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CURSO: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO DISCIPLINA: O PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA PROFESSORA: GABRIELLE MARTINS HISTÓRIA DA ESCRITA A escrita, enquanto sistema semiótico usado para representar de forma gráfica a linguagem verbal, foi construída pela humanidade durante milhares de anos. Para pessoas já alfabetizadas, parece fácil a compreensão de uma palavra, cada sinal gráfico corresponde a um som na mesma. Porém, esta compreensão alfabética da escrita não foi a primeira que surgiu na sua construção social (REGO, 1983). O homem, na busca de uma comunicação mais duradoura, encontrou formas de se comunicar graficamente. Uma das formas de registro, mais antigas encontradas na história escrita é a Pictografia. Essa forma gráfica que não se refere diretamente à linguagem verbal, são desenhos figurativos usados como linguagem comunicativa (espécie de desenhos que representam objetos). Na evolução de sua história, a escrita passou a ser utilizada como representação de ideias. Esta fase foi denominada Ideografia. Como o nome diz, os ideogramas não são apenas as ideias de objetos representados, são mais abstratos. Nesta etapa, o homem lançou mão da arbitrariedade, passando a representar graficamente substantivos abstratos, o que era impossível na fase anterior. Exemplo: os chineses representam a cor vermelha com o desenho de uma rosa, uma cereja e um flamingo. Apesar do aprimoramento, nesta fase ideográfica a representação gráfica ainda não tinha relação com o som das palavras. Depois deste momento, a evolução da escrita chega a representação da linguagem verbal articulada. Esta etapa foi denominada Logografia. Rego (1983), considera a Logografia como um grande passo para a história escrita, pois nela surgem as representações dos aspectos sonoros da palavra. Apesar de serem utilizados desenhos figurativos, eles não tinham a finalidade de representar o objeto em si e nem uma ideia, seu objetivo era combinar dois pictogramas com o intuito de representar dois ou mais segmentos sonoros de uma palavra. Esta representação não exigia uma correspondência som/símbolo. Um desenho ou um sinal podia representar um ou mais sons de uma palavra. Desta forma tornou-se possível representar graficamente outras palavras além dos substantivos. A Logografia surgiu na impossibilidade prática de uma representação icônica generalizada. Esta preocupação de representar aspectos sonoros da palavra deu margem ao aparecimento da Fonografia, que tem como característica principal a representação da palavra em uma sequência fônica, fazendo corresponder para cada sílaba fonética, um grafema diferente, dando origem aos silábicos. Os sistemas silábicos exigiam um número significativo de grafemas, tornando sua aplicação pouco prática. A grande inovação da escrita Silábica se baseia numa análise da palavra enquanto forma linguística, isto é, sequência de sons, desmembrando-a em sílabas, que são unidades sonoras e não necessariamente unidades de significado. Reduzindo de forma significativa os sinais a serem utilizados na escrita, surge a escrita Alfabética, na qual as letras constituem a representação de unidades mínimas das palavras, que são as formas. Este sistema de escrita proporcionou o aparecimento das leis de combinação, possibilitando representar todas as palavras utilizadas na linguagem verbal com poucos signos. Esse breve histórico permite afirmar que a linguagem escrita é fruto de uma construção do homem, calçada nas necessidades de comunicação e perpetuação desta linguagem. Emilia Ferreiro, Doutora da Universidade de Genebra, onde foi orientada e colaboradora de Jean Piaget, desenvolveu várias pesquisas sobre a comunicação da língua escrita em crianças. Segundo a autora, a criança constrói a linguagem escrita, passando em seu desenvolvimento pelas mesmas sequências e etapas que a humanidade passou para chegar ao sistema de escrita alfabética. Muito embora tenha constatado na análise de produção escrita que algumas crianças saltem etapas, observou-se também que uma etapa posterior nunca aparece antes de outra mais primitiva. PSICOGÊNESE DA ESCRITA Emília Ferrero nasceu na Argentina em 1937, fez doutorado sob orientação de Piaget, na Universidade de Genebra, na área de Psicolinguística Genética. Publicou em coautoria com Ana Teberosky o livro “Los sistemas de escritura en el desarollo del niño”, e com Margarida Gomez Palácio, “Nuevas perspectivas sobre los processos de lectura y escritura. As pesquisas de Ferrero indicam como a criança concebe o processo de escrita, o qual não é resultado de cópia de um modelo externo, mas é um processo de construção pessoal. As crianças reinventam a escrita, inicialmente precisam compreender o processo de construção e as normas de produção. Segundo Ferrero, o processo de construção da escrita como a concebemos segue uma longa trajetória até chegar à leitura e a escrita. Na faixa dos seis anos, a criança faz a distinção entre texto e desenho, somente uma minoria não consegue fazer a distinção e, estatisticamente, esse número é maior em crianças pertencentes às classes sociais baixas, que tem menor contato com material escrito. No processo descrito por Ferrero, as crianças percebem que para cada som, há uma determinada forma. As fases do processo são: - Primeira fase: Dá-se início da construção. A criança tenta reproduzir os traços básicos da escrita com que elas têm contato. Nessa fase, o que vale é intenção da criança, ela elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto e entende apenas sua própria escrita. - Segunda fase: A hipótese é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar as letras que é capaz de reproduzir. - Terceira fase: São feitas tentativas de dar valor sonoro para cada uma das letras que compõe a palavra. Nessa fase, a criança usa formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas. - Quarta fase: Ocorre a transição da hipótese silábica para a alfabética. Nessa fase, ela concebe que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, embora, não a façam corretamente. - Quinta fase: A criança atinge o estágio da escrita alfabética. Ela compreende que para cada um dos caracteres da escrita há valores menores que a sílaba. A criança é capaz de formar a representação de inúmeras sílabas, mesmo daquelas sobre as quais não tenha se exercitado. No trabalho em classes de alfabetização não existe uma ordem fixa em que as coisas têm de ser feitas. Os alunos não aprendem aos pedaços, um item depois do outro, do mais fácil para o mais difícil. Pelo contrário, eles aprendem fazendo muitas relações entre tudo o que faz parte do que chamamos de campo conceitual da alfabetização. O que vem a ser isso? É um conjunto de situações que dão sentido aos atos de escrever e ler. Por isso eles aprendem escrevendo e lendo. Para que isso aconteça, o professor deve propor diariamente atividades que envolvam letras, palavras e textos. Não pode se enganar achando que se está trabalhando com textos já está naturalmente trabalhando com palavras e letras. Durante o processo de alfabetização o professor deve criar situações didáticas que permitam aos seus alunos pensar sobre a escrita e deve estar atento às especificidades do trabalho com letras, com palavras e com textos. Seus objetivos para os três não são os mesmos e todos são igualmente importantes. Lembrando que cada criança deve ser vista com um ser único, portanto nenhuma aprende igual a outra, os níveis são fases que fora pesquisada por Emília Ferreiro que nos ajuda a compreender o que pensam cada criança ao construir suas hipóteses sobre a escrita. Abaixo estão alguns desafios interessante, porém não se esgotam em si mesmo, a reflexão sobre a prática em sala de aula nos ajuda a compreender o que pensam as crianças e também na tomada de decisões frente aos desafiosdiários do professor alfabetizador. TABELA 1: CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PARA APLICAÇÃO DA PROVA ESCRITA DE QUATRO PALAVRAS E UMA FRASE SEGUNDO FERREIRO E TEBEROSKY (1991) Avaliação da escrita (Ferreiro e Teberosky, 1991) NÚmero de pontos Nível da escrita Características 4 Nível alfabético Cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba. Não atende à norma Ortográfica 3 Nível silábico- alfabético Manifestação alternante de valor silábico ou fonético para as diferentes letras 2 Nível silábico Cada letra vale por uma sílaba. Escrita com ou sem o predomínio do valor convencional 1 Nível pré-silábico Marcado por escritas que não apresentam nenhum tipo de correspondência sonora, isto é, sem relação com grafia e som 0 --------- Somente rabiscos Nível Categoria Subcategoria 1º Nível Pré-silábico A - Grafismos primitivos, escritas unificadas ou sem controle de qualidade Grafismo primitivo Escritas unigráficas Escritas sem controle de qualidade B - Escritas Fixas Escritas fixas com predomínio de grafias convencionais C - Escritas diferenciadas (com predomínio de grafias convencionais) 1. Sequência de repertório fixo com quantidade variável 2. Quantidade constante com repertório fixo parcial 3. Quantidade variável com repertório Parcial 4. Quantidade constante com repertório de posição variável 5. Quantidade variável com repertório variável D - Escrita diferenciada com valor sonoro inicial Quantidade e repertório variáveis e presença de valor sonoro inicial. 2º Nível Silábico A - Escritas silábicas iniciais 1. Escritas silábicas iniciais, sem o predomínio do valor sonoro convencional 2. Escritas silábicas iniciais com valor sonoro convencional sem correspondência sonora 3. Escritas silábicas iniciais com valor sonoro em escritas e correspondência B - Escritas silábicas com marcada exigência de qualidade 1. Escrita silábica com marcada exigência de quantidades e sem predomínio do valor sonoro convencional 2. Escrita silábica com marcada exigência de qualidade e predomínio do valor sonoro convencional C - Escritas silábicas escritas 1. Escritas, sem predomínio do valor sonoro convencional 2. Escritas silábicas com predomínio do valor sonoro convencional 3º Nível Silábico Escritas silábico-alfabéticas 1. Escrita Silábico-alfabética sem predomínio de valores sonoros 2. Escrita Silábico-alfabética com predomínio de valores sonoros convencionais 4º Nível Alfabético Escritas alfabéticas Escritas alfabéticas em predomínio do valor sonoro convencional Escrita alfabética com falhas na utilização dos valores sonoros convencionais Escritas alfabéticas com valor sonoro ATIVIDADES FAVORÁVEIS DE ACORDO COM O NÍVEL DA PSICOGÊNESE EM QUE ENCONTRAM-SE OS ALUNOS: HIPÓTESE PRÉ-SILÁBICA: Avanços: • Diferenciar o desenho da escrita; • Perceber letras e sons; • Identificar e escrever o próprio nome completo; • Perceber que usamos letras diferentes em diferentes posições. Atividades favoráveis: • Desenhar e escrever o que desenhou; • Usar o nome em situações significativas: marcar atividades. Objetos, utilizá-los em jogos, bilhetes, etc. • Ouvir leitura diariamente pela professora e poder recontá-la; • Ter contato com diferentes portadores de texto; • Reconhecer e ler o nome próprio em situações significativas: chamadas, jogos, etc. • Conversar sobre a função da escrita; • Utilizar letras móveis para pesquisar nomes, reproduzir o próprio nome ou dos amigos; bingo de letras; • Produção oral de histórias; • Escrita espontânea; • Textos coletivos tendo o professor como escriba; • Aumentar o repertório de letras; • Ler nomes das crianças da turma, quando isto for significativo; • Comparar e relacionar palavras; • Produzir textos de forma não convencional; • Identificar personagens conhecidos a partir de seus nomes, ou escrever seus nomes de acordo com sua possibilidade; • Recitar textos memorizados: parlendas, quadrinhas, poemas, músicas; • Atividades que seja preciso reconhecer a letra inicial e final; • Atividades que apontem para a variação da quantidade de letras; • Completar palavras usando a letra inicial e final; • Escrever listas em que isto tenha significado: listar o que usamos na hora do lanche, o que tem na festa de aniversário, etc. HIPÓTESE SILÁBICA: Avanços: • Atribuir valor sonoro às letras; • Aceitar que não é preciso muitas letras para se escrever apenas o necessário para representar a fala. • Perceber que palavras diferentes são escritas com letras em ordens diferentes. Atividades favoráveis: • Todas as atividades do nível anterior, • Comparar e relacionar escritas de palavras diversas; • Escrever pequenos textos memorizados (parlendas, quadrinhas, músicas, trava-língua...) • Completar palavras com letras para evidenciar seu som: CAMELO = C____M____L____ ou ____A____E____O • Relacionar personagens a partir do nome escrito; • Forca; • Relacionar figura às palavras, através do reconhecimento da letra inicial. • Ter contato com a escrita convencional em atividades significativas; • Reconhecer letras em um pequeno texto conhecido; • Leitura de textos conhecidos e já trabalhados; • Cruzadinhas; • Caça-palavras; • Completar lacunas em texto e palavra; • Construir um dicionário ilustrado, desde que o tema seja significativo; • Evidenciar rimas entre as palavras; • Usar o alfabeto móvel para escritas significativas; • Jogos variados para associar o desenho e seu nome; • Contar a quantidade de palavras de uma frase. HIPÓTESE SILÁBICO-ALFABÉTICA Avanços: • Usar mais de uma letra para representar o fonema quando necessário. • Atribuir o valor sonoro das letras; Atividades favoráveis: • As mesmas do nível anterior; • Separar as palavras de um texto; • Generalizar os conhecimentos para escrever palavras que não conhece: Associar o “GA” do nome da “GABRIELA” para escrever “GAROTA”, “GAVETA”...; • Ditado de palavras conhecidas; • Ditado de grade; • Forca; • Produzir pequenos textos; • Reescrever histórias; • Pesquisar os usos da ordem alfabética em nossa sociedade; • Discutir em atividades coletivas a importância do uso da ordem alfabética como recurso organizador em vários instrumentos sociais, como catálogo telefônico, lista de alunos; fichário; arquivo, dicionário, etc; • Procurar desenvolver o próprio pensamento das crianças para que percebam o que é provável e o que é impossível encontrar na linguagem escrita; • Pesquisar palavras que têm ou não acento, dentro de um pequeno texto. É fundamental que o professor trabalhe por investigação. Toda descoberta vai sendo discutida e registrada. Não se deve dar a “receitas” prontas ao aluno; • Pesquisar quais maneiras possíveis de terminar palavras. • Generalizar os conhecimentos para escrever palavras que não conhece. • Pesquisar as letras de imprensa minúsculas, apenas e tão somente, para a leitura. As crianças jamais irão utilizá-las para registras seus textos, apenas para serem capazes de ler, sem dificuldade. Pedir aos alunos para recortar de revistas e organizar as letras, fazendo correspondência termo a termo entre os dois tipos de letras: maiúsculas, minúsculas. Pode apresentar listas em imprensa minúscula. Pode proceder da mesma forma, pedindo para transcrever frases até pequenos textos. É uma apropriação lenta e gradual, que pode transcorrer com calma durante todo o estágio silábico-alfabético. • Cruzadinhas utilizando fotografias; • Formação de frases; • Pesquisa sobre o significado de nome das crianças, seguindo a ordem alfabética; • Escrever uma lista de nomes e discutir como colocá-los em ordem alfabética. • Fazer acrósticos, trabalhando coletivamente, tendo o professor como escriba, fazendo o registro no quadro; • Fazer caça-palavras,imprimindo maior grau de dificuldade a essa atividade, como: na vertical, na diagonal, em ordem inversa, etc. HIPÓTESE ALFABÉTICA Avanços: • Preocupação com as questões ortográficas e textuais (parágrafo e pontuação). • Usar a letra cursiva. Atividades favoráveis: • Todas as anteriores; • Leituras diversas; • Escrita de listas de palavras que apresentem as mesmas regularidades ortográficas em momentos em que isto seja significativo; • Atividades a partir de um texto: leitura, localização de palavras ou frases; ordenar o texto; • Jogos diversos como bingo de letras e palavras; forca... REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999. FERREIRO, Emília. O ingresso na escrita e nas culturas do escrito: seleção de textos de pesquisa. São Paulo: Cortez, 2013. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.
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