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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
CURSO: Metodologia da Pesquisa Filosófica
Prof. Marconi Pequeno
 A filosofia e a questão do método
Por que o exercício do filosofar necessita de um método? Por que a filosofia faz do método uma questão? Afinal, o que é método? Como revela a etimologia do termo (meta-hodos), trata-se de uma rota, um caminho (hodos) em direção a um fim (meta). Portanto, pode-se definir método como o conjunto dos procedimentos racionais que nos permitem chegar a um objetivo. Trata-se de uma seqüência ordenada de procedimentos lógicos que nos fazem caminhar seguindo uma démarche ordenada e segura. Praticar o método filosófico significa conduzir a razão e o pensamento por meio de alguns princípios fundamentais. 
A idéia de bem conduzir a razão nos leva ao pensamento de um autor. Mais do que um autor, ele é a autoria, o marco fundador do pensamento moderno, o patriarca da filosofia francesa. Seu nome: René Descartes. Descartes nos lega uma das obras mais decisivas da história do pensamento: o Discurso do método (1637). Para Descartes, método significa conduzir o pensamento por meio de algumas regras fundamentais. Tais regras se apresentam como guias do sujeito em sua busca da verdade. Mas o que ele entende por regra? Segundo o filósofo, regra designa uma norma diretiva que prescreve o que devemos fazer para chegar a um resultado. Mas, quais regras podem ser tomadas como úteis ou essenciais ao trabalho filosófico? Descartes enumera aquelas consideradas imprescindíveis ao exercício do filosofar: 1) identificar e trabalhar os conceitos (termos ou categorias filosóficas) fundamentais, estabelecendo entre eles as devidas mediações; 2) analisar e decompor os enunciados destacando seus elementos de base; 3) desenvolver uma diretriz temática seguindo uma unidade fundamental; 4) proceder segundo a ordem das razões; 5) obedecer à regra do questionamento (interrogar, problematizar); 6) levar a efeito uma atividade reflexiva. Descartes nos ensina, pois, a orientar a reflexão filosófica apoiando-nos sobre princípios e procedimentos metódicos. A questão fundamental que norteia sua investigação é: como deve proceder o conhecimento para que ele se torne possível?
Em suas Regras para a direção do espírito (1641), Descartes descreve o método como um instrumento destinado a fazer progredir o saber, que se resume em duas palavras: ordem e medida. Descartes demonstra, como indica Alexis Philonenko em sua obra Reler Descartes, que ordem e medida são antes momentos do nosso espírito, revelados pela faculdade da intuição ou razão, do que propriedades das coisas. A ordem e a medida, enquanto elementos constitutivos da nossa possibilidade de conhecer, fundam a inteligibilidade do real. O conhecimento, portanto, decorre do modo como a razão é conduzida.
 Mas como sabermos se a nossa razão está sendo bem conduzida? Eis a resposta: quando obedecemos àqueles princípios reguladores acima descritos. Tais princípios indicam a via que devemos seguir para atingir um determinado fim (o conhecimento verdadeiro). Desse modo, o exercício das nossas faculdades cognitivas se efetua segundo as regras que nós seguimos. E se com tais regras não podemos tudo conhecer, sem elas teremos grandes chances de nada entender. Isto por si só justifica o seu emprego e a observância aos seus ditames. Este método, denominado por Descartes de mathesis universalis, cujo modelo essencial era tomado de empréstimo da matemática, se aplicaria indistintamente a todos os fenômenos. Porém, a experiência nos mostra que essas regras não são eficazes em todos os domínios do saber. Tais regras, que Descartes sonhava em estender ao estudo de todo o real, se mostram muitas vezes insuficientes para nos conduzir a uma compreensão clara acerca do significado da liberdade, do bem, da justiça, dentre outras categorias.
Ora, é evidentemente impossível que a filosofia alcance a certeza e a clareza que caracterizam as operações da matemática ou de outras ciências ditas exatas. Não se pode determinar o significado dos termos do mesmo modo inequívoco como acontece naquela disciplina. O sentido de um termo filosófico pode mudar ao longo de uma argumentação, daí porque muitos filósofos utilizam a mesma palavra, porém com significados diferentes. Além disso, somente na matemática encontramos conceitos simples formando a base de inúmeras inferências complexas e, todavia, rigorosamente válidas. Em filosofia, é sempre difícil fazer deduções a partir de postulados ou definições. Desse modo, parece impossível encontrar uma analogia entre os métodos da filosofia e os de qualquer outra ciência. Também se afigura difícil definir, de modo preciso, qual é o método da filosofia a não ser que se limite de forma grotesca o seu objeto. A filosofia não emprega um método único, mas uma multiplicidade de métodos que diferem de acordo com o objeto ao qual são aplicados. E a tentativa de defini-los independentemente de sua aplicação carece de qualquer propósito útil. A filosofia requer grande variedade de métodos, pois teoricamente deve abranger, em seu esforço de compreensão, o vasto território da experiência cognoscente humana. 
Além disso, a inteligência humana não se alimenta apenas de idéias claras e distintas. A constituição de um conhecimento acabado (necessário e universal), pode ser um sinal de acuidade ou maturidade intelectual. Mas a ordem do mundo difere da ordem da inteligência. O que existem, de fato, são as realidades concretas, ligadas entre si por vínculos de dependência ou imperativos de causalidade. A inteligência deve adaptar o método ao objeto que ela estuda. O método (percurso) guia a inteligência, mas é esta que o cria. Assim, as múltiplas formas de inteligência exigem, amiúde, múltiplas configurações metodológicas. Por isso, convém falar em métodos filosóficos, acentuado-se a pluralidade dos caminhos possíveis que se oferecem ao pensamento. Ora, se a inteligência está a serviço da compreensão do real, seus meios de investigação devem procurar ser tão ricos e variados quanto a realidade que ela examina. 
A necessidade de uma pluralidade de métodos foi bem evidenciada por Aristóteles em sua Metafísica, ao nos mostrar que cada ciência possui caminhos múltiplos e distintos. Como não carregamos conosco um manual de instruções acerca de como devemos pensar, intuir, raciocinar, nas inúmeras situações vividas, é preciso, pois, constituir um “organon”, um instrumento, como dizia Aristóteles. A lógica, afirmava ele, é esse instrumento que permite multiplicar as capacidades da nossa inteligência. Por isso, não se pode reduzir nosso aparato intelectual às formulas imediatamente úteis ou cômodas. Todavia, há procedimentos que, independentemente do método utilizado, se impõem pela força de sua evidência, e, por que não dizer, eficácia. Vejamos quais são.
O primeiro consiste em proceder do conhecido ao desconhecido. Eis a lei fundamental de toda exploração. Só podemos aceder às regiões mais inóspitas do conhecimento se partimos de noções elementares já conhecidas. Todo explorador parte de um lugar, sua terra, seu solo, seu chão, em direção ao desconhecido. Nosso olhar, antes de apontar para mares nunca d’antes navegados, precisa de um ponto fixo, uma espécie de equilíbrio arquimediano, um porto, um cais, ou um barco que pouco oscile. Eis uma ferramenta para explorarmos a floresta virgem do não saber, para encontramos uma centelha de claridade no obscuro e caudaloso oceano da nossa ignorância. Convém percorrer esses trilhos engatando os vagões do pensamento. Apenas assim podemos evitar o descarrilamento da reflexão. O “trem” da filosofia só se mantém em equilíbrio quando está em movimento. Ele também não pára em qualquer estação. Nesse exato sentido, fazer filosofia é, grosso modo, como pilotar uma moto: seu percurso não admite viradas bruscas, ousadias desmesuradas, cabeças desprotegidas, costuras mal arrematadas. Em ambos os casos, o olhar para frente não deve desconsiderar o que vematrás (a tradição filosófica). 
O princípio acima citado pode ser precisado por uma segunda lei, da qual, aliás, falava Aristóteles, qual seja: a inteligência deve proceder do mais universal ao mais particular. Da generalidade deve ela partir em direção ao singular. Ela situa-se inicialmente na altitude para melhor visualizar o que está em baixo, para ter uma apreensão global do particular, dos seus contornos, da sua configuração. Quando se olha uma paisagem não se vê os detalhes de cada parte, mas, após uma visão de conjunto, pode-se reconhecer aspectos mais particulares que, à primeira vista, se nos haviam escapado. Vejamos um exemplo: um astronauta em órbita vê como um ponto longínquo do universo o planeta Terra. Em sua viagem de volta, ele vislumbra os contornos dos continentes, os oceanos. Pouco a pouco em sua descida pode ele já identificar regiões, cordilheiras, mares. Descendo mais, encontra-se ele sob a atmosfera de um País. Em seguida, sobrevoa seu Estado, as cidades, até desembarcar no aeroporto ou na base aérea donde foi lançada a nave espacial. Moral da história: tal como um astronauta, o filósofo necessita desse distanciar para melhor visualizar o que se oferece à sua frente. Eis a utopia da posse à distância, da qual falava Merleau-Ponty. Para que a aproximação se dê, é preciso um certo afastamento. 
Vimos que Descartes elege dois elementos essenciais em sua filosofia: a via escolhida e o objeto visado. Ou seja, Descartes introduz a mediação do método, sugerindo que o problema não é ter o espírito bom, mas sim aplicá-lo bem. É isto que permite, por exemplo, a vitória da tartaruga sobre a lebre, como na famosa fábula de La Fontaine. Em relação à marcha, a corrida nos permite avançar mais depressa. No entanto, mesmo que se ande muito lentamente, pode-se avançar muito mais. Como explicar esse paradoxo? A solução da antinomia pode ser: tudo depende do caminho, da via seguida, numa palavra, do método. Em filosofia, assim como em ciência, o método não é tudo, mas sem ele tudo já se afigura nada.
Lewis Carroll em seu livro Alice no país das maravilhas nos oferece a seguinte imagem: A menina Alice pergunta ao gato Cheshire: quer me fazer o favor de me dizer qual o caminho que eu devo tomar? Isto depende muito do lugar aonde você quer ir, respondeu-lhe o gato. Não me interessa muito para onde, disse Alice. Então, não tem importância o caminho que você toma, arrematou o gato. Contanto que eu chegue a algum lugar, acrescentou Alice, com uma explicação. Ah, disso pode ter certeza, disse o gato, desde que caminhe bastante. Portanto, é certo que chegaremos a algum lugar se caminharmos bastante, porém é melhor que estejamos conscientes do lugar aonde queremos ir. 
 Por isso, a retidão do caminhar compensa a velocidade reduzida, pois a reta é sempre a distância mais curta entre dois pontos. A lentidão pode permitir a seleção do bom caminho, enquanto a precipitação pode nos fazer dar voltas, rodeios, ou seja, escolher o mau percurso. A boa ordem exige tempo. A filosofia deve fazer um pacto com o deus Chronos, dizendo-lhe: preciso de tempo para pensar, preciso construir o pensamento para seguir, preciso, enfim, seguir para fazer viver o meu pensar. Por isso, quando se vai muito depressa, queima-se a partida, confunde-se as raias, rompe-se as articulações, hipertrofia-se os enganos, tem-se a sensação de que a chegada se aproxima, quando, na verdade, o que vê diante é tão-somente a ampliação do abismo da própria ignorância. Todavia, se a razão é igual em todos, como pensava Kant, como podemos bem atingir a verdade? A resposta cartesiana é: tudo depende do método, pois é ele que conduz o nosso pensamento. Não é a genialidade ou o talento que faz o filósofo, mas o método. A chave do conhecimento é o método. 
O método constitui-se como um instrumento imposto pelas exigências da vida. Estabelecer a boa direção e a correta estratégia se constitui como fundamental a toda existência humana. O método abrange toda nossa vida ao ser modelado pela inteligência e pelo trabalho do espírito. Para se realizar um projeto é necessário que o sujeito institua um conjunto de regras destinadas a assegurar o controle do resultado final. As razões que tornam o método indispensável se enraízam na própria condição do homem, pois elas definem as etapas que irão assegurar uma interação entre os diversos momentos de sua existência. Viver é agir e toda ação exige planos e mediações. O método, mais do que uma técnica, deve se transmutar numa arte de pensar.
A constituição de uma arte de pensar, como indica Pascal Ide, faz parte das “terapêuticas” a empregar para nosso tempo. A arte de pensar se baseia na atividade da inteligência. Ela comporta três grandes partes: a definição, pela qual aprendemos a dizer o que é uma coisa; a enunciação, segundo a qual colocamos um problema; a demonstração, mediante a qual a razão tenta resolver o problema ao determinar sua causa, natureza, característica. Para tanto, devemos desposar a razão sem jamais deixar de cortejar a inteligência.
Razão e inteligência não são duas faculdades diferentes, mas apenar operações distintas. A inteligência envolve a intuição e o juízo, enquanto a razão é responsável pelo raciocínio. A razão está para a inteligência assim como a linha está para o ponto, ou o tempo para o instante. A inteligência designa tanto uma faculdade intelectual quanto um modo de funcionamento dessa faculdade. A inteligência está no início e no fim dos atos da razão. Com efeito, o raciocínio deve partir de proposições ou premissas que são imediatas, evidentes por si mesmas e que não há necessidade de demonstrá-las. A razão desperta à sombra da inteligência, como afirmava Tomás de Aquino. A inteligência arrasta a razão como uma corrente de ferro. Como indica Pascal Ide, “os pés da inteligência chamam-se argumentos, e sua marcha, raciocínio”(A arte de pensar, p. 88). O conhecimento intelectual tem, pois, sua raiz no binômio inteligência-razão. O raciocínio deve estar a serviço da inteligência. É absurdo postular uma capacidade de conhecer radicalmente dissociada da inteligência ou, como querem os empiristas, dos sentidos. É a nossa anima intellectiva que nos permite de pensar e demonstrar o pensamento.
Em filosofia mais vale uma demonstração (argumento bem fundamentado) na mão do que duas afirmações voando. A magia da frase e do estilo não pode camuflar o equilíbrio instável do edifício conceitual. As fabulações e ilustrações fantasmagóricas ficam bem nos textos esotéricos e de auto-ajuda. Quando se trata de filosofia, temos que ir as fontes que fundamentam nossas asserções. Por isso, pensar é uma arte fundamental. Mas não devemos esquecer: em filosofia pensamos, sobretudo, a partir do que lemos. Por essa razão, a leitura de textos filosóficos se constitui como parte indissociável do próprio exercício do pensamento. 
A leitura é uma arte que não dispensa um método. A verdadeira leitura filosófica consiste em aprender a pensar. Ler o que se afigura mais fácil de compreender, se apropriando dos conteúdos de base, procedendo do simples ao complexo. Eis algumas etapas de um percurso racional. A leitura de um texto filosófico implica em um encontro com o sentido. Os textos são, por isso, a via de acesso fundamental à iniciação filosófica. O estudante de filosofia deve ser, preliminarmente, um leitor. Toda cultura filosófica se expressa sob a forma de textos. O trabalho filosófico é um constructo forjado pela herança que as gerações deixam às subseqüentes. Ora, vimos que a filosofia é um equilíbrio em movimento. É isto, aliás, que faz da história da filosofia algo propriamente filosófico. Eis por que, como nos alertava Kant, não se pode aprender filosofia, quando muito, no que concerne às faculdades do espírito, podemos aprender a filosofar. O conhecimento de um sistema filosófico existente exige um exercício de apropriação, não uma invenção. Filosofar é pensar e, no limite, pensar a partir do que sentimos. A história da filosofia não é uma boutique, uma loja de pensamentos prontos queescolhemos de acordo com o que nos oferece o mostruário. Essa roupa nunca nos cabe. Quando teimamos em vesti-la nos tornamos algo diferente de sujeitos autônomos; nos transformamos em manequins patéticos e imóveis em nosso pensar, ou, então, em espantalhos travestidos de intelectuais. Pensar em filosofia é também pensar o já pensado, ou seja, é repensar, e repensar é sempre pensar. Podemos ser originais retomando, por nossa própria conta, os pensamentos já pensados por outros. Em filosofia, convém pensar com ou contra um autor, jamais como ele pensa. Não se trata de um conhecimento, mas de um rito de iniciação ao pensamento. Tal iniciação requer um percurso longo, difícil, penoso (como o prisioneiro da caverna de Platão), em busca da claridade que reluz em cada verdade.
Um texto filosófico, já sabemos, não se confunde com um artigo ordinário de jornal. A experiência também nos mostra que ler uma revista de variedades não é a mesma coisa que percorrer a Crítica da Razão Pura de Kant. Em filosofia não se pode esperar uma apropriação imediata. A adesão à leitura do texto deve ser determinada pela força do raciocínio e não pela junção de evidências sustentadas por todos. Não se deve permanecer indolente à superfície, embalado pelo pensamento do autor, buscando apenas compreendê-lo. Convém confrontá-lo com o real, indagando: o que diz ele de verdadeiro? Em filosofia, o distanciamento crítico é fundamental. Por isso, é preciso saber que atitude adotar em relação ao que se lê. A acolhida atenta depende da nossa vontade de despertar o espírito adormecido. Se o silêncio nos atordoa, mesmo atordoados devemos permanecer atentos. Eis o retrato da perfeita solidão.
 A importância do texto, portanto, não se resume apenas à compreensão que dele temos. O texto deve engendrar o saber, o mover e o comover. Ele diz algo sobre nossa inteligência, vontade e sensibilidade. Cabe-lhe, pois, arejar nossas cabeças, embalar nossos corações, alimentar nossas entranhas. Enfim, despertar a nossa anima. Devemos saboreá-lo devagar e urgentemente. Nesse caso, a pressa é amiga da imperfeição. 
A precipitação é sempre uma tentação intelectual. Mas isso é compreensível. Temos uma só vida. Sobre ela lançam-se em apelos infinitas filosofias. Um parágrafo de Hegel pode nos consumir feriados, férias, fins de semana. A ansiedade e a pressa, às vezes, atrapalham tudo. O contexto nem sempre é paciente com o texto. Mas que isso não sirva de pretexto para a indolência, o atavismo e a pasmaceira intelectuais. Devemos nos certificar da solidez de todos os degraus. E somente podemos fazê-lo se nos dispusermos a realizar o esforço de percorrê-los, ou seja, de subir, firme e pacientemente, a escada do conhecimento. A paciência, aliás, faz parte do método de compreensão e formulação de problemas. A filosofia consiste num trabalho intelectual, cujo motor essencial não é a inspiração, mas a transpiração. Transpiração, convém alertar, não é a prima próxima da piração. Nem todo pensar é filosófico, nem todo devaneio é genialidade, nem toda elucubração é descoberta. No terreno da filosofia não há solo fértil para a divagação, o espontaneismo e a enganação. 
Todo aluno de filosofia sabe que as regras do trabalho filosófico envolvem alguns princípios fundamentais como a leitura dos clássicos, o recurso aos comentadores e interpretes reputados, a utilização de obras de referência, de livros de síntese, de manuais para facilitar a iniciação. Ninguém também ignora que um texto filosófico se define pela sua forma e conteúdo. É isto que nos permite, por exemplo, diferenciar a Fenomenologia do Espírito de Hegel da poesia de Drummond. Todavia, a clareza de um texto filosófico em muitos casos depende da capacidade intelectual do leitor e de sua cultura filosófica. É lendo os textos que se aprende a ler os filósofos. Não existem formulas miraculosas que possam nos fazer entender um texto, mas há regras que podem facilitar a aprendizagem, como, por exemplo, a leitura lenta, atenta, concentrada. 
De fato, a leitura concentrada nos permite evidenciar o objeto da discussão, os seus pressupostos, a argumentação e suas implicações. Isto significa, em linguagem de açougueiro, quebrar o osso do texto para retirar-lhe a medula que lhe dá vida. Esta é a leitura que, na maioria dos casos, convém realizar em matéria de filosofia. Porém, às vezes, é necessária uma leitura diagonal, rápida, de sobrevôo, quando se deseja analisar um texto a fim de se relacionar suas partes e seus pontos fundamentais, enfim os elementos essenciais que compõem o seu conjunto. Uma outra estratégia importante para o estudo da filosofia é a anotação. Mesmo quando prodigiosa, a memória, em termos de exercício filosófico, se afigura insuficiente para dar conta da gama vertiginosa de categorias, idéias, noções que constituem o acervo dos mais diferentes pensadores, pertencentes às mais diversas correntes. Por isso, tomar nota constitui uma ferramenta de trabalho importante, pois com ela podemos fixar idéias, organizar conceitos, destacar passagens, evidenciar noções, etc.. Em filosofia, o papel é o lugar onde se depositam os pensamentos. E tais pensamentos se articulam sob forma de conceitos.
De Aristóteles a Habermas, passando por Kant e Deleuze, a filosofia é trabalho dos conceitos. Por isso, uma leitura deve ser capaz de encontrar, evidenciar e destacar os conceitos fundamentais que sintetizam uma filosofia. Afinal, como enfrentar a Metafísica de Aristóteles sem que se entenda o que ele compreende por substância? Como percorrer a Crítica da Razão Pura ignorando a noção de entendimento ou penetrar na fenomenologia de Husserl sem compreender o conceito de intencionalidade? É somente assim que se pode prosseguir na estada da filosofia, perscrutando outras paisagens, isto é, seus desdobramentos e implicações. Em filosofia, sabemos, nem sempre o que se revela é o que se mostra aos olhos de quem leu. Os conceitos muitas vezes são polissêmicos. A noção de idéia, por exemplo, é tratada diferentemente por Platão, Descartes, Hume, Hegel. O mesmo se pode dizer de outras categorias como liberdade, justiça, tempo, existência, cujo sentido assume os mais diferentes matizes ao longo da tradição. Eis por que nesse percurso devemos nos fazer acompanhar por dicionários, vocabulários de termos técnicos, anotações e fichários.
Dissemos que ao se ler um texto filosófico convém localizar os termos importantes que remetem às noções. É preciso fazer um inventário de todo o texto, identificando sua progressão e suas articulações lógicas. Uma outra instrução consiste em não dissimular as dificuldades, antes se deve sublinhá-las. Nada melhor do que uma boa pergunta sem resposta para se constituir um percurso investigativo. Aristóteles, por exemplo, restringe e precisa o seu propósito a cada retomada do tema abordado. Ele começa pelo mais geral (a definição da virtude segundo seu gênero, por exemplo) e acumula uma série de determinações mais precisas que enriquecem e delimitam a primeira definição. O que lhe permite um efeito de encaixe, constituindo ponto por ponto os elementos articulados da argumentação. O hábito da leitura nos mostra que a ordem de descoberta do texto não é a ordem de exposição (explicação ou comentário). O objeto do texto nem sempre salta aos olhos. Todavia, as dificuldades do texto têm sua solução nele mesmo. O sentido está presente ainda quando se afigura velado. O texto não é um objeto passivo, mas um guia. Devemos partir do pressuposto de que o texto tem sempre um sentido. À medida que a leitura avança precisamos interrogar constantemente as questões, delimitando as articulações, acompanhando o progresso da argumentação. Convém, por isso, assinalar os termos importantes e extrair deles as noções filosóficas, bem como os problemas e questões, adotando-se uma postura interrogativa a fim de se fazer progredir a investigação. 
A solução prematura da questão, ao prejudicar a ordem das razões, pode deformar o sentido do discurso filosófico. Por isso, é preciso ter presente no espírito a necessidadede ligar a aprendizagem erudita à leitura propriamente dita. Não se “penetra” em um texto filosófico sem levar em conta seus pressupostos e antecedentes. Estes são suas condições preliminares de inteligibilidade. O conhecimento prévio do que o possibilitou (a tradição no qual ele está inserido) pode facilitar a sua compreensão. Com efeito, sabemos que a busca do sentido vai do todo às suas partes, como procede o montanhês que, do alto da colina, vislumbra o vale sob seus pés. Ademais, a ausência de critérios, regras, enfim, de um método de leitura, pode também criar deformações, incompletudes, lacunas, no processo de escritura.
Em filosofia, apenas para relembrar, o que importa é a análise conceitual rigorosa, a ordenação coerente das idéias, a ligação entre as questões estudadas, o rigor e o encadeamento lógico do raciocínio. Por isso, a escrita filosófica tem lá suas regras. A primeira delas talvez a mais essencial é a constituição ou identificação de uma problemática.
O fundamento realmente específico do exercício filosófico é constituído pela regra de estabelecimento de uma problemática. Trata-se de uma construção que permite um encaminhamento ordenado do pensamento a fim de se atingir o objetivo traçado. Uma vez identificado e reconhecido o problema, pode-se determinar o percurso do pensamento e a organização que assegura o desenvolvimento do exercício filosófico. Para se chegar ao problema, é necessário estabelecer um questionamento. Questionar significa transformar um fato, uma idéia, um evento em questão, em interrogação. O problema há de ser respondido, jamais suprimido. É ao tentar resolver um problema filosófico que nos conferimos ao exercício filosófico uma estrutura eficaz e um plano de discussão claro e rigoroso. Deve-se, por isso, observar a estrutura da frase e sua formulação. Todo texto filosófico precisa girar em torno de uma problemática, a fim de evitar que a nossa inteligência fique enredada numa encruzilhada de caminhos. É, portanto, mediante questionamentos que a démarche filosófica se efetua. A filosofia vive de boas questões, não de frágeis respostas. Com sua maiêutica, Sócrates já nos mostrava que a argúcia do questionamento define a “arte” do filosofar. O questionamento faz aparecer o problema e organiza a série de argumentos necessários ao seu enfrentamento. O problema filosófico não exige necessariamente uma solução (ao contrário do que ocorre com as ciências). O conceito de solução parece dificilmente aplicável ao itinerário filosófico. A filosofia deve nos desvelar as dificuldades fundamentais, dissipar as obscuridades, organizar um desdobramento mais claro das idéias.
Não se deve, pois, confundir profundidade com obscuridade, terminologia conceitual com linguagem rebuscada, vocabulário técnico com hermetismo. E, sobretudo, não esquecer: a qualidade fundamental de um estilo é a simplicidade! Ser simples não significa ser banal ou superficial. Como lembra Wittgenstein: tudo que pode ser dito, podemos dizê-lo claramente. Para se estudar Heidegger, por exemplo, não é condição necessária se converter ao heideggerianismo ou ao modo heideggeriano de pensar e dizer o pensar, e ser heideggeriano não implica necessariamente em escrever da forma como o faz seu mestre inspirador. Aliás, do ponto de vista da construção do discurso e da formulação da linguagem, muitos conseguem ser mais heideggerianos do que o próprio Heidegger. Nesse caso, é mais interessante se perder com Heidegger, o original, do que se achar com seus discípulos, ciosos defensores da filosofia do mata-borrão.
Por outro lado, não dá para traduzir Rimbaud em prosa, nem, tampouco, transformar a nona sinfonia de Beethoven em samba do pagodeiro doido, sob pena de desfigurar a essência e a harmonia da composição. Ser fiel ao jargão, não significa aderir ao jargonismo, a patologia que acomete dementes e obscuros. A obscuridade é uma forma encontrada por muitos para camuflar, aos olhos de outrem, a nudez esquelética dos seus pensamentos. Certos filósofos, como dizia Montaigne, fazem questão de manter encoberto ou invisível o rosto de suas idéias. Filosofia é antes de tudo philia, amor, doação e entregar ao saber, sem pressa e sem medrosidade. Ela é também humildade. Por isso, a aceitação dos nossos limites e da nossa condição de seres errantes consiste no primeiro caminho para aceder à verdade. Lembremos, mais uma vez, Wittgenstein: daquilo que não se pode falar, deve-se calar!
Em filosofia, uma palavra pode exprimir uma idéia, mas também pode esconder uma intenção. A manipulação dos espíritos é sempre uma possibilidade presente, pois nem sempre temos como nos protege do terrorismo intelectual e da tirania dos modismos. A prestidigitação dos sofistas de plantão, destina-se a ocultar a inteligência e paralisar as reações intelectuais. Vivemos na era do audiovisual, sob o impacto de imagens que se acomodam passivamente dentro de nós, inibindo a nossa inteligência, conduzindo-nos à indolência cognitiva. Alguns textos servem para nos mover e comover sem qualquer fundamento objetivo real. Além disso, como agravante, hoje vivemos no tempo da inflação da linguagem. Deseja-se tudo comunicar. Afinal, “quem não se comunica, se trumbica”. Mas há de se perguntar: o que devemos comunicar? Uma vez sabendo o que comunicar, é a vez de se indagar: como podemos fazê-lo? Não são raras as situações em que somos atingidos pela falta de inspiração ao começar a escrever um manuscrito, um texto. No âmbito da filosofia, isso parece mais dramático, pois precisarmos expor idéias com clareza e acuidade, com precisão e, ao mesmo tempo, abrangência, com rigor e, da mesma forma, inteligibilidade. Daí a razão de tantas dificuldades, o motivo de tantos fracassos, a causa de tantas confusões. É comum o indivíduo explicar um texto quando dele se exige um comentário e comentar quando dele se pede uma explicação ou exposição. Por isso, cabe-nos distinguí-los. 
Há uma diferença entre comentário e explicação, pois o primeiro trabalha sobre um tema, enquanto a segunda versa sobre um texto. A explicação revela o que o autor disse, enquanto o comentário o que ele disse de verdadeiro, de aceitável. Explicar é simplesmente mostrar o que está exposto, pressuposto ou subentendido. Sua função é evidenciar o que está oculto, detalhando as articulações implícitas, realçando o sentido de expressões e conceitos. O trabalho de exposição nos permite identificar o movimento geral do texto, suas articulações e desdobramentos. A explicação deve evitar radicalmente a paráfrase que consiste em repetir de modo diferente a idéia, o enunciado ou a frase do autor. A paráfrase é, em sua essência, um recurso antifilosófico. A paráfrase elimina a riqueza do texto, conspurca suas articulações, dilui o seu conteúdo, destrói o seu sentido. O comentário supõe conhecimentos precisos, lentamente adquiridos e bem assimilados. Envolve, pois, erudição e especulação.
O comentário tem a função de interrogar o autor, enquanto a explicação parte do texto e se restringe a ele, podendo, por isso, ignorar a história da filosofia que o alimenta. O comentário, ao contrário, faz da história da filosofia sua condição. O substrato do comentário depende da aprendizagem filosófica propriamente dita, ou seja, da cultura filosófica do comentador. Não há, a rigor, metodologia dos conteúdos filosóficos. Mas há formas peculiares ou mais apropriadas de exposição e dissertação.
A dissertação é uma atividade racional definida pela redação de um trabalho. Trata-se de um exercício filosófico por excelência. A dissertação tem a ver com a essência do ato de filosofar. Tal exercício não se destina a nos oferecer soluções definitivas, mas a propor respostas possíveis. O critério de perfeição não se aplica à dissertação. É possível sempre encontrar falhas, defeitos, lacunas, noções indevidas. Neste intervalo entre o aceitável e o impreciso progride a filosofia. A dissertação filosófica só é concebível em função de suas regras. E quanto a isso, sabemos: não há um conjunto de regras que funcionem independentementedo conteúdo filosófico preciso do assunto ou do problema. A dissertação manifesta uma exigência de unidade entre forma e conteúdo, entre regra e pensamento. A dissertação não é uma questão de tecnicismo ou de pensamento puro. Não se pode partir de um “bom” método e daí imaginar que se vai confeccionar infalivelmente uma boa dissertação. É preciso produzir, escrever, para, se for o caso, se enganar, corrigir, retificar, enfim progredir no exercício do pensar. Pensar é, em primeiro lugar, exercitar o pensamento. Tal como na natação, em que precisamos cair n’água para aprender a nadar, em filosofia aprendemos a filosofar exercitando o pensar. A aprendizagem é uma dimensão prática do filosofar. Isto significa: por o espírito em funcionamento e em alerta, em constante atividade intelectual. Para dissertar bem, é preciso pensar e escrever da melhor maneira possível. Não há método infalível e universalmente válido de dissertação filosófica. Os métodos são condições necessárias, mas não suficientes, para o exercício do pensar. Os métodos são apenas regras de uso.
A dissertação é um exercício de pensamento que deve permitir desenvolver um conjunto de análises e raciocínios sustentados pela referência a autores, de preferência, clássicos (tradicionais), para dar ensejo, ao final, a uma tomada de posição sobre o tema proposto. O tema (sujet em francês) rege o pensamento, a ele devemos nos submeter. Trata-se de uma servidão voluntária e necessária. O tema fornece, implícita ou explicitamente, uma ordem de pensamento, de interrogação, de problematização, de argumentação e de raciocínio. Respeitar um tema é colocar-se a serviço dele, seguindo as injunções de seus enunciados, obedecendo às suas singularidades e dimensões.
Um dos maiores obstáculos enfrentados por quem elabora uma dissertação em filosofia concerne à dificuldade no manejo de sua terminologia. Afinal, como ter acesso ao pensamento filosófico e, portanto, à linguagem técnica da filosofia, sem que se domine os princípios fundamentais da mesma? Alguns julgam saber o que têm a dizer, querem dizê-lo, mas não conseguem. A falta de destreza com a língua, aliada à ausência de exercício intelectual, torna impossível o exercício filosófico. Se não, como discorrer sobre um conceito, expor uma idéia, comentar uma noção, se as palavras se afiguram indisponíveis? 
Como contraponto da indigência lingüística, vê-se com freqüência a recorrência ao formalismo oco, a retórica vazia, ao beletrismo pueril. Mas, se por um lado, tal impostura deve ser condenada, por outro, a correção da língua não deve servir para encobrir o rigor do pensamento. Para pensar bem, é preciso dominar a linguagem e saber que esse domínio também condiciona e potencializa o uso do pensamento. A filosofia, talvez mais do que qualquer outra disciplina, busca o ideal da perfeita unidade possível do pensamento e da linguagem. A relação língua-linguagem-pensamento é verdadeiramente de ordem genética a ponto de essas três esferas coexistirem simbioticamente. Neste caso, vale dizer: o que anda nas cabeças (pensamento) deve também andar nas palavras (linguagem). Em resumo, a dissertação filosófica deve compor: correção da língua, esforço de formular um pensamento claro, trabalho dos conceitos, fidelidade a uma linguagem filosófica. Somente assim se pode expor com inteligibilidade, rigor e acuidade um problema filosófico a fim de suscitar a compreensão do leitor. Depois desse percurso, uma evidência salta aos olhos: precisamos de um método para filosofar. Mas o que é filosofar? Eis-nos aqui remetidos à essência da filosofia: a pergunta pelo seu sentido.Tentemos, então, aportar algumas respostas.
Filosofar é partir ainda que não se saiba precisamente aonde ir, para, em seguida, poder retornar e, quem sabe, voltar a caminhar, avançar. É olhar para frente é poder se ver chegar a qualquer momento em algum lugar. Filosofar para se fazer anunciar, para saber calar, cultuar o refletir e alimentar o pensar. Para fazer ressoar o falar que pensa, o pensar que fala, o dizer que cria, o criar que ensina, o ensinar que se aprende ao se tentar filosofar; para entender que não podemos nos esconder daquilo que jamais desaparece: o não saber; para compreender que nem todo saber é absoluto, mas pode ser absoluto enquanto saber. Enfim, para reaprender a ver, para fazer renascer a certeza de que viver é também saber morrer; para que não se apague da memória o valor do despertar; para fazer avançar o legado de Prometeu lançando contra as forças do obscurantismo a centelha da razão, afugentando com faíscas de sabedoria os abutres que nos querem devorar a consciência do mundo. 
Filosofamos para que nosso fracasso não se transforme em triunfo e para não fugir da insuperável indigência do existir; para percorrer, como um peregrino sem par, a estrada árida da dor e da desilusão. Filosofar para esbofetear a opinião que alimenta a preguiça intelectual de quem faz da idiotice profissão; para se aproximar de Platão e fugir de Macunaíma; para não sucumbir ao eskindolêlê da nação-batuque e se permitir ouvir Mozart, Vivaldi, Debussy; para valorizar o silêncio que ecoa e o barulho que pensa; para poder afirmar: diz-me o que pensas que eu te direi quem és!; para dar um chute nos olhos da falsidade e passar a mão no rosto da verdade; para dizer o que se é antes de se justificar o que se faz ; para entender que a nudez das coisas é capaz de também refletir a transparência do mundo. Filosofar para chacoalhar a indolência dos rebanhos que hibernam sob o manto da nossa miséria real, que se nutrem de estéril esperança virtual. Filosofar para se depurar do lixo, desenguiçar a rebimboca da bestialidade que entope os canais da inteligência e, quem sabe, decantar um pouco de limpidez em toda essa lama que se diz água.
Filosofar para denunciar a impostura da tirânica imbecilidade dos medíocres, a mentalidade tacanha dos funcionários da filosofia e a letargia dos deserdados filhos da deusa razão; para talvez revitalizar os cansados e lutar contra os que nos cansam. Para fortalecer a lucidez dos que ainda teimam em resistir ao espetáculo da banalidade e do mau-gosto: eis uma das funções que lhe compete. Por isso fazemos filosofia, ao mesmo tempo em que somos feitos por ela. Com ela, aclaramos o universo subitamente privado de luzes e razão, combatendo a ignorância e sua onipresente ressonância. Com a filosofia talvez possamos melhor entender nossa radical finitude, enfrentar o absurdo do existir, elegendo a vida como valor, defendendo o valor de viver. Por fim, aos que nada aprenderam de tudo que estudaram, aos que nada leram é acham que tudo aprenderam, aos que querem tudo fazer, mas não sabem o que significa pensar, cabe-nos perguntar, ou quiçá, sugerir: por que não filosofar? Que se o faça, pois, sem esquecer, é claro, do método!

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