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A_POLICIA_EM_GUERRA_A_DITADURA_E_A_POLIC

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Gabriel dos Santos Nascimento
A Polícia em Guerra: a ditadura e a Polícia Militar em São Paulo (1964-1982)
Guarulhos
2016
1
Gabriel dos Santos Nascimento
A Polícia em Guerra: a ditadura e a Polícia Militar de São Paulo (1964-1982)
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de História da Escola de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade Federal de São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Clifford Andrew Welch
Guarulhos
2016
2
Ficha catalografica
3
 
Para minha vó, Ugalde
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que me
concedeu uma bolsa de pesquisa, entre setembro de 2013 e junho de 2015, o que permitiu uma
dedicação plena ao trabalho.
Infinitos agradecimentos à minha vó, por tudo. Em particular, pelo apoio em momentos de
grande dificuldade, sem o qual tudo isso seria impossível. Da mesma forma, agradeço minha mãe,
Verna, e toda a minha família, que sabem compreender minhas prolongadas ausências.
Também agradeço a um incontável número de pessoas que encontrei entre indas e vindas por
salas de aula, bares e ruas, seja de Ribeirão Preto, Campinas, São Paulo ou Guarulhos. Amigos que
contribuiram das mais diversas formas, direta e indiretamente. Seria injusto, sob risco de esquercer
vários nomes, tentar citar todos aos quais devo alguma coisa. Mas, agradeço especialmente a Aruan
Henri, Márcia Freitas, Gabi Nery, Anita Lazarim, Mari Simarro, Thamires Regina, Jazz Venceslau,
Bruno Caccavelli, Aline Ribeiro, Verônica Calsoni, Roger Camacho, Kat Moreno, Dri Bagdonas,
João Rampim, Lessa, Jaque Gonçalves, Day Osorio, Pedro Mora, entre tantos outros que por falha
minha não foram citados.
Durante a graduação, as experiências de trabalho no Centro de Estudos Sindicais e
Economia do Trabalho (CESIT), do Instituto de Economia, sob coordenação da Prof. Dra. Magda
Barros Biavaschi, e no Centro de Pesquisa em História Social da Cultura (CECULT), do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, sob coordenação do Prof. Dr. Fernando Teixeira da Silva, me deram
a oportunidade de envolvimento direto em pesquisas, além de contato com professores,
pesquisadores e amigos que muito contribuiram na minha formação.
Agradeço a Thaís Battibugli, que além de ser uma importante referência bibliográfica,
sempre se mostrou muito solicita, respondendo vários emails ao longo dos anos, e que, gentilmente
me cedeu os relatórios das missões estrangeiras sobre as polícias.
Agradeço ao meu orientador, Clifford, que aceitou se aventurar nesse terreno estranho, me
oferecendo a oportunidade de desenvolver esse trabalho. Sempre se mostrou solicito fornecendo o
apoio, mas também a autonomia necessária.
Sou muito grato também aos professores André Rosemberg e Edilene Toledo que
acompanharam várias fases do desenvolvimento deste trabalho e se disporam compor a banca de
defesa e tecer comentarios, sendo importantes interlocutores. .
5
Il popolo è minorenne, la città è malata; ad altri
spette il compito di curare e di educare, a noi il
dovere di reprimere! La repressione è il nostro
vaccino! Repressione è civiltà!
Elio Petri. Indagine su un cittadino al di sopra di
ogni sospetto, 1970.
O povo é imaturo, a cidade está doente; outros tem a
responsabilidade de cuidar e educar, nós, o dever de
reprimir! A repressão é nossa vacina! Repressão é
civilização!
Elio Petri. Investigação sobre um cidadão acima de
qualquer suspeita, 1970.
6
Resumo
Este trabalho pretende analisar a formação da Polícia Militar do Estado de São Paulo durante a
ditadura militar. Concentrando-se no período que vai do golpe de 1964 até a primeira eleição direta
para governador em 1982, busca-se, em primeiro lugar, compreender quais fatores levaram à
unificação da Guarda Civil e da Força Pública, originando a Polícia Militar. É feita uma descrição
da estrutura da segurança pública no estado e das disputas que existiam entre as corporações e
demais agentes políticos e sociais em torno de propostas de reforma. Após o golpe, o governo
federal aumenta a pressão pela unificação em torno de uma única corporação fardada militar. As
disputas entre a Guarda Civil e a Força Pública se acirram até que, em meio ao crescimento da luta
armada e o fechamento do regime, a ditadura impõe a unificação das polícias, originando a Polícia
Militar. A unificação não seguiu apenas critérios pragmáticos, mas orientou-se também
doutrinariamente. Assim, discute-se também como a doutrina da "guerra revolucionária",
desenvolvida na França contra os movimentos de libertação nacional nas colônias, foi incorporada
pela ditadura brasileira e serviu de base para a reorganização das polícias. A doutrina foi introduzida
sistematicamente nos currículos dos policiais militares, dando grande ênfase nas funções de contra-
guerrilha e espionagem. Com base nisso, as tropas de choque e órgãos de inteligência passam a ter
grande prevalência, sendo amplificadas em número e poder dentro da Polícia Militar.
Palavras-chave: Ditadura. Polícia. Repressão.
7
Abstract
This work intends to analyze the formation of the Military Police of the State of São Paulo (Polícia
Militar do Estado de São Paulo) during the military dictatorship. Focusing on the period between
the 1964 coup and the first direct state government election in 1982, it seeks, first, to understand the
factors that lead to the unification of the Civil Guard (Guarda Civil) and Public Force (Força
Pública), giving origin to the Military Police. The state public security structure is described and
disputes involving the corporations and other social and political agents around reform propositions
are analyzed. After the coup, the federal government increased the pressure for the unification in a
single military corporation in uniform. Disputes between the Civil Guard and the Public Force
increased until, amid the growing of the armed struggle and the hardening of the regime, the
dictatorship imposed the unification of these corporations, giving origin to he Military Police. The
unification did not follow only pragmatic organizational criteria; it also had an ideological
orientation. The thesis examines how the "revolutionary war" doctrine, developed in France to fight
national liberation movements in its colonies, was assimilated by the Brazilian dictatorship and used
to orient police reorganization. From the start, the doctrine was systematically introduced in
Military Police school programs, giving great emphasis to espionage and counter-insurgency tactics.
Based on this, shock-troop and intelligence units rose to predominance in the Military Police,
growing in number and influence within the corporation.
Keywords: Dictatorship. Police. Repression.
8
Lista de Siglas
ACADEPOL Academia de Polícia
Ag. D. Agrupamento de Divisões
ALN Aliança de Libertação Nacional
APM Academia de Polícia Militar
ARENA Aliança Renovadora Nacional
BG Batalhão de Guardas
BP Batalhão Policial
BPChq Batalhão de Polícia de Choque
BPFem Batalhão de Policiamento Feminino
BPGd Batalhão de Polícia de Guarda
BPM Batalhão de Polícia Militar
BPM/I Batalhão de Polícia Militar do Interior
BPM/M Batalhão de Polícia Militar Metropolitano
BPTran Batalhão de Polícia de Trânsito
CB Corpo de Bombeiros
CFA Centro de Formação e Aperfeiçoamento
Cia. Ind. Companhia Independente
CIE Centro de Informaçãoes do Exército
CIOp Coordenação de Informações e Operações
CIPM Companhia Independente de Polícia Militar
CISA Centro de Informações da Aeronáutica
CM Corpo Musical
CNV Comissão Nacional da Verdade
COMAR Comando Aéreo Regional
CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora
COPOC Comando de Policiamento Ostensivo da Capital
CP Código Penal
CPA Inicialmente designava a Companhia dePoliciamento Auxiliar.
Posteriormente passou a designar os Comandos de Policiamento de Área
CPC Comando de Policiamento da Capital
CPChq Comando de Policiamento de Choque
CPF Corpo de Policiamento Florestal
CPI Comando de Policiamento do Interior
CPM Código Penal Militar
CPPM Código de Processo Penal Militar
9
CPRP Companhia de Policiamento de Rádio Patrulha
CPT Comando de Policiamento de Trânsito
CSCS Centro Social dos Cabos e Soldados
CVESP Comissão da Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva"
DDP Divisão de Divertimentos Públicos
DE Divisão Escolar
DEGRAN Departamento Regional de Polícia da Grande São Paulo
DEIC Departamento Estadual de Investigações Criminais
DEOPS Departamento Estadual de Ordem Política e Social
DEREX Departamento Regional de Polícia de São Paulo Exterior
DERIN Departamento das Delegacias Regionais de São Paulo Interior
DET Departamento Estadual de Trânsito
DG Divisão de Guarnições
DGE Diretoria Geral de Ensino
DI Departamento de Investigações
DICOM Divisão de Comunicações da Polícia Civil
DIG Divisão de Investigações Gerais
DINA Dirección de Inteligencia Nacional
DMTM Divisão de Manutenção e Transporte Motorizado
DOI-CODI Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de
Defesa Interna
DOP Détachement Opérationnel de Protéction
DOPS Departamento de Ordem Política e Social
DP Divisão de Policiamento da Guarda Civil e também Distrito Policial da
Polícia Civil
DPC Divisão de Policiamento de Campinas
DPEP Divisão de Proteção a Escolares e Pedestres
DPF Departamento de Polícia Federal
DPI Divisão de Pessoal Intérprete
DPM Departamento de Polícia Militar (anteriormente Delegacia de Polícia
Militar)
DPR Divisões de Policiamento de Repartições Públicas
DPRP Divisão de Policiamento de Ribeirão Preto
DPS Divisão de Policiamento de Sorocaba
DPSAL Divisão de Policiamento e Segurança da Assembléia Legislativa
DPSPJ Divisão de Policiamento e Segurança dos Palácios da Justiça
DPSSF Divisão de Policiamento e Segurança da Secretaria da Fazenda
10
DR Divisão de Reserva
DRP Divisão de Rádio Patrulha
DRPS Divisão de Rádio Patrulha de Santos
DSFF Divisão de Segurança e Fiscalização Fazendária
DSMT Divisão de Serviço Motorizado de Trânsito
DSN Doutrina de Segurança Nacional
DT Divisão de Trânsito
DTM Divisão de Transporte e Manutenção
DTS Divisão de Trânsito de Santos
EB Exército Brasileiro
EFA Escola de Formação e Aperfeiçoamento
EM Estado Maior
ESG Escola Superior de Guerra
FEB Força Expedicionária Brasileira
FIESP Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
FLN Frente de Libertação Nacional
FP Força Pública
GC Guarda Civil
GPEF Grupamento de Policiamento de Estradas de Ferro
GPI Grupamento de Policiamento Independente
GPMOR Grupamento Policial Militar da Operação Registro
IAPA Inter-American Police Academy
IGPM Inspetoria Geral das Polícias Militares
II/Ex II Exército
IPA International Police Academy
IPM Inquérito Policial Militar
LSN Lei de Segurança Nacional
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MR-8 Movimento Revolucionário 8 de Outubro
OBAN Operação Bandeirante (ou Bandeirantes)
OPS Office of Public Security
P/1 1ª Seção do Estado Maior da Polícia Militar (e assim sucessivamente
conforme a numeração)
PCB Partido Comunista Brasileiro
PCdoB Partido Comunista do Brasil
PDC Partido Democrata Cristão
11
PM Polícia Militar
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PMRG Presídio Militar "Romão Gomes"
PSD Partido Social Democrático
PSP Partido Social Progressista
PT Partido dos Trabalhadores
PTB Partido Trabalhista do Brasil
PTN Partido Trabalhista Nacional
QG Quartel General
RONE Ronda Noturna Especial
ROTA Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar
RUDI Rondas Unificadas do Departamento de Investigações
S.Com. Serviço de Comunicações
S.Farm. Serviço Farmacêutico
S.Odont. Serviço Odontológico
S.Subs. Serviço de Subsistência
SDB Subdivisão de Bauru
SDJ Subdivisão de Jundiaí
SDM Subdivisão de Marília
SDMC Subdivisão de Mogi das Cruzes
SDP Subdivisão de Piracicaba
SDPP Subdivisão de Presidente Prudente
SE Serviço de Engenharia
SF Serviço de Fundos
SGP Superintendência Geral do Policiamento
SI Serviço de Intendência
SM Serviço Médico
SMB Serviço de Material Bélico
SNI Serviço Nacional de Informações
SOA School of Americas
SPI Serviço de Policiamento em Interdições
SSP Secretária de Segurança Pública
STM Superior Tribunal Militar
STM Serviço de Transporte e Manutenção
TJM Tribunal de Justiça Militar
UDN União Democrática Nacional
12
UNE União Nacional dos Estudantes
USAID United States Agency for International Development
VPR Vanguarda Popular Revolucionária
13
SUMÁRIO
 Introdução.............................................................................................................................15
 A militarização.................................................................................................................20
 História da Polícia...........................................................................................................24
 As Fontes.........................................................................................................................29
 Estrutura dos Capítulos....................................................................................................33
 CAPÍTULO 1 – A ESTRUTURA DAS POLÍCIAS EM SÃO PAULO E OS PROJETOS DE
REFORMA............................................................................................................................34
 1.1. A estrutura do policiamento em São Paulo (1946-1964)..........................................35
 1.1.1. Polícia Civil......................................................................................................36
 1.1.2. Força Pública ...................................................................................................42
 1.1.3. Guarda Civil......................................................................................................52
 1.2. Os projetos de reforma e conflitos internos..............................................................63
 CAPÍTULO 2 - DO GOLPE À CRIAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR (1964-1970)...........74
 2.1. A Batalha da Maria Antônia......................................................................................91
 2.2. A criação da Polícia Militar: da Operação Bandeirante ao fim da Guarda Civil .....93
 CAPÍTULO 3 - A GUERRA REVOLUCIONÁRIA.........................................................110
 3.1. A Doutrina de Segurança Nacional e a guerra revolucionária: conceito e origens.111
 3.2. O papel da Polícia Militar na guerra revolucionária...............................................120
 3.3. A doutrinação na guerra revolucionária: a rede de ensino nacional e internacional125
 3.4. Da guerrilha à "guerra diária nas ruas de São Paulo": a função das tropas de choque135
 3.5. A repressão e a espionagem: a ação da 2ª Seção do Estado-Maior da Polícia Militar144
 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................148
 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................151
 APÊNDICES......................................................................................................................160
 Apêndice I - Boletins Gerais..........................................................................................160
 Apêndice II – Estrutura da Polícia Civil .......................................................................164
 Apêndice III - Efetivos e localização dos Batalhões Policiais da Força Pública em 1966165
 Apêndice IV - Efetivo da Guarda Civil em 1964..........................................................167
 Apêndice V– Evolução organizativa das unidades da Força Pública, Guarda Civil e Polícia
Militar.............................................................................................................................167 ANEXOS............................................................................................................................170
 Anexo I - Nota do Centro de Comunicação Social da Polícia Militar de São Paulo. 09/04/2014
........................................................................................................................................170
 Anexo II - Decreto estadual nº 47.478, de 30 de Dezembro de 1966............................173
 Anexo III - Solicitação de informações sobre o Estado Maior da PM através da Lei de Acesso à
Informação......................................................................................................................175
 Anexo IV – Evolução Organizacional das Divisões de Policiamento da Guarda Civil 177
14
15
INTRODUÇÃO
Seria tudo isso fruto de nossa vocação para enxergar a população como inimiga? Seria a
ditadura que ainda está em nossa cabeça? A influência da Lei de Segurança Nacional? Ou
ainda nossa compulsão de atirar para matar?!
Em que mundo esses "especialistas" fundamentam suas teorias?
Muito provavelmente a resposta esteja em outro século e em outro continente, nascida da
cabeça de alguém que pregou a difusão de um modelo hegemônico, que se deve construir
espalhando intelectuais em partidos, universidades, meios de comunicação. Em seguida,
minando estruturas básicas e sólidas de formação moral, como família, escola e religião.
Por fim, ruindo estruturas estatais, as instituições democráticas.1
Esse trecho é parte do comunicado enviado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo à
imprensa, em abril de 2014, como resposta à crescente demanda pela sua "desmilitarização". Tal
questão não é recente, mas costuma ressurgir de tempos em tempos no cenário público, em geral
após algum evento de destaque. Nesse caso específico, o estopim foi a atuação violenta da Polícia
Militar na repressão às diversas manifestações de rua que se espalharam pelo país a partir de junho
de 2013. Cenas de policiais atacando manifestantes e jornalistas se espalharam pelas mídias
tradicionais e alternativas, catalisando os protestos e colocando a "desmilitarização" como uma das
suas bandeiras – senão principais – mais recorrentes.2 O seu caráter militar é denunciado como
causador dos abusos e da violência desmedida e identificado unanimemente pelos críticos como um
resquício da ditadura militar.3
1 Nota da Polícia Militar do Estado de São Paulo ao portal de notícias UOL, em 09/04/2014. Ver nota completa no 
Anexo I. As citações a seguir, quando não indicadas, pertencem a este documento.
2 As chamadas "Jornadas de Junho" se iniciaram com protestos convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL) 
contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo, logo se espalhando por todo o país. Ver 
JUDENSNAIDER; LIMA; POMAR; ORTELLADO: 2013 e MARICATO et al.: 2013.
3 Recentemente, se instaurou um debate acerca da terminologia mais adequada para descrever o regime. Alguns 
autores passaram a substituir o tradicional termo "militar" pela expressão "civil-militar", com o intuito contestar a 
memória, instituída a partir da abertura, que colocava a "sociedade" como vítima dos "militares", num binômio 
"oposição/Estado". Tal memória foi estimulada, principalmente, por setores liberais que colaboraram com o golpe e 
o regime, tornando-se, posteriormente, opositores. Além de setores já reconhecidos como colaboradores por parte da
historiografia mais antiga, tais como a Igreja Católica, empresários e a grande imprensa, também passa a ser 
indicada a conivência e o apoio de extensos setores não organizados da sociedade. Não há, todavia, um consenso 
sobre a questão, e nem é necessário, para este trabalho, aprofundar essa discussão. Diante da necessidade de uma 
terminologia, optou-se pela manutenção do adjetivo "militar", em concordância com Martins Filho (2014). Sem 
desconsiderar a colaboração e conivência de largos extratos civis com a ditadura, o autor aponta quatro problemas 
no termo "civil-militar". O primeiro é a homogeneização do mundo civil. Enquanto os militares são definidos como 
aqueles que integram as Forças Armadas, os civis são todo o resto. Assim, falar em colaboração civil (e não em 
classes sociais) implica na identificação entre grupos que tiveram posturas totalmente opostas durante o regime. Em 
segundo lugar, a ideologia militar é fundamental para o regime. Não havia, no Brasil, uma direita civil capaz de 
articular uma visão de mundo tão organizada. Assim, mesmo que líderes civis fossem grandes defensores e 
16
Após figurar quase um ano como uma das grandes vilãs das manifestações públicas e alvo
de críticas por setores progressistas da imprensa, a PM paulista resolveu quebrar o seu tradicional
formalismo lacônico – "todas as irregularidades serão apuradas" – e respondeu à imprensa com um
comunicado argumentativo. O título, "A PM e o Zepelim?", indica o tom do texto. Tal qual a
personagem da música de Chico Buarque, a PM se coloca na posição de mártir injustiçada e
incompreendida, constantemente atacada pela mesma população pela qual se sacrifica. As
recorrentes acusações de que "a Polícia Militar trata parte da população brasileira como potencial
inimigo", "o sistema de segurança pública é o mesmo da ditadura, guiado pela Lei de Segurança
Nacional", e outras mais, seriam obra de parte da imprensa e pretensos "especialistas" – sempre
referidos entre aspas – movidos por desinformação e oportunismo. Citando um conhecido colunista
ultra-conservador, o documento afirma que 2014 é "o ano de satanização dos militares". 
Contra isso, o comunicado tenta legitimar as ações da corporação, apresentando cifras
recentes de seu trabalho, como ocorrências, prisões, apreensões e atendimentos diversos. As
acusações de violência e abuso sistemáticos são rebatidas ressaltando-se o papel da corregedoria em
punir desvios, conforme "códigos rígidos de conduta", o que faria da PM "a instituição que mais
depura seu público interno". Por fim, sem questionar ou defender explicitamente a ditadura, o
comunicado busca afastar dele a Polícia Militar, afirmando as mudanças de procedimento ocorridas
após 1997, quando a PM passou a adotar (ao menos em tese) uma estrutura de polícia comunitária e
métodos de tiro defensivo.4 Em seu trabalho cotidiano, a PM se desviaria, na maioria das vezes, do
posicionamento político, enquanto seus "costumazes detratores", não. São estes, e não a PM, que
seguiriam presos ao passado, agindo sob motivações ideológicas.
O comunicado, porém, trai a si mesmo. Em meio ao conservadorismo e à ironia que
articuladores dos princípios e práticas do regime, a sua origem era fundamentalmente militar. O terceiro problema, 
seria que o termo "civil-militar" ignora a estrutura de poder. Quem gere o Estado e as formas de sucessão são os 
militares e não os civis, não hesitando, inclusive, em intervir quando é conveniente. Por fim, a própria dinâmica do 
regime é pautada, ainda que não exclusivamente, na dinâmica interna das Forças Armadas. As políticas do governo 
se alteram conforme determinado grupo militar assume o poder. Diante de tudo isso, conclui Martins Filho (2014), é
necessário problematizar o termo e as relações entre civis e militares na ditadura. 
4 A partir de 1997 ocorreram uma série de mudanças no treinamento e na organização do policiamento da PM 
paulista, visando diminuir a letalidade e os abusos, como a adoção, ao menos em tese, de um referencial de 
"policiamento comunitário" e do "Método Giraldi de Tiro Defensivo para a Preservação da Vida". Tudo isso é 
mencionado no comunicado. O que não é mencionado, é que tais mudanças foram impulsionadas pelo episódio da 
Favela Naval. Na madrugada de 7 de abril de 1997, policiais militares do 24º BPM/M realizaram uma blitz nesta 
favela em Diadema. Durante a operação, os PMs torturaram e extorquiram civis que passavam pelo local, 
culminando com oassassinato de um homem que se retirava após a sessão de tortura, com um tiro na nuca. Toda a 
ação, contudo, foi filmada por um cinegrafista amador e exibida em horário nobre na televisão. A repercussão foi 
grande, abalando a Polícia Militar. Oito dos nove PMs envolvidos na ação foram expulsos e condenados pela Justiça
comum. Passou-se a discutir mudanças estruturais na corporação, inclusive a sua desmilitarização. O então 
governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB-SP) encaminhou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) 514/97, que estabelecia que as atividades de policiamento passariam a ser, integralmente, responsabilidade da
Polícia Civil, ficando a PM restrita a poucas atividades. A PEC, por fim, não foi aprovada. Porém, tentando reverter 
o quadro de desprestígio, o Comando da PM implementou um processo de reforma, revendo uma série de 
procedimentos, incluindo os descritos acima. (MANSO, 2012: 248)
17
permeiam todo o texto, ecoam elementos justamente daquilo que a PM nega possuir. Observemos,
por exemplo, o trecho que abre esta introdução, onde a PM esboça a suposta estratégia de seus
"detratores". Tais indivíduos, orientados por uma ideia surgida em "outro século e em outro
continente, nascida da cabeça de alguém que pregou a difusão de um modelo hegemônico" travam,
não uma disputa militar e territorial, mas uma disputa por mentes. Inicialmente, infiltram-se em
espaços legítimos (partidos, universidades e meios de comunicação), a partir de onde difundem seus
ideais políticos a camadas amplas da população. Em seguida, expandem seus alvos, minando a
"formação moral" da sociedade (família, escola, religião) até que, por fim por fim, conseguem
atingir as bases estruturais do Estado. 
Mesclada com alguns conceitos mais recentes da direita, tal qual o "marxismo cultural"
(uma espécie de apropriação bastante peculiar do conceito de hegemonia de Gramsci), a descrição
acima mimetiza a dinâmica de um pensamento mais antigo, intrinsecamente ligado às ditaduras
militares latino-americanas, a doutrina da "guerra revolucionária". Gestada pelos militares franceses
a partir da sua experiência na repressão às guerras de libertação nacional na Indochina e na Argélia,
essa doutrina se disseminou pela América Latina, tornando-se componente das Doutrinas de
Segurança Nacional das ditaduras. No jargão militar da época, os "inimigos internos" se
empenhavam, inicialmente, em uma "guerra psicológica", buscando o convencimento da população
e a deslegitimação das instituições. De início, agiriam sem declarar seus objetivos, através de
simples propaganda. Avançariam, então, em etapas, passando por grandes protestos públicos, atos
de "terrorismo" e sabotagem, tomada de regiões rurais, até surgirem como um exército
revolucionário unificado e proundamente enraizado na população.
Como se pretende demonstrar neste trabalho, tal doutrina orientou a reorganização da
estrutura policial entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 70. No plano ideal, o combate ao
inimigo interno deveria mobilizar, de forma coordenada, todos os agentes da repressão, atingindo
todas as esferas da vida social. Pela sua inserção no cotidiano, a polícia tinha um papel específico e
fundamental nesse projeto, devendo ser rearranjada e corretamente doutrinada. No plano real,
contudo, esse projeto esbarra em uma série de conflitos entre os agentes, demandas inesperadas e
tensões da vida política do regime. Ao fim, a ditadura molda uma polícia para o autoritarismo, mas
não da forma desejada. Não obstante passados mais de 30 anos do fim do regime militar, o
comunicado evidencia que, ao contrário do que ele próprio afirma, o passado ditatorial não é "um
espírito confuso, agarrando-se a um corpo jacente", mas algo ainda bastante arraigado na
mentalidade da corporação. Diante de um volume crescente de críticas, vindas de diversos setores
da sociedade, o comando da PM é incapaz de interpretá-las, senão como a ação de "inimigos
internos" a serviço de um processo conspiratório subversivo. 
18
Os críticos da violência policial, sejam acadêmicos, organizações de Direitos Humanos ou
movimentos sociais, identificam, há tempos, a permanência de diversos resquícios da ditadura
militar na PM, dos quais, certamente, os do âmbito meramente discursivo são os menos nocivos.
Abuso de autoridade, prisões arbitrárias, tortura e execuções sumárias, entre outras violações de
direitos básicos, seguem sendo constantemente denunciadas como parte de um legado autoritário,
onde a militarização aparece, justamente, como o fator de manutenção das práticas da ditadura.
No entanto, os vínculos entre a militarização e a violência policial são, por vezes, expressos
de forma vaga e sem relação empírica. Em geral, a "militarização" aparece como sinônimo de
"militarismo", ou seja, um aspecto ideológico – em geral, não muito definido - que seria
responsável por incutir nos policiais militares uma "lógica de guerra", onde os setores divergentes e
marginalizados da população são vistos não como cidadãos portadores de direitos, mas como o
inimigo a ser combatido e destruído. Por sua vez, a condição sine qua non para a perpetuação dessa
ideologia seria o aspecto formal da militarização, ou seja, o fato de que os policiais são regidos por
códigos militares, o que hoje se denomina "investidura militar".5 Assim, a "desmilitarização",
equivalendo à conversão da Polícia Militar em uma corporação civil, aparece como uma medida
fundamental – ainda que não total – para a contenção da violência de Estado.6
Ainda, ao argumento de combate à violência, alguns autores somam o de "eficiência".
Segundo eles, a existência de duas polícias – a Polícia Militar e a Polícia Civil - com atribuições
distintas, dificulta a coordenação das ações, a troca de informações e mobiliza um grande volume
de agentes para cargos burocráticos duplicados, ao invés do trabalho "propriamente" policial. Além
disso, as duas corporações possuem formas de acesso distintas entre o alto e o baixo escalão,
dificultando que policiais experientes ascendam a cargos de chefia. Diante disso, a desmilitarização,
seguida de uma unificação entre PM e Polícia Civil, constituindo uma polícia de "ciclo completo" e
5 Segundo Carvalho, essa é a expressão corrente para designar o status militar da PM desde os anos 80. CARVALHO, 
2011:113.
6 Esses argumentos perpassam, em maior ou menor grau, vários discursos de defensores da desmilitarização. Em um 
período recente, boa parte dessa discussão se deu através da imprensa, demonstrando a relevância que a questão 
atingiu no debate público. Ver, por exemplo, os artigos do professor de direito Túlio Vianna, "Desmilitarizar e 
unificar a polícia" disponível em http://www.revistaforum.com.br/2013/01/09/desmilitarizar-e-unificar-a-policia/ ; 
do Movimento Mães de Maio (formado por mães de vítimas de uma onda de execuções levadas a cabo pela Polícia 
Militar, em São Paulo, no ano de 2006), "Desmilitarizar as polícias: um bom começo", disponível em 
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1528 ; do deputado estadual do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo 
(PSOL/RJ), "É preciso desmilitarizar a polícia? Sim", disponível em 
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/12/1390874-e-preciso-desmilitarizar-a-policia-militar-sim.shtml , entre 
outros. Todos os links foram acessados em 01/02/2016.
É importante ressaltar que o caso do Rio de Janeiro possui uma discussão um tanto distinta. Desde o início dos anos
90, a cidade do Rio de Janeiro vem sendo palco de diversos experimentos de intervenção direta das Forças Armadas 
na segurança pública. A partir de 2008, a instalação das primeiras Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) 
aumentou ainda mais essa aproximação. Dessa maneira, o debate sobre a militarização no Rio de Janeiro lida, 
muitas vezes, com questões ausentes(ou ao menos minoritárias) no resto do país, como a presença direta das Forças 
Armadas, o uso de armamentos pesados e veículos blindados e a prática de ocupação permanente de áreas de favelas
(SOARES: 2000; ALVES, EVANSON: 2013; BRITO, OLIVEIRA: 2013).
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/12/1390874-e-preciso-desmilitarizar-a-policia-militar-sim.shtml
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1528
http://www.revistaforum.com.br/2013/01/09/desmilitarizar-e-unificar-a-policia/
19
"carreira única" – i.e, que unisse os trabalhos ostensivo e investigativo e estruturada com um
caminho único de ascensão hierárquica - aumentaria a eficiência do trabalho policial.
Frequentemente, tanto na questão da violência quanto na de eficiência, invocam-se as polícias dos
Estados Unidos e da Inglaterra como exemplos legitimadores da proposta.7
Várias entidades, nacionais e internacionais reiteraram o pedido pela desmilitarização, que
acabou obtendo ressonância em algumas instâncias do Estado. Ainda em 2012, um relatório do
Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou a desmilitarização e unificação das polícias
visando, principalmente, conter as execuções extra-judiciais.8 No ano seguinte, começou a tramitar,
no Congresso, um projeto sobre a questão.9 Em 2014, a Anistia Internacional, após mais uma série
de mortes em favelas do Rio de Janeiro, publicou uma nota solicitando mudanças estruturais
urgentes na polícia, incluindo a desmilitarização.10 Ainda neste mesmo ano, um conjunto de
movimentos sociais endereçou uma carta à Comissão Nacional da Verdade (CNV), com sugestões
de inclusão como recomendações no seu Relatório Final, entre elas a desmilitarização da polícia.11
O tópico acabou sendo acatado pela Comissão, que também recomendou, entre outras coisas, a
extinção da Justiça Militar Estadual, responsável por julgar crimes de policiais militares em alguns
estados (CNV, 2014: 971, 972).
É evidente, portanto, que a demanda pela desmilitarização é sólida, contando com respaldo
de agentes variados. Diante dos números alarmantes da violência policial, é necessário um cinismo
muito grande para negar que o Brasil possui um problema grave nessa questão.12 Ainda assim, é
7 Por exemplo, o artigo citado na nota anterior de Túlio Vianna e o artigo de Luís Eduardo Soares (2014). Soares, que 
foi subsecretário de segurança no Rio de Janeiro em 1999 e 2000, e Secretário Nacional de Segurança Pública, em 
2003, auxiliou na elaboração da PEC 51/2013, que prevê a desmilitarização da PM e sua unificação com a Polícia 
Civil.
8 HUMAN RIGHTS COUNCIL "A/HRC/WG.6/13/BRA/2 - Compilation prepared by the Office of the High 
Commissioner for Human Rights in accordance with paragraph 5 of the annex to Human Rights Council resolution 
16/21 - Brazil", 22/03/2012, p.6. Disponível em http://daccess-dds-
ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G12/124/65/PDF/G1212465.pdf?OpenElement acessado 5/02/2016.
9 O principal deles é a PEC 51/2013, que prevê a desmilitarização e unificação das polícias, concedendo autonomia 
sobre a sua organização para os Estados. Além dela, também estão trâmitando as PECs 430/2009 e 102/2011, de 
conteúdo semelhante, porém menos elaborado, e não receberam tanta atenção. Em 2014, um deputado ligado à 
Polícia Militar propôs a PEC 431/2014, que institui o ciclo único, sem a desmilitarização e a unificação, o que, na 
prática, concederia à PM o poder de realizar investigações. Esse projeto foi duramente criticados por entidades de 
defesa dos Direitos Humanos. Todos os projetos ainda estão em fase de tramitação.
10 Ver https://anistia.org.br/noticias/mortes-na-favela-pavao-pavaozinho-devem-ser-totalmente-esclarecidas-e-autores-
responsabilizados/ acessado 07/02/2016.
11 A íntegra do documento, com a lista de movimentos que o endossaram, está incluída no artigo "Movimentos 
recomendam temas de interesse social à Comissão da Verdade" disponível em 
http://www.mst.org.br/2014/10/31/movimentos-recomendam-temas-de-interesse-social-a-comissao-da-
verdade.html . Acessado em 09/02/2016.
12 Segundo a ONG Human Rights Watch, entre janeiro de 2003 e setembro de 2009, apenas as polícias do Rio de 
Janeiro e São Paulo assassinaram, respectivamente, 7.611 e 3.399 pessoas, totalizando 11.010 pessoas vítimas, 
muitas das quais com sinais de execução sumária. A quantidade de vítimas letais da violência policial nesses estados
superam em muito, por exemplo, os de mortos por todas as polícias dos EUA no mesmo período (HUMAN 
RIGHTS WATCH, 2009: 22, 34, 35). No ano de 2014, as polícias vitimaram 3.009 pessoas em todo o Brasil, das 
quais 965 somente no Estado de São Paulo (contabilizando também mortes fora do horário de serviço) (FÓRUM 
http://www.mst.org.br/2014/10/31/movimentos-recomendam-temas-de-interesse-social-a-comissao-da-verdade.html
http://www.mst.org.br/2014/10/31/movimentos-recomendam-temas-de-interesse-social-a-comissao-da-verdade.html
https://anistia.org.br/noticias/mortes-na-favela-pavao-pavaozinho-devem-ser-totalmente-esclarecidas-e-autores-responsabilizados/
https://anistia.org.br/noticias/mortes-na-favela-pavao-pavaozinho-devem-ser-totalmente-esclarecidas-e-autores-responsabilizados/
http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G12/124/65/PDF/G1212465.pdf?OpenElement
http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G12/124/65/PDF/G1212465.pdf?OpenElement
20
necessário cautela na análise. A jurista Maria Lúcia Karam lembra que "as críticas à violência do
Estado tendem a se concentrar nos policiais, a linha de frente do sistema penal, muitas vezes
ignorando demais agentes envolvidos como o Ministério Público, o Poder Judiciário, governantes e
legisladores, bem como órgãos da mídia e mesmo a sociedade como um todo" (KARAM, 2015).
Não se trata aqui de "absolver" a Polícia Militar (ou qualquer outra corporação), através de uma
naturalização da violência do Estado, mas sim de compreender que esta é profundamente complexa,
sendo entrecruzada por diversos fatores, muitos dos quais são externos ao próprio Estado, como,
por exemplo, o considerável apoio do qual goza, entre a população, a imagem de uma polícia "dura"
(CALDEIRA, 2000: 135-137). 
Além disso, há uma tendência em se compreender a militarização da polícia como “uma
opção necessária e inevitável e alheia aos processos históricos” (ROSEMBERG, 2015). Forma-se a
imagem de uma continuidade crescente daquilo que, de fato, é marcado por uma série de rupturas e
conflitos, mudanças de projetos, choques de interesses e disputas de poder. Quase como um "pecado
original", a condição militar aparece como uma deturpação da "verdadeira" missão da polícia, de
(supostamente) garantir os direitos do cidadão, convertendo-a numa força de repressão à população,
a serviço das elites. A ditadura militar se encaixa nessa narrativa de maneira paradoxal, criando algo
que já existe. Ao mesmo tempo em que a polícia é vista como violenta e militarizada desde o seu
surgimento, a invenção da ditadura, a Polícia Militar, surge como uma corporação totalmente
distinta (e muito pior).
Não se pretende aqui a negação total dessa narrativa, mas colocá-la em perspectiva histórica,
procurando iluminar os vários pontos obscuros, compreendendo a dinâmica que leva a polícia a agir
de determinada maneira. De início, deve-se abordar dois problemas centrais: a confusão em torno
do conceito de "militarização" e as limitações dos estudos sobre a história da polícia no Brasil, em
especial no período da ditadura militar.
A militarização
O fato do Brasil possuir polícias que são juridicamente militares induz ao erro de se
considerar isso como fator único, suficiente e necessário para a militarização. Porém, observando-se
exemplos de outros países, é possível perceber a elasticidade do conceito. As polícias da Inglaterra e
dos Estados Unidos, tidas como exemplos de corporações civis, já sofreram críticas pela sua
militarização. Na Inglaterra, onde a polícia é considerada uma referênciainternacional no trato com
a população, a crítica ganhou força a partir do recrudescimento da repressão contra os tumultos
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2015). Esses números não incluem um grande volume de mortos por 
milícias e grupos de extermínio compostos por políciais, cuja autoria não foi comprovada.
21
urbanos e greves a partir do fim dos anos 70. O governo Thatcher (1979-1990) introduziu
expedientes que, até então, eram novidade dentro da Inglaterra – apesar de recorrentes nas colônias
e na Irlanda do Norte - como o uso de novas unidades de polícia de choque e bombas de gás
lacrimogêneo. Investigações posteriores indicaram o uso de manuais secretos de forte inspiração
militar na repressão à greve dos mineiros de 1984 e 1985, o que valeu, até mesmo, críticas contra a
aplicação de "táticas de Estado Policial" (REINER, 2004: 109-111). 
Nos Estados Unidos, a crítica à militarização vem, pelo menos, desde os anos 60, com a
criação e difusão das equipes SWAT - grupos de elite, com armamento pesado - para reprimir as
crescentes revoltas urbanas e os diversos grupos armados que surgiam (BALKO, 2014: 133).
Muitos desses eventos, é importante pontuar, tinham raízes na discriminação racial dos negros,
como as revoltas de Watts, em Los Angeles, ou os Panteras Negras. Essa crítica ganhou força
novamente após os ataques de 11 de Setembro de 2001, quando a polícía intensificou o uso de
tecnologias de vigilânica e armamentos oriundos das Forças Armadas, e, mais recentemente, pelo
forte aparato mobilizado para reprimir a mais recente onda de protestos das populações negras, que
eram justamente contra a violência policia (GRAHAM, 2011). Nos dois casos, são países que não
possuem polícias com investidura militar.
Em um texto de 1921, Walter Benjamin define o "militarismo" como "a imposição do
emprego universal da violência como meio para os fins do Estado". Nessa acepção mais geral, o
caráter militar é avesso à conciliação e ao diálogo, impondo uma solução necessariamente violenta
para os conflitos sociais, com o objetivo de "manutenção do direito" e do poder do Estado, ou, em
outras palavras, a "cristalização da dominação" (BENJAMIN, 2011: 131-132).
Tomada como tendência, tal definição facilmente se aplica às polícias brasileiras. Contudo,
quando se tenta uma análise mais específica da "militarização da polícia" percebe-se a carência de
uma definição consensual. Considerando isso, serão abordados aqui alguns autores cuja
contribuição para a discussão da militarização pode oferecer ferramentas para o caso brasileiro.
Alguns autores, esforçaram-se em dividir a "militarização" em "dimensões" da sua possível
manifestação.
O antropólogo Pete Kraska (2007) define "militarismo" como uma ideologia orientada à
resolução de problemas, através do uso da força e ameaça de violência. A "militarização" seria,
então, a aplicação do "militarismo" à uma organização ou situação. Na polícia, a militarização
poderia se manifestar em quatro dimensões. A primeira, a dimensão cultural, corresponde às
manifestações na linguagem e na aparência das polícias, de maneira a assemelhar-se às Forças
Armadas. A dimensão organizacional, se refere a existência de arranjos militares, tais como centros
de comando e controle ou esquadrões de elite padronizados. A dimensão operacional corresponde à
22
utilização de padrões de atividade modelados a partir dos militares, como em áreas de inteligência,
supervisão e situações de alto-risco. Por fim, a última dimensão seria relativa aos materiais,
correspondendo à utilização de tecnologia militar.
Em um diálogo direto com Kraska, o sociólogo Paul Hathazy (2013), ao estudar as polícias
argentinas, propõe dimensões que, segundo ele, seriam mais concretas. A primeira delas seria a
dimensão jurisdicional, ou seja, se a segurança interna está sob controle de policiais ou das Forças
Armadas. 
A segunda dimensão seria a orgânica, que corresponde ao formato da distribuição de poder
nas polícias. Hathazy, seguindo a tipologia de Clive Emsley (1999), afirma que as polícias podem
ser divididas em três tipos ideais, conforme a distribuição do poder com relação às autoridades:
estatais civis, municipais civis e estatais militares. As primeiras são subordinadas ao poder central,
porém, possuindo uma orientação ao policiamento civil (a Polícia Metropolitana de Londres, por
exemplo); o segundo tipo, são polícias sob controle majoritariamente local (como as polícias dos
condados britânicas, ou as guardas municipais do Brasil); por fim, as estatais militares seriam
subordinadas ao poder central e "equipadas como soldados" e aquarteladas (como a gendarmerie
francesa).13 
Em seguida, vem a dimensão burocrática, que engloba as definições de Kraska dos âmbitos
cultural, organizacional e operacional, sendo compreendidas como profundamente entrelaçadas.
Grosso modo, refere-se ao funcionamento prático da polícia. Por fim, a dimensão discursiva
abrange o uso de um vocabulário e uma simbologia bélicos por parte das autoridades e da imprensa
para se referir às atribuições policiais sobre a população.
Essa abordagem traz consigo o risco de uma interpretação excessivamente fragmentada da
polícia. Na dinâmica da vida social, as fronteiras entre essas dimensões são pouco claras e
interagem entre si. O aspecto burocrático, em especial, fica demasiadamente preso às
especificações formais e oficiais, ignorando o espaço de autonomia dos agentes e a manutenção de
práticas internas à revelia dos comandos. Mesmo assim, o trabalho de Hathazy é importante ao
demonstrar empiricamente como uma polícia de jurisdição civil – no caso, a da província de
Córdoba, na Argentina – passou por um processo de militarização sem alteração de seus aspectos
legais. A partir de 2000, setores conservadores do peronismo assumiram o governo da província,
promovendo uma reestruturação dos cargos de comando, discursos e práticas da corporação
13 Importante ressaltar, como os próprios autores fazem, que esses são tipos ideais. Quando se observam os casos 
particulares, as distinções tendem a ter fronteiras pouco claras. As polícias militares do Brasil, por exemplo, não se 
encaixam em nenhum tipo específico. São subordinadas a poderes estaduais - intermediários entre os níveis federal e
municipal – e, apesar de equipadas como soldados, se orientam ao policiamento municipal, não permanecendo, em 
sua maioria, aquarteladas. No Brasil, o mais próximo de uma polícia estatal militar seria, talvez, a Força Nacional de
Segurança Pública, criada em 2004 e subordinada ao Ministério da Justiça.
23
policial. A Polícia de Córdoba teve suas unidades de choque fortalecidas e ganhou novas rondas
especiais, passando a implementar operações de cerco e de saturação em áreas pobres da capital da
província, resultando em um crescimento exponencial no número de detidos (HATHAZY, 2013;
LLANO EN LLAMAS, 2014).
Stephen Graham (2011) aborda a militarização das polícias como parte do "novo militarismo
urbano". Na sua perspectiva, o avanço de uma globalização desigual vem transformando o espaço
das cidades. Cada vez mais, os conflitos deixam de se dar nos fronts e migram para o interior do
espaço urbano. As respostas do Estado às ameaças do "terror" e do crime cotidiano se tornam
gradativamente mais semelhantes e intercambiáveis, fazendo girar toda uma indústria bélica.
Ocorre, então, um processo que o autor denomina como "bumerangue de Foucault". O termo se
origina de uma reflexão feita por Michel Foucault em uma de suas aulas no Collège de France,
onde o filósofo entende a colonização como um processo de mão dupla, onde diversas técnicas de
produção e de controle aplicadas nas colônias voltam, de maneira modificada, para própria Europa,
como uma espécie de "colonialismo interno"14. Graham traz essareflexão para o período
contemporâneo, mostrando como técnicas de guerra usadas, por exemplo, na Palestina e no Iraque,
são assimiladas pelas forças de segurança do norte global.15 Equipamentos de identificação e
vigilânica, armamentos "não-letais", drones, veículos blindados e outras tecnologias, em geral,
comercializadas pelas mesmas grandes companhias privadas que abastecem os exércitos, tornam-se
parte do equipamento cotidiano da polícia. Se instaura uma "guerra de baixa intensidade" dentro do
espaço urbano, onde a figura do inimigo é generalizada para diversos grupos sociais (GRAHAM,
2011: xvi-xxi; 2012). A análise de Graham volta-se, sobretudo, para a Europa e os Estados durante a
primeira década do Século XXI. No entanto, a ditadura brasileira, como se pretende demonstrar,
passou por um processo análogo de importação de técnicas militares de repressão estrangeiras.
Por fim, as reflexões de André Rosemberg sobre o militarismo na polícia paulista são
extremamente relevantes. Segundo o autor, o militarismo não deve ser tomado enquanto
característica estática, mas deve ser contextualizado historicamente. No Brasil, apesar da polícia
possuir um caráter militar desde a sua criação, este varia conforme as contingências e articulações
dos agentes envolvidos. Em primeiro lugar, não se pode subestimar as suas limitações materiais. Em
14 O texto referido de Foucault é Em defesa da sociedade (apud GRAHAM, 2012).
15 As noções de Norte e Sul Globais, utilizadas por Graham, se originam na Conferência África-Ásia de Bandung, 
Indonésia. Realizada em 1955, ela reuniu 29 países da África e Ásia (incluindo o Oriente Médio) para discutir o 
colonialismo e a cooperação econômica e cultural. Sua carta de príncípios serviu de base para o Movimento dos 
Não-Alinhados, fundado em 1961. Posteriormente, o termo foi apropriado pelos estudos pós-coloniais como uma 
forma de descrever as relações entre os países no mundo Pós-Guerra Fria. Com a queda do bloco soviético, a divisão
entre Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos deixa de ter sentido. O Sul Global surge então para designar os países 
que eram identificados como do Terceiro Mundo, enquanto o Norte corresponderia ao resto. Essa divisão não é 
meramente geográfica, mas também ideológica, constituindo "uma aspiração e uma agenda" de colaboração entre os
países do Sul (GROVOGUI, 2010). 
24
especial durante o Império, a polícia possuía sérias restrições para implementar uma disciplina e
treinamento militares adequados, sofrendo com a deficiência de itens básicos, como armamentos e
cursos de formação, tendo dificuldade, até mesmo, para atingir o efetivo estipulado. Durante a
Primeira República, uma missão de oficiais do Exército francês foi encarregada de reorganizar e
treinar a polícia, com a intenção de convertê-la numa guarda pretoriana, moldada nas mais
modernas técnicas militares. No entanto, mesmo esse objetivo não foi totalmente bem sucedido,
enfrentando resistência de policiais mais antigos, e ainda coexistindo com os tradicionais abusos de
autoridade e indisciplina. Dessa maneira, a penetração do ethos militar sempre foi ambígua. A
situação paradoxal de constituir-se um "pequeno exército", sem que houvesse nenhum inimigo a
combater (com exceção de episódios de greve e insurreições), fazia com que a opção marcial nem
sempre fosse a escolhida. Apesar da maior parte da historiografia reforçar o caráter extremamente
repressivo do controle social operado pela Força Pública, é preciso não exagerar a eficácia do
doutrinamento e das formas de controle internos da corporação. Diante das necessidades do trabalho
cotidiano, onde os policiais deviam se confrontar com as mais variadas situações, era necessário
apelar para diversas estratégias de negociações e acertos, aproveitando-se, muitas vezes, de seus
status para obter vantagens econômicas. Para o autor, portanto, não se pode tributar a violência
policial necessariamente ao ethos militar, devendo-se levar em conta, primeiramente, o contexto
histórico onde a polícia está inserida (ROSEMBERG, 2015).
A História da Polícia
A polícia, enquanto objeto de estudo, é algo relativamente recente. Até os anos 60, a
produção sobre o assunto se restringia, basicamente, a historiografias de caráter oficial e memórias,
escritas por antigos policiais. Segundo Marcos Bretas, havia, na academia, uma perspectiva
fortemente marcada por uma "naturalização" da polícia. Considerada como integrante de uma parte
"administrativa" do Estado e independente da dinâmica política, a polícia estaria sujeita apenas a
uma evolução organizativa linear e racional, indigna de constituir um assunto em si mesma. Por sua
vez, na historiografia crítica, a "naturalização" aparecia de maneira diferente. As poucas referências
à polícia, quando existem, colocam-na como “apêndice da história das classes populares”. Nessa
perspectiva, a polícia surge durante greves e revoltas para fazer o que se espera que ela faça - ou
seja, a imposição violenta das leis de um Estado de classes - para, em seguida, recolher-se aos
quartéis e delegacias a espera de uma nova manifestação dos trabalhadores (BRETAS, 1997: 19-
22). A partir da década de 60, quando os choques entre policiais e manifestantes se tornaram cada
vez mais frequentes, a polícia ficou em evidência, atraindo a atenção de pesquisadores da Europa e
25
dos Estados Unidos, fazendo surgir a "sociologia da polícia" (BRETAS; ROSEMBERG;
ROSEMBERG, 2013). 
No Brasil, o debate chegou mais tardiamente, na passagem entre as décadas de 70 e 80.16 O
país vive, então, um período de abertura política, com a suspensão do AI-5, a promulgação da Lei
de Anistia, o retorno ao pluripartidarismo e o desmonte gradual dos órgãos ligados à repressão
política. É um período também marcado pelo crescimento da percepção da violência urbana. A "fala
do crime", definida por Teresa Caldeira como o hábito repetitivo de se entabular conversas, piadas e
comentários que tem o crime e o medo como objeto, ajuda a difundir a percepção de uma onda de
violência urbana em ascensão (CALDEIRA, 2000: 27).17 Paradoxalmente, enquanto se vive um
clima de relaxamento da repressão política, há um aumento da violência policial contra o "crime
comum" (PINHEIRO, 1982, 1984; BENEVIDES, 1983; FERNANDES, 1989). 
É nesse contexto que surgem os primeiros trabalhos sobre a polícia. Estes podem ser
divididos em dois caminhos: os que buscaram se focar no presente e na história mais imediata, e
aqueles que se voltaram para o período de consolidação do Estado.
Entre os que se voltaram para a urgência do presente, contam vários jornalistas, que
buscaram denunciar a violência das forças de repressão. Merece destaque o importante trabalho do
jornalista Antonio Carlos Fon (1979), sobre a Operação Bandeirantes e o DOI-CODI. Preso pela
Operação Bandeirantes em 1969, o jornalista ficou quase dois meses sob custódia da polícia, sendo
vítima de torturas. A importância do seu livro reside em ser um dos primeiros a analisar a violência
do regime não como fruto de "exceções" de alguns agentes desviantes, mas como parte do projeto
de repressão política e, portanto, com conivência do alto escalão.18
Cientistas sociais também passaram a se interessar mais pela questão, dando início a todo
um campo de estudos sobre violência urbana que floresceria nos anos seguintes.19 Paulo Sérgio
16 Uma exceção é o trabalho pioneiro de Heloísa Fernandes, Política e Segurança Pública. Publicado em 1973, ele 
aborda as forças repressivas de São Paulo desde o Império até o fim da Primeira República. A abordagem é 
orientada por um marxismo bastante ortodoxo, característico da época. A polícia é referida como “superestrutura”, 
sendo que “a análise desta instituição específica (Polícia Militar) deveria ser referida às relações de produção que 
devem ser asseguradas (reproduzidas) peloaparelho repressivo do Estado” (FERNANDES, 1973: 18). O pequeno 
livro do jurista Dalmo Dallari, O Pequeno Exército Paulista, publicado em 1977, também antecede a onda de 
estudos que viria poucos anos depois. Dallari se concentra no uso da polícia como instrumento de poder político 
pelas elites estaduais, desde o surgimento do primeiro corpo de policiamento, em 1831, até a criação da Polícia 
Militar, em 1970. Apesar do pioneirismo (ou, talvez, devido a ele) nenhum dos dois livros chamou muita atenção à 
época de sua publicação (BRETAS, ROSEMBERG, 2013: 164).
17 O quanto essa percepção corresponde à realidade é alvo de discussões. Há poucos dados quantitativos disponíveis 
para o período, sendo, em geral, de baixa confiabilidade. Considerando isso, Bruno Paes Manso faz uma análise dos 
índices de homicídios, com base nos dados disponíveis no Banco de Dados do SUS, identificando um acentuado 
crescimento na curva de homicídios na Grande São Paulo a partir de 1975, chegando à 59,4 por 100 mil habitantes 
em 1990 (MANSO, 2012: 75).
18 Para uma análise sobre o livro, ver MAUÉS, 2009.
19 Para um balanço do desenvolvimento dos estudos sobre violência nas ciências sociais ver ALVAREZ; SALLA; 
SOUZA, 2004.
26
Pinheiro escreveu uma série de importantes artigos sobre a polícia paulista, dentre os quais tem
relevância fundamental aquele intitulado Polícia e Crise Política: o caso das polícias militares
(PINHEIRO, 1982).20 Este artigo permaneceu, durante muito tempo, como a única análise
acadêmica da formação da Polícia Militar durante a ditadura.21 A sua tese é de que a crise política
instaurada a partir do “golpe da junta militar em 1969” implicou numa reorientação da prática
policial. Tal crise, resultado da disputa de poder entre os diferentes setores das classes dominantes e
dos setores do aparelho de Estado, culminou no predomínio da concepção de que o poder deveria
ser mantido principalmente pela coerção física. A partir daí, a polícia é autorizada e estimulada a
aplicar, contra o crime comum, as técnicas utilizadas na repressão à luta armada. O salto da
violência letal seria, portanto, a institucionalização das práticas de vigilantismo, aplicadas antes de
maneira ilegal.
No entanto, apesar de largamente aceita por outros autores (HUGGINS, 1998;
ZAVERUSCHA, 2010; MANSO, 2012; NAPOLITANO, 2014), essa tese, possui um ponto fraco. A
afirmação de que a polícia passou por uma grande mudança nas suas práticas, após 1969, implica
numa comparação com o período imediatamente anterior. Porém, como o campo de estudos sobre a
polícia ainda dava seus primeiros passos, não havia nenhum estudo aprofundado desse período.
Soma-se a isso, a impossibilidade de acesso a fontes e mesmo dados oficiais sistematizados.22 Se era
inegável que a polícia se tornara mais violenta, a análise das formas como a mudança se deu
dependia, em grande parte, mais de deduções do que de análises empíricas.
Contudo, o trabalho mais conhecido sobre a Polícia Militar durante a ditadura não é um
produto da academia. É o livro-reportagem ROTA 66: a história da polícia que mata, do jornalista
Caco Barcellos (1992). Neste livro, o autor analisa a atuação da PM detendo-se especialmente nas
Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), grupo de elite da Polícia Militar. O seu ponto de
partida é o caso que dá nome ao livro, quando policiais da viatura 66 da ROTA perseguiram e
executaram com tiros de metralhadora três jovens nos Jardins, um conjunto de bairros da elite
paulistana, em 1975. O "incomum" desse episódio foi o fato de que as vítimas dessa vez pertenciam
20 Outros relevantes do mesmo autor são PINHEIRO, 1979, 1981; PINHEIRO; SADER, 1983. Existe ainda uma 
coletânea de artigos escritos para a Folha de S. Paulo entre 1981 e 1983, intitulada Escritos Indignados: polícia, 
prisões e políticas no Estado Autoritário (No 20º aniversário do Regime de Exceção, 1964-1984). Como o título 
indica, os artigos tratam de diversos temas ligados à repressão nos últimos anos da ditadura, inclusive a polícia. No 
entanto, tratando-se de artigos de jornal, não fazem nenhuma discussão mais aprofundada e focam-se, na maioria 
das vezes, em casos específicos do momento (PINHEIRO, 1984).
21 Existe ainda, nesse período, uma vasta produção de livros de jornalistas policiais. Muitas vezes, constituem o único 
registro publicado de diversos episódios de violência policial, tendo um importante potencial enquanto fonte. Não 
obstante, são, em geral, publicações curtas, de editoras já extintas, que acabam não recebendo muita (ou mesmo 
nenhuma) atenção dos pesquisadores. Ver, por exemplo, SOUZA, 1981; SOUZA, 1980; SOUZA, FAERMAN, 
PORTELA, 1978; CHINEM, LOPES, 1980; BARBOSA, 1983.
22 Segundo Cristina Neme, a coleta sistemática de dados sobre violência policial se iniciou apenas na década de 1980 
(NEME, 1999: 11, nota 6).
27
a famílias de classe média alta e não aos grupos marginalizados que eram os alvos comuns desse
tipo de ação. O caso ganhou grande repercussão na imprensa e, através dele, foi possível evidenciar
as práticas de extermínio e fraude praticados pela ROTA. Ficou explícito também o conflito de
jurisdição sobre os policiais militares. Até então, não estava claro se os crimes cometidos por eles
em serviço seriam da alçada da Justiça Comum ou da Justiça Militar. O caso correu por quatro anos
em meio a essa ambiguidade, até que uma medida autoritária do Governo Geisel definiu que os
crimes de PMs ficariam a cargo exclusivo da extremamente corporativa Justiça Militar, que
terminou por absolver os policiais. A partir desse episódio, o autor segue uma investigação
mapeando os homicídios cometidos pela PM, a partir de um banco de dados de jornais
sensacionalistas. A sua narrativa converge com a tese de Pinheiro, de que a ROTA seria um
“esquadrão da morte oficial” (BARCELLOS, 1992: 119). O trabalho, diversas vezes, apresenta
problemas com relação à citação de fontes, bem como se utiliza de um recurso estilístico próprio do
jornalismo literário, inserindo uma narrativa romanceada nos eventos, confundindo o que foi
efetivamente observado em documentação ou entrevistas e o que se trata de pura suposição. Além
disso, a resenha de R.S. Rose aponta que houve equívocos numéricos no manejo do banco de dados
(BARCELLOS, 1996). Não obstante, constitui um trabalho importante e também, por muito tempo,
um dos únicos.
O outro caminho seguido pelos estudos sobre a polícia foi traçado pela historiografia. A
visão da polícia enquanto um mero instrumento administrativo foi superada a partir de
questionamentos vindos de diferentes tradições teóricas. As influências de Michel Foucault e E.P.
Thompson, em que pesem suas divergências, ajudaram a jogar o foco da atenção para as práticas de
dominação e experiências cotidianas. Os primeiros estudos se concentraram no Império e a Primeira
República, que se constituem, até hoje, os períodos mais sólidos dessa produção.23
A polícia deixa de ser compreendida como um mero instrumento de dominação das classes
dominantes, passando a ser, em si, um agente dos conflitos sociais. Recorrendo mais uma vez a
Walter Benjamin, o infâme da polícia é congregar, ao mesmo tempo, a violência que instaura o
direito e a violência que o mantém (BENJAMIN, 2011: 135). Ela o mantém na medida em que é o
próprio agente responsável por garantir, por meio da violência, o cumprimento das leis. E o
instaura, pois é ela que age nas incontáveis áreas onde não há uma situação clara de direito.
Conforme dito acima, no cotidiano de seu trabalho, os policiais, em sua maior parte do baixo
escalão, se deparam com uma série de situações que demandam decisões rápidas. Muitas delas
fogem do dualismo dominação/resistência, envolvendo negociações, mediações e outras interações
diversas (ROSEMBERG, 2010: 24). No lugar de greves e insurreições, a questãoda autonomia dos
23 Para um balanço mais extenso da historiografia sobre a polícia no Brasil ver BRETAS, ROSEMBERG, 2013.
28
policiais e a rotina, muitas vezes tediosa, do trabalho cotidiano se fazem bastante presentes. Uma
característica dessa historiografia é a reiteração da falibilidade da instituição. Seja pela precariedade
material ou pela indisciplina de seus componentes, o projeto imposto de modernização é um
fracasso (ROSEMBERG, 2010: 37; BRETAS, ROSEMBERG, 2013: 168).
Sendo um campo bastante recente, muitas questões ainda permanecem em aberto. Segundo
Bretas e Rosemberg, as abordagens sobre a polícia parecem seguir duas tensões; 
por um lado, entre uma história da dominação em que a polícia é instrumento e uma
história onde o exercício da dominação pela e na polícia se apresenta como um problema;
por outro, entre uma história da polícia onde as questões que realmente interessam estão
fora dela e uma história mais diretamente ligada à vida policial (BRETAS, ROSEMBERG:
2013)
Assim, é preciso desvendar até que ponto a ação da polícia faz parte de um projeto
centralizado, e até onde é resultado da autonomia dos responsáveis diretos, isto é, os policiais que
executam o policiamento. Ao mesmo tempo em que a polícia é uma instituição extremamente
hierarquizada, os policiais dispõe, de fato, de grande autonomia no seu trabalho cotidiano. Esses
dois pólos devem ser articulados para não incorrer no risco de tratar as violências praticadas como
desvios individuais (ao gosto do discurso oficial), nem como a política de um Estado demiurgo que
tudo pode. 
Essa historiografia reflete sobre uma questão que se mantém desde os primeiros trabalhos
nos anos 60: afinal, o que faz a polícia? 
A "sociologia da polícia" tentou formular diversas "teorias da polícia" (ROSEMBERG,
LIMA, 2011). Estas, no entanto, pecam por serem demasiadamente essencialistas. É dificil definir o
que a polícia é ou faz. A gama de funções por ela executada não se restringe apenas aquelas de
caráter repressivo. Conforme o lugar e o período histórico, a polícia é responsável por tarefas
diversas, como a ordenação do trânsito, emissão de documentos de identificação, alvarás, serviços
de assistência social e auxílios diversos a outros órgãos públicos. Mesmo as tarefas repressivas
possuem caráter variável, podendo ser tanto a simples guarda de um prédio público até ações de
enfrentamente de tropas de choque e unidade de elite com armamentos pesados. A própria mudança
do contexto social implica em grandes diferenças. Dificilmente se pode encontrar similitudes muito
claras entre as práticas do Corpo de Policiamento Permanente de 1831, patrulhando um mundo
majoritariamente rural e escravocrata, e a Polícia Militar dos dias de hoje, agindo nas ruas de uma
metrópole da periferia do capitalismo.
29
No esforço de uma definição, faz mais sentido se falar em uma "condição policial".
Conforme Monjardet (2003: 194), esta é um destino social imposto, uma reação a elementos
externos. Não estando ligada a uma situação específica de trabalho, visto que este é muito diverso, a
condição policial não funda uma identidade, mas uma diferença e, consequentemente, uma
solidariedade. Os policiais não se consideram iguais entre si, mas sim diferentes dos de fora. Estes,
os civis, são vistos sempre potencialmente propensos a atacar a polícia, seja no âmbito discursivo
ou até mesmo fisicamente. Daí a necessidade de uma desconfiança permanente e uma proteção
interna contra críticas, tendendo ao isolacionismo. Pode-se questionar se tal dimensão é aplicável
e/ou suficiente para todas as polícias, em diferentes contextos sociais e históricos. No entanto, a
ideia de uma definição pela negação parece se aplicar bem, ao menos ao caso brasileiro. Na PM
paulista, um antigo ditado, "paisano é bom, mas tem muito", referindo-se aos civis, indica
claramente como o isolacionismo pode ser reforçado pela investidura militar. (SOUZA, 2013: 38)
Se a produção sobre o Império e a Primeira República estão bem desenvolvidas, o mesmo
não se pode dizer dos períodos posteriores. A partir da década de 1930, em grande parte, pela
escassez de fontes, o volume de trabalhos se torna muito menor e toma um caráter distinto. A
profusão de ditaduras - o Estado Novo (1937-1945) e a Ditadura Militar (1964-1985) – orienta os
trabalhos na direção de um diálogo muito maior com as polícias políticas. Sobre o Estado Novo, o
trabalho mais importante, sem dúvida, é o de Elizabeth Cancelli (1994), que aborda o papel do
DOPS no projeto totalitário de Vargas. Sobre o período democrático entre 1945 e 1964,
praticamente o único trabalho de grande fôlego é o de Thaís Battibugli (2010). A autora analisa a
estrutura da polícia paulista e o seu papel em ter que lidar com uma inédita ordem democrática. A
partir do golpe, há uma produção extensa sobre os órgãos de repressão e espionagem políticos.24 Por
outro lado, a polícia comum é quase um "não-lugar" nesse período, figurando apenas de forma
marginal no debate.
As Fontes
Talvez o principal fator dessa desproporcionalidade na concentração dos períodos da
historiografia seja a escassez de fontes. A documentação do fundo "Polícia" disponível no Arquivo
Público do Estado de São Paulo (APESP), encerra-se na década de 20. Dessa maneira, não existe
disponível material com registros do cotidiano, análogo ao utilizado, por exemplo, por Marcos
Bretas (1997) ou André Rosemberg (2010). O único fundo, disponível no APESP, que toca o
24 Para um balanço, ver FICO, 2004. Posteriormente surgiram vários trabalhos importantes, com destaque para 
JOFFILY, 2013.
30
período da ditadura militar é o fundo DEOPS.25
Como parte da Polícia Civil, o fundo DEOPS constitui uma fonte indireta para se obter
acesso à Polícia Militar. O acervo é bastante extenso, acompanhando diversos grupos ao longo dos
seus quase 60 anos de existência. Ali, os policiais militares são personagens recorrentes, seja como
auxiliares no trabalhos, rivais e até mesmo como alvos de investigação.
Esse fundo apresenta uma documentação variada, desde relatórios até compilações de
jornais. O fundo procurou manter a estrutura original do acervo, se dividindo em quatro séries: 1)
prontuários 2) Delegacia Especializada de Ordem Social; 3) Delegacia Especializada de Ordem
Política; 4) Arquivo Geral. Os prontuários referem-se a pessoas investigadas pelo DEOPS. Nas
séries das duas Delegacias Especializadas constam Dossiês Temáticos, compostos basicamente por
recortes de jornal, havendo também alguns relatórios de investigação. Por fim, a série do Arquivo
Geral possui documentação de todos os setores do DEOPS, distribuídos em dossiês temáticos,
identificados por códigos alfanuméricos. Esses dossiês possuem um conteúdo mais variado que os
dossiês das Delegacias Especializadas, com relatórios, inquéritos, correspondências, informes e
recortes de jornal (CORREA, 2008).
Ele é o que mais se assemelha com a analogia feita aos arquivos policiais enquanto "lixeiras
da história". São arquivos, muitas vezes, de conteúdo assimétrico e aleatório, unidos por uma
abrangente conceituação temática e vagamente organizados em ordem cronológica. Além disso, eles
dizem muito mais sobre as instituições que os produziram do que sobre os objetos aos quais se
referem. O seu conteúdo é fortemente marcado pelos preconceitos dos agentes e pelos vícios e
falhas do funcionamento da corporação. Assim, é preciso atenção redobrada para não tomar a
versão pelo fato (ROSEMBERG, SOUZA, 2009: 170). Por fim, é preciso ter em mente que a
história do próprio fundo impingiu marcas na sua configuração. Diferentes dos acervos "comuns"
da Polícia Civil, que perdem rapidamente a sua importância aos olhos daqueles que os produziram,
ficando jogados às traças por váriasdelegacias, o DEOPS teve um papel central para o Estado,
durante a ditadura. Assim, em 4 de março de 1983, 11 dias antes da posse de Franco Montoro, como
primeiro governador eleito por voto direto em 17 anos, José Maria Marin, seu antecessor, extinguiu
o DEOPS e colocou seu acervo sob guarda da Polícia Federal. A documentação só seria transferida
para o APESP em 1991. Assim, não é possível saber se as várias lacunas sequenciais que existem
são fruto de descuido ou um apagamento deliberado enquanto o acervo foi mantido com a Polícia
Federal.
25 O Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) passou por uma re-estruturação em 1975 (Decreto 6.836, de 30 
de setembro de 1975), passando a denominar-se Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), 
denominação que persistiu até sua extinção em 1983. O fundo do Arquivo do Estado que reúne a sua documentação 
intitula-se “Fundo DEOPS”, assim, para se referir a essa documentação como um todo, será utilizada esta 
denominação.
31
O outro fundo consultado foi aquele disponível no Museu de Polícia. Pouco conhecido dos
pesquisadores, o Museu não é sequer propriamente um arquivo. Sob responsabilidade da Polícia
Militar, ele expõe a precariedade e descaso quanto à documentação policial. Localizado em um
antigo quartel, o Museu não possui as mínimas condições técnicas para o armazenamento do seu
material. Ao longo da pesquisa, que se estendeu sazonalmente entre 2011 e 2014, o prédio chegou a
ficar interditado por vários meses devido ao risco de desabamento. Ressalvando o empenho e
dedicação dos funcionários, todos policiais militares, há uma carência evidente de recursos e de
pessoal, principalmente com conhecimento de arquivística. O acervo não conta nem mesmo com
um catálogo, sendo necessário recorrer constantemente aos conhecimentos individuais de alguns
funcionários, o que, evidentemente, tolhe bastante a liberdade de pesquisa.
Feitas essas considerações, é importante afirmar que se trata de um acervo rico e bastante
inexplorado. A documentação disponível é basicamente produzida pela cúpula da Polícia Militar,
sendo composta majoritariamente de boletins, manuais e relatórios. A linguagem hermética,
repetitiva e repleta de siglas, própria de uma burocracia militar, constitui uma barreira considerável
a ser superada. A partir dessa documentação, é possível acompanhar as evoluções institucionais,
mudanças de orientação, diretrizes, sindicâncias, notas do comando, entre outras coisas.
Compõe o acervo ainda, a obra de Waldyr Rodrigues de Moraes. Moraes foi um estudioso
que, através de pesquisas no acervo do Museu de Polícia, escreveu, provavelmente, a maior
"história geral" da polícia paulista, além de organizar diversos dados sobre efetivos, comandantes de
batalhões, entre outros. Seu livro Milícia Paulista: sua história, concluído em 1998, jamais foi
publicado por uma editora, havendo exemplares impressos e encadernados por conta própria no
Museu de Polícia. A obra de Rodrigues de Moraes é muito emblemática do descompasso entre o
conhecimento que se tem sobre a polícia dentro e fora dos quartéis. Enquanto é considerada hoje,
pelos policiais militares, uma das mais completas obras escritas sobre a história da polícia, tal obra é
praticamente desconhecida fora dos muros dos quartéis.26 O trabalho de Moraes se insere na
tradição da historiográfica oficial da Policia Militar, articulada em torno de grandes comandantes,
mostrando apenas a evolução organizacional. Mesmo assim, é um trabalho de grande valor pela
rigorosa compilação de dados, contendo legislação, efetivos e comandantes das mais diversas
unidades da polícia paulista.
No percurso da pesquisa, foi publicado o Relatório final da Comissão Nacional da Verdade
(CNV), no fim de 2014. A CNV teve acesso a uma documentação ainda mantida sob sigilo, o que
enriqueceu a discussão sobre a ditadura. No seu rastro, foram também publicados os relatórios das
26 A afirmação da importância de Waldyr de Moraes para os PMs se deve a conversas com vários oficiais e praças no 
quartel onde se localiza o Museu, podendo, portanto, estar bastante enviesada.
32
várias comissões auxiliares. Para este trabalho, foi muito importante o relatório da Comissão da
Verdade do Estado de São Paulo "Rubens Paiva". A cargo da Assembléia Legislativa do Estado de
São Paulo, essa comissão pautou grande parte de seu trabalho em depoimentos, cujas transcrições
foram disponibilizadas na íntegra.27
Como última observação sobre as fontes, cabe um comentário sobre as barreiras impostas
pelo Estado. Em 16 de maio de 2012, entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527,
sancionada em novembro de 2011, que regulamenta o acesso à documentação produzida pelo o
Estado. De acordo com seu texto, qualquer cidadão tem direito garantido ao acesso à qualquer
documento não classificado, sendo os órgãos públicos obrigados a criar mecanismos que
facilitassem esse acesso. Por meio da lei, foi possível obter algumas informações, em geral de
caráter mais quantitativo. No entanto, quando foi feita a solicitação dos assentamentos individuais
de PMs apontados pela CNV como integrantes do DOI-CODI, a resposta foi negativa.
Assentamentos individuais são os registros das unidades onde um policial foi alocado ao longo da
carreira. A negativa veio na forma do Decreto estadual nº 58.052, de 16 de meio de 2012. Publicado
no mesmo dia em que a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor, ele confere poderes aos
Secretários das pastas estaduais, ao Delegado Geral da Polícia Civil e ao Comandante da Polícia
Militar, de decretarem sigilo sobre a documentação produzida por seus órgãos. Na prática, para o
que interessa aqui, essa lei da poderes às polícias de anular o direito à informação. 
Considerando as dificuldades que existem no acesso à documentação policial, não é
surpreendente que o presente trabalho possua diversas limitações. A ausência de uma documentação
propriamente "operacional" produzida pela própria PM limita muito uma análise do seu cotididiano.
Uma das várias consequências é que se torna difícil determinar o caráter da interação da polícia com
a população e as características das vítimas do abuso policial. O caráter muitas vezes racista da ação
policial é invisível a essa documentação. É necessário pontuar, também, que o estudo não se propõe
a abarcar toda a Polícia Militar. Em primeiro lugar, devido à grande diferença de características
demográficas e sócio-econômicas entre a área metropolitana da capital e o interior do Estado,
optou-se por restringir o objeto às unidades atuantes na Região Metropolitana de São Paulo.28 As
próprias corporações policiais parecem considerar essas distinção, mantendo uma série de unidades
especializadas lotadas apenas na capital. Além disso, essa ampla gama de unidades especializadas,
atua nos mais mais diferentes serviços, inclusive internos à corporação. Dessa maneira, algumas
delas - em geral as que destoam do senso comum sobre o que é o trabalho policial - aparecem na
27 Disponível em http://comissaodaverdade.al.sp.gov.br/relatorio/.
28 A Região Metropolitana de São Paulo, compreendendo um total de 39 municípios, só viria a ser estabelecida 
legalmente em 1973, pela Lei Complamentar nº 14, de 8 de junho deste ano. Apesar disso, o processo gradual de 
conurbação já vinha estabelecendo, desde muito antes, uma área metropolitana em torno da capital. 
33
documentação apenas de forma muito marginal. Para não incorrer em generalizações descabidas,
esse trabalho vai abordar apenas os policiais que executam as funções de policiamento urbano,
choque e comandos. Unidades médicas, odontológicas, rodoviárias e florestais, além do Corpo de
Bombeiros, estão excluídas devido à essa limitação. Também está excluída a Polícia Feminina,
porém por razão distinta. Os Batalhões de Polícia Feminina permaneceram como unidades

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