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Teresa Southwick – Um beijo do sheik Desesperada por trabalho, a linda americana Crystal Rawlins teria feito qualquer coisa para se tornar a babá dos filhos do sheik Fariq Hassan. E dar uma pequena alterada em sua aparência para conseguir o emprego de seus sonhos num local exótico parecia um detalhe ínfimo. Mas então ela conheceu seu patrão e se deparou com um incrível homem alto, moreno e... uau! Ferido emocionalmente, o sheik Fariq Hassan não confiava em mulheres belas. Felizmente, sua nova babá estava longe de ser atraente. Entretanto, ele foi cativado pelo espírito fogoso de Crystal, e pelos beijos apaixonados. Ela, sem dúvida, também se sentia atraída por ele. Então, por que continuava a evita-lo? E que segredos ela escondia atrás daqueles óculos e das roupas largas? CAPÍTULO I Crystal Rawlins ajustou os óculos grandes e feios, certificando-se de que cobriam o máximo possível de seu rosto. Não se sentia nada bem com aquilo, mas era necessário para o disfarce. Chegara a hora do show. - Sou Crystal Rawlins - disse perante a mesa de mogno do escritório de Sua Alteza, o sheik Fariq Hassan. - Sim, a nova babá. Seja bem-vinda a EI Zafir, srta. Rawlins. Prazer em conhecê-Ia. Moreno, alto e bonito, o homem era a pura definição de um pedaço de mau caminho. O protótipo do príncipe de contos de fadas. Sorrindo, Fariq estendeu a mão. "Apertar a mão do pecado..." O estranho pensamento cruzou a mente de Crystal, quando aceitou o cumprimento, e estremeceu perante a firmeza dos dedos quentes. Por alguma razão, não se achava preparada para o toque dele. O contato, embora breve, mexeu com todos os seus sentidos. Em geral, quando se apresentava em seu primeiro dia num emprego, maquiava-se com esmero e usava roupas que a faziam se sentir profissional e confiante. Mas aquele não era como os outros empregos que tivera, em termos de circunstâncias, valor monetário e importância. E os riscos nunca foram tão grandes antes... Por ironia do destino, uma melhor aparência podia provocar sua demissão. Se isso acontecesse, quem pagaria as despesas médicas de sua mãe? Credores ameaçavam tirar tudo que ela possuía, inclusive a casa na qual Crystal crescera. Mas, independente do preço a pagar, não deixaria que isso ocorresse. - Estou muito satisfeita em conhecê-Io enfim, Alteza. Fiz algumas pesquisas e descobri coisas fabulosas sobre seu país. Estou grata pela oportunidade de trabalhar aqui. Fariq a avaliava. - Mesmo que o contrato seja de três anos? Terá férias, é lógico, mas é muito tempo para estar longe de seu lar. - Estabilidade profissional é uma coisa boa. Ele assentiu. - É verdade. E é estabilidade para meus filhos, também. - Sua tia falou-me que manter o cargo ocupado tem sido um problema. - Sim, foram cinco babás em um ano. - Asseguro-lhe que tenho intenção de cumprir meu contrato. - Ótimo. Posso ver por que titia a tem em tão alta consideração, após conhecê-la em Nova York. - A princesa Farrah tem um excelente gosto. - Ela parou. Aquilo parecia uma terrível falta de modéstia. - Isto é, Sua Alteza parece ser uma mulher exigente, e com grande percepção e excelente gosto para moda. - Para babás também, espero. - E para sobrinhos. - Como? Crystal desviou o olhar e respirou fundo, para recuperar o fôlego antes que os nervos a entregassem. Até aquele lapso, achava que conseguira fingir tranqüilidade. - Falei sobre seu escritório. Também é incrível. - Obrigado. Fariq era pai dos gêmeos de cinco anos que ela fora contratada para cuidar. Era importante começar com o pé direito. Esperara o nervosismo do primeiro dia de trabalho, mas não daquela maneira. Porém, o sheik era tão bonito que chagava a perturbar. Crystal sempre acreditara que beleza era atributo superficial. O caráter, sim, importava. E aquela era sua chance de ganhar dinheiro. Estava diante de seu patrão, o homem mais lindo que já vira na vida, e tudo o que tinha era a face lavada. O que não daria para estar maquiada e com uma bela roupa... Tentava impor-se uma aparência modesta, conforme a exigência para a função. O que era um desafio para ela, uma vez que recebera o título de rainha da beleza em Pullman, Washington, sua cidade natal. Naquela outra época, aparência era o principal degrau para o sucesso. Agora, vivenciava o outro lado da moeda. O príncipe a veria através dos óculos horrorosos, em sua saia azul-marinho longa e sem forma, nos sapatos grosseiros. Sem contar os cabelos tão puxados para trás que chegavam a alterar-lhe as feições delicadas. Se Fariq não a visse assim, Crystal seria demitida de imediato e perderia a chance de embolsar o generoso salário, que era sua razão principal para estar lá. Os outros motivos eram a oportunidade de viajar e a experiência ganha. - Sente-se, por favor, srta. Rawlins. - Fariq indicou a cadeira à frente da escrivaninha. Esboçando um sorriso gentil, ela aceitou o oferecimento. - Então, como foi sua viagem de Washington? O lar das deliciosas maçãs, certo? - Não em Pullman. É trigo, só trigo o tempo todo. E minha viagem foi muito longa, Alteza. Perdi a conta de quantos estados atravessei. -Sim. Fariq Hassan era o filho do meio do rei Gamil e, pelo visto, não desperdiçava palavras. A pesquisa de Crystal sobre a fantástica fann1ia real daquele pequeno país do Oriente Médio revelou que eles não mantinham um perfil social baixo. O irmão mais novo dele, Rafiq, era do tipo playboy. O mais velho, herdeiro do trono, Kamal, era considerado pela imprensa como o mais elegível solteiro do reino. Fariq era separado da esposa, e perseguido por algumas das mulheres mais bonitas do mundo. Nada a se admirar. Já vira a foto dos três irmãos juntos, e eles eram, sem dúvida, de arrebatar corações femininos. Além do fisico poderoso e dos cabelos negros, o sheik número dois tinha uma aparência tão magnética que ameaçava hipnotizá-Ia. Crystal se orgulhava de sua recente habilidade adquirida de negligenciar um rosto bonito. Aprendera a ser impenetrável ao charme dos seres humanos comuns. Mas Fariq Hassan não era nada comum. - Já se recuperou da longa viagem, senhorita? - Quase. Aliás, gostaria de agradecer por sua gentileza de ter me dado essa oportunidade de adequar-me ao fuso horário. Foi ótimo ter um tempo para repousar. Assim, posso causar uma impressão mais favorável a você e a seus f1lhos. - Fale sobre sua experiência com crianças. - Fariq a estudava com cuidado, mas os olhos não deram pista de nada, além de uma curiosidade normal. Se alguém tivesse aprendido a captar o menor interesse masculino usando o radar feminino, esse alguém era Crystal. Tivera muitas experiências indesejáveis, e decidira nunca mais ser objeto de desejo. A reação neutra do sheik era um sinal de que o disfarce estava funcionando. Mas então por que se sentia um tanto desapontada com o fato de ele não a ter achado nem um pouco interessante? - Paguei minha faculdade com o que ganhei cuidando de crianças. "E com o prêmio que recebi em um concurso de beleza." - Sou formada em pedagogia. Depois de terminar a faculdade, trabalhei por um ano com uma família próspera em Seattle. Vossa Alteza deve ter minhas cartas de recomendação. - Suas referências são impecáveis. Pedagoga, então? Aqueles olhos negros pareciam ver através dela. Estaria o sheik desvendando seu disfarce? - Algum dia eu gostaria de exercer minha profissão. -Crystal se aprumou no assento, endireitou os ombros e o encarou em sua melhor atitude "não tenho nada a esconder". - Não tem desejo de construir uma família? - Ele arqueou uma sobrancelha. - Um dia. Mas há coisas que quero fazer antes de me dedicar a amor, casamento e filhos. - Em que ordem? - Que ordem poderia ser? Fariq sorriu. - Filhos depois casamento. As faces de Crystal esquentaram com a sugestão de ir para cama antes de se casar. Algo natural nos dias atuais, mas havia algo estranho em falar de forma tão íntima com aquele homem. - Alteza, não sou ingênua para não saber queisso acontece. Mas não comigo. - Entendo. Mas as moças americanas não se orgulham da habilidade de ter uma carreira e família ao mesmo tempo? Para que esperar, srta. Rawlins? - Não é assim que quero fazer isso. Adoro crianças, motivo pelo qual escolhi uma carreira na área de educação. No entanto, quando tiver meus filhos, pretendo estar em casa para criá-los. E quando chegar a hora certa, voltarei ao trabalho.O fato de trabalhar em escolas me permitirá passar feriados e férias com minhas crianças. - Ah! Uma planejadora. Muito organizada... - Ele franziu o cenho. - Você desaprova? - Muito pelo contrário. Gosto do modo como raciocina. Porém, pela expressão dele, o sheik parecia não acreditar nela. Crystal juntou as mãos sobre o colo. - Posso lhe fazer uma pergunta? - Sim. - Perdoe-me se isso parece impertinente, mas como educadora aprendi que é importante criar uma atmosfera na qual nenhuma questão seja vista como tola. Ele sorriu. - Compreendo. Agora que você se qualificou, por favor, faça sua pergunta tola. - Pois bem. Trata-se de algo que preciso esclarecer. Essa...conversa que estamos tendo parece uma entrevista. - Perdão? - Não sei se me enganei, mas tive a impressão de que eu já estava contratada para o cargo. . - Sim. Tia Farrah ficou muito impressionada com você, e respeito muito a opinião dela. Mas trata-se de meus filhos, srta. Rawlins. A decisão final é minha. - Quer dizer que se discordar da princesa Farrah... - ...você voltará aos Estados Unidos no próximo avião. - O que me faz levantar outra questão. - Tola? - Ele sorriu com malícia. - Espero que não. - Pigarreou. - Por que pediu uma babá americana? Por que não uma mulher de seu próprio país, familiarizada com os costumes de EI Zafir? - Meus filhos aprenderão sobre nosso país comigo e com minha família. Mas muitos de nossos negócios estão no Ocidente, e Hana e Nuri, no futuro, terão de interagir com representantes da América do Norte. Será capaz de prepará-los para isso, senhorita, coisa que alguém daqui não poderia fazer. É um requerimento que considero muito importante. Ela engoliu em seco. - Sobre as qualificações do cargo, Alteza... - Não estão claras o bastante? - Sim, mas... posso saber por que você requisitou que fosse uma mulher simples e comum? - Acredito que a frase tenha sido: "uma americana comum e discreta, com alguma inteligência e que seja boa com crianças" . Crystal pensou que podia ser tão discreta quanto quisesse. Julgava-se inteligente o bastante para ter se formado com louvor, e quanto a gostar de crianças... era a mais nova de cinco filhos, e todos os irmãos mais velhos lhe deram sobrinhos que ela adorava. Contudo, era a parte "mulher comum" que a intrigava. Com "comum e discreta", Crystal tinha certeza de que Fariq queria dizer "feia e sem atrativos". Aquilo não a ofendia, mas estava curiosa. - Entendo o significado do resto. Mas sua tia não explicou por que esse requisito era tão importante. - Porque mulheres bonitas são... - ele hesitou, adquirindo um olhar sério - ...geladas e quentes ao mesmo tempo. Uma distração nada conveniente. Crystal esperara arrogância. Preparara-se para ela, e não se desapontara. Entretanto, até ter levantado o tema, Fariq vinha sendo educado e amistoso. A súbita frieza revelou-lhe que o sheik tinha uma história, e não a surpreenderia se uma linda mulher estivesse envolvida. Queria muito saber o que acontecera com ele. E ficaria ali tempo bastante para descobrir. Ou melhor, se ele não descobrisse seu disfarce e a despedisse. Quer dizer que mulheres bonitas não eram uma distração conveniente? Ela ficou perturbada. Um sheik podia então safar-se das obrigações sobre os próprios atos, culpando os outros por suas falhas? - Alteza, deixe-me constatar se compreendi. Se você não é capaz de controlar seus impulsos, a culpa será da mulher por ter nascido bonita? Ela empinou o queixo, encarando-o, deixando que Fariq a visse bem. Se seu disfarce não podia esconder a mentira, era melhor saber logo. E também não achava que sua beleza física ou a falta dela deveria ser a maior qualificação para cuidar dos filhos dele. Fariq a observou por vários segundos, mas Crystal não se desviou. Talvez tivesse sido ousada demais, mas se ele não a quisesse com sua ousadia, que tudo acabasse de uma vez. Sobretudo pelo bem das crianças. - Deixe-me ver se entendi. Está me perguntando. de quem é a culpa se sou incapaz de me concentrar na presença de uma garota bonita? - Isso mesmo. - É dela, claro! - Então há algo que você precisa saber antes de prosseguirmos. Ele pôs as mãos sobre o tampo e se inclinou para a frente. - E o que é? - Minha filosofia em lidar com crianças é que a pessoa sempre precisa assumir a responsabilidade por seus atos. - E há algo que você precisa saber sobre mim. - Prossiga. - Não sou criança. E nunca me engano. Fariq era tão absurdamente másculo, de um jeito tão primitivo, que a primeira frase dele soou quase ridícula. Aquilo quase a distraiu da segunda afirmação. Nunca se enganava? - É sempre bom saber o que pensa meu patrão sobre o assunto. Isso é, assumindo que você ainda é meu patrão. - Ela prendeu a respiração. - Acho que minha tia escolheu bem. Você será boa para a função. Crystal devia estar radiante por ter passado na entrevista. Estava contratada. Vencera o obstáculo! Mas, por estranho que fosse, sentia-se vazia com seu sucesso. Fariq acreditava que ela era tão sem graça quanto fingia ser. Suspirou. Ainda assim, tinha de respeitá-lo. Apesar do apoio da tia e do fato de que pessoas na posição de Fariq pagavam para se livrar de responsabilidades com os filhos; ele amava tanto os garotos que insistira em conhecê-la. Era óbvia a relevância que dava a aprovar a pessoa que cuidaria deles. - Estou muito ansiosa para conhecer seus filhos, Alteza. - Vou levá-la para vê-los. - Havia uma nota de orgulho na voz dele e um brilho carinhoso nos olhos. Fariq se levantou, rodeou a mesa e gesticulou para que ela o precedesse. Ao chegarem à pesada porta de madeira do escritório, ambos alcançaram a maçaneta, e as mãos se tocaram. - Permita-me, senhorita. - Obrigada. . No corredor, fora da sala, Crystal olhou em volta. Os sapatos de salto baixo afundaram no carpete felpudo. Painéis de madeira alinhados exibiam fotos encantadoras de El Zafir em vários estágios de desenvolvimento. Jamais Crystal vira tanto luxo. Piso de mármore, grandes escadarias, uma fonte no hall e lindos jardins. Havia móveis caríssimos, peças em ouro por todos os lugares, quadros inestimáveis, vasos e tapeçarias. E o número de dormitórios daria para abrigar um pelotão inteiro do exército americano. Quando chegara à ala de negócios para sua primeira reunião com o príncipe, o nervosismo obscurecera sua visão. Agora que o emprego era certo, podia notar muito mais. Eram quatro os escritórios. O do rei era o primeiro, portanto, o do príncipe herdeiro, seguido pelo de Fariq. À direita no fim do corredor estava o último, que supôs pertencer a Rafiq, o caçula. Então, ouviu risadinhas agudas de crianças. Olhando para cima, bem para cima, para seu patrão e guia, Crystal apontou na direção do barulho: - Eles foram para lá. O sheik a guiou até o último escritório, e lá, num enorme sofá de couro, estavam duas crianças e um homem que só podia ser o irmão de Fariq. Uma garotinha se sentara em um joelho dele, e bagunçava-lhe os cabelos. Ao mesmo tempo, o príncipe Rafiq fazia cócegas no menino, que ocupava seu outro joelho. A criança gargalhava, implorando para que ele parasse. Sem dúvida, aqueles eram os gêmeos de cinco anos de quem tomaria conta. . - E dizem que os homens são incapazes de múltiplas tarefas... - Crystal não pôde resistir ao comentário. Fariq levantou as sobrancelhas, brincalhão. - Guarde bem esse segredo. De repente a menininha e o garoto gritaram ao mesmo tempo: - Papai! Pulando dos joelhos do tio, correram para ele, cada um abraçando-lhe uma perna. Fariq se agachouno nível deles e os estreitou. - Olá, minha pequena. - Deu um beijinho carinhoso no nariz da menina. - E meu filhote? - Sorriu para o menino e acariciou-lhe os cabelos. - Há alguém aqui que quer conhecer vocês. De súbito, dois pares de olhos escuros muito curiosos e um pouco tímidos viraram-se para ela. - Esta é a srta. Rawlins. O que vocês dizem? - Olá. - O garoto olhou para o pai. - Quero dizer... prazer, senhorita. . Fariq assentiu. A menininha ainda se mantinha agarrada na perna do pai. - Prazer - imitou o irmão. O príncipe sorria com ternura para a filha. - E aquela babá de meia-tigela é meu irmão mais novo, Rafiq. - Alteza... - Crystal fez uma leve reverência. O príncipe se levantou e arrumou a cabeleira revolta, tentando corrigir o dano causado pela sobrinha. Qualquer homem que pudesse brincar com crianças à custa de sua aparência era valorizado na opinião de Crystal. - É um prazer conhecê-la, srta. Rawlins. - Rafiq estendeu-lhe a mão. - O prazer é meu, Alte... - Chame-me de Rafiq. Eu insisto - acrescentou antes que ela pudesse protestar. - Obrigada. - Crystal fitou primeiro o menino, e a irmã dele. - Estes devem ser Nuri e Hana. - Como sabe nossos nomes? - Hana, impressionada, piscou. Em quinze anos, talvez menos, a população masculina de EI Zafir estaria fazendo fila na porta do palácio, pensou Crystal. Hana era uma criança muito linda. - Sua tia Farrah me contou, querida. Quando a encontrei em Nova Y ork, ela me mostrou fotos de vocês dois. - Seus óculos são muito grandes. E muito feios. - Nuri era tão bonito quanto a irmã, e sem dúvida herdara um pouquinho da arrogância do pai. - Você é muito observador. - Seus cabelos foram muito esticados, não dói? - Hana quis saber. - Não, é só impressão. - Mas o começo de uma dor de cabeça negava as palavras de Crystal. - Posso fazer uma pergunta, Alte... - Fariq - corrigiu ele. - Meu irmão tem razão. Vamos eliminar as formalidades excessivas dentro de casa. - Certo, Fariq. Você costuma trazer as crianças para cá com freqüência? - De modo algum. Mas meu irmãozinho resolveu dar essa abertura aos dois e bancar a ama-seca hoje. Talvez porque se culpe pela partida súbita e nada digna da última babá. - Não foi culpa minha! - Não minta, tio - disse Nuri. - A babá estava em sua cama. - Como você sabe disso? - A fachada carrancuda de Rafiq foi destruída por um meio sorriso. - Tia Farrah contou para vovô - explicou o garoto. - E ele falou que a nova babá teria de ser uma velha feia. - Como ouviu isso, Nuri? - Fariq estava aborrecido. - Ele estava escondido atrás do sofá de tia Farrah, de novo. - Hana olhou para Crystal. - Estou feliz que você não seja nem velha, nem feia. - Que amor... - Crystal agradecia aos céus por alguém da família real poder vê-la além do disfarce. - Minha pequena, não deve delatar seu irmão. - O príncipe aconselhou a filha. - Mesmo que seja verdade e que ele seja malvado? - Mesmo assim. Lealdade familiar é um tesouro. Fariq gostou da expressão embaraçada no rosto de seu irmão e esforçou-se para não rir das palavras do filho. Não sabia que o menino conhecia detalhes do caso, mas era a mais pura realidade. Então, flagrou Crystal observando Rafiq e perguntou-se o que ela estaria pensando. - Como todas as mulheres que Rafiq conhece, a antiga babá se apaixonou por ele. Só que as atitudes da moça não a levaram ao resultado que tinha em mente. Crystal arregalou os olhos. - Acho que posso adivinhar o que era esse resultado, uma vez que estou aqui e ela não. - Demissão instantânea - confirmou Rafiq. - E tive de convencer o rei a não degolá-la. Hana deu risada. - Você está mentindo de novo, tio! - Sim, minha pequena. Seu tio é mentiroso - concordou Fariq. - Ele alega ter tentado recusar os assédios dela. - E foi o que fiz - protestou Rafiq. - Muito inocente, entrei em meu quarto e lá estava ela. Eu me virei e saí na mesma hora. Papai acreditou em mim. - O rei não estava interessado em explicações - Fariq se dirigia a Crystal. - Ordenou que meu irmão desistisse de flertar com as empregadas, achasse uma esposa e se acomodasse. As palavras exatas dele foram: "Não quero justiça, apenas paz e tranqüilidade". - Posso entender por quê. . - Mas ainda havia a necessidade de encontrar uma outra babá. Uma vez que a mãe dos gêmeos morrera. O pensamento foi seguido por uma familiar onda de raiva. A falecida esposa ainda tinha o poder de deixá-lo zangado. - Eu estava em negociações para trazer um hotel e uma famosa loja de departamentos para EI Zafir, por isso pedi a tia Farrah que fosse até uma conhecida agência de empregos em Nova Y ork. Fariq não discordara da estipulação do pai. Para ser franco, achara uma ótima idéia acrescentar "mulher comum" à lista de exigências. Não desejava lidar com uma pessoa que escondesse um coração palpitante e exibisse a face de um anjo. Uma vez fora o bastante. Por isso, decidira que Crystal preenchia à risca as exigências do rei. E seus filhos tinham um olhar afiado, decidiu, orgulhoso. Os óculos dela eram mesmo muito grandes e feiosos, mas não podiam esconder os belos olhos verdes. Olhos de gato. Brilhavam com inteligência e humor. E o pouco da pele do rosto que ficava exposta parecia bem sedosa. Os cabelos eram loiros, e o estilo severo do penteado escondia qualquer atrativo que Crystal pudesse ter. A saia azul marinho larga e comprida estava coberta por um blazer, que Fariq desejou que fosse um pouco mais curto e mais bem cortado, para que tivesse uma idéia melhor do corpo dela. Os tornozelos, que podia ver, mostravam grande potencial para o resto das pernas escondidas. O sheik foi obrigado a admitir que estava um pouco curioso dos contornos daquela jovem. Mas a curiosidade matou o gato... Deveria, sim, era estar agradecido pelos trajes conservadores que restringiam sua visão. Porque precisava de uma babá, e sua tia garantira que Crystal era perfeita. Tinha de concordar. Gostara de sua maneira direta e franca. Ela falava o que estava pensando. O que ele achava ótimo. Então havia o senso de humor, que Fariq notara na conversa entre eles. Era evidência de um raciocínio vivaz e rápido. Descobriu que gostava de Crystal, e a constatação era um aviso. Que optou por negligenciar. Aquilo apenas significava que a interação deles em relação às crianças seria mais eficiente. Concordava com a tia. Crystal parecia perfeita. Exceto por um pequeno detalhe: o sorriso. Fariq o vira poucos minutos antes, quando os lábios dela se levantaram, revelando dentes brancos magníficos numa expressão adorável. Quando Crystal tornara a sorrir, dessa vez carinhosamente, para Hana, Fariq experimentou uma estranha sensação no peito. Tentou reprimi-la quando ouviu-lhe a voz macia e melodiosa. Crystal irradiava calor humano. Algo importante para os filhos dele. Nada mais importava. Crystal abaixou-se para olhar direto para a criança. - Hana, concordo com seu pai sobre não delatar, mas também me lembro de como é gostoso provocar um irmãozinho, não é? - Você tem um irmão? - Rafiq quis saber. - Quatro. - Crystal se endireitou. - Sou a mais nova. E tenho vergonha de admitir que cansei de delatá-los, em minha infância. Fariq a olhou. - Como eles lidavam com isso? - Nada bem. Mas não havia muito que pudessem fazer. Meu pai ordenava que eles não encostassem a mão em mim."Não se bate em garotas", dizia sempre. - Um homem que bate em mulher é um animal irracional. - Seu pai é, sem dúvida, um senhor honrado. O que fez com que criasse uma filha honrada. Em meu país não há tolerância para abusadores de mulheres. A transgressão é punida com severidade. - Assim como mentiras e seduções - acrescentou Rafiq. Fariq pensou ter visto a linda pele de Crystal empalidecer. Por isso, virou-se para o irmão e indagou: - A que se refere? Suas mentiras e seduções colocaram a última babá no olho da rua. - Sou honrado e só falo a verdade, Fariq. Não sei por que papai me responsabiliza pelo comportamento abomináveldaquela moça. Não foi culpa minha. Bem, talvez não tivesse sido mesmo. Como poderia evitar que as mulheres o achassem charmoso? Rafiq fitou Crystal. - Você acha que sou do tipo que pode ser desonesto? - Mal o conheço... - Ela arregalou os olhos quando se deu conta de sua resposta. - O que eu quis dizer fo.. - Esqueça isso, Crystal. Não há necessidade de tentar consertar. Sua primeira resposta para meu irmão foi precisa. - Então tente me conhecer. - Rafiq piscou. - No jantar desta noite. A família toda estará lá. "Lá vai ele de novo", pensou Fariq. "Sempre jogando charme." Mas por algum motivo, a atenção do irmão em relação a Crystal o perturbou. Seria a inocente observação dela sobre a ordem de amor, casamento e filhos? Que coisa! Crystal era ingênua demais para lidar com os flertes de Rafiq. - Sim, por favor! - Hana juntou as mãos num gesto de súplica, dirigido a Crystal. Fariq conhecia a filha. A garotinha, que não costumava confiar com facilidade, aceitara bem aquela mulher. - Titio está certo. Você deve conhecer a família. O jantar é às sete. - Está bem, querida, obrigada. Ela respondeu de pronto, mas Fariq teve a impressão de que sua mais nova funcionária parecia ter sido sentenciada à decapitação na praça Casbah. E decidiu que descobriria o motivo disso. CAPITULO II Fazia quatro horas que Crystal deixara a ala de negócios do palácio, pálida e apavorada, após receber o convite para jantar com a família real inteira. Nesse momento, estava sentada à mesa deles, perguntando se conseguiria enganar a todos com seu disfarce. Afinal, Rafiq mencionara sobre degolar a última babá! Ele parecera estar brincando, mas muitas verdades eram ditas em brincadeiras. - Acho que a nova babá é uma fraude. - A princesa Farrah a estudava. Crystal ficou paralisada e sentiu o sangue gelar. - Perdão? - disse, esforçando-se para olhar para a princesa. . - Você está tão calada, tão diferente da jovem cheia de vivacidade que conheci em Nova York... Certo. O humor da família real surgia através do exagero. - Segundo minha mãe, quando não se tem certeza do que dizer, é melhor ficar calada. - Uma mulher sábia, sua mãe - comentou o rei Gamil. - Sim, Majestade, ela é. - Crystal notou que o rei a observava. Ele devia ter por volta de cinqüenta e cinco anos. Era ainda muito bonito, e o brilho prateado nas têmporas lhe dava um ar distinto. Vicki Rawlins, a mãe de Crystal, teria adorado jantar com a fann1ia real de EI Zafir. Casada e mãe antes de se despedir da adolescência, Vicki costumava verbalizar os arrependimentos de nunca ter experimentado a vida fora da cidade de Pullman. Depois que Crystal se formou na faculdade, seus pais se viram, enfim, na posição de realizar as viagens com que Vicki sonhara por tanto tempo. Mas o destino não cooperou, contrariando todos. O devastador acidente de carro de sua mãe fora seguido por uma recuperação cara, lenta e dolorosa. Apesar disso, ou talvez por causa disso, Vicki encorajou Crystal a fazer tudo o que tivesse vontade, antes de se casar e construir uma família. E ficou felicíssima quando descobriu que a filha conseguira aquele emprego. Isso e o salário generoso eram as razões pelas quais Crystal estava tão determinada a fazer daquela experiência profissional um sucesso. Fracasso não era uma opção. - O fato de você estar tão quieta significa que não está se divertindo conosco? - Pelo contrário, Majestade. Nunca tive um jantar tão maravilhoso. Todos os presentes notariam que seus nervos se achavam à flor da pele? - Fico satisfeito que esteja gostando da refeição. - Gamil colocou o garfo de ouro sobre o prato. - E a companhia é ímpar, também. Crystal via que os filhos do rei tinham herdado a bela e distinta aparência do pai. Durante o coquetel antes do jantar, ela conhecera o príncipe Kamal, o mais velho dos irmãos. Como os outros, ele era alto, moreno e lindíssimo. Embora, em sua humilde opinião, Fariq fosse de longe o mais formoso. Mas qualquer um podia ver a beleza da família real de EI Zafir, o que era, sem dúvida, um dos motivos de sempre aparecerem nos jornais. A princesa Farrah era irmã do rei, e parecia preencher o posto de pulso feminino forte para o viúvo. A idade dela era impossível de adivinhar. Podia ter de quarenta a sessenta anos. Era fabulosa, com seus cabelos escuros e curtos, penteados em estilo refinado, e num caríssimo vestido Chanel azul-celeste. Os olhos pretos eram enormes e expressivos. A princesa Johara, a única filha do rei, tinha dezessete anos. Era uma garota adorável, com grandes olhos negros e semblante delicado. Sentou-se do mesmo lado da mesa que Crystal. Hana estava entre elas, com Nuri a sua frente. - Não posso evitar sentir que existe um outro motivo para sua timidez - comentou Fariq. - Algo que não seja cautela. - Verdade? - É possível que esteja estranhando o novo ambiente, Crystal? - De modo algum... Crystal nascera e fora criada numa cidade pequena. Aquela noite, seu ambiente incluía a família real inteira de um país distante, rico em petróleo. Estava em uma sala preenchida com os móveis mais caros que já vira. Velas brilhavam em castiçais de cristal presos na parede, e o perfume das flores dava graça à mesa de jantar, assim como numerosos arranjos dispostos de forma artística nas laterais. A toalha que cobria o tampo devia custar mais do que seu salário mensal. Era natural que não se achasse adequada àquilo tudo. - Agora que você mencionou, Fariq, estou mesmo um pouco intimidada. - Por favor, não fique - pediu a princesa Farrah. - Somos apenas pessoas normais. - Defina "normal". - Crystal riu. -Alteza, minha família nunca teve um coquetel antes do jantar. E para as refeições costumamos vestir camiseta, jeans e tênis. Olhou para seu vestido marrom deselegante e suspirou. Mesmo se soubesse antes qual era o traje apropriado, não poderia ter usado nada belo. A seu lado, Hana escorregou da cadeira e foi para debaixo da mesa pegar o guardanapo que caíra de seu colo. O rei franziu o cenho e pigarreou. - Talvez sejamos um pouco mais formais do que uma família média. Porém, concordo com Farrah: relaxe e seja você mesma. Posso dizer que minha irmã fez um trabalho admirável ao contratá-la. Creio que será uma babá esplêndida para Nuri. E talvez para Hana, se ela resolver sair de debaixo da mesa. A garota pôs uma mão na boca para reprimir uma risadinha e fitou Crystal. Depois de piscar para a menina num gesto de cumplicidade, ela deu um tapinha na cadeira a seu lado, e a criança voltou a se sentar. - Obrigada, Majestade. Aprecio sua aprovação. - E sorriu para o rei. A adrenalina começava a se acomodar, depois de ter, pelo que tudo indicava, alcançado êxito com seu disfarce. Até aquele momento, tudo ia bem. Ninguém vira através dos horrorosos óculos e das roupas de mau gosto. Devia ficar radiante, alegre. Mas não estava. E aquilo a confundia. - Posso perguntar onde você estudou? - Kamal quis saber. Ele era mais sério que os irmãos. Rafiq era amigável e charmoso, Fariq, tranqüilo e sério, embora tivesse revelado traços de humor sob o exterior reservado. Mas ela ainda não vira Kamal dar um único sorriso. - Na Universidade de Washington, Alteza. - Que curso fez? - Pedagogia. E depois me especializei em comportamento infantil. - Que outros atributos a qualificam para cuidar de meus sobrinhos? Crystal olhou para Fariq e teve certeza de que havia uma ponta de divertimento no semblante dele. "Lá vamos nós de novo. Outra entrevista. A terceira!" - Trabalhei durante a faculdade, cuidando de crianças para famílias distintas durante as férias de verão e inverno. Todas as minhas referências estão no currículo, que dei à princesa Farrah. - Vou dar uma olhada nelas. Crystal se perguntou se aquelas pessoas alguma vez se comunicavam entre si. Então, não pôde resistir a uma questão e olhou ao redor: - Há mais alguém que queira me entrevistar e se certificar de que sou qualificada? A princesa Farrah sorriu paraela. - Não deixe que os homens Hassan a assustem, minha querida. O cargo é seu desde que a contratei em Nova York. Meus sobrinhos apenas são curiosos demais e querem manter a pose. Fariq depositou o copo de água de cristal sobre a mesa. - Não é questão de curiosidade. Estamos falando de meus filhos. - Concordo. E os meninos são muito amados por mim também. A agência de Nova York tem reputação ilibada. Com a ajuda deles, conduzi uma pesquisa meticulosa para encontrar a babá perfeita. Hana e Nuri estarão em excelentes mãos. Crystal é uma jovem admirável. - O tempo dirá - disse ele. Crystal achou que as palavras de Fariq, e sobretudo seu cinismo, continham desafios ocultos. Contudo, antes que pudesse pensar naquilo, Johara se dirigiu ao pai. - Quero ir a Nova York. - É apenas uma cidade - afirmou o rei, dispensando o comentário. - Você está muito mais segura aqui. É sua casa e o lugar ao qual pertence. - Não quero estar segura. Não quero pertencer a algum lugar. Quero experiências novas. Gostaria de viver minha vida sem todos me dizendo... O rei balançou a mão, impaciente. - Bobagem, Johara. Está na hora de abandonar seus sonhos tolos. - Não são sonhos tolos! - Basta - decidiu o rei. - Não quero mais ouvir sobre suas fantasias de adolescente. Não fale mais nesse assunto! A jovem o encarou, furiosa, mas o obedeceu, calando-se. Entretanto, a hostilidade irradiava dela em ondas quase tangíveis. Crystal não podia culpá-la. Sabia que Gamil era conhecido como um monarca que ouvia as necessidades de seu povo e os guiava o melhor possível. Mas se não começasse a ouvir e prestar atenção ao que acontecia embaixo do próprio teto, as coisas poderiam ficar ruins. EI Zafir podia estar localizado do outro lado do mundo em relação aos Estados Unidos, mas Crystal apostava que os adolescentes de lá compartilhavam os mesmos desejos, necessidades e características. E um desses desejos era ser valorizado e levado a sério, sem mencionar perseguir a felicidade... e independência. - Conte-me, Crystal, tem algum partido político de sua preferência em seu país? Embora ela tivesse vontade de sacudi-lo e dizer-lhe para perguntar à filha quais eram suas crenças, conteve-se. - Sim, Majestade. Sou uma republicrata. Todos se calaram, e Crystal sentiu seis pares de olhos sobre si. Teriam sido oito, mas as crianças se moviam nas cadeiras, brincando de se esconder atrás do guardanapo. Era só uma questão de tempo antes que ambos desaparecessem debaixo da mesa. - Republicrata? - Fariq franziu o cenho. - Estudei a política americana, mas nunca ouvi falar desse partido. - Ninguém mais ouviu. Tem apenas um membro: eu. Basicamente tiro o melhor dos democratas e dos republicanos, e voto conforme minha consciência. - Ah! Dança conforme a música. "Mestiça, vira-lata. É assim que ele deve estar me vendo." - Isso mesmo. - Cruzamento de raças em política. - O rei achou graça. - Isso demonstra responsabilidade e inteligência. Você não apenas segue como um carneirinho. É uma mulher capaz de pensar por si mesma. - Essa sou eu, Majestade. Cruzamento de raças em política e ancestralidade. Não tenho pedigree. - Graças a Deus - opinou Rafiq, a expressão séria. - Tenho muita experiência com cavalos, e os puros-sangues dão muito problema. - Concordo com você, Rafiq. Sempre dei preferência aos cães vira-latas. Eles são doces, menos complicados e muito mais fiéis. - Sim. - Fariq tomou um gole de champanhe. - E as pessoas se parecem muito com os animais, nesse quesito. Crystal enrubesceu. Era possível que ele tivesse lido seu pensamento? Entendera que ela se referira ao fato de que o pedigree da família real podia torná-lo uma criatura aborrecida? - Não tenho certeza se entendi sua colocação, Fariq. - Cavalos puros-sangues podem ser difíceis e exigentes. Nada diferente de meus próprios filhos. Pedi alguém com inteligência, energia e qualidade para orientá-los. Uma coisa que não discutimos são seus pontos de vista sobre a educação de crianças. - Eu ficaria feliz em lhe expor minha filosofia quando você quiser. - Que tal agora? - Certo. Isso poupará tempo, já que todos estão aqui. O que gostaria de saber? - Qual sua opinião sobre castigo? - Fariq pôs o guardanapo de linho ao lado do prato. - Sou a favor, mas acho que a punição deve ser proporcional à falta. Naquele momento, a pequena Hana, sem querer, empurrou o prato com o cotovelo, batendo-o no copo, que caiu e se quebrou, espalhando água na toalha. - Oh, Bá! - exclamou a menininha, escondendo o rosto no ombro de Crystal. Ela pôs o braço em volta da criança. - Não se preocupe, querida. Acidentes acontecem. - Johara! - O rei, severo, lançou um olhar zangado para a filha, enquanto um empregado se apressava em limpar a mesa. - As crianças são sua responsabilidade esta noite. Faça com que se comportem! - Mas, papai, eles já estão sentados há muito tempo! - Leve-os para os quartos. - Com prazer. - A princesa se ergueu. - Hana, Nuri, venham comigo. Crystal deu um abraço rápido na garotinha antes de deixá-la ir com sua tia adolescente. Depois que eles se foram, um silêncio estranho preencheu o ambiente. Fariq pigarreou. - E que punição daria para essa falta? - Em primeiro lugar, isso não foi uma falta, mas um acidente. Se Hana tivesse feito de propósito, seria diferente. Em segundo, concordo com a princesa Johara. Crianças de cinco anos agüentam mais ou menos quarenta e cinco minutos sem atividade. E Hana e Nuri passaram disso com louvor. Ficaram sentados até agora, e precisavam de espaço para serem crianças. - O que você teria feito? - Eu já os teria levado para o quarto e começado a rotina de colocá-los para dormir. - Mas eles fazem parte da família real- protestou o rei. - Crianças da família real, Majestade, e não pequenos adultos. Conforme forem amadurecendo, serão capazes de lidar com as exigências das circunstâncias. No entanto, têm , apenas cinco anos. - Mas Johara... - Perdoe-me, Majestade. A princesa não teve culpa. Controlar garotos de cinco anos não é uma tarefa fácil. - Crystal, você tem toda razão - interveio a princesa Farrah, com delicadeza. - Alego ignorância na arte da educação de crianças, uma vez que não sou mãe. Gamil também não é nenhum especialista, uma vez que seus quatro filhos foram criados por babás e em colégios internos. Eu sabia que você seria perfeita assim que a conheci. - Obrigada, Alteza - Crystal agradeceu e, quando olhou em volta, viu que todos os homens Hassan concordavam com as palavras dela. Experimentou uma grande satisfação. Em geral era sua aparência o que a fazia ser notada. Na realidade, quase se casara com um rapaz que decidira que ela seria a esposa certa para desfilar ao lado de um advogado na escalada do sucesso. Ele lhe dissera para manter os pensamentos para si mesma, endireitar a coluna e sorrir lindamente. Crystal o mandou procurar outra pessoa. Era gostoso ser levada a sério por seu cérebro privilegiado. Naquele emprego, sua aparência era na verdade um obstáculo a transpor. Mas o tremor de alegria que lhe percorreu a espinha quando descobriu que Fariq a olhava com intensidade fez com que desejasse um pouquinho de batom, rímel e roupas elegantes. Entretanto, não dava para ter as duas coisas. Até que, passando algum tempo, conseguisse convencer aquelas pessoas de que era mais do que adequada para cuidar dos filhos de Fariq, seria forçada a manter o segredo. - Por que você não tem filhos, meu bem? Fariq resolveu se adiantar: - A srta. Rawlins acredita em amor, casamento e filhos, titia. Nessa ordem. - Sei. E você ainda não encontrou um homem que faz seu coração bater mais rápido? Contra a vontade, o olhar de Crystal foi para Fariq. Rápido, ela se desviou. - Não, Alteza. Quase fiquei noiva uma vez, mas... - Quase? - Fariq quis saber. - E agora? - Ele está fora de minha vida. - Deu de ombros, Crystal começava a se sentir no banco da inquisição espanhola. - Quer dizer que, para esquecer a dorda separação, aceitou este cargo longe de seu país? - inquiriu Kamal. - Desde que eu era garotinha, minha mãe me treinou para experimentar o mundo antes de assumir responsabilidades maiores. - Treinou? Interessante escolha de palavras. - Fariq arqueou uma sobrancelha. - Tenho quatro irmãos, que seguiram o exemplo de meus pais, casando-se jovens e iniciando família em seguida. Sou a única que não fez isso, portanto, a grande esperança de minha mãe é que eu siga os passos que ela não pôde dar. Pretendo deixá-la orgulhosa. - Então o conselho de sua mãe é nossa sorte. - Espero que continue pensando dessa maneira, Fariq. - Ela tirou os óculos por um momento e esfregou o nariz no local ardido onde eles se apoiavam. A princesa Farrah inclinou-se em sua direção. - Crystal, você precisa mesmo usar isso? A pergunta a pegou de surpresa. Quando achava estar segura para baixar a guarda, algo inesperado surgia. Assim, pôs logo os óculos de volta. - Por que, Alteza? - Porque seus olhos são lindos. E sua pele é maravilhosa. Pelo que posso ver, você não está usando nada de maquiagem.. - Não. - Crystal suspirou. - Fico cega como um morcego sem óculos. Miopia com astigmatismo. - Pelo menos aquilo era verdade. - Sem eles, não poderia enxergar do outro lado da mesa. - Que pena... Sem esses óculos você poderia ser bem bonita. Já pensou em usar lentes de contato? - O que isso importa? - Fariq se irritou. - Ela é boa como está. Beleza é uma qualidade supervalorizada, e para mim, inútil. Rafiq apoiou os cotovelos sobre a mesa. - Não me diga que meu irmão prefere as feias! - Eu não disse isso. - Se beleza não mexe com você, quais os atributos femininos que acha excitante? - Kamal sorriu de leve. . - Honestidade - Fariq afirmou sem hesitação. De todos os atributos que ele poderia ter nomeado, aquele era o que Crystal não poderia dizer que tinha. Ao menos não cem por cento. Fariq era muito considerado por toda a alta sociedade. Seu nome esteve ligado a algumas das mulheres mais lindas do mundo. Mas dizia estar mais interessado em sinceridade do que em beleza. Aquilo a aturdiu. Por isso, falou a única coisa em que pôde pensar: - Minha mãe sempre diz que beleza não se põe na mesa. Mas que ninguém gosta de comer no chão. Todos riram, e Crystal ficou feliz por ter conseguido quebrar o clima tenso. Só esperava que a princesa Farrah parasse de querer melhorá-la. Sobretudo porque ela era mulher, e mulheres não podiam resistir a ficar mais belas. E não era uma super-heroína. Não tinha cartas dentro da manga para preservar seu ego alterado. Mas também não queria imaginar o que poderia acontecer se Fariq descobrisse que podia ficar esplêndida se quisesse. CAPITULO III Fariq jogou o documento que tinha em mãos sobre a mesinha de centro de sua suíte. Quanto mais tentava se concentrar no trabalho, mais pensava na nova babá de seus filhos. Descobrira que Crystal era uma curiosa mistura de força e inteligência. Jurara nunca mais se deixar levar por um rosto bonito. Estava quebrando seu juramento pensando nela daquele jeito? Crystal não era o tipo de garota maravilhosa com as quais se envolvia. Mas achava-a agradável e surpreendente. Olhou para as portas francesas abertas para a varanda quando um barulho do lado de fora chamou-lhe a atenção. Levantando-se do sofá, foi até lá e espreitou. Apesar das muitas nuvens que cobriam a lua, avistou uma figura encostada contra o parapeito da varanda, do lado de fora dos quartos em que seus filhos dormiam. - Olá - Fariq cumprimentou. Crystal virou-se ao som da profunda voz e levou a mão ao peito. - Que susto! Achei que estivesse sozinha. - E estava. Mas ouvi um ruído e saí. Esta varanda vai até minha suíte... todos os dormitórios são conectados por ela, e daqui podemos ver o mar. Minha suíte é aquela. - E apontou. - Só vim tomar um pouco de ar. Perdoe-me se o perturbei. - Você não me perturbou, Crystal. Na verdade, ela o perturbara antes mesmo de descobri-la na varanda. O sheik notou que os cabelos de Crystal não estavam mais puxados naquele estilo severo, e a brisa do Mar da Arábia soprava mechas em seu rosto. Apesar da parca luz, podia ver que os fios batiam um pouco acima da cintura. A maioria das mulheres contemporâneas não usava cabeleira tão longa. Porém, Crystal não era uma mulher da moda. Os cabelos eram lindos, mas a tentação de correr os dedos através deles o incomodou. Conforme a visão se ajustava à escuridão noturna, Fariq notava mais alguns detalhes que fizeram seu pulso acelerar. Crystal vestia uma camisola de seda branca e renda, com uma gola alta e discreta. De alguma maneira aquilo era muito erótico. Ela não pusera um robe. Porque acreditava estar sozinha? A vida com sua esposa o ensinara a questionar tudo. Por isso, perguntou-se se Crystal não sabia mesmo da presença dele ali, ou se tinha algum plano arquitetado. No entanto, a maneira como se encolhia complementava sua imagem virginal. Fariq se aproximou o bastante para inalar o perfume sedutor da pele feminina. - É melhor eu entrar. Está tarde. Ele adorou sua entonação um tanto rouca. - Claro, você ainda está se ajustando ao fuso horário. Deve estar cansada. - Não sei por que não tenho conseguido dormir. - Nesse caso, fique, por favor, Crystal. Faça-me companhia. O que o fez pedir aquilo? Não era nada sábio solicitar a companhia de uma mulher. De nenhuma mulher. O que havia de especial em Crystal que mexia com seu bom senso? - Está bem. Quando ela concordou sem demora, Fariq decidiu que bastava daquela bobagem. Crystal era a babá de suas crianças, e era sobre isso que tinham de conversar. - Hana e Nuri... estão dormindo? - Sim, como anjinhos. - Quero agradecer-lhe por tê-los defendido no jantar desta noite perante o rei. - Não há necessidade, Fariq. Eles estavam se comportando como qualquer criança de cinco anos, e não fizeram nada de errado. Seu pai tem quatro filhos. Deveria entender isso. - Faz muito tempo que crescemos e, como minha tia contou, papai entregou nossos cuidados a outros. Óbvio. Porque se mantinha ocupado dirigindo o país. Ainda encostada contra o parapeito, Crystal cruzou os braços. - Como pai deles, era eu quem deveria tê-los defendido. - É difícil saber qual o comportamento típico da idade quando não se é treinado para cuidar de crianças. - Obrigado por estar tentando me compreender. Os dentes muito brancos brilharam quando ela sorriu. - É apenas a verdade, Fariq. A maioria dos pais trabalha e só vê os filhos à noite. É a babá quem acaba conhecendo melhor quando eles estão tentando testar os limites dos adultos e trapacear. - A realidade é que meus filhos devem ser preparados para padrões diferentes daqueles das crianças da mesma idade deles. - Mas ainda são crianças - ela protestou. - Crianças da família real. Hana e Nuri sofrerão muito mais cobrança por causa de quem são. - E isso poderá desviá-los do caminho certo se não estiverem preparados. - É trabalho seú certificar-se de que isso não aconteça. - E darei o melhor de mim. Mas os dois também precisarão da orientação de alguém que viva a mesma realidade. - Alguém como o pai? - Sem dúvida. E os tios. Johara tem muito jeito com os pequenos, uma compreensão instintiva. - Assim como você. A aproximação sensível e protetora dela em relação a seus filhos o agradara muito. - Obrigada. - Crystal pigarreou. - Estava pensando sobre... o porquê... - Sim? - Bem, não posso deixar de me perguntar o que aconteceu com as outras babás. Por que cinco em um ano? - É sábio conhecer os erros dos-outros a fim de evitá-los. - Cometerei erros novos - brincou. - Vamos esperar que não sejam ofensas que a levem a ' ser degolada. ' - Vamos esperar que você esteja brincando. - Estou. - Fariq riu. - Bem, sobre a última babá você já sabe. - Sei. Posso garantir que não aparecerei na cama de ninguém sem ser anunciada. - É muito bom ouvir isso. - Embora uma parte dele não estivesse muito confortada. - Uma foi por saudadede casa. Da outra, as crianças não gostaram, e a que veio depois, eu não gostei. E a última... O sheik ia falar, mas o modo como os cabelos longos de Crystal balançaram com o vento o distraiu. - Sim? - A última fugiu com o chofer. - Então a vida do palácio é muito parecida com uma novela. Posso ver por que o rei não quer mais confusão. - Ela deu risada. Um som adorável que havia muito tempo Fariq não escutava; pelo menos não lá, na varanda de sua suíte. Não ficava ali com uma mulher desde muito antes de sua esposa ter partido. A vivacidade do riso de Crystal era também divergente de sua palidez quando concordara em jantar com a família real. Nesse instante ele se dava conta de que ela apenas achara a perspectiva estressante. Mas conseguira disfarçar o tremor quando dissera o que pensava ao rei. E aos irmãos dele. - Espero que o jantar não tenha sido uma experiência muito difícil para você, Crystal. Quando Rafiq insistiu no convite, pareceu-me que estava indo para a forca. - Foi mais fácil do que eu esperava. - O que achou de minha família? - Eles me lembram a minha. Para ser franca, eu estava nervosa porque pensei... Ele se inclinou contra o parapeito, apenas longe o bastante para evitar roçar o braço no dela. - O quê? - Não deve ser apropriado que eu diga. - Sou eu quem está pedindo. Prometo não usar suas palavras contra você. - Como se eu acreditasse nisso... - Duvida de mim? - Sem dúvida! O sheik se endireitou e olhou fixo para ela. - Sou um príncipe de EI Zafir e jurei honrar o nome Hassan. Se eu não for sincero, a fúria de mil tempestades de areia poderá descer sobre mim. - Nossa! Você tem um dom para o drama. - Crystal suspirou. - Eu ia dizer que estava nervosa por conhecer todos os parentes ao mesmo tempo, porque achei que a riqueza os tornavam diferentes. - Esnobes? - Palavra sua, não minha. Mas me enganei. São seres humanos como quaisquer outros. Amam, respeitam e provocam um ao outro. - Posição social e fortuna não deveriam alterar a natureza básica, o caráter e a decência de uma pessoa. - Concordo. Todos fizeram com que eu me sentisse à vontade e bem-vinda. Até mesmo Johara, que é uma típica adolescente, sedenta por aventura, e aberta. Embora tenha se calado quando foi ordenada a fazê-lo, coisa que uma adolescente em meu país dificilmente faria. - Isso é porque aqui o fato de não calar poderia resultar em perder a língua. Crystal arregalou os olhos. - Está brincando, não está? - Sim. Crystal deu risada. - Ainda bem. De qualquer modo, a princesa Johara é maravilhosa com os gêmeos. - As crianças adoram minha irmãzinha. - Sorte sua. Assim, pôde contar com ela durante os intervalos entre as babás. - Talvez, mas Johara é teimosa e rebelde. Muito parecida com a mãe das crianças, e isso abalava a paz interior dele. - Ela vai crescer e superar. - Espero que tenha razão, Crystal. Mas, enquanto iss os garotos seguem o exemplo dela. Fico preocupado que iss possa ser desfavorável. - Tenho certeza de que sua ansiedade é exagerada. - Tomara. Entretanto, é uma felicidade que você tenha chegado para cuidar deles. Hana e Nuri a aceitaram de imediato. Além disso, meus instintos me dizem que você é honesta, firme e sensível. - Eu não fugiria com o ouro da família real, se é o que você quer dizer. - Não me referi a isso. Seu passado foi bastante investigado. - Imagine se não seria. - Como qualquer um que trabalha no palácio. Tia Farrah afirmou que não havia nada inesperado no relatório final. - Ela disse mais alguma coisa? - Só que você era perfeita para mim. Isto é, para o cargo. - É bom saber. - Crystal andou até as portas francesas e a luz do quarto iluminou-lhe os lábios carnudos. - Agora se me dá licença, creio que vou descansar. Amanhã assumo as tarefas com os meninos por período integral. Boa noite, Fariq. Crystal tirou a louça do desjejum da mesa da suíte de Fariq e começou a enxaguá-la para colocá-la na máquina de lavar. Fingir que aquilo era um apartamento de luxo em vez de um dos muitos quartos do palácio a fazia se sentir mais confortável. A cozinha não era tão enorme quanto a principal do palácio, mas era equipada com os mais modernos eletrodomésticos. Havia um balcão central com fogão e espaço para trabalhar com os alimentos. Ao enxaguar as travessas, ocorreu-lhe que passara a marca de seis semanas em EI Zafir e amara cada minuto. Hana e Nuri pareciam estar se adaptando bem à rotina estruturada que ela organizara para eles. Fariq passara a maior parte do tempo viajando, o que a intrigou. A primeira das muitas viagens de negócios aconteceu na manhã seguinte à conversa deles na varanda. A observação casual do príncipe sobre o passado dela ter sido investigado a fizera correr de perto dele. Mas depois, mais calma, Crystal se deu conta de que se alguma coisa problemática tivesse sido descoberta não a teriam contratado. Sabia que o sheik viajava muito, mas de alguma forma não esperara que ele partisse tão rápido. Acreditou que esperaria só se certificar de que as crianças ficariam bem com ela. Sem cluvida era um homem ocupado e cheio de responsabilidades, mas a maior delas não deveria ser com os próprios filhos? Depois daquela noite na varanda, sua intuição feminina ficou atiçada. Todas as noites Fariq telefonava e, depois de falar com os garotos, mandava chamá-la e pedia um relatório do dia deles. As conversas não diminuíram o fascínio de Crystal. Ao contrário, aguçaram-no ainda mais. A voz profunda e medutora era como uma dose concentrada de sensualidade. - Bom dia. Lá estava a voz... Deus, aquilo podia acabar sendo perigoso! Virando-se da pia, Crystal encontrou os olhos negros. - Bem-vindo. Quando chegou? - Ontem, tarde da noite. - Ele a fitou de cima a baixo, observando a blusa branca simples de manga comprida e a saia azul marinho até os tornozelos. - Onde estão os meninos? - Lavando o rosto e escovando os dentes para irem à aula. Fariq franziu o cenho. - O que está fazendo? - Arrumando esta louça. As crianças prepararam seu próprio cereal. - Basta que chame os empregados da cozinha para suprir suas necessidades aqui. Crystal apoiou as costas no mármore da pia, enxugando as mãos no pano de prato. - É bom para eles aprender a fazer coisas sozinhos. Isso lhes dá um senso de realização. - Entendo. Se entendia, então por que aquela expressão cômica? - Quis que eles tomassem um café da manhã saudável e inventei uma combinação de canela, passas, nozes e mel. O dois se divertiram ao preparar tudo. - Poderia ter chamado os empregados para lavar a louça. - Sei disso, mas... - Crystal ajeitou os óculos no nariz procurando um modo de explicar. - O que foi? Não se lembra de que prometi não usar suas palavras contra você? Crystal sorriu. - Procuro dar a Hana e a Nuri um senso de proporção entre o ambiente deles e o resto do mundo, Fariq. Isso faz algum sentido para você? - Pode apostar. - Que bom! Desenvolvi uma rotina balanceada para eles, incorporando música e arte com um professor da universidade local, assim como leitura, matemática e algumas aulas de língua estrangeira, conforme você requisitou. Assentindo, o sheik encostou-se no balcão central e cruzou os braços. - E importante que tenham fluência em vários idiomas. - Inglês em primeiro lugar, certo? - Crystal se recordou do memorando que recebera por fax. Fariq tinha mesmo os filhos como prioridade em sua vida. - Criei alguns jogos para tornar o processo divertido. Hana e Nuri mal percebem que estão aprendendo. E adoram a escola. Se eu deixasse, acho que a freqüentariam sete dias por semana. - E por que não deixa? Ela o encarou. - Questão de equilíbrio. Você também devia ter algumas aulas sobre isso. - Está querendo dizer que trabalho demais? Crystal deu de ombros. - Se a carapuça serviu... - Pode ser. Enterrei-me muito nos afazeres desde... - Desde? - incentivou-o, quando ele parou. - Não é importante. A conversa foi interrompida por gritinhos vindo da sala de estar.Crystal sorriu. - Seus anjinhos chegaram. - Papai! - Hana entrou correndo, carregando um panda de pelúcia. - Obrigada pelo presente! Adorei! - Eu também - disse o irmão, bem atrás dela, com outro brinquedo. Fariq abaixou-se, abriu os braços e recebeu seus filhos com carinho. Os dois eram como pequenas esponjas absorvendo cada gota de afeição dele. Crystal desejou que Fariq estivesse mais presente. Hana e Nuri precisavam tê-lo por perto. A doce cena a deixou com os olhos marejados, e ela se virou para acabar de colocar a louça na máquina. - A Bá fez cereal para nós, papai - Hana o informou. - Eu gostei - acrescentou Nuri. - Então ela é uma boa cozinheira? - Oh, sim! - responderam em uníssono. - Talvez Crystal faça um pouco para mim. Haveria um duplo significado nas palavras do sheik? perguntou-se Crystal. Era provável que nunca viesse a saber a resposta. - Ei, vocês dois, está na hora da escola. Terão aula de música e artes com a srta. Kelly. Eu os levo. - Papai, você irá conosco? - Claro, Hana. Senti muita saudade de vocês. - Então, sorriu para a filha e olhou para Crystal. Teria sentido saudade dela também? O pensamento era ridículo, mas inevitável, uma vez que Crystal fora obrigada a admitir a si mesma que notara a ausência dele mais do que gostaria. Muito mais, para ser sincera. O príncipe vestiu o paletó antes de deixarem a suíte e, por insistência dos filhos, caminharam os quatro de mãos dadas, lado a lado, até a área do palácio preparada para as aulas. - Vou desenhar um retrato seu, Bá - Hana falou assim que chegaram à porta da sala, onde a professora se encontrava. - Eu adoraria. - Crystal abaixou-se e deu um abraço e um beijo na menina. - E quanto a você, meu rapazinho? O que fará hoje? - Vou aprender uma música para cantar para você. - Uma de minhas coisas favoritas! - E ela beijou-lhe a face. O sorriso de resposta de Nuri era tão charmoso, tão parecido com o do pai, que o coração dela bateu mais forte. Crystal abriu a porta. - Vejo-os daqui a pouco. - Até mais, Bá. Os dois entraram na sala, acenando. - Vemos você depois, papai. A porta se fechou, deixando Crystal sozinha com Fariq. Compelida a preencher o estranho silêncio, comentou: - Acaba de testemunhar um exemplo de nossa típica manhã, Fariq. As crianças sentem demais sua falta. - Tanto que desenham e cantam para você. Ora, ora... Como podia amenizar o orgulho ferido de um príncipe? - Apenas porque você ficou fora muito tempo, e eles se acostumaram a se reportar a mim. Mas logo voltam ao normal, pode esperar. - Não quero discutir isso. - Consultou o relógio. - Preciso ir. De novo? Crystal se irritou. - Vai telefonar para Hana e Nuri esta noite? - Por que eu faria isso? - É o que faz sempre, não é? - Quando estou viajando a negócios. - Ah, então não vai deixar o país? Por que o coração dela pulsou tão forte? - Estou indo para meu escritório. Crystal o viu andar em direção à ala de negócios do palácio. Ele não ia partir! Uma grande alegria a invadiu, mas ela se conteve. Aquele tipo de reação era um desastre para seus objetivos. Tinha de se concentrar em suas funções. Era hora de verificar as lições que as crianças tinham feito na escola. Descendo a escadaria, seguiu em direção à ala familiar e parou em frente à suíte. Antes de entrar uma criada se aproximou. - O que foi, Salima? - A princesa Farrah requer sua presença, srta. Rawlins. - Obrigada. Já estou indo. A suíté da princesa ficava no final do corredor. Crystal já estivera lá algumas vezes para compartilhar o chá da tarde com a irmã do rei ou para levar as crianças para visitar a tia-avó. Seguindo até lá, ia pensando em com que rapidez se adaptar a todo aquele luxo. No começo, temia se perder e nunca mais achar o caminho de volta. Porém, já se ambientara ao gigantesco espaço. Parando à soleira, bateu na porta e recebeu permissão para entrar. O elegante hall de entrada era suntuoso. Ela já entrara em todas as suítes da família real, uma vez que as crianças visitavam os parentes com regularidade. Era incrível a diferença na decoração de cada uma delas. A de Fariq acomodava os garotos e era a única com cozinha. Seus irmãos solteiros e o rei tinham dormitórios maiores e lindamente decorados. No entanto, o da princesa Farrah era o mais elegante de todos. O piso era de mármore com uma mesa circular de madeira no centro. Em cima, um vaso de cristal sempre com flores frescas, que preenchia o ambiente com uma fragrância doce. A sala de estar continha obras de arte inestimáveis. - Alteza? - Aqui dentro, minha querida. Crystal foi até ela. - Por favor, sente-se, meu bem. Obrigada por ter vindo tão rápido. - Não tem por quê. - Crystal se sentou no sofá semicircular. As portas francesas, abertas agora, davam vista para o Mar da Arábia. - O que posso fazer por você? - Quero falar sobre Nuri e Hana. Acho... - Uma batida na porta a interrompeu. - Entre. Passos masculinos decididos soaram no mármore. Em segundos, Fariq apareceu. A pulsação de Crystal disparou, e ela se retraiu e juntou as mãos no colo. O príncipe olhou para as duas e as cumprimentou com um aceno de cabeça. - Bom dia. - Meu sobrinho, obrigada por ter vindo logo. - Você disse que se tratava de meus filhos, tia. Acabei de deixá-Ios. Espero que não haja nada de errado. Crystal sentiu a almofada do sofá afundar-se com o peso. Fariq se sentou tão perto que ela não precisaria mover-se muito para lhe dar um beijo no rosto. A idéia a pôs atônita. E não melhorou quando Fariq a fitou como se tivesse lido sua mente. Um calor intenso subiu-lhe às faces. A vida no palácio se tornava muito mais simples quando ele viajava. O sheik a atordoou de tal forma que ela quase se esqueceu do assunto em pauta. - Há algo sobre Hana e Nuri de que não tenho conhecimento, Alteza? Sou aberta a sugestões. Não me importo de ouvi-las; afinal, você os conhece melhor do que eu e... - Crystal parou de tagarelar quando Fariq se aproximou e pôs um dedo sobre seus lábios para silenciá-la. Engoliu em seco. Ele sorriu. - Vamos ouvir o que minha tia tem a dizer. - Certo. Farrah os encarou. - Crystal, sabe andar a cavalo? O que aquilo tinha a ver com a história? - Cavalguei algumas vezes, mas não diria que tenho grande experiência. Isso é um problema? A princesa sorriu. - De modo algum. Mas creio que é uma habilidade que deveria desenvolver. Pelas crianças. Era algo que ela sempre quisera fazer. Que conveniente! Quando tarefas e sonhos se encaixavam, a vida se transformava no paraíso. Não teria nenhum problema com aquilo. A seu lado, Fariq assentiu, pensativo. - Acho que entendo o que quer dizer, titia. E concordo. Eu mesmo ensinarei Crystal a lidar com um cavalo. Crystal virou-se para fitá-lo. Sim, teria um sério problema com aquilo. CAPÍTULO IV Sob um lindo céu azul, Fariq estava na frente do estábulo, saboreando o ar fresco. Os aromas da areia e do oceano misturavam-se com o perfume de jasmim brotando, dando-lhe uma sensação de aconchego. Com as viagens de negócios, sentira falta do lar, e um passeio a cavalo era tudo de que precisava. O exercício beneficiaria o corpo, a mente e o espírito. Após deixar sua tia, Fariq pedira que Crystal trocasse de roupa e o encontrasse ali. Farrah e Johara cuidariam das crianças, proporcionando a ele a tarde livre para ensinar à babá a arte de cavalgar. Aquela idéia pareceu-lhe mais prazerosa do que teria imaginado. Aquilo não era nada bom. Mas uma visão dos grandes óculos e dos cabelos amarrados com força o fez rir. Não havia ameaça nenhuma. Crystal preenchia as requisições do trabalho com sucesso, apenas isso. De repente, seu íntimo o avisou que dera a Crystal mais atenção do que qualquer coisa de que pudesse se lembrar em muito tempo. Mesmo viajando, esperava ansioso pelas conversas noturnas com ela ao telefone sobre seus filhos. A voz sedutora de Crystal lhe proporcionava uma distração deliciosa dos afazeres. E agora que estava de volta em casa, o interessepor ela aumentara. Sobretudo naquele momento, quando a observou vindo em sua direção pelo caminho de pedra ladeado por jasmins e primaveras. Crystal era uma figura intrigante. As pernas, que Fariq vinha tentando imaginar por baixo das saias largas, agora se mostravam bem definidas pela atraente calça jeans. E as curvas tentadoras dos quadris e das coxas excediam suas expectativas. A seu lado, um dos cavalos agitou-se, levantando poeira com a pata. Fariq alcançou a cerca e acariciou-lhe o focinho. - Paciência, amigo. Logo ensinaremos tudo o que ela precisa saber. A perspectiva fez seu corpo tremer, e o sheik quis saber o motivo de sua reação. Aquilo não era nada mais que sua tarefa: certificar-se de que ela era competente com um cavalo era apenas pelo bem de seus filhos. Crystal chegou perto e ajeitou os óculos no rosto, olhando para a calça marrom dele e a camisa de seda branca. - Por acaso não estou com trajes apropriados? Fariq correu o olhar pela camiseta branca de algodão e gostou da maneira como os seios pequenos e firmes marcavam o tecido. - Contanto que fiquemos dentro dos limites do palácio, está bem assim. Se avançarmos para dentro do deserto, você precisará estar mais bem protegida. Porém, hoje não iremos muito longe. Conforme suas habilidades forem aumentando e resolvermos nos aventurar além destas terras, o pessoal de segurança irá nos acompanhar. - Isso é necessário? - Apenas uma precaução para mim como membro da família real. Não deixarei que nada lhe aconteça. Crystal franziu o cenho. - Quanto ao traje, como saberei o que é apropriado? Fariq não podia ver a expressão dos olhos dela por causa das lentes éscuras, mas a viu mordiscar o lábio, nervosa. A boca, notou, era carnuda e tentadora. Estranho, não percebera isso antes... Talvez pela falta de maquiagem não lhe chamara tanto a atenção. Mas o gesto tenso o instigou. O que a deixara nervosa? - Não se preocupe. Como seu patrão, é minha responsabilidade providenciar tudo o que for necessário para que realize suas tarefas. - Arqueou uma sobrancelha quando olhou para os tênis dela. - Botas são essenciais. Ela. olhou para os pés. - Você é o especialista. No entanto, muito ocupado. Deve haver mais alguém que possa me ensinar esses detalhes. Não que eu não aprecie sua dedicação, mas é mesmo necessário que conduza essas aulas de montaria? - Farei tudo o que puder para me certificar de que meus filhos estarão seguros. - Certo. Agora, voltemos um passo. Por que é tão importante que eu aprenda a lidar com os cavalos? O que isso tem a ver com os garotos? - Equitação é um esporte da alta sociedade e encorajado pelo rei. E cinco anos é a idade certa para Hana e Nuri começarem a praticar. Fariq pretendera iniciar as aulas quando surgiu a crise com a última babá. Entre as viagens de negócios e a procura por uma substituta, a equitação fora adiada. - E é sua função cuidar de todas as atividades deles. Por conseqüência, deve ser competente em cima de uma sela. - Eu não os ensinarei. Só os acompanharei nos passeios. É isso? - Sim. Não lhe parece razoável que saiba como montar para poder acompanhá-los? - Se faz parte de minhas funções, por que não estava na lista dos pré-requisitos? Crystal se movimentou, e a luz do sol fez com que os cabelos, embora presos com uma grande fivela no alto da cabeça, emitissem brilhos avermelhados, criando um efeito suave. - Fariq? - Hum? - Ele se endireitou, esforçando-se para se concentrar no assunto. - Ah, os requisitos... Não era necessário uma amazona habilitada. Outras considerações eram mais importantes, uma vez que sua formação superior prova que é capaz de aprender. - Mas cavalgar é diferente. Requer coordenação e um pouco de habilidade atlética. - Ela olhou para os cavalos e franziu o cenho. - E um tanto de coragem. - Não estou preocupado com isso. Qualquer mulher que deixa tudo para trás e se aventura a trabalhar numa terra do outro lado do mundo é valente e determinada. - E quanto à babá que você perdeu por estar com saudade de casa? - É mais madura do que ela, Crystal. E suspeito que tenha certo gosto por aventuras. A menos, é claro, que tenha mentido. Ela ficou imóvel de repente. - Como? - Para minha tia - explicou ele, questionando a reação dela. - Você disse a ela que gostaria de aprender a montar. Não foi sincera? - Oh! - Suspirou, aliviada. - Sim, eu adoraria aprender. - Então por que a relutância? - É que não me sinto bem em tirá-lo de afazeres mais importantes. Um dos cavalariços não poderia me ensinar? As aulas iriam requerer contato pessoal íntimo. Um outro homem iria colocar a mão nela? Fariq se revoltou com a possibilidade. Porque era sua obrigação proteger a empregada , responsável por seus filhos. E por nenhuma outra razão. Mas Crystal parecia hesitante em compartilhar sua companhia. Será que o achava entediante? De imediato descartou a idéia. Ela não dera nenhuma indicação disso. Para ser franco, os encontros deles tinham sido bastante amigáveis. Para ambos, podia jurar. Fariq recordou quando ela lhe contara sobre os planos pessoais: viajar, então amor, casamento e filhos. A veemência dela o surpreendera. Estudou-a e viu a tensão em seus músculos. Se não o achasse desagradável, estaria atraída por ele? Ah, isso, sim, o agradou! - Eu a ensinarei a montar, Crystal. - Mas, Fariq... - Sou o cavaleiro mais competente dos Hassan, e você está aqui para cuidar de meus filhos. Portanto, é minha responsabilidade ensiná-la. E não quero mais falar disso. - Perfeito. Enfim, ela se rendera. Mas o sheik achou o processo estimulante. Quando fora a última vez em que se esforçara tanto para convencer uma mulher a passar algum tempo com ele? Bem, não ia desperdiçar um segundo sequer tentando responder àquela questão. Muito mais interessante era a perspectiva de tocá-la... no contexto de ensiná-la. - Primeiro você tem de conhecer seu animal. Este é meu cavalo, Midnight. - Fariq acariciou o pescoço do garanhão preto, e então apontou para a égua marrom ao lado dela. - Essa é Topázio. Foi escolhida especialmente para você. Tem uma natureza doce, e a servirá bem. Uma verdadeira jóia. Como Crystal?, perguntou-se ele. Preciosa e ainda assim forte? Capaz de suportar as condições cruéis do deserto? O tempo diria. Sem hesitação, Crystal ergueu a mão e acariciou a égua. Topázio esfregou o focinho em seu ombro, muito afetuosa. - Boa menina! - ela exclamou, rindo. - Fiz um passeio pelas instalações do estábulo e posso entender por que ela é tão feliz aqui. Os cavalos são muito bem-cuidados. - Sim, e a temperatura do ar-condicionado é controlada para o, conforto dos animais. - Só lhes falta um microondas e uma televisão de alta definição. Embora aquelas rações dietéticas que vi os cavalariços lhes dando não me pareçam tão apetitosas... Fariq estava hipnotizado pelo sorriso dela e pelo modo como transformava-lhe a expressão, tornando-a quase linda. - São todos puros-sangues. É questão de bom senso proteger o investimento e proporcionar-Ihes o melhor ambiente. - E quanto aos cidadãos neste país? Todos são bem tratados assim? Ah, uma liberal... Ou, como se auto denominava, uma republicrata. Crystal tinha muito o que aprender, e não apenas como montar um cavalo. - Temos muitos programas para ajudar as pessoas. - É bom saber disso. - Crystal deslizou a mão na sela bordada. - Quando vou me sentar nela? Pelo jeito, ela escolhera não continuar aquela conversa. - Agora. Se estiver pronta. - Fariq certificou-se de que a sela estava bem presa. - Lembre-se de montar sempre do lado esquerdo. Ponha o pé esquerdo no estribo e balance perna direita por cima do traseiro dela. Muito bem. Fariq virou-se para Midnight e escutou o ruído de couro. Quando olhou por cima do ombro, Crystaljá estava montado em Topázio, sorrindo largo para ele. - Perdi sua técnica, mas vejo que foi bem-sucedida. - Cresci assistindo a filmes de caubói. Alguma coisa deve ter entrado em minha cabeça.- Parece que sim. - O sheik se sentiu um pouco desapontado por ela não ter precisado de sua assistência. Depois de ajustar a extensão dos estribos, montou Midnight. - Pegue as rédeas, mas mantenha-as soltas na mão esquerda. Isso. Agora, movimente a mão na direção que você quer que ela vá ou puxe de leve se quiser que Topázio pare. Joelhos e coxas firmes em volta do animal. - Sim. Quando ele cutucou o garanhão para andar, ela fez com que Topázio o seguisse. - Acho que todos aqueles filmes de faroeste não foram horas desperdiçadas na frente da tevê. Você está indo muito bem, Crystal. - Não minta. Não se esqueça de que mentindo você estará arriscando a fúria das tempestades de areia. - Eu nunca minto. - Nunca? Existem algumas mentiras que até cabem, se aplicadas no momento oportuno. Mentirinhas, como dizemos nós, americanos. Se sua tia lhe perguntasse se o último vestido que comprou a fazia parecer mais gorda, o que diria? - A verdade. Eu não seria desonesto. Isso é uma falha de caráter abominável. - Concordo que certas coisas demandem veracidade absoluta, mas às vezes pequenos detalhes não são importantes para o grande cenário. Por que é tão rígido, Fariq? - As razões não são importantes. O que é imperativo que entenda, Crystal, é que desprezo a mentira em qualquer que seja o assunto ou a ocasião. - Entendo. Não, não entendia. A inocente Crystal jamais poderia sair a maneira como a vida o ensinara quão preciosa era a verdade. A esposa estava fora de seu caminho, mas as cicatrizes permaneceriam. A única coisa boa que ela lhe dera foram seus filhos, que eram tudo para ele. Pelos dois e por todas as crianças de EI Zafir, Fariq trabalhava para fazer seu país um sucesso, valorizado na ordem mundial. Para tal, precisava diversificar a base econômica vigente. Viver só de petróleo era um risco. Por isso, o sheik viajava tanto a negócios. Naquela mesma manhã, Crystal criticara suas ausências freqüentes e falara sobre o fato de Hana e Nuri não terem mãe. Mas se ela tivesse conhecido Fátima, teria entendido que eles estavam melhor sem ela. Entenderia também o porquê do comportamento rebelde de Johara, bem como de a influência que ela exercia sobre os gêmeos ser fonte de preocupação. Olhando de soslaio, notou que Crystal estava calada e tensa. A boca carnuda, tão tentadora momentos atrás, mostrava-se agora comprimida. O corpo estava rígido sobre Topázio. - Relaxe, Crystal. Você está indo muito bem. - Obrigada. Bem demais para seu gosto, pensou Fariq. Se ela não estivesse indo tão bem, seria necessário tocá-la. Questionando sua sanidade mental, deu-se conta de que estivera antecipando o momento de tocar a babá de seus filhos enquanto estivesse a ensiná-la a cavalgar. Mas Crystal combinava com um cavalo como um camelo com o deserto. Bem, o fato era que deveria lutar contra a tentação de descobrir o formato e textura das curvas que ela, por fim, revelava. Depois de uma hora de montaria, as costas de Crystal começaram a reclamar, sem mencionar o interior das coxas. Também notou certa tensão nos ombros e braços, mas achou que aquilo tinha algo a ver com seu estado emocional. Enquanto cavalgavam calados, refletiu sobre a declaração de Fariq de que ele jamais mentia. Toda mulher sabia que os homens não eram muito comprometidos com a verdade. Por que ela teve de trabalhar justo para o único do planeta que jamais contava ou aceitava uma mentirinha inocente? A culpa, que agora aumentara, a fez perguntar-se se devia ou não revelar-lhe seu segredo. Mas então lembrou-se das contas médicas de sua mãe. E das crianças. Cinco babás em um ano... Hana e Nuri pareciam adorá-la. Seria justo com eles? Portanto, decidiu que, quando o pai das crianças pudesse ver que ela era boa para os filhos, abriria o jogo, esperando que o sheik entendesse. Ele, decerto, não iria achar seu comportamento honrado. Mas não era o bem estar dos filhos a razão principal? Enquanto isso, Crystal sacrificaria seu corpo para o trabalho. - Foi muito bem para sua primeira aula, Criystal. E seus cabelos se soltaram. Ele acabara de notar? O balanço fizera com que os cabelos se soltassem da fivela fazia muito tempo. Com a necessidade urgente de agarrar-se às rédeas, não pudera fazer nada sobre isso. - Eu devia tê-los prendido melhor. Mas a expressão nos olhos negros dizia que ele discordava. - Há cor em suas faces outra vez. Você está rosada. Gostou do passeio? - Muito. - Ela tentou recordar a última vez em que se divertira tanto. Fariq parou Midnight na frente do estábulo e desmontou como um autêntico cavaleiro. Virando-se, ficou surpreso ao ver que Crystal ainda permanecia montada. Um meio sorriso curvou-lhe os lábios. - Uma coisa é assistir a faroeste; outra bem diferente é estrelar em um, não é? - Se você está perguntando se minha coluna está infeliz, a resposta é sim. Vendo o sorriso dele se ampliar, ela resmungou: - Não precisa ficar tão satisfeito com isso. - Não estou. Montar é um esporte que exige muito dos músculos, em certas áreas vulneráveis. Até que você se acostume com a sela, o efeito é estressante. - Aproximando-se, ele estendeu os braços. - Eu a ajudo a descer. - Obrigada, mas posso fazer isso. Crystal se segurou na ponta da sela, jogou a perna direita por cima do animal e deixou-se escorregar até que os pés tocassem o solo, poupando os músculos. Pronto, aquela parte não fora tão complicada. Mas, quando soltou a sela e virou-se para dar o primeiro passo, as pernas amoleceram. Fariq alcançou-a com rapidez, apoiando-a. - Talvez eu tenha exagerado em sua primeira aula. - Eu me diverti muito. Além disso, não teria feito diferença o período que cavalgamos. Minhas áreas vulneráveis estariam praguejando contra você de qualquer modo. Outras áreas vulneráveis estavam muito felizes de estarem aninhadas contra o peito largo dele. A pressão dos braços fortes e as pernas musculosas pressionadas nas dela provocaram um tipo diferente de tremor que não tinha nada a ver com as aulas de equitação. O coração disparou. Fariq sorriu. - Ainda assim, eu deveria ter sido mais sensível com sua falta de experiência. Prometo recompensá-la. Como? Quando as pupilas dele brilharam, Crystal chegou a pensar que tivesse feito a pergunta em voz alta. Fariq a fitava com desejo. Aquela expressão perigosa no rosto dele rouboulhe a habilidade de raciocinar. No próximo instante, Fariq baixou a cabeça e a beijou. Um arrepio a percorreu, como se um choque elétrico a tivesse atingido. Aquela era a única explicação para o gemido lascivo preso em sua garganta. Com um murmúrio indefinido, ele escorregou a língua para o interior de sua boca, intensificando o beijo. Sensações incríveis percorreram cada célula de Crystal quando ele a abraçou mais forte. Os seios pressionados contra o tórax musculoso latejaram. As poderosas pernas contra as suas a deixaram não apenas chocada, mas radiante pela evidência da volúpia dele. Quando o sheik levantou a mão para acariciar-lhe os cabelos, ela se deliciou. O polegar alisou-lhe a orelha, aquecendo-a por inteiro. E durante todo tempo, os deliciosos lábios a mantinham prisioneira. Então, Fariq se afastou um pouco e ofegante. - Você é cheia de surpresas. Tão brilhante e misteriosa quanto o deserto. Com a pulsação latejando nos ouvidos, Crystal não sabia o que dizer. - Fariq, eu... Ele respirou fundo e tocou o aro dos óculos dela. - Minha pequena jóia do deserto, deixe-me ver seus olhos. Fariq ia tirar-lhe os óculos? O receio da conseqüência a trouxe de volta à realidade, e Crystal se afastou rápido. Aqueles óculos escuros eram seu único disfarce no momento, sua única defesa. E isso era tudo de que mais precisava. Deus! Por que aquele beijo? O rei fora categórico quanto a envolvimentos no palácio. Quem seria culpado por isso? - Eu... tenho de ir. - Ainda não, Crystal. Deixe-me... - Não. Os gêmeos devem estar sentindo minha falta. - Eles sabem que você está comigo. - Mas não os avisei pessoalmente
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