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Marx e a pedagogia moderna PREFÁCIO Este trabalho pretende indagar se existe e como se configura uma pedagogia m arxiana, isto, inerente ao pensamento de Karl Marx. diferente da pedagogia mar xista utilizada nos países socialistas. Aborda ainda uma diferenciaçäo entre a es cola na antiguidade e nos dias atuais, sua funçäo, e a fabrica como instumento s de formaçäo do sujeito. Parte 1- A"pedagogia marxiana” 1. Instrução e trabalho Esse capitulo se inicia com uma pergunta: existe uma pedagogia marxiana? Ou, em outras palavras, é possível localizar, no interior do pensamento de Marx - da sua análise, interpretação e perspectiva de transformação real - uma indicação direta para elaborar uma temática pedagógica distinta das pedagogias do seu e do nosso tempo? O. Iu. Schmidt afirmou em outubro de 1920 durante discussões na Rússia Soviética a respeito da nova escola socialista que Sim, em Marx se encontra uma frase segundo a qual a instrução profissional deve ceder lugar à instrução politécnica, mas, mesmo supondo que neste problema para ele secundário, Marx tenha cometido um erro, nem por issso diminuirá a sua celebridades ou a nossa admiração por ele ( apud Rudnev, 1961, p.256). [...] Para Marx, sabe-se, o comunismo não é um ideal ao qual a realidade se deva conformar, mas sim “ o movimento real que subverte o atual estado das coisas”; näo há, portanto, nenhuma filosofia abstrata nele. Há de se observar que os textos de Marx e de Engels caminham juntos, isto é, segundo o texto ora apresentado, eles coincidem na existência de textos explicitamente pedagógicos, que sem serem numerosos, adquirem, no entanto, extraordinário relevo pela dupla circunstância de apresentarem , de novo e com coerência, no intervalo de mais de trinta anos, e de coincidirem com momentos cruciais tanto da sua investigação como história do movimento operário. 1847 - 48: Os princípios do consumismo e o Manifesto Engels redigiu a primeira versão de os Princípios do comunismo em novembro de 1947 e Marx fez em definitivo, em janeiro de 1948, o que viria a ser o Manifesto do partido comunista. A instauração de uma constituição democrática, isto é, de um novo poder que permitisse a adoção de medidas imediatas destinadas diretamente a atacar a propriedade privada e a garantir a existência do proletariado, relaciona com a oitava dessas medidas, a instrução a todas as crianças, assim que possam prescindir dos cuidados maternos, em institutos nacionais e a expensas da nação. Instrução e trabalho de fábrica vinculados, medida socialista destinada a todas as crianças). Engels defende a abolição de toda forma de divisão do trabalho que separa os homens e os coloca em patamares sociais diferentes. Ele afirma que o ensino permitirá aos jovens acompanhar o sistema de produção, colocando-os em condições de se alternarem de um ramo da produção a outro [...] .Desse modo, a sociedade organizada pelo comunismo oferecerá aos seus membros a oportunidade de aplicar, de forma onilateral, atitudes desenvolvidas onilateralmente, tendo como resultado o aumento da produção, o fim da exploração e a destruição das classes sociais. Marx, provavelmente após o contato com o texto de Engels, propôs a transformação de “catecismo” em “manifesto”, referindo-se criticamente a educação jesuítica. Ele desenvolve uma tese sobre o ensino industrial, que se apresenta singular contraste com a de Engels, da qual destaca o caráter utópico e reformista Os dois amigos, mesmo sem terem conhecimento um do trabalho do outro, enfrentaram na mesma época a mesma temática com os mesmos termos, mas com soluções opostas. Marx cita “ Ensino público e gratuito a todas as crianças. Abolição do trabalho das crianças nas fábricas em sua forma atual Unificação do ensino com a produção material”. Ensino público, ensino gratuito, ensino unido ao trabalho: a coincidência dos dois textos, ou melhor, a substancial dependência do texto de Marx, de janeiro de 1848, em relação ao rascunho de Engels, de novembro de 1847, salta aos olhos. Em suma, o Pensamento de Marx e de Engel e suas teses pedagógicas propunham a eliminação da propriedade privada; da divisão do trabalho; da exploração e da unilateralidade do homem para atingir um pleno desenvolvimento das forças produtivas e a recuperação da onilateralidade. Ambos afirmam que a propriedade privada e a divisão do trabalho são a causa da degradação do homem, observando, entre outras coisas, que o operário, limitado a uma habilidade muito particular e impossibilitado de passar de uma ocupação a outra mais moderna, somente pode viver agregado a uma máquina particular num trabalho particular”. Essa divisão do trabalho torna o indivíduo alienado por não saber, na verdade, qual será o resultado do seu trabalho. 1866- 67: As instruções aos delegados e O Capital Segundo Lênin, a ideia da união entre ensino e trabalho produtivo é parte integrante do programa comunista e um ponto definitivo na pedagogia marxista. Cerca de vinte anos depois, esta ideia seria não apenas acolhida, mas também enriquecida e discutida com mais aprofundado conhecimento da realidade econômico-social , num outro documento político fundamental: as Instruções aos delegados, que são indissociáveis da elaboração contemporânea de O Capital. Nas instruções (Marx, Engels, 1962, p.192-5) Marx, tendo definido como progressiva e justa a tendência da indústria moderna de fazer colaborar na produção, crianças e adolescentes dos dois sexos, e tendo reforçado a tese de que, a partir de nove anos, toda criança deve se tornar um operário produtivo, e de que todo adulto deve, segundo a lei geral da natureza, “ trabalhar não apenas com o cérebro, mas também com as mãos”, propõe dividir as crianças, para fins de trabalho , em três classes ou grupos- dos 9 aos 12; dos 13 aos 15 e dos 16 aos 17 anos - horários diários, respectivamente de 2, 4 e 6 horas. Para Marx , o ensino abrange três coisas: primeiro- ensino intelectual; segunda- educação física, dada nas escolas e através de exercícios militares; terceira- adestramento tecnológico, que transita os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e que, ao mesmo tempo, introduza a criança e o adolescente no uso prático e na capacidade de manejar os instrumentos elementares de todos os ofícios. A união do trabalho produtivo remunerado, ensino intelectual, exercício físico e adestramento politécnico elevará a classe operária acima das classes superiores e médias. À leitura desse texto devemos imediatamente associar aquela de outro texto fundamental de Marx, O Capital. Seria aqui também bastante útil poder determinar com exatidão qual dos dois textos teria sido escrito antes, ou melhor, de que modo estão entrelaçados e sobrepostos. Segundo Marx, para que o homem seja plenamente desenvolvido precisa haver ensino, trabalho produtivo e ginástica. A substancial coincidência dos dois textos - Instruções e O Capital - é evidente Começa pela questão do poder político, como condição para colocar-se em prática a escola do futuro: a transformação da razão social em poder político e as leis gerais impostas com a força do Estado, das Instruções, tornam-se, em O Capital, a inevitável conquista do poder político por parte da classe operária. Nos dois textos, o operário é apresentado como parcial, supérfluo, pela variação do trabalho exposto a perda do trabalho/ unilateral e precisa se tornar mais versátil, onilateral. Mas se os dois textos apresentam tão perfeitas coincidências, não faltam aqui, algumas diferenças essenciais. Inicialmente, a terminologia diferente: nas Instruções, o termo politécnico indica o ensino na perspectiva do socialismo, enquanto que no O Capital, o termo politécnico é atribuído apenas às escolas historicamente existentes com esse nome e que se dedicam aoensino industrial universal. Mas, além disso, o ensino tecnológico é colocado nos dois textos como o centro pedagógico da escola do futuro. O termo “tecnologia” indica o conteúdo pedagógico presente, em medida limitada, já na escola politécnica doada pela burguesia aos operários. Mas, parece- nos , principalmente que o politecnicismo sublinha o tema da disponibilidade para os vários trabalhos, enquanto a tecnologia sublinha, com sua unidade, de teoria e prática, o caráter de totalidade ou onilateralidade do homem. O primeiro termo- tecnologia- ao propor uma preparação pluriprofissional, contrapõem-se à divisão do trabalho específica da fábrica moderna; o segundo- politecnicismo- a possibilidade de uma plena e total manifestação de si mesmo, independentemente das ocupações especificas da pessoa. 1975: A crítica ao programa de Gotha O que Marx criticava nesse programa? “ o ensino não pode ser de repente transmitido igual a todas as classes, sem o risco, evidentemente, de um rebaixamento de nível, como hoje se diz. Isso significa também confirmar a autônoma validade daquela formação intelectual que, nas Instruções de 1866, era primeiramente colocada como componente do ensino sem adjetivos.”[...] Lênin, discípulo de Marx Essas teses pedagógicas não exerceram influência direta sobre o pensamento pedagógico moderno e sobre a organização das instituições escolares até o momento da sua retomada por parte de Lênin e da sua admissão como base do sistema escolar do primeiro Estado socialista. Lênin, efetivamente, foi o primeiro e o único a retomar essa análise marxiana, em especial em dois momentos da sua vida: uma primeira vez, durante extraordinária fase intelectual de sua juventude, na polêmica contra os populistas, e uma segunda vez, no momento da tomada de poder pelos bolchevistas. “ nem o ensino isolado do trabalho produtivo, nem o trabalho produtivo isolado do ensino poderiam pôr- se à altura do atual nível da técnica e do presente estado de conhecimento científico ( Lênin, 1954, p.466)”. OMNILATERALIDADE EM MARX SEGUNDO MANACORDA Ao referenciar sua pesquisa na releitura dos textos marxianos (especialmente nos Manuscritos de 1844, A sagrada família, A ideologia alemã, A miséria da filosofia, artigos e correspondências de Engels,O Capitale os Grundrisse), o autor analisa, no terceiro capítulo, o tema do Homem Onilateral considerado em oposição a ideia da divisão do homem, cisão esta condicionada pela divisão do trabalho e da sociedade em classes, que se expressa em dimensões unilaterais do homem dividido: operário e intelectual, carregador e filósofo; manual e mental. Assim, O autor estabelece quatro partes de análise para esse tema. Na primeira parte, ao citar a unilateralidade do proletário e do capitalista, começa por trazer a denúncia marxiana do trabalhador rebaixado a uma máquina e a uma besta de carga. Nos escritos de Marx, está implícita a concepção negativa do trabalhador neste contexto, e indica a unilateralidade surgida dessa condição; o indivíduo não vai além de um desenvolvimento unilateral, mutilado, gerado pela divisão do trabalho. Dessa condição, se extrai também a unilateralidade dos capitalistas, onde a expropriação de um, é a apropriação do outro, e a “monstruosidade” é característica dos dois, do trabalhador e do não-trabalhador. O poder desumano domina operário e capitalista; capitalistas e trabalhadores são “subsumidos pela classe” e se tornam não-indivíduos. Citando Engels, este analisa também as escolas que a burguesia criara para os operários, e observa que o ensino leva a uma atrofia moral e desolação intelectual. Da mesma forma sobre a formação das classes cultas, acrescenta que, mesmo com o latim, são espiritualmente decaídos e fechados ao progresso. Faz, ao mesmo tempo, denúncia do instrumentalismo da escola popular e da cultura decorativa das classes cultas. Por fim, a partir de Marx, a fenomenologia do homem unilateral emerge das análises filosóficas, sociológicas e de economia política, segundo as quais a subsunção dos indivíduos sob determinadas relações, leva ao embrutecimento do operário. O homem parcial, anexado a uma função unilateral, alienado, sucumbe ao próprio maquinismo do processo de trabalho, que destrói crianças e adolescentes. Ao relacionar a divisão do homem e da sociedade ao âmbito moral, o autor desenvolve na segunda parte a ideia de uma moral dividida, característica da sociedade da expropriação e acumulação, em que o homem econômico deve renunciar à própria realidade e assumir a alienação presente na sociedade dividida em classes, na qual cada esfera da vida pressupõe uma moral particular, seja no conceito de religião, família ou sociedade, onde cada uma impõe uma norma sua que ignora a outra, conflitantes entre si, mas sem a objeção da economia, cuja moral é o lucro. Finalizando esse tópico, Manacorda atualiza a reflexão de Marx no Manifesto e em O Capital sobre a degradação dos operários e da classe dominante na sociedade capitalista moralmente dividida, reafirmando a exigência do princípio unitário do comportamento do homem, esclarecendo que não basta uma teoria pedagógica que reintegre as esferas divididas entre si, mas que é necessário assumir uma práxis educativa que considere o desenvolvimento real e coletivo da sociedade e um modo de ser que não separe o homem em esferas alheias entre si. Frente a essa caracterização negativa que engloba o trabalhador e o capitalista nessa sociedade contraditória, o autor prossegue desenvolvendo na terceira parte do capítulo os aspectos positivos do homem unilateral. Nesse sentido, em seu aspecto parcial, o perfil do capitalista se constrói como aparência positiva em função dos privilégios que acumula e em contraposição às necessidades do trabalhador, sendo uma condição de positividade apenas relativa, pois a divisão do trabalho submete a todos, trazendo sua multiplicidade de necessidades e prazeres. Diante desse positivo específico, que consiste na apropriação do prazer e da cultura às custas do trabalho alheio, o perfil positivo do trabalhador consiste numa possibilidade ou “disponibilidade abstrata” desses elementos de fruição e na sua consciente oposição ao estado de coisas que o cerca. Nesse ponto, o autor relaciona passagens de Marx e Engels (o autor reconhece certa valorização em algumas passagens) sobre aspectos positivos da classe operária, tecendo reflexões sobre seus atributos, destacando, por exemplo que os trabalhadores ingleses e franceses, mesmo privados do status cultural, reuniam-se para discutir, conversar e confraternizar; não eram preconceituosos; desenvolviam sua individualidade e eram educados na própria escola associativa, em oposição aos representantes da classe dominante, ociosos, parasitas e sem substancial respeitabilidade. Nessa humanidade dividida e unilateral, em que uma parte está excluída dos bens sociais (materiais e intelectuais) e outra detêm privilégios, é na classe excluída que reside a libertação, sendo implícita na emancipação do operário a emancipação humana. No percurso de análise, Manacorda chega a quarta e última parte desse capítulo abordando aqui o conceito de homem onilateral, no qual destaca a exigência de um desenvolvimento completo e multilateral frente a alienação do homem e da natureza. Para entender a onilateralidade é importante compreender a relação homem, natureza e trabalho, que possui um caráter de interligação e universalidade. O autor recorda que na perspectiva da revolução proletária, coincidem a vida pessoal e material; manifesta-se o indivíduo como indivíduo completo; estabelece-se o nexo recíproco entre o desenvolvimento onilateral dos indivíduos e a totalidade das forças produtivas dominadas pela totalidade dos indivíduos livremente associados. Na situação do homem,degradado, como acessório de uma máquina, é preciso superar esse estado; é preciso almejar outro tipo de produção de riqueza, com plena consciência de suas capacidades criativas, em atenção à relação com a natureza. Essa riqueza exige a totalidade das forças produtivas, sendo um resultado a que a humanidade chega “pela própria história”. Nesse sentido, o capital impele, involuntariamente (por perseguir a forma universal da riqueza), o trabalho para além dos limites de sua necessidade. A onilateralidade é, assim, a chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e de fruição dos bens materiais e espirituais, dos quais o trabalhador foi excluído pela divisão do trabalho. Tal perspectiva, indeterminada, pode ser pensada de uma forma mais concreta ao visualizar uma situação em que o trabalhador, no contexto da perda das especializações, seja levado a uma crescente versatilidade no contexto de constantes variações tecnológicas, se revelando aí o rompimento da experiência limitadora e o surgimento de outras formas de saber, mais ousadas. O autor cita os exemplos extraídos de Marx, que contrapõe à rígida divisão do trabalho alienante, o gênio do relojoeiro Watt que inventou o tear contínuo e do operário Futton que desenvolveu o barco a vapor, bem como faz referência as ideias de John Bellers sobre a superação do modelo educacional e da divisão do trabalho causadoras da unilateralidade. São exemplos de um tipo de homem onilateral, que escapa à estreiteza do pensamento superficial dominante, educado com “doutrinas não-ociosas” e “ocupações não- estúpidas”. Na compreensão do homem onilateral que emerge da pensamento e da pesquisa marxiana, Manacorda o aponta como uma “totalidade de disponibilidades” dentro de um processo histórico de autocriação e que, no contexto da apropriação das forças produtivas, pode manifestar suas faculdades criativas subjetivas, universalmente disponível nas necessidades, exigências humanas e na produção, sem as amarras das determinações e que está apto para enfrentar as variações da tecnologia. Há também uma compreensão da dimensão histórica da problemática do homem, no contexto da dilapidação capitalista aonde o monstruoso sacrifício dos indivíduos antecede a reconstituição consciente da sociedade humana, possível no desenvolvimento contraditório dessa sociedade, que tem necessidade de homens novos, não livres de conflitos, mas libertos da servidão. Em termos de síntese pedagógica, o autor conclui que a reintegração da onilateralidade do homem exige a reunificação das estruturas da ciência com as da produção, sendo inviável a extensão da escola tradicional dominante para todos, assim como a permanência de uma educação subalterna para as classes produtivas. Relembra que Marx sempre enfatizou que a escola para os operário oferecesse um ensino, ao um só tempo, teórico e prático, e que esse elemento apresenta ligação com a onilateralidade e também representa a ruptura, dentro da fábrica, entre ciência e trabalho, pois o direcionamento “praticista e profissional do ensino”, que limita o trabalhador à parcialidade do conhecimento, decorre do sistema de produção capitalista.
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