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CENTRO UNIVESITÁRIO CENTRAL PAULISTA - UNICEP CURSO DE DIREITO LÍGIA APARECIDA DE ALMEIDA CONTRATO DE FRANQUIA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA SÃO CARLOS–SP 2019 LÍGIA APARECIDA DE ALMEIDA CONTRATO DE FRANQUIA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA Monografia apresentada ao Curso de Direito do Cento Universitário Central Paulista – UNICEP, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Orientador: Prof. Me. José Araldo da Costa Telles SÃO CARLOS–SP 2019 TERMO DE APROVAÇÃO LÍGIA APARECIDA DE ALMEIDA CONTRATO DE FRANQUIA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro Universitário Central Paulista –UNICEP, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Orientador: Professor Mestre José Araldo da Costa Telles Data de aprovação: ___ / ___ / ______. Banca Examinadora: Prof.: ____________________________ Julgamento:_______________________ Prof.: ____________________________ Julgamento:_______________________ Prof.: ____________________________ Julgamento:_______________________ Instituição:________________________ Assinatura:_______________________ _ Instituição: ________________________ Assinatura:_______________________ _ Instituição: ________________________ Assinatura:_______________________ _ 6 DEDICATÓRIA Aos meus filhos Luísa e Gustavo, razão da minha vida. 7 8 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, professor José Araldo da Costa Telles, pela orientação cuidadosa. Aos professores Cláudia Pozzi e Rafael Deval pela leitura e contribuições para este texto. Aos colegas de curso Anna, Karen, Evandro, Gisele, Leonardo, Rafael e Tamires pela amizade e companheirismo. Aos funcionários da Unicep, em especial a Paulinho, pela simpatia e competência. 9 Não, o tempo não chegou de completa justiça. (Andrade, 1978, p. 14). RESUMO O objetivo central do presente estudo é analisar o impacto da cláusula de não concorrência, presente em contrato de franquia, para ex-franqueados. No bojo dessa discussão será também considerada a questão de ex-franqueados que exercem atividade uniprofissional, os quais podem ser ver em dificuldades para retomar à sua atividade laborativa em função da vedação imposta pela cláusula de não concorrência. Para a análise proposta, será examinada especialmente a Lei n° 8.955/94, que dispõe sobre as franquias empresariais. Metodologicamente, o exame dessa lei far-se-á através da triangulação com o texto constitucional e outras leis, a fim de melhor compreendê-la no conjunto do ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, para a análise da lei das franquias e da cláusula de não concorrência serão considerados textos doutrinários e jurisprudência. Espera-se que as discussões levantadas nesse trabalho sirvam a uma melhor reflexão acerca do tema, mas do que apontando soluções, levando a novas indagações acerca dos conflitos jurídicos decorrentes da previsão de cláusulas de não concorrência em contratos de franquia. Palavras-chaves: Contrato de Franquia; Cláusula de não concorrência; Atividade uniprofissional. ABSTRACT The main objective of this study is to analyze the impact of the non-compete clause, present the franchise agreement, to former franchisees. No discussion of this part will also be considered as a matter of ex-franchisee who will exercise non-professional activity, which are the issues that may be found in difficulty to resume their work due to the prohibition imposed by the non-execution clause. For a proposed analysis, Law No. 8,955 / 94, which will include on chemical franchises, will be examined in particular. Methodologically, the examination of this law is now part of the triangulation with constitutional text and other laws, an end to a better understanding of the Brazilian legal system. In addition, for an analysis of franchise law and the non-compete clause, doctrinal texts and case law will be considered. It is hoped that the discussions raised in this paper will have a better reflection on the subject, but that solutions, leading to new questions about legal conflicts, the estimates of non-compete clauses in franchise agreements. Keywords: Franchise agreement; Non-competition clause; Exercise uniprofessional. . SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 10 2 CONTRATOS DE FRANQUIA 11 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO DE FRANQUIAS 12 2.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA 13 3 CONTRATOS DE FRANQUIA UNIPROFISISIONAL 23 3.1 A CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA NOS CONTRATOS DE FRANQUIA TRADICIONAL E UNIPROFISSIONAL 24 4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA: DECISÕES ACERCA DO CONTRATO DE FRANQUIA 28 4.1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO – TJ/SP 28 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 37 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38 ANEXO 40 LEI No 8.955, DE 15 DE DEZEMBRO DE 199440 14 1 INTRODUÇÃO Para o desenvolvimento da presente monografia buscou-se um assunto que fosse atual e pertinente para o campo do Direito. Dentre vários temas, elegeu-se um vinculado ao Direito Empresarial, propondo-se debater os impactos da cláusula de não concorrência nos contratos de franquia. As questões a que se propôs discutir nessa pesquisa se afiguram relevantes porque abordam pontos de interesse no que concerne aos contratos de franquia; contratos esses em amplo desenvolvimento no capitalismo brasileiro atual. Nesse cenário, há questões a serem analisadas nesta monografia, que afetam diretamente certos grupos da sociedade brasileira, especialmente quanto aos impactos dessa cláusula de não concorrência na vida dos ex-franqueados. Conforme se exporá, trata-se de um cenário prenhe de conflitos, pois de um lado, por exemplo, pode-se encontrar um ex-franqueado a sofrer grandes danos financeiros decorrentes da imposição de cláusula de não concorrência, caso não consiga se reintegrar ao mercado, e de outro o franqueador, o qual pode restar vulnerável juridicamente, pois sem a previsão da cláusula de não concorrência seu modelo de negócio pode se mostrar inviável, já que ex-franqueados podem se valer do conhecimento fornecido pela franquia para implementarem negócios próprios. Desse modo, propõe-se nesta monografia abordar essa questão atual e complexa, na medida em que a cláusula de não concorrência pode implicar em problemas para os grupos diretamente afetados. Buscando-se auxiliar nessa discussão, propõe-se observar quais impactos desse tipo de cláusula, analisando-se sua aplicação e problemas. 15 2 CONTRATOS DE FRANQUIA A problemática da cláusula de não concorrência presente em contratos de franquia é questão atual e importante para o Direito Empresarial. Por isso a importância de se analisar a natureza jurídicado contrato de franquia e problematizar como a supracitada cláusula repercute no âmbito jurídico e na vida dos grupos afetados. Conforme o artigo 2° da Lei n° 8.955/94, a franquia empresarial se caracteriza como: [..] o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços. Eventualmente, também pode compreender o direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. Para Nelson Abrão (1986, p. 567), o contrato de franquias seria: Um contrato pelo qual um titular de uma marca de indústria, comércio ou serviço (franqueador), concede seu uso a outro empresário (franqueado), posicionando no nível de distribuição, prestando-lhe assistência no que concerne aos meios e métodos para viabilizar a exploração dessa concessão, mediante pagamento de uma entrada e um percentual sobre o volume dos negócios realizados pelo franqueado. Já para Orlando Gomes (1986, p. 528), o contrato de franquia é “uma operação pela qual um empresário concede a outro o direito de usar a marca de um produto seu com assistência técnica de sua comercialização, recebendo, em troca, determinada remuneração”. Além disso, para Sílvio Aparecido Crepaldi (2009, p. 326): O contrato de franchising se diferencia do contrato de concessão mercantil por ser uma modalidade de contrato mais abrangente, tendo como característica principal uma licença que autoriza a utilização da marca e a prestação de serviços de organização como método de comercialização de produtos, processos e serviços. Por fim, para Waldirio Bulgarelli (1995, p. 520), o contrato de franquia se caracteriza como: Operação pela qual um comerciante titular de uma marca comum, cede seu 16 uso, num setor geográfico definido, a outro comerciante. O beneficiário da operação assume integralmente o financiamento de sua atividade e remunera o seu co-contratante com uma porcentagem calculada no volume dos negócios. Repousa sobre a cláusula da exclusividade, garantindo ao beneficiário, em relação aos concorrentes, o monopólio da atividade. Com base no exposto, o contrato de franquia se configura como um acordo bilateral, consensual, oneroso e comutativo entre franqueador e franqueado, no qual se concede ao franqueado, mediante remuneração, o uso do direito de comercialização de certa marca ou patente, a distribuição de produtos e serviços. Desse modo, ambas as partes se encontram vinculadas, possuindo, assim, uma obrigação comutativa, pois as partes assumem direitos e obrigações recíprocas. Desta feita, pode-se definir a franquia como um modelo contratual em que o franqueado, ao aderir esse tipo de acordo, poderá se deparar com algumas condições como, por exemplo, a cláusula de não concorrência. Nos contratos em que essa cláusula se faz presente, percebe-se que ela é uma maneira de proteção ao franqueador de que, caso o franqueado venha desistir do contrato antes do tempo, este não venha usufruir dos benefícios e ensinamentos que a franquia disponibiliza. 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONTRATO DE FRANQUIAS De acordo Marcelo Cherto (1988, p. 10-11), o sistema de franquias, franchising em língua inglesa, aparece em meados do século XIX nos Estados Unidos, com alguns industriais da região Norte, pois esses tinham o interesse de expandir seus negócios para o Sul e o Oeste do país. Sendo assim, buscavam com os comerciantes dessas regiões celebrarem acordos de distribuição de seus produtos, dando origem aos primeiros moldes do que viria a ser o sistema de franquias. Contudo, somente no ano de 1862 surgiu a primeira empresa que adotara o sistema de franquias, sendo está a fabricante de máquinas de costura I. M. Singer & Co, que na época já cedia o direito do uso de sua marca e de comercialização de seus produtos a comerciantes. Com o passar do tempo, outras empresas 17 importantes como a General Motors também começaram a aderir ao sistema de franquias, que foi se expandindo e conquistando cada vez mais o mercado mundial, por seu potencial comercial. De todo modo, é após a 2ª Guerra Mundial que o sistema de franquias apresentará um grande crescimento nos Estados Unidos, pois vários negócios comerciais foram abertos por soldados que voltaram da guerra. Como não tinham emprego ou experiência esses soldados acabaram por ver nas franquias a oportunidade de abrir um negócio e ganhar dinheiro. Como, então, muitos começaram a explorar esse tipo de ramo empresarial, houve um grande incremento nos sistemas de franquias. A partir de então, com o tempo, o sistema de franquias se expandiu para diversos países da Europa e da Ásia, alcançando, posteriormente, dimensão mundial. 2.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA BRASILEIRA No Brasil, observa-se que foi a partir de 1910 que o ramo de franquias começou a ganhar espaço. A primeira empresa a empregar esse sistema contratual foi a Calçados Stella, que passou a ceder sua marca e a comercialização de seus produtos a outros comerciantes. Com o passar do tempo, outras empresas nacionais também passaram a adotar esse tipo de negócio, como, por exemplo, a escola de inglês CCAA. Percebe-se que com a evolução do sistema de franchising esse modelo de negócio foi se propagando pelo território brasileiro, culminando com a fundação da Associação Brasileira de Franchising no final dos anos 80 e com a criação da Lei da Franquia (Lei n. 8.955) em 1994. Vale salientar, porém, que mesmo antes de instituída essa lei, essa atividade empresarial já era amparada tanto pela Constituição Federal quanto pelos Códigos Civis de 1916 e de 2002, pois, ainda que não versassem especificamente sobre o sistema de franquia, tanto o texto constitucional quanto os diplomas civilistas serviam e servem à normatização genérica das atividades empresariais. 18 A propósito, observe-se o artigo 170°, e seu parágrafo único, da Constituição Federal de 1988, em que se lê: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. De acordo com o artigo em comento, pode-se averiguar que o princípio constitucional da livre concorrência está ligado com o preceito da livre iniciativa,tendo por finalidade garantir que as pessoas possam exercer, livremente, qualquer atividade econômica e se utilizar de todas as formas lícitas, possíveis, para desenvolver essa atividade, sem que haja limitações quanto ao exercício de quaisquer atividades, a exceção das vedadas ou que dependam de autorização legal. Como se observa, a Carta Magna tem como objetivo assegurar a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano, de modo a propiciar a todos os indivíduos oportunidade de vida digna. Corroborando esse entendimento, têm-se as palavras de José Afonso da Silva (1998, p.876): A livre concorrência está configurada no art. 170, IV, como um dos princípios da ordem econômica. Ele é uma manifestação da liberdade de iniciativa e, para garanti-la, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista Desse modo, ao mesmo tempo em que se permite e até mesmo se incentiva 19 o livre exercício de atividades econômicas, há uma preocupação acerca do exercício arbitrário destas, o que poderia levar a uma prejudicial concentração de capital a impedir a sobrevivência de empresários menos abastados e possivelmente levando-se a um quadro econômico menos interessante do ponto de vista da oferta de produtos bem como de remuneração dos empregados do setor. Ainda no que se refere à dialética entre a não intervenção do Estado na economia e a possibilidade de regulação e regulamentação estatal no campo econômico interessante a observação de Joao Bosco Leopoldino da Fonseca (2007, p.137) ao assinalar que “a Constituição Federal de 1988 determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida em caso de exceções”. Isto é, sublinha o autor que o Estado somente deve interver nas questões empresarias quando for imprescindível, sendo que o exercício mesmo de atividades econômicas pelo próprio Estado é caso excepcional. No exame da legislação referente à atividade econômica, importante considerar os artigos 113 e 187 do Código Civil de 2002, que asseveram sobre a preservação do princípio da boa-fé e da função social do contrato, de certo modo a limitar avenças que, conquanto se deem no campo privado, possam ser desabonadas por manifesta contrariedade a princípios legais e constitucionais que fundamentam o ordenamento jurídico pátrio. Veja-se: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A partir desses dispositivos legais, como se verá mais à frente neste trabalho, é possível salvaguardar os direitos do franqueador caso o negócio venha ser prejudicado por culpa do franqueado, como, por exemplo, em caso de concorrência desleal. Por outro lado, também o franqueado pode buscar respaldo nessas previsões legais, caso o franqueador não execute de maneira proba o avençado em contrato ou aquilo que, ainda que não expresso contratualmente, decorra de princípios que transpassam qualquer negócio, como o princípio da boa-fé. 20 Interessa também considerar o artigo 421 do Código Civil, cuja redação atual é: “ A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Esse dispositivo gerava celeuma entre os doutrinadores da área (COLOMBI, 2019, n.p), na medida em que, atendendo à visão solidária da Constituição brasileira, impunha a observância da função social a pautar as atividades empresariais, em geral, eminentemente voltadas a lucro em detrimento da equidade social. Justamente isso explica a inclusão de parágrafo único a este artigo pela Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, assim dispondo: “Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual”. Esse parágrafo, como dito, resulta da Lei nº 13.874, a qual, por sua vez, provém da Medida Provisória 881/2019, alcunhada como “MP da liberdade econômica” (COLOMBI, 2019, n.p). Sobreleva notar que a previsão do parágrafo único, no intuito de assegurar a livre iniciativa e a intervenção estatal mínima, nada mais faz do que expressar algo já prevista pela Constituição Federal: a liberdade dos contratos privados e a intervenção estatal nestes apenas em casos excepcionais. De todo modo, essa tentativa de explicitar a, já prevista constitucionalmente, liberdade econômica, mostra como o ramo do Direito Empresarial é palco de discussões entre aqueles que pretendem dar a esse campo do direito um viés mais privatista, enquanto outros entendem a atuação econômica como sujeita a preceitos de ordem pública, a despeito da liberdade privada. Prosseguindo com a discussão sobre a evolução legislativa brasileira, é importante destacar a criação da Associação Brasileira de Franchising (ABF), fundada em 1987, tendo como principal tarefa fazer com que o sistema de franquias fosse difundido em todo território nacional, contribuindo diretamente para sua disseminação. Essa associação foi fundamental para dar visibilidade a necessidade de uma regulamentação legal do setor. No bojo dessa crescente importância é que a Lei n. 8.955 foi instituída, a partir dos Projetos de Lei nº 1.526 de 1989 e nº 318 de 1991. O projeto de Lei nº 1.526 de 1989 visava proteger a relação negocial entre franqueado e franqueador, por isso previu a adoção de cláusulas contratuais para 21 evitar ações nocivas tanto para o franqueado quanto para o franqueador. Já o projeto de Lei nº 318 de 1991 tinha por finalidade regular os contratos de franquia, visto que havia uma carência legal para acautelar de modo específico a matéria. Desse modo, verifica-se que a Lei de Franchising teve influência desses dois projetos de Lei; principalmente do projeto de Lei nº 318 de 1991, pois manteve boa parte da redação de seu texto de lei. Para entender melhor como funciona a Lei de Franquia, é necessário analisar, mesmo que, brevemente, seus dispositivos. Passa-se, então, ao exame de alguns dos artigos da referida lei. O artigo 1° aduz que “ os contratos de franquia empresarial são disciplinados por esta lei”, deixando claro o escopo da lei, qual seja: que o modelo contratual da franquia será regulado por este diplomo legal. Já o artigo 2° aponta o que viria ser uma franquia empresarial, esclarecendo e delimitando: Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de usode tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. Nesse sentido, explanando e complementando, Fran Martins (1996, p. 486) define franquia empresarial como “contrato que liga uma pessoa a uma empresa para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas os produtos de sua propriedade sem que, contudo, a essas estejam ligadas por vínculo de subordinação”. Como se nota, há um esforço do texto legal para amparar uma atividade econômica, deixando-se bem claro que o vínculo a ligar franqueador e franqueado não é um vínculo de emprego. Já o artigo 3° traz um rol exemplificativo, por meio do qual se indicam direitos e deveres do franqueado, bem como pressupostos documentais, fiscais e outros de interesse àquele que pretenda ser um franqueado. O dispositivo, assim, serve de norte a explicar como funciona a tramitação dos documentos e procedimentos 22 necessários para a constituição do contrato de franquia. Note-se: Art. 3º Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes informações: I - histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos nomes de fantasia e endereços; II - balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios; III - indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da franquia; IV - descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado; V - perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente; VI - requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio; VII - especificações quanto ao: a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação e entrada em operação da franquia; b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento; VIII - informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte: a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties); b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial; c) taxa de publicidade ou semelhante; d) seguro mínimo; e e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam ligados; IX - relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço e telefone; X - em relação ao território, deve ser especificado o seguinte: a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações; XI - informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores; XII - indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a: a) supervisão de rede; 23 b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado; c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos; d) treinamento dos funcionários do franqueado; e) manuais de franquia; f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado; XIII - situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial - (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador; XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) knowhow ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador; XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade. Como se verifica, para Nelson Abraão (1995, p.29), esse dispositivo “visa dar maior transparência aos contratos de franquia empresarial”. O artigo traz a previsão da Circular de Oferta de Franquia (COF), um documento importante que, de maneira transparente, deve mostrar toda a organização do negócio. Desse modo, a COF se torna um instrumento primordial para dar validade ao contrato, uma vez que garante ao franqueado a possibilidade de anulação do negócio quando este não está em conformidade com o prescrito na COF. Assim, se a COF contiver informações inverídicas, o franqueado poderá demandar a justiça a fim de que se cumpra o contratado, ou, em certos casos, que se anule ou rescinda o contrato. O artigo 4°, por sua vez, faz referência ao prazo de entrega da Circular de Oferta de Franquia, prescrevendo que: Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá arguir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos. Destarte, o dispositivo em questão demostra a importância da entrega desse documento no prazo legal estipulado, pois, se houver o descumprimento desse quesito, isso poderá gerar a anulabilidade do contrato. 24 Para corroborar esse entendimento, mencione-se o artigo 104 do Código Civil de 2002, que traz a seguinte disposição: Art. 104. A validadedo negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. Nesse diapasão, pode-se aferir que esses dois dispositivos normativos possuem, de certo modo, a mesma essência, pois, por exemplo, se algumas dessas condições de validade faltarem o negócio jurídico poderá ser anulado. Claramente, isso também valerá, caso algumas das formalidades exigidas pela Circular de Oferta de Franquia deixar de ser cumprida. Contudo, esse preceito não é absoluto, pois cada caso precisará ser analisado, pois, atualmente, a jurisprudência vem entendendo que a não entrega da COF no prazo legal, por si só, não gerará a anulação do contrato, devendo-se levar em conta outros fatores. Signatário desse posicionamento, Adalberto Simão Filho (1998, p.113) acredita que esta regra de anulabilidade do contrato é genérica e condicional, cabendo ao Poder Judiciário analisar o caso concreto no que tange ao seu alcance. Ilustra esse posicionamento, a seguinte jurisprudência: CONTRATO DE FRANQUIA - Ausência de apresentação da circular de oferta que trata o art. 3º da Lei nº 8.955/94 - Alegação que deveria ter sido apresentada antes do início das atividades - Fato, aliás, que não foi obstáculo ao implemento do negócio - Insucesso do negócio dos autores que não pode ser atribuído à alegada omissão da entrega da circular - Não demonstração, ademais, de descumprimento contratual pela franqueadora - Recurso improvido. (TJSP - 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Apelação Cível 0037482- 94.2008.8.26.0068, Rel. Desª Lígia Araújo Bisogni, j. 09/12/2013) Por sua vez, o artigo 6° apresenta os seguintes aspectos formais do contrato de franquia “[...] deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público”. Contudo, para Adalberto Simão Filho (1998, p.114), embora a lei disponha ser necessária a presença de duas testemunhas para tornar válido o ato, entende o autor que esse não é requisito é essencial, uma vez que 25 seria, somente, uma formalidade para obstar o registro do contrato em órgãos próprios como o INPI. O artigo 7° dispõe sobre as penalidades que devem ser aplicadas ao franqueador quando propagar fatos falsos na COF. A esse respeito, Adalberto Simão Filho (1988, p.97) sublinha: “ As informações veiculadas, se falsas, gerarão também a possibilidade de anulação do contrato, com devolução dos valores pagos, perdas e danos e, ainda, eventualmente, sanções de natureza penal”. Isto é, fatos inverídicos podem anular o contrato e a parte prejudicada pode pleitear indenização. Além disto, o responsável pode responder criminalmente se configurado crime. Já o artigo 8° aponta que a Lei de Franquia é aplicada em todo território nacional, inclusive em relação aos sistemas já instalados. Na sequência, o artigo 9° menciona que o termo franqueador pode ser utilizado para designar o subfranqueador. Desse modo, as disposições contidas na norma para o franqueador também serão aplicadas ao subfranqueador. Por fim, o artigo 10 aponta a data em que a lei entra em vigor após ser publicada e o artigo 11 revoga as disposições em contrário, fechando o diploma legal. Como se observa a Lei n.8.955 de 1994 é uma norma concisa, contendo apenas 11 artigos. Isso implica no fato de que, muitas vezes, sua normatização precisa ser complementada por outros leis e normas, bem como leva à necessidade de se conjurarem a ele outros institutos jurídicos a fim de que tenha real eficácia. Ainda assim, a Lei da franquia não deixa de ser essencial, pois foca em pontos relevantes e discorre sobre elementos indispensáveis para o estabelecimento da relação negocial entre franqueado e franqueador. Note-se que o sistema de franquias vem apresentando um amplo desenvolvimento no âmbito do capitalismo brasileiro atual, dinamizando a economia nacional e expandindo seu sistema de redes. Neste cenário, percebe-se, também, que o modelo das microfranquias está ganhando, cada vez mais, espaço no mercado interno, pois é considerado um bom investimento por ser de baixo custo. Nessa disposição, Marra (2019) menciona que: Para atrair franqueados com menos recursos e chegar a novos mercados, grandes marcas aumentaram o investimento em microfranquias, unidades 26 em estabelecimentos pequenos, quiosques, ou dentro de uma loja, no formato “store in store”. Conforme evidencia o autor, grandes marcas, como a Natura ou o Boticário, estão lançando-se nesse tipo de empreendimento, já que o valor para o investimento é relativamente baixo e retorno do capital investido é mais rápido. Sendo assim, esse modelo acaba atraindo bastante interessados. Acrescente-se a isso, dados da pesquisa da Associação Brasileira de Franchising, segundo a qual: O desempenho do setor diante do cenário de incertezas econômica e política do país se deve ao empenho das redes em diversificar formatos e produtos para atrair novos investidores. A principal aposta do mercado tem sido as microfranquias, modelos de negócios compactos que exigem espaço pequeno e que demandam investimento de até R$ 90 mil e são voltadas para quem quer começar a empreender. Entretanto, as microfranquias possuem algumas peculiaridades que devem ser detalhadas. Entre essas especificações, verifica-se que o investimento é menor comparado ao modelo tradicional de franquia; todavia, o trabalho pode ser considerado maior, visto que o número de funcionários é reduzindo, acarretando assim, para o empreendedor, muitas vezes, maior esforço laboral próprio. Diante disso, provavelmente o franqueado terá que trabalhar mais e despenderá, ainda, mais tempo no trabalho que o franqueado do modelo de franquia tradicional. Mas, apesar disso, esse tipo de empreendimento é muito interessante para o mercado e, como anteriormente mencionado, está se desenvolvendo com muita rapidez pelo país. Para encerrar essa visada acerca do desenvolvimento do sistema de franquias na economia brasileira, tem-se a palavra de José Luiz Cunha Júnior (2014), que afirma: Não obstante essas dificuldades no mercado financeiro, mesmo estando o país com baixo índice crescimento, e a alta inflação, a cada ano há um crescimento na faixa de 10% no setor. Fica muito evidente que, as franquias é [sic] um bom investimento para quem não quer ter dor de cabeça de iniciar um novo negócio, já que esse tipo de empresa tem agradado o gosto dos brasileiros. 27 Sob esse prisma, pode-se aferir que, mesmo em um cenário de economia estagnada, como o atual do Brasil, o crescimento desse seguimento empresarial está em alta, já que é considerado um ótimo negócio para se investir e tem influenciado, positivamente, na geração de empregos. 28 3 CONTRATOS DE FRANQUIA UNIPROFISISIONAL Questão de relevo no âmbito dos contratos de franquia diz respeito aos franqueados que exercem atividade uniprofissional, ou seja, os profissionais liberais que exercem uma atividadefim, como os médicos ou os dentistas, e aderem a um sistema de franquias do mesmo ramo profissional. Nesse caso, os profissionais, de algum modo, colocam sua capacidade laborativa a serviço da franquia, ganhando por sua vez com o respaldo técnico que a franqueadora pode fornecer bem como pela notoriedade que essas empresas costumam ter, auxiliando na captação de público pelo profissional. Um problema que se impõe, todavia, é que, geralmente, os contratos de franquia impõem cláusulas de não concorrência, o que poderia inviabilizar a continuidade da atividade laborativa do profissional que deixasse a franquia e, por esta cláusula, se visse impedido de atuar ou com ressalvas a sua atuação. Entende-se, porém, que, em regra, esses profissionais não perderão o direito de exercer sua profissão, após findo o contrato de franquia. Isto é, se o franqueado que já exercia o mesmo tipo de atividade empresarial antes de aderir a franquia, poderá, após o término do contrato, dar continuidade a sua atividade profissional. Como se verá, assim tem entendido a jurisprudência majoritária. Para esclarecer a questão, inicie-se retomando o artigo 5°, XIII, da Constituição Federal da República Brasileira de 1988, no qual se prevê que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Já por esse dispositivo constitucional pode-se começar a delinear o posicionamento de que o franqueado uniprofissional não poderá ser privado de exercer sua atividade profissional, ainda mais se seu ofício é sua única forma de subsistência. Sendo assim, torna-se inadmissível que o franqueado dessa categoria sofra qualquer tipo de prejuízo em decorrência de cláusula não concorrência prevista no contrato de franquia. Por isso, essa cláusula deve ser analisada e aplicada de maneira moderada a cada caso concreto, pois se, em geral, ela se demonstra válida e legal para dar segurança jurídica a relação negocial, já que tem como objetivo principal assegurar que não haja concorrência desleal após o término do contrato, essa segurando 29 jurídica não pode impedir que alguém exerça a atividade que lhe garante a subsistência. Sob esse entendimento, tem-se o posicionamento de Fiedra (2007, p. 99): Ao incidir a obrigação de não-concorrência sobre o caso concreto, deve sempre ser observado o princípio da proporcionalidade a fim de que as restrições aos princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência sejam na medida exata da proteção ao estabelecimento transferido. A obrigação de não concorrer restringe a liberdade do transmitente do estabelecimento de se associar livremente para exercer uma atividade profissional, de exercer livremente qualquer atividade e de concorrer, também, livremente. Então, ao incidir a regra da não-concorrência em um caso concreto, a proibição deve ser na medida suficiente para impedir a disputa pela mesma clientela já conquistada pelo transmitente, eliminando-se, portanto, qualquer excesso. É necessário colocar na balança os princípios que estão em colisão com os direitos: de um lado, a restrição à livre concorrência e à livre iniciativa; e de outro, a obrigação de garantia do vendedor (regra da não-concorrência). Para manter o equilíbrio dos dois lados da balança, deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade, oferecendo ao caso concreto, a solução ajustadora. Portanto, a aplicabilidade da cláusula de não concorrência conforme aponta o autor, deve ser guiada pelo princípio da proporcionalidade, pois a restrição da liberdade de exercer a mesma atividade profissional do ramo da franquia após o término do contrato, deve ser analisada de acordo com cada situação apresentada, senão poderá ser considerada abusiva. Desse modo, o que se espera é que não haja excessos quanto sua incidência, dado que sua finalidade é dar estabilidade jurídica à relação negocial e impedir que haja concorrência desleal, a qual pode ocasionar graves problemas financeiros ao franqueador. De outro lado, em determinados casos, a vedação a não concorrência, se tomada em sentido radical, pode levar ex-franqueados uniprofissionais a uma difícil situação de recolocação no mercado de trabalho. 3.1 A CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA NOS CONTRATOS DE FRANQUIA TRADICIONAL E UNIPROFISSIONAL 30 A cláusula de não concorrência é um instituto amparado pelo ordenamento jurídico brasileiro e visa resguardar o princípio da boa-fé presente nos contratos, para que, assim, haja uma livre concorrência justa. Essa cláusula não é considerada uma prerrogativa nova, pois já aparece no nosso ordenamento jurídico desde o Código Civil de 2002. Observa-se, então, que essa cláusula vem sendo utilizada, constantemente, como parâmetro pela jurisprudência para solucionar possíveis conflitos relacionados ao tema. Nota-se que essa cláusula é de extrema relevância para o sistema de franquias, uma vez que se apresenta como uma forma de proteção ao franqueador que pode restar vulnerável juridicamente, pois sem a previsão dessa cláusula seu modelo de negócio pode se mostrar inviável, já que ex-franqueados podem se valer do conhecimento fornecido pela franquia para implementarem negócios próprios. Nesse sentido, assinalam Chaccur, Moyanno e Garrido (2013, p. 1-2): Em determinadas situações é necessário ressaltar a flexibilização deste preceito, uma vez que existem polos imperativos de igual importância, como o da livre concorrência. Com isso, a flexibilização desse princípio deve ser considerada legítima para atuar com mais efetividade e, assim, que possam coexistir com o outro instituto de maneira harmônica. Diante disso, essa situação engloba a inserção da cláusula de não concorrência, de modo a preencher as lacunas existentes pela livre concorrência e a livre iniciativa, bem como a referida cláusula visa impedir a concorrência direta entre as partes, por um período de tempo já determinado, de forma a favorecer a expertise agregada durante o período de contratação. Logo, a função desse instituto é, na maioria das vezes, garantir maior estabilidade e o funcionamento do negócio empresarial. Como se verifica, a cláusula de não concorrência almeja estabilizar as relações contratuais, dando uma maior segurança jurídica ao ramo das franquias. Ainda, sob essa óptica, tem-se entendimento do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), através da Súmula nº 5, publicada no Diário Oficial da União em 2009, que menciona “é lícita a estipulação de cláusula de não-concorrência com prazo de até cinco anos da alienação de estabelecimento, desde que vinculada à proteção do fundo de comércio”. Isto é, o órgão se demonstra a favor da inserção da cláusula de não concorrência nos contratos, uma vez que ela tem por objetivo estipular um prazo para que o alienante não possa, durante certo tempo, exercer a mesma atividade empresarial após findo o contrato, evitando, dessa forma, que haja uma concorrência desleal. 31 Ademais, para o CADE, além da limitação temporal,também deveria haver outros tipos de limitações quanto aos aspectos geográficos e materiais nos acordos, visto que isso contribuiria efetivamente para maximizar a eficiência do dispositivo legal. Além disso, os contratos de franquia, primordialmente, eram regidos pelas normas gerias de contratos, previstos no Código Civil e, em especial, no Código Comercial. Além disso, também contava com os dispositivos normativos do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para regular esse modelo contratual. Ou seja, como não se possuía lei especifica na época para tratar a matéria, ficavam esses preceitos normativos compelidos a pacificar as questões litigiosas levada a juízo. Nesse sentido, era bastante comum no debate acerca da não concorrência a referência ao artigo 1.147 do Código Civil de 2002, que dispõe: “não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência”. Ou seja, pelo dispositivo normativo poder-se-ia entender que se atividade de um estabelecimento fosse exercida por um empresário, uma sociedade empresária ou uma franquia, findo o contrato, as partes tinham por certo que o alienante ficaria obrigado a não exercer a mesma espécie do ramo empresarial por um intervalo de cinco anos. Segundo Marcelo Cama Proença Fernandes (2003, p. 83), nos contratos de franquia, além das cláusulas de não concorrência, há também outras cláusulas que são fundamentais para sua constituição, dentre elas estão “as cláusulas de exclusividade territorial, cessão do uso de marca, assistência técnica, transferência de know-how e prazo de duração do contrato e determinação dos produtos a serem vendidos e serviços a serem prestados pelo franqueado”. Conforme comenta o autor, esses tipos de cláusulas são importantes nos contratos, uma vez que fornecem ao franqueador uma garantia de que seu negócio não virá a sofrer nenhum tipo de prejuízo em razão da atuação de ex-franqueado. De outro lado, se essas cláusulas forem empregadas de maneira inadequada, isto é, de forma genérica e abusiva, podem desestabilizar economicamente o ex-franqueado, causando-lhe graves problemas financeiros. Isso será ainda mais notório no caso do ex-franqueados uniprofissionais que podem ser 32 ver impedidos ou seriamente cerceados em sua atuação profissional única; a qual, em regra, garante-lhe a subsistência e a possibilidade de uma vida digna. Desse modo, é imperativo questionar se a cláusula de não concorrência tem atingindo seu objetivo, pois se atende aos desígnios do franqueador, pode, ao mesmo tempo, onerando pesadamente o ex-franqueado. Isso porque, em muitos casos, a cláusula está sendo implementada nos contratos sem se atentar para as consequências que isso possa gerar para o ex-franqueado, especialmente, o franqueado uniprofissional; o qual, pelo dispositivo, pode se ver impedido de exercer sua atividade profissional. Diante do exposto, abre-se uma discussão sobre a cláusula de não concorrência com relação a sua redação e interpretação. Ficando a indagação sobre até que ponto essas cláusulas podem ser consideradas justas para ambas as partes na relação comercial. 33 4 ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA: DECISÕES ACERCA DO CONTRATO DE FRANQUIA Observar entendimentos jurisprudenciais leva a um maior aprofundamento acerca dos temas controvertidos, pois se observa como, na prática, juízes e tribunais tem equacionado os conflitos, conjugando os textos legais e os casos concretos que demandam soluções específicas. Por isso o interesse em se comentar decisões, como forma de complementar os estudos e elucidar dúvidas que permeiam o tema analisado. Para tanto, serão observados quatro acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) sobre o assunto, a fim de se verificar como se tem dado solução a conflitos jurídicos decorrentes da previsão de cláusulas de não concorrência em contratos de franquia para ex-franqueados que exercem atividade uniprofissional. 4.1 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (TJ/SP) A primeira jurisprudência a ser comentada é derivada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Trata-se da Apelação n. 1005968-68.2017.8.26.0011 (BRASIL, 2019), cujas partes eram apelado/apelante Odontocompany Franchising LTDA e apelados/apelantes Maria da Conceição Dornelas de Góes, Edmundo Alessandro Dornelas de Góes e Odontoclínica RME LTDA. O objetivo do recurso foi discutir a decisão do juízo a quo que julgou improcedente a ação principal proposta por Maria da Conceição Dornelas de Góes e Edmundo Alessandro Dornelas de Góes, que postularam declaração de nulidade de contrato de franquia com pedido subsidiário de resolução contratual cumulado com indenização por danos materiais e morais e pedido de concessão de liminares. Em primeira instância, fundamentaram seu pedido, alegando “que desde a celebração do contrato de franquia a franqueadora descumpriu várias obrigações assumidas, típicos da franqueadora, deixando de prestar a assistência técnica devida, alteração do local de trabalho e de exploração comercial” (BRASIL, 2019a, p. 3). 34 No entendimento dos autores da demanda inicial, esse suposto descompromisso da franqueadora é que conduziu ao insucesso do negócio e, consequentemente, seu fracasso, pelo que pleitearam a rescisão do contrato e a restituição dos valores investidos, inclusive em termos de indenizações por danos materiais e morais. De sua feita, a Odontocompany Franchising LTDA ingressou no processo inicial, propondo ação reconvencional, postulando que ex-franqueados estariam “utilizando indevidamente a marca da ‘ODONTOCOMPANY’ e que são inadimplentes em razão do descumprimento da cláusula de não concorrência” (BRASIL, 2019a, p. 4). Nesse sentido, solicitou ao juízo que os reconvindos fossem impedidos de “utilizar a marca e de atuarem de forma concorrente como clínica odontológica organizada”, requerendo, para tanto, a “fixação e o pagamento de multa diária de R$ 5.000,00 por violação à clausula de barreira” (BRASIL, 2019, p. 4). No juízo a quo, a que foram submetidas a ação inicial e a reconvenção, aquela foi julgada totalmente improcedente e, no que concerne à reconvenção, entendeu-se a parcialmente adequada, determinando-se que os reconvindos se abstivessem de utilizar a marca “Odontocompany”, de titularidade da ré/reconvinte. É essa decisão que será objeto da Apelação em tela. Acerca do suposto prejuízo que teriam sofrido os franqueados, esclarece o texto do acórdão prolatado: [...] o contrato de franquia caracteriza-se por ser contrato de risco, na medida em que está condicionado a fatores, tais como, a boa ou má gestão da franqueada, concorrência e pelas oscilações comuns do mercado. Assim, o empreendimento na modalidade de franquia, ainda que cumpra com todas as suas finalidades contratuais e de gestão, não se exime dos riscos inerentes ao negócio jurídico, não existindo, também, garantias de rentabilidade ou prosperidade, pois, estas podem serfrustradas pelas circunstâncias do mercado (BRASIL, 2019a, p. 5). Nesse sentido, entende o Tribunal de Justiça de São Paulo descabida a alegação dos franqueados de que o insucesso do empreendimento seria de responsabilidade da franqueadora. De outro lado, e o que é de maior interesse para esta monografia, cabe mencionar a discussão jurisprudencial acerca da cláusula de não concorrência neste tipo de franquia em que os franqueados exercem determinado tipo de atividade 35 profissional. Embora a apelante/apelada Odontocompany Franchising LTDA tenha solicitado que os ex-franqueados se abstivessem de atuar profissionalmente durante dois anos, conforme entendia estar avençado em contrato; este não foi o entendimento do Tribunal. Justifica esse entendimento a cláusula do próprio contrato de franquia estabelecido entre as partes – colacionado na decisão –, em que se lê: Cláusula 9ª NÃO-CONCORRÊNCIA [...] Após a extinção do presente contrato, o(a) FRANQUEADO(A) compromete-se ainda pelo período de 2 (dois) anos, caso haja a rescisão por qualquer das hipóteses avençadas e, até mesmo com o término de seu prazo, a não participar seja como sócio proprietário ou contratado, pelos sistema de franquias, ou em estabelecimento que utilize a metodologia e tecnologia adotada especificamente pela FRANQUEADORA, não havendo restrição ao exercício da profissão de dentista, sem a utilização de marca ou bandeira, e sem a aplicação metodológica da FRANQUEADORA. (BRASIL, 2019a, p. 9) Como se vê, não há restrição ao exercício profissional de dentista, desde que sem a utilização de marca ou bandeira, e sem a aplicação metodológica da franqueadora. Desse modo, incabível a pretensão da Odontocompany Franchising LTDA a fim de vedar o exercício profissional dos dentistas, ex-franqueados, pois dar “guarida à pretensão do franqueador apelante equivale a violar o direito constitucional do exercício da profissão” (BRASIL, 2019a, p. 10). Por certo, é judiciosa a sentença, pois a cláusula de não concorrência não pode ser empregada de modo a impedir que um profissional continue a exercer atividade que lhe garante a sobrevivência e a vida digna. Vale ressaltar que, se neste caso o Tribunal entende como inválida a cláusula de não concorrência, em outros a entende como plenamente válida, desde que não esteja em tela a obstrução de atividade uniprofissional de ex-franqueado. É o que se vê no acordão a seguir. Trata-se do Agravo de Instrumento n.2232101-48.2018.8.26.0000, apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O recurso foi interposto pelo agravante Maurício Lopes Queiroz em face do agravado Lugui Trading Food Franchising LTDA. ME, solicitando-se a procedência da ação de reparação de danos 36 materiais, conjuntamente com cobrança de multa. Além disso, também se pleiteava a anulação da cláusula contratual e o provimento da tutela de urgência. Para a discussão, passa-se a análise do trecho a seguir: FRANQUIA. Alegação de irregularidades na relação comercial e rescisão unilateral acarretando sérios riscos e dificuldades. Antecipação de tutela recursal concedida para suspender os efeitos da cláusula de não concorrência. Verificação, todavia, após contraditório, de falta de regular cumprimento do contrato a autorizar a rescisão da avença. Tutela recursal revogada. (BRASIL, 2019b, p.2). De acordo com o relator, Desembargador Araldo Telles, o agravante estava requerendo a antecipação da tutela de urgência, pois teria sido excluído de forma injusta do sistema de franquia Lugui’s. O agravante, então, alegava que sua exclusão teria se dado sem prévia notificação e que, isso, infligira os dispositivos 4.7 e 17 do contrato. Ademais, tal ato lhe ocasionara grandes dificuldades financeiras. Portanto, pleiteava a suspensão imediata dos efeitos da cláusula de não concorrência, a fim de que pudesse exercer suas atividades até o final do processo. Conforme demonstrado, o pedido de tutela foi acolhido, em um primeiro momento, sob a seguinte fundamentação: Na medida em que o encerramento imediato das atividades acarretaria risco potencial de dano ao agravante, que, de seu turno, sustenta não ter violado os princípios da boa-fé e efetivo cumprimento do contrato, não enxergo, neste momento, fundamento para o rompimento unilateral da avença, ressalvado o exame de fundo à luz da contrariedade que vier a ser apresentada. Defiro, por isso, a antecipação da tutela recursal para suspender os efeitos da cláusula de não concorrência até ulterior deliberação. (BRASIL, 2019b, p.2-3) Entretanto, em um segundo momento do processo, foi-se constatado que o agravante possuía débitos referentes aos royalties de dezembro de 2017 e março de 2018. Desde, então, tivera a oportunidade de saldá-los, mas não o fez. Nesse caso, a cláusula de concorrência não pode ser considerada abusiva, tendo em vista que o agravante descumpriu com sua parte no contrato por ter agido de má-fé. Nesse viés, a cláusula não pode ser desconsiderada, já que visa, somente, proteger a relação comercial. Desta feita, o pedido de tutela foi revogado e o recurso desprovido. 37 Observa-se, assim, que a decisão da Turma julgadora, outra vez, foi acertada, pois conseguiram analisar, minuciosamente, todos os meios de provas necessários para a formação de sua convicção. E de acordo com o exposto, nesse caso o Tribunal entende como válida a cláusula de não concorrência, visto que o agravante não cumpriu com certas especificações do contrato. Sendo assim, a rescisão do contrato não se deu por culpa da franqueadora, o que ensejaria outra tomada de decisão. Já a terceira jurisprudência observada é a Apelação n.1050658-73.2016.8.26.0576 submetida ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo sendo interposta pelo apelante Zanon & Zanon Administradora de Franchising LTDA em face do apelado Marcelo Henrique Nossa. O objetivo do recurso era reformar a sentença do juízo a quo, pela qual se tinha dado provimento à demandando do autor, que solicitou: A decretação de nulidade da cláusula contratual de não concorrência, com imposição à ré da obrigação de não utilização da carteira de clientes angariada pelo autor, condenando-a ao pagamento das verbas da sucumbência, arbitrados os honorários advocatícios em R$ 2.500,00. (BRASIL, 2018, p. 2) Essa discussão estava embasada no entendimento do autor de que a ré, a empresa Zanon & Zanon Administradora de Franchising LTDA, havia o ludibriado, pois, diversamente do proposto na circular de oferta de franquia, o contrato previu cláusulas muito mais rígidas, entre as quais se encontrava uma ampliação da vedação a não concorrência, o que fora contestado pelo autor. No contrato, a vedação a não concorrência se dava nos seguintes termos: Durante o período de dois anos, contado do término da vigência do presente instrumento, o franqueado não poderá, por qualquer motivo, quer seja direta ou indiretamente, por si próprio ou em nome de outrem, ou ainda, em conjunto com qualquer pessoa, física ou jurídica, possuir, manter, envolver-seou participar a qualquer título, na operação de qualquer negócio congênere ou concorrente ao desenvolvido pela franqueadora. Para tal efeito, as partes definem como negócio congênere ou concorrente quaisquer atividades relacionadas à realização de vendas de seguros, de qualquer de seguros, de qualquer espécie. (BRASIL, 2018, p.3). Como se vê, trata-se de uma vedação bastante ampla, praticamente a impedir que o ex-franqueado pudesse continuar atuando como corretor de seguros. Diversa 38 dessa imposição tão leonina, era a prevista na circular de oferta de franquia, em que a vedação a não concorrência era delineada do seguinte modo: Ficará impossibilitado de exercer, como FRANQUEADO de outra marca ou FRANQUEADOR, por 24 (vinte e quatro) meses consecutivos, as atividades relativas à vendas de seguros, bem como outras atividades similares e concorrentes a referido segmento, que é o negócio ora FRANQUEADO, cujo know-kow é transferido pela FRANQUEADORA desde a entrega da Circular de Oferta de Franquia até o final da vigência do Contrato de Franquia. (BRASIL, 2018, p. 3-4). Como se nota, as cláusulas contratuais apontam que o ex-franqueado não poderia exercer a mesma atividade profissional concorrente a franqueadora por um período de dois anos, após o término do contrato. Sendo assim, esse dispositivo tem como finalidade garantir que não haja uma concorrência desleal. Ocorre, porém, que a vedação contratual é mais ampla do que aquela prevista na COF, o que levou o autor a propor a ação pela decretação de nulidade da cláusula contratual de não concorrência. Por sua vez, em sua defesa inicial, a parte ré alegou que o contrato fora feito posteriormente à circular de oferta de franquia. Além disso, afirmou que embora a COF fosse um documento importante, apenas apresentava os termos gerais do negócio. Essas alegações da ré não foram acolhidas em primeira instância, o que a motivou a interpor recurso de apelação. Novamente, porém, as alegações da empresa Zanon & Zanon Administradora de Franchising LTDA não foram acolhidas, pois o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que a COF é instrumento que vincula o ofertante, não cabendo alterações que impliquem em maiores obrigações ou deveres aos que aceitarem a proposta. É justamente daí que deriva a importância do artigo 4° da Lei 8.955 de 1994, que prevê: A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. (BRASIL, 2018, p.4) Como se vê, a COF tem como objetivo mostrar especificadamente todos os detalhes do negócio, para que o interessado avalie adequadamente antes de aderir ao acordo. 39 Justamente foi essa a alegação do apelado, segundo o qual a COF em questão demonstrava uma cláusula de não concorrência mais maleável e foi com base nesse entendimento que firmou a obrigação. Assim, também entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo, em cuja decisão lê-se: A circular de oferta de franquia, de fato, apresentava cláusula mais flexível, pois impedia o exercício de atividades relacionadas à venda de seguros, apenas como franqueado de outra marca ou franqueador. Em outras palavras, admitia-se o exercício profissional de atividades relacionadas à corretagem de seguros, desde que não vinculada à franquia outra e com o uso do know-how transferido. (BRASIL, 2018, p. 5). Destarte, aponta que a franqueadora modificou o conteúdo da COF, depois da assinatura do contrato definitivo, impedindo, desse modo “o exercício, de forma absoluta, de atividades profissionais concorrentes àquela por ela desenvolvida” (BRASIL, 2018, p. 5). Sustentando ainda seu entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo esclarece no acórdão em tela: A vedação de forma absoluta exercício de atividades relacionadas à corretagem de seguro, tal como expresso no contrato, representa afronta à garantia constitucional do livre exercício profissional. Impor esta barreira ao franqueado, que se habilitou previamente para esta atividade junto a entidades de classe representa afronta à referida garantia constitucional. (BRASIL, 2018, p 6). Isto é, a liberdade de exercer qualquer atividade econômica é um preceito constitucional que não pode sofrer vedações, pois visa a valorização do ser humano, dando lhe uma vida digna. Diante disso, a decisão a que se chegou foi manter a sentença e rejeitar o recurso da apelante. Como se observa, mais uma vez o Tribunal de Justiça de São Paulo mitigou a imposição da não concorrência, especialmente quando esta poderia levar a uma verdadeira vedação da continuidade de atuação profissional do ex-franqueado. Isso não significa, porém, que para o Tribunal essa cláusula deva ser sempre abrandada. Pelo contrário, como se vê no julgado a seguir, quando a cláusula de não concorrência é válida, deve ser eficaz a fim de manter a segurança jurídica, especialmente se trata de vedação a exercício profissional de ex-franqueado. 40 Observe-se, assim, mais uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, qual seja: o recurso de Apelação n.1046209-72.2016.8.26 interposto pelos apelantes Rafael Yamane Cardoso e Yamane Treinamento Em Informática LTDA contra a parte apelada GP Franchising LTDA. O acórdão refere-se a um pedido de anulação ou reforma da sentença que julgou improcedente a reconvenção e procedente a ação de obrigação de fazer e de cobrança de multa. Segue a ementa do acórdão: AÇÃO COMINATÓRIA E COBRANÇA DE MULTA CONTRATUAL - Franquia - Procedência - Efetiva violação da cláusula de não concorrência comprovada - Exame da documentação - Desenvolvimento de atividade idêntica à contratada com a franqueadora - Sentença Mantida - Verba Honorária majorada - Recurso Desprovido. (BRASIL, 2019c, p. 2). Os apelantes alegaram preliminarmente cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado, pois atestavam que não houve a produção de provas pericial e oral requeridas. Desse modo, afirmavam que o contrato de franquia seria nulo em virtude de não terem recebido a COF devidamente no prazo legal bem como por seu conteúdo conter informações falsas. Sendo assim, sustentam que os contratos foram rescindidos por culpa da apelada, uma vez que sua insolvência contratual estaria configurada e que houvera a violação do preceito constitucional da boa-fé, a estar presente nos contratos em geral. Finalmente, mencionaram que foram feitas promessas falsas de altos rendimentos pela apelada, as quais não se realizaram e que diversos franqueados foram induzidos em erro. Por todo o exposto, insistiram na mudança ou na anulação da sentença do juízo a quo, para que, então, fossem devidamente ressarcidos pelos investimentos realizados. Já a parte apelada, apontou que os réus violaram a cláusula de não concorrência presente na constituição da relação contratual. Conforme trecho do acórdão, a apelada: Alega que os réus violaramcláusula de não concorrência, a qual impede o exercício, pelo período de 2 (dois) anos, contados da extinção da relação contratual, de atividades concorrentes. Sustenta que o referido corréu, mesmo diante dos ótimos resultados, solicitou a resilição contratual e foi alertado da cláusula de não concorrência. (BRASIL, 2019c, p.4) 41 Ademais, afirmou que o corréu obteve com o negócio ótimos resultados e que o pedido de resilição contratual não se justificava. Diante disso, contratou uma empresa de investigação para apurar se estava tendo concorrência desleal por parte dos apelantes, sendo tal ato configurado. Por fim, houve a reprodução não autorizada de seu material didático. Dessa feita, requereu a suspensão das atividades concorrentes desenvolvidas pelos apelantes e, ainda, indenização pelos danos decorrentes de tal conduta e ao pagamento da multa contratual. A turma julgadora, de acordo com o exposto, julgou procedente a antecipação da tutela de urgência, determinou a imediata suspensão das atividades exploradas pelos apelados, sob pena de multa diária. Além disso, rejeitaram a alegação feita pelos réus a respeito da COF não ter sido entregue dentro do prazo legal, pois este fato, por si só, não pode caracterizar a anulação do contrato de franquia, ainda mais quando os apelantes continuaram tocando o negócio e auferindo lucro com isso. Nesse caso, entende-se que houve a convalidação tácita do contrato, mesmo que a Circular de Oferta não tenha sido entregue no prazo estipulado. Além disto, o fracasso do negócio também não pode gerar a anulação do ato, visto que quando as partes acordam um contrato, concordam, mesmo que tacitamente, com os riscos e desafios, ou seja, com os bônus e os ônus dessa relação negocial. A fim de fundamentar sua decisão acerca desse ponto, a turma julgadora recorreu a exposição de jurisprudência do próprio tribunal, colacionando-a no acórdão e reproduzida a seguir: CONTRATO DE FRANQUIA. Ação para anulação do contrato de franquia, cumulada com pedido de devolução dos valores pagos e indenização por danos materiais. Preliminares rejeitadas. Suposta ausência de entrega pela franqueadora da circular de oferta de franquia exigida pela Lei nº 8.955/94 que pode acarretar a anulação do negócio, nos termos do art. 4º da Lei nº 8.955/94. Documentos acostados aos autos que comprovam que a circular de oferta de franquia foi entregue dentro do prazo legal. Ainda que assim não fosse, imperioso concluir que houve convalidação tácita do contrato anulável, pois as prestações foram executadas de parte a parte durante mais de um ano. Inconformismo do autor apelante com os prejuízos sofridos que não é razão suficiente para a anulação do contrato de franquia. Sentença mantida. Recurso desprovido (BRASIL, 2019c, p. 13-14). Após a análise do caso, conclui-se que o posicionamento da Turma julgadora em manter a decisão foi mais uma vez correto, pois os apelantes não conseguiram provar que, realmente, foi a parte apelada que havia rompido o contrato. Além disso, 42 e mais importante para a discussão proposta nesta monografia, cabe ressaltar que neste caso o Tribunal entendeu como plenamente válida a cláusula de não concorrência, impondo, em razão dela, a imediata suspensão da atividade similar desenvolvida pelos ex-franqueados. Destarte, a sentença se mostrou justa, uma vez que buscou preservar os princípios da boa-fé e da função social dos contratos. Do exame desses quatro casos, importa sublinhar que o Tribunal de Justiça de São Paulo não tem entendido que a cláusula de não concorrência tem caráter absoluto, relativizando seus efeitos quando se comprava que a radicalização desse instituto pode prejudicar seriamente ex-franqueados que se veriam impedidos de continuar mantendo suas atividades profissionais. De outro lado, duas das decisões comentadas também servem para mostrar que a cláusula de não concorrência não é instituto vazio, sendo considerada plenamente válida e eficaz, quando se deu de maneira proba e visa, de fato, a impedir concorrência desleal. 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base no estudo analisado, foi-se discutido como a cláusula de não concorrência vem sendo implementada em contratos de franquia, repercutindo na vida de ex-franqueados que exercem atividade uniprofissional. Percebe-se, então, que nos contratos em que essa cláusula se faz presente, como uma forma de garantia ao franqueador de que, caso o franqueado venha desistir do contrato por culpa ou antes do tempo, não venha usufruir dos benefícios e ensinamentos que a franquia disponibiliza. Sendo assim, esse instituto é uma prerrogativa fundamental que visa dar segurança jurídica a relação negocial. Além disso, foi trazido para a discussão o conceito de franquia e traçou-se, brevemente, seu contexto histórico. Ainda, nesse diapasão, analisou-se com mais afinco a Lei n.8.955 de 1994, Lei de Franquia, e, diante do exposto, constatou-se que o dispositivo normativo é importante, pois especifica, detalhadamente, todos os procedimentos para a constituição da franquia. Ademias, também, foi-se investigado como a cláusula é equacionada no nosso ordenamento jurídico. Diante disso, verificou-se que se a redação da cláusula não for clara sua interpretação pode ser distorcida, ou seja, poderá se apresentar abusiva. Nesse caso, isso pode gerar grandes consequências para o ex-franqueado, principalmente, o franqueado uniprofissional, uma vez que possa a vir ser impedido de exercer sua atividade profissional. De acordo com a jurisprudência apresentada, é possível depreender que a cláusula de não concorrência é uma forma de proteção para relação negocial, pois quando invocada garante que não haja uma concorrência desleal. Conforme analisado, percebe-se que em muitas demandas ela serve como guia para solucionar possíveis conflitos jurídicos que envolvem o tema. Quanto as decisões proferidas pelas turmas julgadoras, consideram-se acertadas, pois todas as vezes que se comprovou a existência e a validade da cláusula de não concorrência, entendeu-se que o ex-franqueado não poderia continuar exercendo a mesma ou similar atividade econômica. 44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRÃO, Nelson. Contratos e obrigações comerciais. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. ANDRADE, C. D. Antologia Poética. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 ago. 2019. BRASIL. Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994. Dispõe sobre o contrato de franquia (franchising) e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm>. Acesso em: 20 ago. 2019. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso
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