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ADPF 109/SP 
 
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ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMEN-
TAL 109 SÃO PAULO 
 
RELATOR: MIN. ALLAN DE ANDRADE FERREIRA 
REQTE.(S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES 
NA INDÚSTRIA 
INTDO.(A/S): CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO 
INTDO.(A/S): PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO 
 
RELATÓRIO 
Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 
(ADPF) interposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da In-
dústria (CNTI) contra a Lei Municipal n° 13.113/2001 do município de São 
Paulo. Por arrastamento, pede-se também que seja afastada a incidência 
do Decreto n° 41.788/2002. A lei em comento tem por objeto a vedação ao 
uso de materiais, elementos construtivos e equipamentos da construção 
civil constituídos de amianto naquela unidade da federação. 
Em apertada síntese, a parte autora sustenta: 
• O desrespeito à legislação federal com a edição da lei municipal; 
• A incompetência da câmara municipal para a edição de lei sobre a 
matéria já regulada de forma diametralmente oposta por lei fede-
ral; 
• A inconstitucionalidade formal e material da lei; 
• A afronta ao pacto federativo e ao princípio republicano da livre 
iniciativa. 
No aspecto material, a Requerente alega ser possível a utilização 
responsável no uso do amianto crisotila e que a edição do normativo seria 
uma privação da liberdade econômica. Por outro lado, na parte formal, 
 
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alega que após a edição, pela União, da Lei n° 9.055/95 disciplinando a 
matéria, o município não poderia extrapolar de suas competências e edi-
tar matéria contrariando o normativo federal, visto que sua competência, 
por ser concorrente, é meramente residual em relação ao Estado e à União 
e tal lei expressamente autoriza a utilização do amianto crisotila. 
Por fim, alegando a presença do fumus boni iuris e periculum in mora, 
requer a concessão de medida cautelar sobre a questão ora em juízo. 
A câmara municipal, com o fito de pôr fim à controvérsia, sustém 
que 1) a parte autora é ilegítima para a propositura de tal ADPF, 2) que 
não cabe controle de constitucionalidade em face de lei municipal pelo 
STF e que 3) não se observou o princípio da subsidiariedade da ADPF, 
presente na lei n° 9.882/92 que a regulamentou. 
O município diz ainda que 1) não há risco de danos de difícil (ou 
impossível) reparação apto a ensejar a cautelar, 2) sua competência resi-
dual não pode restar frustrada pela simples edição de lei federal, com a 
consequente redução do papel dos municípios no pacto federativo e 3) 
solicita a declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei federal, 
alegando os sérios impactos que o amianto causa. 
É o breve relatório. 
Passo a decidir. 
 
1. PRELÚDIO PROCESSUAL: DO CABIMENTO DA ADPF E DA 
LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM 
Como é cediço, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 
são propostas a fim de declarar inconstitucionais leis ou atos normativos 
federais ou estaduais. Não se encontra, pois, no rol de competências desta 
corte constitucional, estampado na alínea “a” do inciso I do art. 102 da 
 
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carta magna, a competência para julgar ADI contra lei ou ato normativo 
municipal. Por outro lado, a Lei n° 9882/92 prevê expressamente que: 
Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da 
Constituição Federal será proposta perante o Supre-
mo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou repa-
rar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do 
Poder Público. 
Parágrafo único. Caberá também argüição de des-
cumprimento de preceito fundamental: 
I - quando for relevante o fundamento da controvér-
sia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, 
estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Cons-
tituição; 
[...] 
Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, 
pelo relator, quando não for o caso de argüição de 
descumprimento de preceito fundamental, faltar al-
gum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta. 
§ 1o Não será admitida argüição de descumprimento 
de preceito fundamental quando houver qualquer ou-
tro meio eficaz de sanar a lesividade. 
Como se percebe, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-
damental tem por objeto (i) evitar ou reparar lesão a preceito fundamen-
tal resultante de ato comissivo ou omissivo do Poder Público, (ii) quando 
não houver outro meio apto a saná-la (princípio da subsidiariedade). 
A análise da lesão ou ameaça da lesão será o objeto de toda a lide, 
portanto, despicienda se faz a análise peremptória nesta parte do voto, o 
que se fará adiante. Todavia, quanto a subsidiariedade da ação, a doutri-
na explica: 
 
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[...] o princípio da subsidiariedade - inexistência de 
outro meio eficaz de sanar a lesão -, contido no §1º do 
art. 4º da Lei n. 9.882, de 1999, há de ser compreendi-
do no contexto da ordem constitucional global. Nesse 
sentido, se considera o caráter enfaticamente objetivo 
do instituto (o que resulta, inclusive, da legitimação 
ativa), meio eficaz de sanar a lesão parece ser aquele 
apto a solver a controvérsia constitucional relevante 
de forma ampla, geral e imediata. 
Assim, a Lei 9.882 exige como condição de possibili-
dade da ADPF, o esgotamento de todos os meios para 
o saneamento do ato lesivo (§1º do art. 4º). Conforme 
posição firmada pelo STF na ADPF n. 33, os meios a 
serem esgotados para que se admita a ADPF são 
aqueles do controle concentrado.1 
No que tange a ilegitimidade ativa ad causam, a lei supramenciona-
da em seu art. 2°, inciso I, confere legitimidade para a proposição de 
ADPF aos mesmos agentes aptos a proporem ADI, dentre os quais consta, 
no inciso IX do art. 103 da constituição, “confederação sindical ou entida-
de de classe de âmbito nacional”. 
Sendo assim, afasto qualquer alegação de que há inadequação da 
via eleita, uma vez que contra lei do município não se poderia interpor 
ADI nesta corte (ou qualquer outro meio de controle concentrado), res-
tando, portanto, configurada a subsidiariedade da presente ação; e a dis-
cussão da matéria é sobremaneira relevante para o adequado cumpri-
mento dos preceitos constitucionais relativos à saúde e à valorização do 
trabalho e livre iniciativa. 
Quedou-se também afastada a ilegitimidade ativa da CNTI tendo 
em vista a expressa previsão do art. 2°, inciso I, da Lei n° 9.882/92 c/c o 
art. 103, inciso IX, da constituição. 
 
1 CANOTILHO, J. J. GOMES; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang Sarlet e 
STRECK, Lenio Luiz. Coordenação Científica. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São 
Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 1499. 
 
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Feitas essas considerações preliminares, passo ao exame do mérito. 
 
2. DAS CONVENÇÕES N° 139 E 162 DA OIT E SEUS STATUS NO 
ORDENAMENTO PÁTRIO 
Ao adentrar no mérito é necessário ainda expor uma questão de 
ordem formal, que diz respeito a incidência ou não das convenções da 
OIT n° 139 e 162. Isso porque, após a edição da Emenda Constitucional n° 
45, de 2004, que incluiu o § 3° ao art. 5°, não restaram dúvidas de que os 
tratados internacionais que versem sobre direitos humanos e que forem 
submetidos ao rito do art. 60 da constituição integram a lei maior. Ocorre 
que houve durante um tempo certa controvérsia sobre qual o status cons-
titucional de tais tratados quando não forem submetidos ao quórum mí-
nimo 3/5 (três quintos) dos membros do Senado e da Câmara dos Depu-
tados, em 2 (dois) turnos. 
Esta corte, debruçando-se sobre tal celeuma, já assentou, na opor-
tunidade do julgamento do RE 466.343, conforme se extrai do brilhante 
voto do Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes, que “o status normativo 
supralegal dos tratados internacionais de direitoshumanos subscritos 
pelo Brasil [...] torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele 
conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão”. 
A observação se faz imperiosa, porque a convenção n° 162 da OIT 
foi referendada pelo Decreto n° 126, de 22 de maio de 1991 e de igual ma-
neira a convenção n° 139 também da OIT foi referendada pelo Decreto n° 
157, de 2 de julho de 1991. Sendo assim, figuram em uma posição inter-
mediária entre a constituição e as leis (infraconstitucionais e supralegais). 
Devem, portanto, obedecer aos cânones constitucionais, mas tangenciam 
a validade das leis produzidas no país. 
 
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Após demonstrar a incidência das convenções, delas é possível ex-
trair os seguintes excertos atinentes à matéria: 
CONVENÇÃO N° 162 DA OIT 
Art. 2º — Para os fins da presente Convenção: a) o 
termo ‘amianto’ refere-se à forma fibrosa dos silica-
tos minerais que pertencem às rochas metamórficas 
do grupo das serpentinas, ou seja, a crisotila (amian-
to branco), e do grupo das anfíbolas, isto é, a actinoli-
ta, a amosita (amianto azul), a tremolita, ou todo 
composto que contenha um ou mais desses elementos 
minerais; 
[...] 
Art. 3º — 1. A legislação nacional deve prescrever as 
medidas a serem tomadas para prevenir e controlar 
os riscos, para a saúde, oriundos da exposição profis-
sional ao amianto, bem como para proteger os traba-
lhadores contra tais riscos. 
[...] 
Art. 10 — Quando necessárias para proteger a saúde 
dos trabalhadores, e viáveis do ponto de vista técnico, 
as seguintes medidas deverão ser previstas pela legis-
lação nacional: 
a) sempre que possível, a substituição do amianto ou 
de certos tipos de amianto ou de certos produtos que 
contenham amianto por outros materiais ou produtos, 
ou, então, o uso de tecnologias alternativas desde que 
submetidas à avaliação científica pela autoridade 
 
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competente e definidas como inofensivas ou menos 
perigosas; 
b) a proibição total ou parcial do uso do amianto ou 
de certos tipos de amianto ou de certos produtos que 
contenham amianto para certos tipos de trabalho. 
CONVENÇÃO N° 139 DA OIT 
ARTIGO 1 
1 - Todo Membro que ratifique a presente Convenção 
deverá determinar periodicamente as substâncias e 
agentes cancerígenos aos quais estará proibida a ex-
posição no trabalho, ou sujeita a autorização ou con-
trole, e aqueles a que se devam aplicar outras disposi-
ções da presente Convenção. 
[...] 
3 - Ao determinar as substâncias e agentes a que se re-
fere o parágrafo 1 do presente Artigo, deverão ser le-
vados em consideração os dados mais recentes conti-
dos nos repertórios de recomendações práticas ou 
guias que a Secretaria Internacional do Trabalho pos-
sa elaborar, assim como a informação proveniente de 
outros organismos competentes. 
ARTIGO 2 
1 - Todo Membro que ratifique a presente Convenção 
deverá procurar de todas as formas substituir as subs-
tâncias e agentes cancerígenos a que possam estar ex-
postos os trabalhadores durante seu trabalho por 
substâncias ou agentes não cancerígenos ou por subs-
tâncias menos nocivas. Na escolha das substâncias ou 
agentes de substituição deve-se levar em conta suas 
propriedades cancerígenas, tóxicas e outras. 
 
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Percebe-se dos normativos internacionais que a legislação brasileira 
necessita passar por reiteradas revisões, a fim de saber à luz do conheci-
mentos científicos vigentes: 1) se é tecnicamente viável a substituição do 
amianto por outras substâncias menos danosas, levando em consideração 
os conhecimentos científicos e as tecnologias alternativas existente à épo-
ca e as tecnologias; e, 2) se deve adotar a proibição parcial ou total do uso 
de amianto. 
Portanto, a decisão não prescinde da construção de um panorama 
técnico e científico do atual estágio das pesquisas sobre o impacto sanitá-
rio do uso de amianto sobre os trabalhadores, bem como sobre a existên-
cia e viabilidade de alternativas para a mesma finalidade. Esse panorama, 
salvo melhor juízo, já fora construído quando da análise da ADI 3.937/SP, 
onde se discorreu mais amiúde, dada a participação dos amici curiae, so-
bre os impactos do uso de amianto. 
 
3. A ANÁLISE TÉCNICA SOBRE O ASSUNTO NA ADI 3.937/SP E 
A TUTELA À SAÚDE 
O que melhor caracteriza a lógica das pesquisas científicas, nas li-
ções de Karl Popper, é princípio da falseabilidade. É justamente ele que 
distingue o saber da ciência de outros tipos de saberes, como o religioso e 
o filosófico. A advertência é relevante, pois justifica a necessidade de re-
visões periódicas sobre a matéria. A ciência vive uma constante evolução 
e o ordenamento jurídico não poderia ficar alheio a elas, pois poderia, 
com isso, desproteger os bens jurídicos fundamentais. Como bem disse 
Karl Popper2, ela possui algumas regras metodológicas que lhe conferem 
um caráter evolutivo: 
 
2 POPPER, Karl Raimund. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Editora Cultrix, 2004, p. 
56. 
 
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(1) O jogo da ciência é, em princípio, interminável. Quem 
decida, um dia, que os enunciados científicos não mais 
exigem prova, e podem ser vistos como definitivamente 
verificados, retira-se do jogo. 
(2) Uma vez proposta e submetida a prova a hipótese e 
tendo ela comprovado suas qualidades, não se pode per-
mitir seu afastamento sem uma “boa razão”. Uma “boa 
razão” será, por exemplo, sua substituição por outra hipó-
tese, que resista melhor às provas, ou o falseamento de 
uma conseqüência da primeira hipótese. 
 
O plexo normativo não pode estar atado à antigas concepções cien-
tíficas, simplesmente porque se decidiu de tal ou qual forma durante al-
gum tempo. Antes de representar uma instabilidade do sistema jurídico, 
isso representa uma verdadeira tutela aos interesses constitucionalmente 
protegidos, porque se a sociedade se modifica, deve se ter em mente que 
as normas reguladoras de determinadas atividades hão de sofrer modifi-
cações interpretativas de acordo com os conhecimentos científicos à dis-
posição dos operadores do direito. E é com esteio nas normas da OIT do 
qual o Brasil é signatário que esta corte novamente volta a debater o te-
ma. 
A posição dessa corte foi muito bem delineada em voto proferido 
pela Sra. Ministra Carmén Lúcia, quando analisou a ADI n° 3.470/RJ. 
Demonstrou que a matéria não é nova nesta casa, tal como se extrai de 
resumo que elaborei do voto da eminente Ministra: (1) O STF deferiu par-
cialmente, em 26.09.2001, cautelar na ADI 2.396/MS, julgando, por una-
nimidade, ainda que com ressalvas, a inconstitucionalidade formal da lei 
do Mato Grosso do Sul que vedava o uso de amianto em todas suas for-
mas, por ter excedido a margem de competência concorrente; (2) O en-
tendimento foi confirmado em plenário no dia 08.05.2003, quando a corte 
julgou parcialmente procedente o pedido da ADI contra a lei do Mato 
Grosso do Sul, declarando inconstitucional o art. 1º, caput e §§ 1º, 2º e 3º, 
 
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do art. 2º, do art. 3º, caput e §§ 1º e 2º, e art. 5º, parágrafo único, da Lei nº 
2.210/2001. E na mesma data julgou parcialmente procedente a ADI 
2.656/SP, para declarar a inconstitucionalidade formal dos arts. 1º, 2º, 3º, 
4º, 5º e 7º da Lei nº 10.813/2001, do Estado de São Paulo; e, (3) Em 
04.06.2008, novamente às voltas com a matéria, o Plenário da casa, por 
maioria dos votos, negou referendo à liminar concedida pelo Relator da 
ADI 3.937/SP (Ministro Marco Aurélio), o que representou verdadeiro 
overruling, conferindo aos arts. 23 e 24 da constituição interpretação me-
nos centrípetas das competências comuns e concorrentes. 
Na oportunidade dessejulgamento, houve intensa participação de 
amici curiae, aos quais destaco a frente os pontos que julgo mais relevantes 
para dar um deslinde à questão. 
 A Dra. Sérgia de Souza Oliveira, representante do Ministério do 
Meio Ambiente, evidenciou, a princípio, que a nomenclatura “amianto" 
caracteriza seis variedades de minerais, com variadas cores e texturas, 
conforme a composição química. São eles: crisotila, única pertinente ao 
grupo “serpentina", e a amostra, crocidolita, tremolita, actinolita e antofi-
lita, todos integrados no grupo dos anfibólios, que representam apenas 
5% do amianto utilizado no mundo, estando praticamente banido, inclu-
sive no Brasil. A diferença entre os grupos está no modelo da fibra: certi-
ficou que o material possui esse nome por seu caráter indestrutível, in-
combustível e incorruptível, motivo pela qual encontra aplicação em va-
riados setores da atividade econômica. Apontou que a essencial delas é o 
fibrocimento (com 92%), seguido pelos produtos de fricção (6%), têxteis 
(2%), filtros, papéis e papelões, produtos de vedação, isolantes térmicos, 
plásticos, revestimentos e asfalto, além da utilização na limpeza de águas 
e síntese de medicamentos e como reagentes em processos industriais, 
etc. 
 
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Ressaltou que a ampla ameaça de uso do amianto faz com que, 
muitas vezes, não sejam executados os cuidados adequados. Retratou ca-
sos em que isso transcorreu. Asseverou haver riscos no pós-consumo. 
Elucidou que o amianto tem vasta mobilidade e não é biodegradável, 
sendo certo que inexistem estudos mais detalhados sobre a dispersão do 
amianto em meios aquáticos. Aludiu ao fato de a substância ser absorvida 
pelo organismo. Alegou que estudos em mamíferos de pequeno porte 
revelaram alto índice de surgimento de câncer, inversamente adequado 
ao diâmetro da fibra, mas disse da inexistência de conclusão quanto ao 
impacto nas plantas, pássaros e outros animais. Relatou o que intitulou 
de “rede de exposição às fibras", que vai desde a remoção do minério ao 
contrato com produtos desgastados ou quebrados. 
 A Dra. Rúbia Kuno, gerente da divisão de Toxicologia e Microbio-
logia Ambiental da CETESB, proposta pelo Estado de São Paulo, concen-
trou-se no perigo de exibição da população em geral aos riscos descen-
dentes do amianto. Declarou estarem confirmado os males à saúde. Retra-
tou a Norma ABNT n°10.004 e a deliberação CONAMA n° 348/2004, que 
dispõem sobre a administração de resíduos arriscados, entre os quais se 
inclui o amianto. Como necessitam ser instruídos a aterros especiais – em 
São Paulo, há quatro desabrigados –, o custo para procedimento do des-
crito lixo seria exorbitante. Recordou que o papel da companhia de sane-
amento de São Paulo é preservar a população, e isso tem sido feito atra-
vés de direção das fontes. Relatou acidentes em espaços públicos que 
concederam liberdade ao uso do amianto, bem como empresas que de-
gringolaram e deixaram o depósito do produto sem o cuidado propício. 
Pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e pela Assem-
bleia Legislativa do Estado de São Paulo, falou o Dr. Ubinatan de Paulo 
Santos, médico da divisão de doenças respiratórias do instituto do cora-
ção do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade 
de São Paulo. Divulgou que os danos do amianto são vistos há mais de 
 
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um século e alegou ter presenciado, ao longo de trinta anos, inúmeros 
casos de trabalhadores que pegaram doenças em razão da proximidade 
com o amianto. Sustentou que todas as formas e fibras do amianto, en-
volvendo a crisotila brasileira, são, conforme apresentaram estudos e 
pesquisas internacionais, produtos cancerígenos, além de responsáveis de 
outras doenças que dirigem à insuficiência respiratória. Explanou que o 
pulmão não consegue eliminar a fibra mineral, até mesmo a mais curta, 
presente na crisotila. Nessa experiência, ele inflama e se autodestrói, pro-
cesso, na maioria dos acontecidos, letais. Salientou que os tratamentos 
das doenças resultantes do contato com o amianto englobam custos altís-
simos. Nas suas próprias palavras: 
 
[...] o amianto crisotila é o amianto usado no mundo – 90% 
do amianto usado até hoje, nos último cem anos, é dessa 
variedade. Seria estranho supor que 10%, 5% das outras 
variedades fossem a única causa das doenças ou as causas 
das doenças, e não esse tipo de amianto. O que corrobora 
para isso? Em vários países onde houve a cessação de seu 
uso; há trinta ou quarenta anos, a cessação dos anfibólios e 
continua a usar a crisotila, a mortalidade por doenças a 
asbesto relacionadas continuou e continua aumentando. É 
por isso que a IARC considera essa fibra cancerígena para 
o homem. Quando se analisa tecido de pacientes com me-
sotelioma e câncer de pulmão, encontra-se essa fibra. Por-
tanto, é falácia experimental que ela não tem biopersistên-
cia [...]3. 
Pela Organização Internacional do trabalho falou o Dr. Zuher Han-
dar. Apresentou dados que estimam em 100.000 mortes por ano de víti-
mas dos efeitos colaterais do uso de amianto. A OIT se posiciona pelo ba-
nimento do uso de amianto, em todas as suas formas, inclusive a crisotila: 
 
3 Notas taquigráficas da audiência pública sobre amianto, na ADI 3.937/SP, pp. 189-190. 
 
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Finalizo, aqui, reafirmando o posicionamento dos organismos 
internacionais relacionados à saúde dos trabalhadores, em es-
pecial da OIT e da OMS, que insistem em afirmar que, conside-
rando que até o momento não temos provas de que o efeito 
cancerígeno do amianto crisotila e dos anfibólios tenham um 
limite seguro, ou melhor, um limite de exposição aceitável e se-
guro, e que se tem observado o aumento do risco de câncer em 
populações, mesmo com um nível de exposição muito baixo, a 
forma mais eficiente de eliminar as doenças relacionadas com o 
amianto consiste em deter a utilização de todos os tipos de ami-
anto4. 
Cabe, ainda, citar as palavras do Dr. Hermano Albuquerque de 
Castro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), que falou 
pela Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto, para lembrar que o 
problema da exposição não se restringe a um problema laboral, mas a 
partir do momento que esses produtos são colocados para consumo se 
transformam em um problema de saúde pública, ampliando, assim, o es-
copo de incidência dos problemas relacionados ao uso de amianto: 
Só para reforçar um pouco do que já foi colocado na parte da 
manhã e relembrar, nós concordamos que todas as formas de 
amianto são carcinogênicas, incluindo a crisotila, muito por 
conta do que já foi colocado pelo Ministério da Saúde. Esse é 
um documento da OMS, que define claramente que não há li-
mite de tolerância para exposição a esse agente carcinogênico. 
Eu gostaria de lembrar que não há limite de tolerância para ne-
nhum agente carcinogênico, quer dizer, [para] qualquer agente 
potencialmente causador de câncer na população, em seres 
humanos, pequenas doses ou baixas doses podem levar a cân-
cer. E eu vou falar também aqui de um problema, porque nós 
fugimos da saúde ocupacional propriamente dita na medida em 
 
4 Trecho da exposição do Dr. ZUHER HANDAR, representante da Organização Internacional 
do Trabalho, na audiência pública da ADI 3.937/SP, p. 303-304. 
 
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que o amianto não é um problema ocupacional estrito; ele, na 
verdade, quando vai para o consumo, para o comércio, no 
transporte, ultrapassa o muro da fábrica e ganha a sociedade. E 
a Saúde Pública exatamente engloba esse escopo maior da saú-
de, envolvendo a saúde do trabalhador, a saúde ambiental, a 
saúde do consumidor, onde a população pode, potencialmente, 
estar exposta a uma substânciacarcinogênica. Então, nesse sen-
tido a atuação da Vigilância não se restringe apenas ao ambien-
te do trabalho5. 
Pela mesma Associação falou o Dr. Arthur L. Frank6, defendendo a 
viabilidade técnica para a substituição do amianto, pautando-se em estu-
dos realizados no Reino Unido. Essa substituição, pondera, precisa ser 
gradual para não causar maiores problemas à indústria. A mesma posição 
adotou o Dr. Vanderley John7, Professor de Engenharia Civil da USP, fa-
lando pelo Instituto Brasileiro de Crisotila. Este declarou categoricamente 
a possibilidade de substituição de amianto crisotila. 
As evidências científicas trazidas pela comunidade acadêmica me 
parecem suficientes para formar um entendimento de que o amianto, em 
suas mais diversas formas, é prejudicial à saúde. Não há limites aceitáveis 
para a exposição da população, sendo perfeitamente viável a sua substi-
tuição. Após colher tais entendimentos, impende analisar a constituciona-
lidade ou não da lei municipal sob o ângulo da competência formal, mui-
to embora a corte tenha guinado no seu entendimento como já demons-
trado, não vislumbro estabilidade na matéria. 
 
4. A COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA ELABORAR AS NOR-
MAS 
 
5 Notas taquigráficas da audiência pública sobre amianto, na ADI 3.937 /SP, p. 152. 
6 Notas taquigráficas da audiência pública sobre amianto, na ADI 3.937 /SP, p. 438. 
7 Notas taquigráficas da audiência pública sobre amianto, na ADI 3.937 /SP, p. 354. 
 
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É certo que diante da Lei nº 9.055/1995, em que foi editada pela 
União normas gerais disciplinando “a extração, industrialização, comer-
cialização e transporte do asbesto/amianto”, devido ao interesse do tema 
de forma nacional, seria natural que em lei municipal se buscasse tratar 
da matéria de forma suplementar. Como podemos observar, a competên-
cia para dispor sobre a matéria de proteção ambiental contida na CF/88, 
confere à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal a atri-
buição de legislar sobre a proteção do meio ambiente, controle da polui-
ção, florestas, fauna e recursos naturais (art. 24, VI, CF/88), sobre a produ-
ção e consumo (art. 24, V, CF/88), bem como sobre a proteção e defesa da 
saúde (art. 24, XII, CF/88). Aos municípios é atribuída, ainda, a competên-
cia para legislar sobre assuntos de interesse local e de forma suplementar 
a legislação federal e estadual, no que for necessário (art. 30, I e II, CF/88). 
O busílis desta lide está muito provavelmente concentrado neste 
ponto, isto é, teria o município competência para legislar contrariando a 
lei federal? A legislação federal seria um óbice uma espécie de limite má-
ximo da competência legislativa dos municípios? 
A constituição estabeleceu a divisão de competências de tal forma 
que, dentre elas constam as competências concorrentes. Cabe, pois, a to-
dos os entes legislarem sobre determinadas matérias. A divisão das com-
petências concorrentes entre esses entes atende ao princípio da predomi-
nância do interesse, “segundo o qual à União caberão aquelas matérias e 
questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados 
tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional, e aos 
Municípios concernem os assuntos de interesse local”, como ensina José 
Afonso da Silva8. 
 
8 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 41. ed. São Paulo: Malhei-
ros, 2018, p. 482. 
 
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No sistema de repartição de competências adotado pela nossa cons-
tituição, as leis federais, de caráter geral, são as linhas mestras as quais 
devem dar os contornos das legislações regionais e locais. A legislação 
federal não pode ser malsinada pelas legislações locais, sob pena de se 
esvaziar o conteúdo da norma federal. Como bem averbou, o nunca assaz 
citado professor Raul Machado Horta9: 
As Constituições federais passaram a explorar, com maior 
amplitude, a repartição vertical de competências, que realiza a 
distribuição de idêntica matéria legislativa entre a União 
Federal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro 
condomínio legislativo, consoante regras constitucionais 
de convivência. A repartição vertical de competências 
conduziu à técnica da legislação federal fundamental, de 
normas gerais e de diretrizes essenciais, que recai sobre de-
terminada matéria legislativa de eleição do constituinte 
federal. A legislação federal é reveladora das linhas essen-
ciais, enquanto a legislação local buscará preencher o claro 
que lhe ficou, afeiçoando a matéria revelada na legislação 
de normas gerais às peculiaridades e às exigências estadu-
ais. A Lei Fundamental ou de princípios servirá de molde 
à legislação local. É a Rahmengesetz, dos alemães; a Legge-
cornice, dos italianos; a Loi de cadre, dos franceses; são as 
normas gerais do Direito Constitucional Brasileiro. 
Ao passo que, pelo menos formalmente, uma legislação municipal 
ou estadual que destoe de uma legislação federal deverá ser, prima facie, 
declarada inconstitucional. No entanto, a exegese das questões constitu-
cionais não pode cingir-se à observação de minúcias formalistas. O espa-
ço conferido ao intérprete deve adentrar-se ao conteúdo normativo da 
legislação, correndo o risco de, se não o fizer, sofrer de uma hipertrofia da 
forma e degringolar em um estado de coisas inconstitucionais, extirpando 
materialmente os direitos fundamentais presentes na constituição. Vis-
 
9 HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 
366. 
 
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lumbra-se, de saída, duas alternativas ao caso: 1) a lei municipal é for-
malmente inconstitucional por invasão de competência ou 2) a lei federal 
é materialmente inconstitucional e não merece observância. 
 
5. A VIGÊNCIA E VALIDADE DAS NORMAS: UMA NECESSÁ-
RIA DISTINÇÃO 
Inobstante as práticas jurídicas ainda estarem atadas à vetustas 
concepções sobre o Direito, não se pode olvidar que com a derrocada po-
sitivista (pelo menos no campo acadêmico) já não podemos tratar de for-
ma idêntica a vigência e a validade das normas. O constitucionalismo 
contemporâneo propiciou uma revolução paradigmática no Direito, para 
situar de forma concêntrica a constituição, conferindo-lhe a envergadura 
não mais de simples carta de intenções, mas verdadeiro prisma sobre o 
qual reflui toda a validade do ordenamento jurídico. Nesta quadra da his-
tória, a constituição já não é mais um simples “programa” a ser seguido, 
mas um verdadeiro alicerce sobre o qual os direitos fundamentais orbi-
tam. Canotilho10, em célebre lição, anunciou a morte das normas constitu-
cionais programáticas, pelo menos no sentido que classicamente se lhe 
atribuía: 
 
O sentido destas normas não é [...] o assinalado pela dou-
trina tradicional: simples programas, exortações morais, 
declarações, sentenças políticas, aforismos políticos, pro-
messas, apelos ao legislador, programas futuros, juridica-
mente desprovidos de qualquer vinculatividade. Às nor-
mas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico 
constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da 
constituição. Não deve, pois, falar-se de simples eficácia 
programática (ou directiva), porque qualquer norma cons-
titucional deve considerar-se obrigatória perante quais-
 
10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. Ed. 
Coimbra: Almeidina, 2003, p. 1176-1177. 
 
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quer órgãos do poder político (Crisafulli). Mais do que is-
so: a eventual mediação concretizadora, pela instância le-
giferante, das normas programáticas, não significa que es-
te tipo de normas careça de positividade jurídica autóno-
ma, isto é, que a sua normatividade sejaapenas gerada pe-
la interpositio do legislador; é a positividade das normas-fim e 
normas-tarefa (normas programáticas) que justifica a necessida-
de da intervenção dos órgãos legiferantes. Concretizando me-
lhor, a positividade jurídico-constitucional das normas 
programáticas significa fundamentalmente: (1) vinculação 
do legislador, de forma permanente, à realização (imposi-
ção constitucional); (2) vinculação positiva de todos os ór-
gãos concretizadores, devendo estes tomá-las em conside-
ração como directivas materiais permanentes, em qualquer 
dos momentos da actividade concretizadora (legislação, 
execução, jurisdição); (3) vinculação, na qualidade de limi-
tes materiais negativos, dos poderes públicos, justificando 
a eventual censura, sob a forma de inconstitucionalidade, 
em relação aos actos que as contrariam. 
 
A saúde, como se sabe, foi erigida ao patamar de direito fundamen-
tal na constituição brasileira de 1988. Como bem assinalou Ingo Sarlet11 
essa passagem de um simples direito para o status de direito fundamen-
tal é algo que não ocorreu em outros países, tais como a Espanha, o que 
significa que a saúde se encontra situada em um núcleo fundante do or-
denamento jurídico pátrio. Dessa forma, a normatividade dos dispositi-
vos constitucionais que tratam da saúde deve se espraiar por toda a ativi-
dade do Estado, seja ela legiferante, jurisdicional ou executória. Por esse 
motivo a simples vigência de uma norma não quer dizer que ela seja vá-
lida, visto que há de ser adequada a todo o ordenamento jurídico. Para 
melhor elucidar, cabe citar Ferrajoli12: 
 
 
11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos 
fundamentais na perspectiva constitucional. Livraria do Advogado editora, 2018 
12 FERRAJOLI, Luigi. Principia iuris: Teoría del derecho y de la democracia. 1. Teoía del dere-
cho. Madrid: Editorial Trotta, 2013, p. 499-500. 
 
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‘Vigente’ es el acto formal dotado de una forma conforme al me-
nos com algunas de las normas formales sobre su producción. 
 
‘Válido’ es el acto formal cuyas formas son todas conformes con 
las normas formales sobre su formación y que admite al menos 
un significado coerente con todas las normas sustantivas sobre 
su producción. 
 
Para que un acto formal exista, o, si se quiere, esté en vigor, 
es pues necesario y suficiente, [...], que no todas pero al 
menos sí algunas de sus formas —aquellas que lo hacen 
reconocible e inteligible como acto dotado de significado 
jurídico— sean conformes con las correspondientes nor-
mas formales. 
 
Mucho más compleja es la noción de validez. Para que un 
acto formal sea válido se requieren dos clases de condicio-
nes: que no algunas sino todas sus formas sean conformes 
con las normas formales que lo prevén; y que además, si 
se trata de una decisión, tenga al menos un significado cohe-
rente con todas las normas sustantivas sobre su producción. 
No son válidos por ejemplo, aunque estén vigentes mien-
tras no sean anulados, el contrato viciado en el consenti-
miento o la sentencia carente de las formas de los que más 
arriba he hablado; como tampoco lo son una ley que viola 
el principio constitucional de igualdad, una disposición 
administrativa cuyo contenido contraste con una ley, un 
contrato viciado por causa ilícita o similares. Válido sólo 
es el acto formal por así decir «perfecto», el que observa 
no un mínimo sino un máximo de normas sobre su pro-
ducción: no sólo las normas formales que condicionan su 
vigencia sino todas las normas, formales y sustantivas, de 
grado superior al mismo. 
 
Uma norma que seja inválida, logicamente, não pode servir de va-
lidade ou limite para quaisquer outras normas, dado que a sua existência 
é apenas no campo do ser e não do dever ser. Ela existe, mas não faz parte 
 
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do ordenamento, não vincula, situa-se em um estágio que aguarda ape-
nas a declaração de inconstitucionalidade, mas a declaração é apenas uma 
enunciação, deontologicamente ela já não está apta a produzir efeitos 
desde a sua gênese (ex tunc). Malgrado esteja vigente, é destituída de for-
ça normativa, cabendo a todos os operadores do direito, e não só ao po-
der judiciário, obliterá-la, como ensina Lenio Streck13: 
O juiz (e o operador jurídico lato sensu) somente está sujeito 
à lei enquanto válida, quer dizer, coerente com o conteúdo mate-
rial da Constituição. [...] como bem ilustra o mestre italiano 
[Luigi Ferrajoli], em uma perspectiva “garantista” do Di-
reito, “todos os direitos fundamentais [...] equivalem a vín-
culos de substância e não de forma, que condicionam a vali-
dade substancial das normas produzidas e exprimem, ao 
mesmo tempo, os fins para que está orientado esse mo-
derno artifício que é o Estado Constitucional de Direito.” 
A partir desta ótica garantista, explica Ferrajoli, o juiz está 
sujeito somente à lei enquanto válida, isto é, coerente com 
a Constituição: “A interpretação judicial da lei é sempre 
um juízo sobre a própria lei, relativamente à qual o juiz 
tem o dever e a responsabilidade de escolher somente os 
significados válidos, ou seja, (os significados que são) compa-
tíveis com as normas substanciais e com os direitos fundamen-
tais por ela estabelecidos”. Fazer isto, segundo o mestre 
italiano, é fazer uma interpretação da lei conforme à Constitui-
ção, e quando a contradição é insanável, é dever do juiz (ou Tri-
bunal) declará-la inconstitucional. Portanto, conclui, já não é 
uma sujeição à lei de tipo acrítico e incondicional, mas sim 
sujeição, antes de mais nada à Constituição, que impõe aos 
tribunais e aos juízes a crítica das leis inválidas por meio da 
sua reinterpretação em sentido constitucional (interpretação 
conforme) ou a sua denúncia por inconstitucionalidade 
(invalidade total). 
 
 
13 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da 
construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 218-219. 
 
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Ora, sendo assim, ainda que a norma federal esteja vigente, não 
significa que ela seja válida. É indispensável que se analise se ela possui 
adequação constitucional e convencional. Alçada ao patamar de direito 
fundamental, a proteção à saúde não pode ser deixada ao alvedrio de 
eventuais escolhas legislativas momentâneas, não pode ser adiada para 
um futuro distante, quiçá inexistente, quando se sabe que existem claras 
possibilidades de melhor atender aos ditames constitucionais. 
Ao dizer isso, que fique claro, não busco usurpar a competência le-
gislativa ou executiva, colocando-me em uma posição de decidir quais as 
melhores escolha legislativas devem ser feitas, pelo contrário, simples-
mente estou a afirmar que não é só do judiciário a competência de verifi-
car se os atos possuem fundamento constitucional, mas de todos os pode-
res. A única distinção é que o judiciário tem o poder-dever de fazê-lo nos 
demais poderes. Mas a tutela desse interesse cabe a todos os poderes pú-
blicos. 
6. A INSUFICIENTE PROTEÇÃO À SAÚDE DA LEI N° 9.055/95 E 
A JURISPRUDÊNCIA 
Uma norma, ainda que vigendo no ordenamento jurídico e que não 
seja válida deve ser afastada. A validade dela, como dito alhures, está 
condicionada a um elemento formal e a um elemento material. No plano 
infraconstitucional as normas devem respeito à constituição e às conven-
ções no qual o país é signatário. 
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.937/SP, declarou 
constitucionalidade formal da Lei 12.684/2007, do Estado de São Paulo, 
que proíbe uso de produtos constituídos de amianto. Volto ao tema, por-
que é salutar trazer à baila a posição de dois ministros, quando do julga-
mento daquela ADI. Colhe-se, do voto do eminente Ministro JoaquimBarbosa, as seguintes considerações: 
 
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Penso que é inadequado concluir que a lei federal exclui a 
aplicação de qualquer outra norma ao caso. A pré-
existência da Convenção impede que se tente elevar a lei 
ordinária federal ao status de norma geral. Em verdade, é 
a Convenção que possui tintas de generalidade. 
A distinção entre lei geral e lei específica é inaplicável ao 
caso das leis sobre amianto. E isto por uma razão simples: 
em matéria de defesa da saúde, matéria em que os estados 
têm competência, não é razoável que a União exerça uma 
opção permissiva no lugar do estado, retirando-lhe a li-
berdade de atender, dentro de limites razoáveis, os inte-
resses da comunidade. O exercício desta opção esvaziaria 
o compromisso assumido pelo Brasil na Convenção. 
A limitação estadual ao amianto é razoável também pela 
inexistência de alternativas. O contexto fático indica que 
não há medida intermediária à proibição. 
 
E o Ministro AYRES BRITTO, por sua vez, acrescentou: 
 
Acontece que esse caso me parece peculiar, e muito pecu-
liar – se o superlativo for admitido eu diria peculiaríssimo 
–, porque a lei federal faz remissão à Convenção da Orga-
nização Internacional do Trabalho (OIT) 162, art. 3°, que, 
por versar tema que no Brasil é tido como de direito fun-
damental (saúde), tem o status de norma supralegal. Esta-
ria, portanto, acima da própria lei federal que dispõe sobre 
a comercialização, produção, transporte, etc., do amianto. 
[...] De maneira que, retomando o discurso do Min. Joa-
quim Barbosa, a norma estadual, no caso, cumpre muito 
mais a CF nesse plano da proteção à saúde ou de evitar 
riscos à saúde humana, à saúde da população em geral, 
dos trabalhadores em particular e do meio ambiente. A le-
gislação estadual está muito mais próxima dos desígnios 
constitucionais, e, portanto, realiza melhor esse sumo 
princípio da eficacidade máxima da Constituição em ma-
téria de direitos fundamentais, e muito mais próxima da 
OIT, também, do que a legislação federal. Então, parece-
 
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me um caso muito interessante de contraposição de norma 
suplementar com a norma geral, levando-nos a reconhecer 
a Superioridade da norma suplementar sobre a norma ge-
ral. 
 
Acompanhando a posição dos eminentes Ministros naquele outro 
julgado, entendo que a competência municipal não poderia frustrar o 
exercício da tutela à saúde, porque ele se coaduna de melhor forma aos 
compromissos internacionais que o país assumiu do que a norma federal. 
Do contexto fático-probatório, não se pode ignorar os efeitos cancerígenos 
naqueles que manipulam substâncias que contenham amianto em sua 
composição. 
Essa posição também encontra perfeita sintonia com a posição as-
sumida por essa corte no julgamento da ADI 4.066, que julgou procedente 
a ação e declarou inconstitucional, por proteção deficiente, do art. 2° da 
Lei n° 9.055/1995, que permitia a fabricação e utilização de amianto criso-
tila. A interpretação conferida à questão, pautada em um modelo menos 
centrípeto das competências, busca dar uma maior proteção aos direitos 
fundamentais. Sendo assim, uma das formas de inconstitucionalidade de 
uma lei é quando ela não protege ou a faz de forma insuficiente em rela-
ção a tais direitos. 
A norma federal, portanto, está vigente, mas não possui validade, 
porque não protege suficientemente os interesses assinalados pelo Brasil 
nas convenções da OIT. A lei municipal, por outro lado, está muito mais 
em consonância com essas normas. Em um controle de convencionalida-
de, pode-se dizer que há um vazio normativo da lei federal, em que pese 
sua vigência. Diante dessa vacuidade legal e do modelo de competências 
adotada para a matéria, caberia ao Estado legislar plenamente e ao Muni-
cípio legislar de forma suplementar, porque a lei federal inexiste no plano 
jurídico. Em perfeita harmonia com a Lei Estadual n° 12.684/2007 de São 
 
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Paulo, que também proíbe a utilização de amianto, a Lei Municipal exer-
ceu sua competência dentro dos parâmetros da juridicidade constitucio-
nal. 
O direito à liberdade econômica não pode sobrepujar-se ao direito à 
vida. O núcleo duro das garantias constitucionais é o respeito à dignidade 
humana. Não se pode conceber um Estado que proteja deficientemente 
esse núcleo e bens jurídicos como a saúde e estão inseridos dentro desse 
escopo de normas jurídicas fundamentais. As vidas são únicas e insubsti-
tuíveis; a atividade econômica, com o desenvolvimento tecnológico e ci-
entífico, pode adquirir outras formas de sustentação e são, via de regra, 
perfeitamente substituíveis. 
 
7. CONCLUSÃO 
Ante o exposto, conheço a ADPF, e a julgo, no mérito, improceden-
te, com a declaração de inconstitucionalidade material do o art. 2° da Lei 
Federal n° 9.055/1995 com efeitos erga omnes, porque (1) a norma munici-
pal estabelece uma melhor harmonia com as convenções da OIT e o direi-
to fundamental à saúde, além de que o princípio da livre iniciativa não 
fica maculado com a vedação estabelecida em norma municipal, tendo 
em vista a existência de perfeitos substitutivos ao amianto que são menos 
nocivos à saúde e porque (2) a norma federal embora vigente não é váli-
da, portanto não pode servir de base para julgar formalmente a lei muni-
cipal inconstitucional, anote-se que a validade de uma norma possui uma 
natureza formal e outra material, que devem ser respeitadas de forma 
conjuntiva, o que não ocorreu com a lei federal aqui vergastada.

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