entanto, que a Lei considera como atividade 
de prevenção, consoante os princípios já vistos do Sisnad, a redução 
dos fatores reconhecidos de vulnerabilidade e risco, bem como a 
promoção dos fatores de proteção. Nesse sentido, o art. 19 lista diversos 
princípios e diretrizes a serem seguidos pelas atividades de prevenção 
do uso indevido de drogas. I 
Alice Bianchini observa que a nova Lei de Drogas contempla os três momentos dos 
programas de prevenção ao uso indevido de drogas: "Prevenção prírruíria: tem por 
39 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 18 e 19 
r 
E, em relação às atividades dirigidas a crianças e adolescentes, o 
Sisnad deve adequar-se às diretrizes do Conselho Nacional dos 
da Criança e do Adolescente - Conanda. 
3.1.1 Política de redução de danos 
o inciso VI do art. 19 da nova Lei de Drogas prevê que é diretriz 
das atividades de prevenção do uso indevido o reconhecimento do 
"retardamento do uso" e da redução de riscos como resultados dese­
jáveis, isto é, objetivos dessas atividades. Trata-se da controversa 
política de redução de danos, que por muito tempo foi contestada por 
setores da sociedade que a viam como incentivo ao uso. 
A redução de danos tem por fundamento o reconhecimento de que 
a disseminação do uso de drogas na sociedade é uma realidade e, como 
tal, não poderá ser estancada pelas fórmulas tradicionais de prevenção 
e repressão. Alémdisso, esta política admite que os danos e os riscos 
causados pelas estratégias tradicionais de combate às drogas acabem, 
vezes, a suplantar os próprios prejuízos causados pelo uso.2 
Exemplificamos. Pelos meios tradicionais de prevenção e repressão, 
o dependente de drogas injetáveis deverá ser privado de todo e qualquer 
contato com a substância na qual é viciado, bem como de todos os meios 
que teria à disposição para obter e utilizar a droga. Com isso, espera-se que 
as dificuldades colocadas impeçam-no de saciar o vício. O resultado dessa 
linalidade impedir o primeiro contato do indivíduo com a droga, ou de retardá-lo. ( ... ) 
Prevenção secundária: busca evitar que aqueles que uso moderado de drogas 
passem a usá-las de fonna mais freqüente e prejudiciaL (. ..) terciária: incide 
quando ocorrem problemas com o uso ou a dependência de drogas, sendo que fazem 
pa11e deste momento todas as ações voltadas para a do dependente." Lei 
de Drogas Comentada artigo por artigo: Lei 11.34312006, de 23.08.2006, Luiz Flávio 
Gomes Alice Bianchini, Rogério Sanches Cunha e WilIiam Terra, 2. ed. 
rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 58/59 
2 O assassinato de cinco prostitutas na cidade inglesa de Ipswich, em dezembro de 2006, 
levou a um debate nacional no Reino Unido sobre as políticas para reduzir os danos 
SOCiais decorrentes do uso de drogas. As investigações concluíram que as cinco vítimas, 
possivelmente, haviam se prostituído para financiar seus gastos com heroína e crack, 
mesma razão que leva milhares de mulheres daquele país à prostituição. Após os 
assassinatos, cresceu o apoio a um programa experimental do Serviço Nacional de Saúde 
inglês, que distribui heroína gratuitamente a 400 dependentes, ao custo de dez mil libras 
esterlinas por ano aos cofres públicos, por participante do programa. (NHS heroin 'will 
protect women', BBC News, Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/2/hilheal­
thJ634209I.stm>. Acesso em: 3 jun. 2007). 
I 
http://news.bbc.co.uk/go/pr/fr/-/2/hilheal
http:itJ(ieyido.�e
41 
r-
Arts. 	18 e 19 LEI DE DROGAS - Comentada 40 
estratégia de combate, no entanto, por vezes, traz mais danos à saúde do 
dependente e à sociedade do que a própria utilização da droga. Veja que, 
no exemplo, o que acontece em regra não é a abstinência do uso. Ao 
contrário, o dependente passa a buscar todos os meios possíveis para obter 
e usar a droga, ainda que ilícitos. Assim, quem se sentir premido pela 
necessidade de consumo poderá vir a cometer outros crimes para obter 
drogas, ampliando a margem de atuação do crime organizado, responsável 
pela oferta do produto. Além disso, poderá também utilizar-se de vias não 
ortodoxas de utilização das drogas, causando ainda mais danos a sua saúde. 
Mediante a política de redução de danos, o dependente versado 
no exemplo seria tratado de forma diferenciada. Se for viciado em 
drogas injetáveis, deverão ser-lhe distribuídas, gratuitamente, seringas 
descartáveis, para que não pre~e fazer uso das seringas de outras 
pessoas, evitando o risco de contágio com doenças transmissíveis pelo 
sangue, em especial a AIDS. A depender da gravidade da dependência, 
é possível que seu tratamento passe pela disponibilização descontinuada 
de drogas, até que seja possível não mais fazer uso delas. 
Insurgiam-se contra a estratégia de redução de danos setores que 
não admitiam, de qualquer forma, que o Estado pudesse ser responsável 
pelo auxílio ao uso de drogas - alguns diriam até mesmo tratar-se de 
atividade criminosa. A Lei, sem embargo, pôs fim a este posicionamen­
to, e qualquer adução de motivos neste sentido será objetada pela 
disposição do inciso VI do art. 19, que, ao autorizar estas ati vidades, 
exclui a antinormatividade da conduta.3 
Agora, portanto, passa a ser dever do Estado a formulação de ações 
como a troca e distribuição gratuita de seringas, reduzindo o dano de 
contaminação de usuários por doenças transmissíveis, bem como o 
incentivo para que seja alterada a via de administração, estimulando­
se, por exemplo, os usuários de drogas injetáveis a utilizarem a via 
aspirada, por ser menos arriscada.4-5 
Consoante ensinam Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli, em Manual de 
direito brasileiro, Parte Geral, 5. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 436, "0 juízo de 
tipicidade não é um mero juízo de típicidade mas que exige um outro passo, que 
é a comprovação da tipícidade conglobante, consistente na averiguação da proibição 
através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, 
e sim conglobada na ordem normativa". 
4 Cartilha de Redução de Danos da Reduc Rede Brasileira de Redução de Danos, fascículo 
4, em www.reduc.org.br. 
5 Noticiou o jornal Folha de S.Paulo, em edição de dia 8 de junho de 2007, a produção 
de um panfleto para ser distribuído na "Parada do Orgulho GLBT de São Paulo", evento 
Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 18 a 22 
A redução de danos já era prevista na legislação anterior (art. 12, 
§ 2.°), porém de forma tímida e desfocada, já que vinculada apenas a 
atividades de tratamento. A nova Lei, ao tratar a redução de danos como 
princípio ou diretriz das atividades de prevenção, generalizou as pos­
sibilidades de sua aplicação. 
3.2 	ATIVIDADES DE ATENÇÃO E DE REINSERÇÃO 
SOCIAL DE USUÁRIOS OU DEPENDENTES DE 
DROGAS 
Capitulo 11 
,Das ati'fklades de atenção e de reinserção social de usuários 
.ou dependentes de drqgas 
Att.20. CoOstiíl1OOl atividades deatanção ao usuário e dependente de drogas 
.~ fl:ífniliares, para'efeito desta Lei, aquelas que viSem à màltloria, 
de qualidade de Vida:~à~, OOS riscos e dos <fanoS;~,ao uso 
4EI drogas. .' " , , 	 • ' ,
'_ 2'1. ~el'natiVidades de reinserção social 00 ~o,ou 00, depentfenté 
dedroga& é r~ famíliafes, para efeito desta Lef"aquelíls dlrecí~ 
para' ,,sua. ~gração,OU, reintegra;~ am redes SOCiais., 
,,~ ,22. Ata,' atÍlllàades de at~ e liI$ de reinserção soci$l ®tlSlIário. e ,do 
dependentedSdrOgas: e respectivost'amiliares devam obsél\lar Os seguintes
ptÍrlcfplos e direttt2:es: ", 	 " " 
l:"rêspslro8ó Usuário e ao dependente de drogas, independe:ntementJ de 
QIlafs'IIJe;r~; ~IlÓO$, !llS"dlreitos fundamentais cta,pes$Oa humana, 
os~j:Iios: e d~es do Sistema Omco de Saúde e da PoIitjca Nacional
de A$slStênciai'Soci$J; ., 	 , 
tr,-:,a~de~Í8S difetendádasde atenção e reinserçãóSOlilial ckl 
~no e'dQ, ~ 'da ~ e, respectivos ,falTliliares que cOtI&lqEuetn 
liI$ suas p9cuJiaridade$ SOCioeu_urais; , , " , " , 
IU-definlçãotàe proje1o terapêuÍico lndIvk:Iaatizado. orierinidoparaii indtlSlo 
sccíat e para a ~ de, rIscos.9 de, dlmos ,sociais 9 li SB.Ilde; " 
IV -~~~uário QU depende.!ie drogas e ~ t'eliIpectiy!llSfàmí!lar~ 
sempre q~~dfl forma ~iMre:pQl' equlpes mu~natS~ 
V - observanciá dasOrien~~~••norrnas e~,dOiConJiQ~ 
~=.t~~.:.~"de ~flIe'SOQIaI ~poI~as 
mais conhecido como "Parada Gay", em que se orientava a forma mais segura de usar 
drogas: "Para cheirar, prefira um canudo individual a notas de dinheiro", "Faça uma 
piteira de papel se for rolar um baseado", "Compartilhe a droga, nunca () material a 
ser usado". Consultado pela reportagem, o Governo, que patrocinava () folheto, defendeu 
a política de redução de danos a usuários. 
www.reduc.org.br
43 
r 
se 
Arts. 20 a 26 LEI DE DROGAS - Comentada 42 
A prevlsao específica da necessidade de atender e reinserir na 
sociedade o usuário e o dependente de drogas não é novidade no 
ordenamento jurídico brasileiro, pois já existia desde a Medida Provi­
sória 2.225-4512001, que alterou a Lei 6.368/1976. Entretanto, a nova 
Lei de Drogas, neste ponto, deu nova formulação à matéria, elevando 
as atividades de atenção e reinserção social ao mesmo nível de 
importância das atividades de prevenção do uso indevido e repressão 
ao tráfico e à produção não autorizada. Trata-se de mais uma conseqüên­
cia do reconhecimento, pelo legislador, de que o problema envolvendo 
as drogas é efetivo e, para sua solução, não maisse fazem suficientes 
apenas medidas repressivas ou de prevenção genérica. Impõe-se, agora, 
a reinserção social daqueles que já foram atingidos pelo uso de drogas, 
bem como a devida atenção àquges que estão no mesmo caminho. 
Assim, dispõe a Lei que as atividades de atenção têm por objetivo 
a melhoria da qualidade de vida e a redução dos riscos e dos danos 
associados ao uso de drogas;6 as de reinserção social, por sua vez, 
destinam-se à integração ou reintegração em redes sociais. 
É de extrema relevância a ampliação dos alvos destas atividades. 
Consoante os arts. 20 e 21 da Lei, não apenas os usuários e os 
dependentes de drogas necessitam de atenção e reinserção social, mas 
também seus familiares. Com isso, admitiu-se que a família do usuário 
e do dependente é figura-chave nestas atividades, tanto por ser de vital 
importância sua participação no processo de reinclusão, como por 
constituir, a própria família, uma vítima do uso de drogas. 
O art. 22 prescreve os princípios e diretrizes das atividades de 
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas. 
Deixamos de comentar especificamente estas disposições por ser a 
matéria alheia ao objetivo deste trabalho. 
3.3 EXECUTORES DOS SERVIÇOS DE ATENÇÃO E 
REINSERÇÃO SOCIAL 
Art. 23.. As redes dos 8SfViÇO$ do Distrito 
Federal. dos Mt,mieíplos dese~ ao usuário e ao 
dependente de drogas. respeItadaS da Saúde e os 
princfpIos explicitados 00 " •.fJnWisAo orçamentária 
adequada. 
6 Sobre política de redução de danos, ver comentários ao inciso VI do art. 19 da Lei. 
Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 23 a 26 
. iri'24. A UniãO. .E~,:i:1~l:~'lttlFederal e os Munícfpios· poderão 
.~,.~à$~::~ que desenvolverem programas de 
~ 00 ~rcadode~; do usuário e do dependente -de drog88 
. ~hadoS"pOr órgão ~: ... " ••.', .•'., 
Aft.,25. As instituiÇões da~êíilil. sem fins lucrativos, com atuação nas 
•.~ da atençãoã saúde edaalSlstência social, que atendam usuários ou 
~ntes de drogas poderão I'éOOber. recursos do Funad, condicionados à 
.. ~disPOOibilidade Ol'ÇQmentária e tlnallC$ira. 
Art. H. O uStJál'io e o dependente de drogas que, em razão da prática. de Infração 
Pf,ffi3l. OOtiverem ctll'nprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida 
de segurança. têm garantido..q os servíços de atenção à sua saúde, dafinldos 
pato respectivo sistell'lli peniteoc:iário. 
A Lei de Drogas dispõe que os serviços de saúde dos entes 
federativos - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - deverão 
responsabilizar-se por programas de atenção ao usuário e ao dependente 
de drogas. A norma, constante do art. 23 da Lei, nada fala a respeito das 
atividades de reinserção social, levando a crer que não estariam abarcadas 
pela rede pública de saúde. Apesar do silêncio da Lei, não vemos razão 
a impedir que os poderes públicos também mantenham estes serviços, 
podendo a regulamentação ser feita por meio de atos infralegais. 
Permite-se a participação de setores privados nestas atividades. 
Assim, empresas privadas poderão receber benefícios do Poder Público 
desenvolverem programas de reinserção no mercado de trabalho 
(espécie de reinserção social) a usuários ou dependentes encaminhados 
por órgão oficial. Também poderão ter benesses públicas as instituições 
da sociedade civil sem fins lucrativos com atuação em atenção à saúde 
e reinserção social. Nestes casos, é possível até mesmo o repasse de 
recursos do Fundo Nacional Antidrogas - Funad. Consoante o teor da 
previsão do art. 24, é necessária a participação do poder público nos 
programas de reinserção no mercado de trabalho para que possam ser 
concedidos os benefícios previstos no artigo. Assim, conforme lembra 
Renato Marcão,7 a prática espontânea de promover a reinserção no 
mercado de trabalho de usuário ou dependente que não tenha sido 
encaminhado por órgão oficial não dá ensejo à concessão de benefícios. 
Garante-se, ainda, que os presos tenham à disposição os mesmos 
serviços de atenção à saúde dos cidadãos em liberdade, definidos pelo 
sistema penitenciário. As infrações penais a que se refere a Lei não são 
) Tóxicos: Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, nova lei de drogas. 4. cd. rcformulada. 
São Paulo: Saraiva, 2007. p. 50. 
", « ;;tc."ap; ( 
Arts. 23 a 26 LEI DE DROGAS - Comentad.! 44 
apenas aquelas previstas na própria Lei de Drogas, mas qualquer infração 
penaL Sabe-se que o uso de drogas atinge grande parte da população 
carcerária no Brasil, não havendo, na maioria dos estabelecimentos, 
condições materiais e de recursos humanos para atender a todos. A 
disposição é importante por garantir aos presos as mesmas medidas de 
atenção. Se não for devidamente cumprida, esta disposição deverá ser alvo, 
inc1usive, da atuação do Ministério Público, para fazer valer este direito. 
3.3.1 Comunidades terapêuticas ou similares 
Vale a menção de que a versão do projeto de lei aprovada na 
Câmara dos Deputados contemplava a problemática questão das comu­
nidades terapêuticas, que nada I1'fiiis são do que serviços autônomos 
de atenção à saúde de usuários e dependentes. Muitas exercem aplaudido 
serviço social, porém outras não respeitam condições mínimas de 
higiene. Além disso, há, ainda, as comunidades que se utilizam de meios 
não usuais, sem embasamento científico, para atender aos usuários e 
dependentes de drogas. 
A disposição não proibia as comunidades terapêuticas, mas previa 
sua adequação aos princípios da Lei e às diretrizes específicas a serem 
criadas.8 O Senado Federal rejeitou o dispositivo, sob o pretexto de que 
já havia regulamentação sobre a matéria.9 Não nos parece válida a 
justificativa, eis que, com a elevação da previsão à categoria de Lei, 
haveria mais segurança sobre a legalidade e a fiscalização das comu­
nidades terapêuticas ou similares. 
De qualquer sorte, permanece em vigor a Resolução - RDC 101, 
de 20 de maio de 2001, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária 
(Anvisa), que "estabelece Regulamento Técnico disciplinando as exi­
gências mínimas para o funcionamento de serviços de atenção a pessoas 
com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas, 
segundo modelo psicossocial, também conhecidos como Comunidades 
Terapêuticas, parte integrante desta Resolução". 
! A versão incluía um parágrafo único no art. 23, com a seguinte redação: 
"Parágrafo único. Os serviços da rede de apoio social ao usuário ou dependente e 
respectivos familiares que não forem de natureza sanitária, executados por comunidades 
terapêuticas e similares, deverão se alinhar aos princípios dispostos no art. 22 desta Lei 
e às diretrizes específicas a serem regulamentadas". 
9 Cf. relat6rio publicado no Diário do Senado Federal, de 6 de julho de 2006, p. 22.786. 
45 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. Z7 e 28 
r 
3.4 CRIMES RELACIONADOS AO CONSUMO PESSOAL 
tompiuecirnento a programa .ouquriK:.! eQ~o, 
suõmete-se quem, para seu. COIlSU/TlO ~Oal. 
itas.'dSstlnadaa à preparação tlepéqliléna: quantltládê
de.i;~;~~'~PÜ~ caU$ar depenc:JêliClaffsl~íi!U p$ÍqQi~. 
.. . . ~se•• a drogadestlnava-sa a CQfISUIOOPQ$S09I; Q.. juiz. 
iA quartti$de da SUbstênciaapreE!l:'!did~•..~.. ~,~ 
. ,~voIWu à ação. às circunStáncias sOCIafffe~lS, 
. iwm/Ir}m!là antecedentes do agente: ..... .. 
t 3.DI~PEmas'PAMstas;nos .IOOlsoa " alH do capuf deste artigoseráGél'plicactàs 
_~~mo~ 5 (1i:Íf:lCQ)meS8$.
", ,"",', /";, "","" ,"" ',i " , 
§4."ERl.çaso:.de relf1Oidência,;:lS penas previstrulno& jncjsos I! e lU ~ c;Jput 
deste ártiQoserl6àP1icadas PelO prazo máximo de 10 (dEIl) meses. 
~ 5.° Aprestaqio de SEírViços li comunidade será eumprictà em programas . 
'~$WId~~cacIonais ou a~iais. hOspitais, e~lecí~ 
~•.•• O\'fl~~•• ~bli~ou privados: sem· fins ·k.tcratívos, que •. se· ocupem.
pref~I~,âapreveoção.OO consume) ou da recuperaçâ9 dé. usu~ 
e~rtte$.â~dr09«s.·· . i.·· •. .. ....., . ...... .. ... . 
·16,;' P_~doli:tmprifrIentQ das medidas 00uCaJ1vaS 8 que. se~re 
ocaput,n9$I~>I. 1Ie UI, aQueinj~eníIi$e.~o.1$. 
PQ!;terà .o,úi~SIJ~o. sucessivamente a: 
f - adInoes~ ~; 
11 - mtllta. . 
§7.'1 O tu~ ~ 9OPodeF; .publieoQue coloque à di&poaição do' infrator. 
~~~,dO,~,~eretlciam:lente· ~al,.pará
~1ltO>~gjo. ·2. . . . ' 
3.4.1 Crime de porte para consumo pessoal 
No Capítulo III do Título III encontraremos as maiores inovações 
da nova Lei. 
http:pref~I~,�apreveo��o.OO
http:ERl.�aso:.de
Arts. 27 e 28 LEI DE DROGAS - Comentada 46 
I 
Como já antecipado, o intuito da Lei foi o de evitar, a qualquer 
custo, a aplicação de pena privativa de liberdade ao usuário de drogas. 
Partindo-se da premissa de que a reclusão do usuário ou dependente 
não traria qualquer benefício seja à saúde individual, seja à saúde 
o legislador determinou a aplicação de outras penas não 
privativas de liberdade, as quais chamou, eufemisticamente, de "me­
didas educativas". Analisando a nova Lei, verifica-se que em nenhuma 
hipótese poderá ser aplicada pena privativa de liberdade ao usuário. 
Neste sentido, trazemos à colação a justificativa final do Senado 
ao Projeto de Lei 115, convertido na presente Lei, veiculado pelo 
parecer 846, da Comissão de assuntos sociais do Senado, publicado no 
Diário do Senado Federal em 6 de julho de 2006: 
"O maior avanço do Projeto e]tá certamente no seu art. 28, que 
trata de acabar com a pena de prisão para o usuário de drogas no Brasil. 
A pena de prisão para o usuário de drogas é totalmente injustificável, 
sob todos os aspectos. Em primeiro lugar, porque o usuário não pode 
ser tratado como um criminoso, já que é, na verdade, dependente de 
um produto, como há dependentes de álcool, tranqüilizantes, cigarro, 
dentre outros. Em segundo lugar, porque a pena de prisão para o usuário 
acaba por alimentar um sistema de corrupção policial absurdo, já que 
quando pego em flagrante, o usuário em geral tenderá a tentar corromper 
a autoridade policial, diante das conseqüências que o simples uso da 
droga hoje pode lhe trazer". 
É importante destacar que o legislador utilizou-se, no art. 28, de 
uma redação diversa da que geralmente é utilizada para a tipificação 
das condutas delitivas, sendo mais um signo da tentativa do legislador 
em separar cabalmente a conduta daquele que porta para consumo 
próprio da conduta do traficante. 
3.4.1.1 Elementos do tipo 
Deve-se destacar que somente se caracterizarão as condutas 
quando presente o elemento subjetivo do tipo representado pela 
são "para consumo pessoal". A Lei 6.368/1976, é de se recordar, 
utilizava a expressão "para uso próprio". Apesar da alteração, não vemos 
modificação substancial no sentido da expressão, 10 pois o relevante é 
'0 Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi (Lei de Drogas Anotada: Lei 11.34312006. São 
Paulo: Saraiva, 2007, p. 44) entendem que a substituição da expressão "para uso 
Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 27 e 2847 
I 
verificar se a destinação da droga, dentro do planejamento do agente, 
era para seu próprio uso. O legislador trouxe os elementos a serem 
investígados pelo magistrado para veri~car se restou caracterizada ou 
não a finalidade de consumo próprio. E o que dispõe o art. 28, § 2.°: 
"Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz 
atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local 
e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais 
e pessoais, bem como a conduta e aos antecedentes do agente". Assim, 
todos estes elementos reunidos e considerados globalmente é que 
permitirão analisar se estamos diante do delito aqui previsto ou daqueles 
previstos nos arts. 33 e seguintes da Lei. Samuel Miranda Arrudall 
afirma que o legislador não poderia ter utilizado os antecedentes do 
agente como critério interpretativo na tipificação da conduta: "Cria-se, 
assim, uma rotulação perigosa dos indivíduos. Deixa-se de analisar o 
fato criminoso objetivamente para realizar uma apreciação subjetiva do 
agente. Como se pode justificar que uma mesma conduta, se praticada 
por Pedro, já condenado por tráfico, seja enquadrada no tipo penal do 
artigo 33, enquanto a Paulo, primário e de bons antecedentes, imputa­
se o delito associado ao uso? Cremos, mesmo, ser de constitucionalidade 
duvidosa essa disposição. O legislador erigiu aí verdadeira presunção 
de culpabilidade em nada compatível com o princípio inverso, da 
por "para consumo de conteúdo. Segundo lecionam: "A 
alteração é relevante porque lossibilidade de enquadramento no tipo mais 
benéfico das condutas para consumo próprio ou de outrem em caráter pessoal, 
ou seja, sem animus de disseminação. Na lei anterior, somente poderia ser aplicado o 
art. 16, desqualificando-se o artigo 12, se o agente trazia consigo para uso exclusivamente 
caracterizando-se o então artigo 12 se a droga fosse também para uso pessoal 
de terceiro. O texto atual, portanto, é mais amplo e benéfico, abrangendo situação que 
era antes considerada injusta, a de se punir com as penas do então art. 12 aquele que, 
dividia a droga com companheiros ou a adquiria para consumo doméstico 
maIS de uma pessoa". Apesar da sabedoria dos mestres, não podemos concordar com 
o quanto exposto. Hoje quem adquire droga para consumo de terceiro apenas será passível 
de punição nas penas do art. 33. § 3.°, se tiver preenchido todos os requisitos previstos 
no artigo (cessão eventual, sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para 
a consumirem). A conduta do cedente, portanto, somente não será considerada 
tráfico (artigo 33, caput) se preencher os requisitos mencionados no § 3.° do mesmo artigo 
33 e não porque se alterou a locução "para uso próprio" por "para uso pessoal". Em outras 
palavras, se não forem preenchidos todos os requisitos especializantes do artigo 33, § 
3.°, o cedente responderá por tráfico (por exemplo, se ceder a droga para consumo pessoal 
de um desconhecido). Se fosse verdade o quanto dito pelos doutrinadores. a norma que 
trata do uso compartilhado (art. 33, § 3.°) seria desnecessária. 
IIOb. cit., p. 31 e 32. 
Arts. 27 e 28 LEI DE DROGAS - Comentada 48 
I 
presunção de inocência". Entendemos que a crítica é justa, mas não 
concordamos inteiramente com as conclusões. Embora realmente o 
Direito Penal do fato atualmente consagrado - não pennita que 
questões pessoais do agente sejam os únicos elementos a julgar a 
conduta, o legislador utilizou-se de um critério que auxiliará o magis­
trado, desde que analisado ao lado e conjuntamente com os outros 
elementos indicados. Em outras palavras, entendemos que o critério dos 
antecedentes pode ser sim utilizado como guia interpretativo, mas desde 
que seja confirmado pelos demais critérios indicados (local, circuns­
tância da ação, modo de acondicionamento etc). Realmente, solitaria­
mente, não seria possível diferenciar o usuário do traficante apenas com 
base em seus antecedentes, sob pena de retomo ao malfadado Direito 
Penal do autor. Mas em um caso em que o agente é encontrado com 
pequenas trouxas de cocaína, acondicionadas em Ínvólt.téros plásticos, 
e já possui condenações anteriores por tráfico, não há dúvidas que o 
passado criminoso do agente poderá ser considerado elemento de 
reforço ao intérprete na distinção entre uso e tráfico. Como se sabe, 
o intérprete e, notadamente, os operadores do direito entre eles o 
magistrado devem estar atentos à realidade em que vivem e, assim, 
observar aquilo que normalmente acontece. Isso, de fonna alguma, 
impede que o agente comprove que a droga seria para consumo pessoal. 
Apenas é um indício, que poderá ser utilizado pelo magistrado, ao lado 
de tantos outros. Não vemos, portanto, a alegada inconstitucionalidade 
que o mestre acima citado sugeriu. 
Quanto às condutas típicas, o artigo inovou em relação aos verbos­
núcleos ter em depósito e transportar, não constantes do art. 16 da Lei 
6.368/1976 (que somente falava em adquirir, guardar e trazer consigo). 
Agora, o tipo em análise prevê tanto a conduta de ter em depósito quanto 
a de guardar, razão pela qual será necessáriodistingui-las. Quando 
estávamos diante do art. 12 da Lei 6.368/1976, sempre reinou discussão 
em tomo de sua diferenciação. À época, afinnava-se majoritariamente, 
com fulcro nas lições de Magalhães Noronha e Nelson Hungria,12 que 
a distinção estava na titularidade da detenção, ou seja, se a retenção 
fosse em nome próprio, haveria o depósito, enquanto restaria caracte­
rizada a guarda se a retenção se desse em nome de terceiro. Porém, 
a discussão possuía mais interesse doutrinário do que prático, haja vista 
12 Apud Vícente Greco Filho, Tóxicos, prevenção - repressão, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 
1995, p. 89. 
49 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 27 e 28 
que ambas as condutas se enquadravam no conceito de tráfico de drogas. 
Com a nova Lei, entendemos que a distinção deve ser revista. 
Realmente, corno as condutas de "guardar" e "ter em depósito" 
aqui devem ser para consumo pessoal, não poderemos utilizar como 
critério de discrímen a titularidade da retenção. Expliquemos. Se 
alguém retém a droga para uso de terceiro ("guarda" na lição da 
doutrina tradicional) a conduta daquele não poderá se enquadrar no 
art. 28, haja vista que a finalidade da retenção não é para consumo 
próprio, mas sim para consumo de terceiro. Assim, se para a 
caracterização do tipo previsto no art. 28 é necessário que a droga 
destine-se a consumo pessoal, aquele que a retém em nome e para 
uso de terceiro não se enquadrará no tipo do art. 28, mas no art. 
Da mesma forma, se alguém comprar a droga para consumo pessoal 
de terceiro, responderá neste mesmo art. e não como partícipe do 
crime do art. 28. 
Tendo em vista o elemento subjetivo do tipo "para consumo 
pessoal", não poderemos mais nos valer da distinção entre guardar ou 
ter em depósito, como tradicionalmente era feita pela doutrina majo­
ritária. No contexto do art. 28 e à luz do elemento subjetivo mencionado, 
as duas condutas somente restarão caracterizadas quando posto em 
evidência o interesse do próprio agente, que retém a droga para seu 
próprio consumo. Assim, entendemos que a lição do professor Vicente 
Greco se toma ainda mais atual, quando, ainda sob a égide da Lei 6.368/ 
1976, já defendia que "ter em depósito" significaria a retenção provi­
sória e possibilidade de deslocamento rápido da droga de um lugar para 
outro, enquanto "guardar" se conceituaria como a mera ocultação da 
droga. Vejamos: "Interpretamos, pois, os dois verbos de forma diferente: 
ambos têm o mesmo conteúdo físico que é o reter, a detenção; mas 
o primeiro tem um sentido de provisoriedade e mobilidade do depósito, 
ao passo que o 'guardar' não sugere essas circunstâncias, compreen­
dendo a ocultação pura e simples, permanente ou precária. O último 
é mais genérico em relação ao primeiro, mas têm ambos sentido bastante 
aproximado de modo a ser difícil, às vezes, sua diferenciação".n 
Portanto, dentro na concepção do art. 28, tanto na conduta de guardar 
como na de ter em depósito existirá a retenção da droga para consumo 
próprio, e a relação entre elas será de continente para conteúdo, pois 
aquele verbo-núcleo englobaria este. 
13 Tóxicos, prevenção repressão, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 89. 
.Ai*" tia 3 !' 
Arts. 27 e 28 LEI DE DROGAS - Comentada 	 50 
De outro giro, o verbo transportar, por sua vez, significa a conduta 
de levar de um local para outro por intermédio de algum meio de 
locomoção que não o pessoal (pois neste caso configuraria o "trazer 
consigo"). Assim, se o agente coloca a droga em seu veículo para levá­
à sua casa, haverá o transporte, enquanto, se a conduz junto ao próprio 
corpo, estará a trazendo consigo. 
Apesar da inclusão dos dois verbos na descrição típica, não houve 
alteração significativa na incriminação, comparando-se com a legislação 
anterior. As condutas introduzidas já estavam, de maneira direta ou 
indireta, abrangidas nos verbos previstos no art. 16 da Lei 6.36811976. 
Pela jurisprudência, por exemplo, se o agente transportasse a droga em 
seu veículo, a estaria trazendo consigo ou guardando. Da mesma forma, 
guardar incluiria a conduta ter em depósito. 
3.4.1.2 Atipicidade do uso 
A conduta de mero uso da droga é típica em face da nova Lei? 
Em regra, o agente que faz uso da droga anteriormente a adquire ou 
traz consigo. Assim, se o agente está consumindo a droga e é flagrado 
em situação na qual é possível constatar a materialidade delitiva, haverá 
crime, não na modalidade "usar", que é atípica, mas porque o agente 
a tem consigo. Porém, não necessariamente o uso será precedido das 
condutas de adquirir ou trazer consigo. Como bem lembra Vicente 
Greco Filho, "Poder-se-ia dizer que, para usar, alguém necessariamente 
deveria ter trazido consigo. Em primeiro lugar, isto nem sempre é 
verdadeiro, porque alguém pode receber uma injeção de tóxico, por 
exemplo, ministrado diretamente; depois, o que a lei focaliza é aquele 
perigo contra a saúde pública, acima referido, existente enquanto o 
agente traz a droga, mas que desaparece com o seu consumo. Da mesma 
forma, na mesma ocasião, desaparecerá a situação de flagrância, tendo 
em vista ser essa conduta de caráter permanente".14 
Ademais, como lembra com perspicácia Damásio de Jesus, se o 
uso fosse crime, não seria necessário tipificar autonomamente a conduta 
daquele que auxilia, instiga ou determina alguém a usar droga, pois 
bastaria a regra da participação prevista no art. 29 do CP. 15 Importante 
14 Ob. cit. p. 121. 
15 Lei antitóxicos anotada, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 89. 
51 Das Atividades de Prevenção, Atenção e Reinserção Social Arts. 27 e 28 
í 
lembrar que o Supremo Tribunal Federal já tangenciou a questão no 
exame do HC 79.189, da 1.a Turma, reI. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 
09.03.2001, afirmando a impossibilidade de se punir o uso pretérito. '6 
Em razão destas considerações e como não houve alteração subs­
tantiva nos verbos-núc1eo utilizados, entendemos que a conduta de usar, 
em si, continua atípica. 17 Por esta razão chamamos o delito previsto no 
art. 28 de porte de droga para consumo pessoal e não simplesmente 
de uso de drogas. No sentido do texto, em relação à nova Lei de Drogas, 
também é a lição de Guilherme de Souza Nucci. 18 
3.4.1.3 Constitucionalidade 	do crime de porte para consumo 
pessoal 
Alguns doutrinadores afirmam que o delito de porte de droga para 
consumo pessoal seria inconstitucional, por violação ao direito à 
assegurado constitucionalmente (art. 5.°, inc. X, da CF), 
bem como o direito à autodeterminação e a própria dignidade da pessoa 
humana. Por todos, trazemos à baila lições da Juíza de Direito apo­
sentada Maria Lúcia Karam: "Mantendo a criminalização da posse para 
uso pessoal, a Lei 11.343/2006 repete as violações ao princípio da 
lesividade e às normas que, assegurando a liberdade individual e o 
respeito à vida privada, se vinculam ao próprio princípio da legalidade, 
16 "Entorpecentes: posse para uso próprio: inexistência do crime ou, de qualquer sorte, de 
prova indispensável à condenação: habeas corpus deferido por falta de justa causa. 1. 
Ê mais que razoável o entendimento dos que entendem não realizado o tipo do alt. 16 
da Lei de Entorpecentes (L. 6.368/1976) na conduta de quem, recebendo de terceiro 
a droga, para uso próprio, incontinente, a consome: a incriminação do porte de tóxico 
para uso próprio só se pode explicar segundo a doutrina subjacente à lei - como delito 
contra a saúde pública, que se insere entre os crimes contra a incolumidade pública, 
que só se configuram em fatos que 'acarretam situação de perigo a indeterminado ou 
não individuado grupo de pessoas' (Hungria). 2. De qualquer sorte, conforme jurispru­
dência sedimentada, o exame toxicológico positivo da substância de porte vedado é 
elemento essencial à validade da condenação pelo crime o que pressupõe sua 
apreensão na posse do agente e não de terceiro: impossível, assim, imputar a 
a posse anterior do único cigarro de maconha que teria fumado em ocasião allterior, 
se só se

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