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1 
 
 
CURSO DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL 
FAVENI – FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SISTEMA DE SAÚDE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ESPÍRITO SANTO 
 
 
 
2 
 
1 SUMÁRIO 
1 O FEDERALISMO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE ................ 3 
2 O HISTÓRICO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO............................ 5 
2.1 Antecedentes do SUS .......................................................................... 5 
3 A CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL DO SUS ........................................ 9 
3.1 O processo de implantação do SUS .................................................... 9 
4 DADOS GERAIS SOBRE O SUS ............................................................. 11 
4.1 Financiamento .................................................................................... 13 
5 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO SUS ........................................... 18 
6 AVANÇOS E DIFICULDADES DO PROCESSO RECENTE DE 
DESCENTRALIZAÇÃO ............................................................................................. 20 
7 O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO, ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO 
DA NOAS-SUS .......................................................................................................... 26 
8 25 ANOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: RESULTADOS E DESAFIOS
 30 
9 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 40 
10 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................ 42 
10.1 Saúde Pública, Rede Básica E O Sistema De Saúde Brasileiro ..... 42 
10.2 Introdução ....................................................................................... 42 
10.3 O Desenvolvimento Da Saúde Pública ........................................... 43 
10.4 As Posições Político-Ideológicas E A Rede Básica ........................ 49 
10.5 Discussão ........................................................................................ 51 
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 55 
 
 
 
3 
 
2 O FEDERALISMO BRASILEIRO E AS POLÍTICAS DE SAÚDE 
 
Fonte:vivacesaude.com.br 
O Brasil se organiza em um sistema político federativo constituído por três 
esferas de governo – União, estados e municípios –, todas consideradas pela 
Constituição da República de 1988 como entes com autonomia administrativa e sem 
vinculação hierárquica. São 26 estados e o Distrito Federal e 5.560 municípios. 
Estados que vão desde Roraima, com apenas 279 mil habitantes, até São Paulo, 
com mais de 36 milhões de habitantes. Municípios com pouco mais de mil 
habitantes até o município de São Paulo com mais de 10 milhões de habitantes. 
O sistema federativo seria, em linhas gerais, adequado para países marcados 
pela diversidade e heterogeneidade, por favorecer o respeito aos valores 
democráticos em situações de acentuada diferenciação política, econômica, cultural, 
religiosa ou social. Por outro lado, esse tipo de sistema torna mais complexo a 
implementação de políticas sociais de abrangência nacional, particularmente nos 
casos em que a situação de diversidade diz respeito à existência de marcantes 
desigualdades e exclusão social, como no Brasil. Nesses casos, acentua-se a 
importância do papel das políticas sociais de redistribuição, redução das 
desigualdades e iniquidades no território nacional e inclusão social. 
Além disso, a implementação de políticas sociais em um sistema federativo 
requer, por um lado, a explicitação das funções das diferentes esferas de governo 
 
 
4 
 
para cada área da política e, por outro, a adoção de mecanismos articuladores entre 
essas esferas, com ênfase em uma lógica de cooperação e complementação. 
No que diz respeito às políticas de saúde, agregue-se a isso a complexidade 
inerente a essa área, relacionada aos seguintes fatores: múltiplas determinações 
sobre o estado de saúde da população e dos indivíduos; diversidade das 
necessidades de saúde em uma população; diferentes tipos de ações e serviços 
necessários para dar conta dessas necessidades; capacitação de pessoal e 
recursos tecnológicos requeridos para atendê-las; interesses e pressões do mercado 
na área da saúde (no âmbito da comercialização de equipamentos, medicamentos, 
produção de serviços, entre outros) que frequentemente tencionam a estruturação 
de um sistema calcado na concepção de saúde como um direito de cidadania. 
O federalismo brasileiro apresenta algumas especificidades que merecem 
destaque, por suas implicações para a área da saúde. A primeira diz respeito ao 
grande peso dos municípios, considerados como entes federativos com muitas 
responsabilidades na implementação de políticas públicas. A diversidade dos 
municípios brasileiros – em termos de porte, desenvolvimento político, econômico e 
social, capacidade de arrecadação tributária e capacidade institucional de Estado –, 
por sua vez, implica diferentes possibilidades de implementação de políticas 
públicas de saúde, face à complexidade de enfrentamento dos desafios 
mencionados. 
Outro aspecto relevante é que o federalismo brasileiro ainda se encontra de 
certa forma “em construção”, uma vez que, ao longo de toda a história, foi 
tensionado por períodos de centralismo autoritário e a redemocratização do país 
ainda é relativamente recente. Esse processo de construção do federalismo é 
caracterizado por muitas tensões e conflitos na descentralização das políticas e 
definição dos papéis das três esferas de governo em cada área de política pública. 
No que diz respeito à saúde, a agenda política da década de 90 foi fortemente 
marcada pela temática da descentralização e pelos esforços de definição do papel 
dos gestores em cada nível de governo. 
 
 
 
 
 
5 
 
3 O HISTÓRICO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO 
 
Fonte:images.slideplayer.com.br 
3.1 Antecedentes do SUS 
Antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério da Saúde 
(MS), com o apoio dos estados e municípios, desenvolvia quase que exclusivamente 
ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, com destaque para as 
campanhas de vacinação e controle de endemias. Todas essas ações eram 
desenvolvidas com caráter universal, ou seja, sem nenhum tipo de discriminação 
com relação à população beneficiária. 
Na área de assistência à saúde, o MS atuava apenas por meio de alguns 
poucos hospitais especializados, nas áreas de psiquiatria e tuberculose, além da 
ação da Fundação de Serviços Especiais de Saúde Pública (FSESP) em algumas 
regiões específicas, com destaque para o interior do Norte e Nordeste. Essa ação, 
também chamada de assistência médico-hospitalar, era prestada à parcela da 
população definida como indigente, por alguns municípios e estados e, 
principalmente, por instituições de caráter filantrópico. Essa população não tinha 
nenhum direito e a assistência que recebia era na condição de um favor, uma 
caridade. 
 
 
6 
 
A grande atuação do poder público nessa área se dava através do Instituto 
Nacional de Previdência Social (INPS) que depois passou a ser denominado 
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), autarquia 
do Ministério da Previdência e Assistência Social. 
O INPS foi o resultado da fusão dos institutos de aposentadorias e pensões 
(os denominados IAPs) de diferentes categorias profissionais organizadas 
(bancários, comerciários, industriários, dentre outros), que posteriormente foi 
desdobrado em Instituto de Administração da Previdência Social (IAPAS), Instituto 
Nacional de Previdência Social (INPS) e Instituto Nacional de Assistência Médica da 
Previdência Social (INAMPS). Este último tinha a responsabilidade de prestar 
assistência à saúde de seus associados, o que justificava a construção de grandes 
unidades de atendimento ambulatorial e hospitalar, como também da contratação de 
serviços privados nos grandes centros urbanos, onde estavaa maioria dos seus 
beneficiários. A assistência à saúde desenvolvida pelo INAMPS beneficiava apenas 
os trabalhadores da economia formal, com “carteira assinada”, e seus dependentes, 
ou seja, não tinha o caráter universal que passa a ser um dos princípios 
fundamentais do SUS. 
Desta forma, o INAMPS aplicava nos estados, através de suas 
Superintendências Regionais, recursos para a assistência à saúde de modo mais ou 
menos proporcional ao volume de recursos arrecadados e de beneficiários existente. 
Portanto, quanto mais desenvolvida a economia do estado, com maior 
presença das relações formais de trabalho, maior o número de beneficiários e, 
consequentemente, maior a necessidade de recursos para garantir a assistência a 
essa população. Dessa forma, o INAMPS aplicava mais recursos nos estados das 
Regiões Sul e Sudeste, mais ricos, e nessas e em outras regiões, em maior 
proporção nas cidades de maior porte. 
Nessa época, os brasileiros, com relação à assistência à saúde, estavam 
divididos em três categorias, a saber: 
• Os que podiam pagar pelos serviços 
• Os que tinham direito a assistência prestada pelo INAMPS, e 
• Os que não tinham nenhum direito. 
 
 
7 
 
A tabela a seguir mostra, como resultado dessa conjuntura, a distribuição 
percentual dos recursos gastos pelo INAMPS no ano de 1986, em comparação com 
a distribuição percentual da população, segundo região. 
 
 
 
Pode-se verificar que proporcionalmente a Região Sudeste, mais rica, foi que 
recebeu mais recursos e que as Regiões Norte e Nordeste, mais pobres, foram a 
que menos receberam. 
Esses recursos eram utilizados para o custeio das unidades próprias do 
INAMPS (Postos de Assistência Médica e Hospitais) e, principalmente, para a 
compra de serviços da iniciativa privada. 
Com a crise de financiamento da Previdência, que começa a se manifestar a 
partir de meados da década de 70, o INAMPS adota várias providências para 
racionalizar suas despesas e começa, na década de 80, a “comprar” serviços do 
setor público (redes de unidades das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde), 
inicialmente por meio de convênios. A assistência à saúde prestada pela rede 
pública, apesar do financiamento do INAMPS apenas para os seus beneficiários, 
preservou o seu caráter de universalidade da clientela. 
Também, nessa época, o INAMPS passa a dar aos trabalhadores rurais, até 
então precariamente assistidos por hospitais conveniados com o FUNRURAL, um 
tratamento equivalente àquele prestado aos trabalhadores urbanos. Mesmo com a 
crise que já se abatia sobre o INAMPS, essa medida significou uma grande melhoria 
nas condições de acesso dessa população aos serviços de saúde, particularmente 
na área hospitalar. 
 
 
8 
 
No final da década de 80, o INAMPS adotou uma série de medidas que o 
aproximaram ainda mais de uma cobertura universal de clientela, dentre as quais se 
destaca o fim da exigência da Carteira de Segurado do INAMPS para o atendimento 
nos hospitais próprios e conveniados da rede pública. Esse processo culminou com 
a instituição do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), 
implementado por meio da celebração de convênios entre o INAMPS e os governos 
estaduais. 
 
 
Fonte:portalbrasil10.com.br 
Assim, podemos verificar que começava a se construir no Brasil um sistema 
de saúde com tendência à cobertura universal, mesmo antes da aprovação da Lei 
8.080 (também conhecida como Lei Orgânica da Saúde), que instituiu o SUS. Isso 
foi motivado, por um lado, pela crescente crise de financiamento do modelo de 
assistência médica da Previdência Social e, por outro, à grande mobilização política 
dos trabalhadores da saúde, de centros universitários e de setores organizados da 
sociedade, que constituíam o então denominado “Movimento da Reforma Sanitária”, 
no contexto da democratização do país. 
 
 
 
9 
 
4 A CONFIGURAÇÃO INSTITUCIONAL DO SUS 
Uma primeira e grande conquista do Movimento da Reforma Sanitária foi, em 
1988, a definição na Constituição Federal (CF) relativa ao setor saúde. O Art. 
196 da CF conceitua que “a saúde é direito de todos e dever do Estado (...)”. Aqui se 
define de maneira clara a universalidade da cobertura do Sistema Único de Saúde. 
Já o parágrafo único do Art. 198 determina que: “o sistema único de saúde 
será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade 
social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras 
fontes”. Esta questão é de extrema importância, pois, em todo debate sobre o 
financiamento do SUS, a ênfase é na participação da União, como se esta fosse à 
única responsável. Um dos fatores determinantes deste entendimento foi, 
provavelmente, o papel do INAMPS no início do SUS, como veremos mais adiante. 
Um passo significativo na direção do cumprimento da determinação 
constitucional de construção do Sistema Único de Saúde foi à publicação do decreto 
n.º 99.060, de 7 de março de 1990, que transferiu o INAMPS do Ministério da 
Previdência para o Ministério da Saúde. Esse fato, portanto, foi anterior à 
promulgação da Lei 8.080, que só veio a ocorrer em setembro do mesmo ano. 
A Lei 8.080 instituiu o Sistema Único de Saúde, com comando único em cada 
esfera de governo e definiu o Ministério da Saúde como gestor no âmbito da União. 
A Lei, no seu Capítulo II – Dos Princípios e Diretrizes, Art. 7º, estabelece entre os 
princípios do SUS a “universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os 
níveis de assistência”. Isso se constituiu numa grande alteração da situação até 
então vigente. O Brasil passou a contar com um sistema público de saúde único e 
universal. 
4.1 O processo de implantação do SUS 
Antes de tudo, é importante destacar que, como descrito anteriormente, o 
Sistema Único de Saúde começou a ser implantado por meio de uma estratégia que 
buscou dar caráter universal à cobertura das ações de saúde, até então 
proporcionada pelo INAMPS apenas para os seus beneficiários. 
 
 
10 
 
No final da década de 80, o setor público de assistência à saúde mantinha 
uma estreita relação com o INAMPS, que a partir de 1990 passou a integrar a 
estrutura do Ministério da Saúde e que já vinha, nos anos anteriores, participando de 
modo significativo do seu financiamento. 
Considerando-se essa relação e a continuidade da participação do Ministério 
da Previdência no financiamento do INAMPS, este foi inicialmente preservado e se 
constituiu no instrumento para assegurar a continuidade, agora em caráter universal, 
da assistência médico-hospitalar a ser prestada à população. O INAMPS somente 
foi extinto pela Lei n° 8.689, de 27 de julho de 1993, portanto quase três anos após a 
promulgação da lei que instituiu o SUS. 
No parágrafo único do seu artigo primeiro, a lei que extinguiu o INAMPS 
estabelecia que: “As funções, competências, atividades e atribuições do INAMPS 
serão absorvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal gestoras do Sistema 
Único de Saúde, de acordo com as respectivas competências, critérios e demais 
disposições das Leis n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8. 142, de 28 de 
dezembro de 1990”. 
Ao se preservar o INAMPS, preservou-se também a sua lógica de 
financiamento e de alocação de recursos financeiros. Dessa forma, o SUS inicia a 
sua atuação na área da assistência à saúde com caráter universal, utilizando-se de 
uma instituição que tinha sido criada e organizada para prestar assistência a uma 
parcela limitada da população. 
Uma das consequências desta “preservação” foi o estabelecimento de limites 
físicos e financeiros para as unidades federadas na lógica do INAMPS, que 
garantiria a manutenção da situação até então vigente. Ou seja, o SUS não adotou 
uma lógica própria para financiar a assistência à saúde de toda a população o que 
significaria um grande remanejamento da alocação de recursos entre os estados. 
Essa medida, sem dúvidas, geraria umaforte reação política dos estados mais 
desenvolvidos e que contavam com uma maior proporção de recursos. 
A primeira alocação de recursos feita pelo Ministério da Saúde, na condição 
de gestor federal do SUS, baseou-se, fundamentalmente, na situação deixada pelo 
INAMPS, como resultado da capacidade instalada dos serviços de saúde, construída 
ao longo do tempo para atender à população previdenciária, e carregou consigo uma 
 
 
11 
 
imensa desigualdade na divisão dos recursos entre os estados pois, agora, a 
assistência passava a ter um caráter universal. 
Porém, a manutenção do INAMPS e de sua lógica de financiamento não 
evitou que, a partir de maio de 1993 e, portanto, pouco antes da sua extinção (em 27 
de julho de 1993), o Ministério da Previdência Social deixasse de repassar para o 
Ministério da Saúde recursos da previdência social criando uma enorme defasagem 
entre a nova responsabilidade constitucional e a disponibilidade orçamentária. 
Os anos de 1993 e de 1994 foram de grandes dificuldades para o SUS, pela 
falta de uma fonte de financiamento que garantisse recursos para honrar os 
compromissos resultantes das definições da Constituição Federal e da Lei Orgânica 
da Saúde. 
5 DADOS GERAIS SOBRE O SUS 
 
Fonte:www.aplicativosdesaude.com.br 
O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, sendo o 
único a garantir assistência integral e completamente gratuita para a totalidade da 
população, inclusive aos pacientes portadores do HIV, sintomáticos ou não, aos 
pacientes renais crônicos e aos pacientes com câncer. 
A Rede Ambulatorial do SUS é constituída por 56.642 unidades, sendo 
realizados, em média, 350 milhões de atendimentos ao ano. Esta assistência 
estende-se da atenção básica até os atendimentos ambulatoriais de alta 
complexidade. 
 
 
12 
 
No ano de 2001 foram realizadas aproximadamente 250 milhões de 
consultas, sendo 165 milhões em atenção básica (consultas de pré-natal, 
puericultura, etc.) e 85 milhões de consultas especializadas. Nesse mesmo ano 
foram realizados 200 milhões de exames laboratoriais, 6 milhões de exames 
ultrassonográficos, 79 milhões de atendimentos de alta complexidade, tais como: 
tomografias, exames hemodinâmicos, ressonância magnética, sessões de 
hemodiálise, de quimioterapia e radioterapia. 
 
 
Fonte:stefanini.com/br 
São 6.493 hospitais, públicos, filantrópicos e privados, com um total de 
487.058 leitos, onde são realizadas em média pouco mais de 1 milhão de 
internações por mês, perfazendo um total de 12,5 milhões de internações por ano. 
As internações realizadas vão da menor complexidade, tais como internações de 
crianças com diarreia, até as mais complexas, como a realização de transplantes de 
órgãos, cirurgias cardíacas, entre outras que envolvem alta tecnologia e custo. Esta 
área, organizada num Sistema implantado em 1990, denominado Sistema de 
Informações Hospitalares (SIH/SUS), constitui-se na maior casuística hospitalar 
existente no mundo paga por um mesmo financiador. Para exemplificar, foram 
realizadas no ano 2000 2,4 milhões de partos, 72 mil cirurgias cardíacas, 420 mil 
internações psiquiátricas, 90 mil atendimentos de poli traumatizados no sistema de 
 
 
13 
 
urgência emergência, 7.234 transplantes de órgãos, sendo que 2.549 de rim, 385 de 
fígado e 104 de coração. 
São despendidos, pelo MS recursos da ordem de R$ 10,5 bilhões por ano 
para custeio dos atendimentos ambulatoriais de média e alta complexidade e 
hospitalares, além de R$ 3 bilhões para a Atenção Básica. Em 1995, o SUS realizou 
13,2 milhões de internações hospitalares e, em 2001, 12,2 milhões, uma redução de 
7,9%. Os gastos, mesmo com a redução ocorrida no período, passaram de R$ 3,5 
bilhões em 1995 para R$ 5,1 bilhões em 2001, um crescimento de 43,1%. 
No entanto, vale ressaltar que a redução no número de internações não 
ocorreu em todas as Regiões. Enquanto no Sudeste ocorreu uma redução de 14,8% 
(mais de 800 mil internações por ano), no Centro-Oeste ocorreu um crescimento de 
8,2% e no Norte um crescimento de 7,4%. Este crescimento decorreu, muito 
provavelmente, de ampliação do acesso aos serviços hospitalares, como resultado 
do aumento significativo de recursos federais alocados nos estados dessas regiões 
nos últimos anos. 
A redução da frequência de internações hospitalares nas Regiões Nordeste, 
Sul e Sudeste têm motivos diversos. De um modo geral, a evolução da medicina tem 
levado a que muitos procedimentos que requeriam a internação do paciente 
passassem a ser realizados em regime ambulatorial. No Nordeste, especificamente, 
a redução se deve, provavelmente, aos avanços obtidos com a Atenção Básica, em 
particular com a presença de um grande número de Agentes Comunitários de 
Saúde, e dos investimentos realizados em saneamento básico. 
5.1 Financiamento 
O financiamento do SUS é uma responsabilidade comum dos três níveis de 
governo. Em setembro de 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional 29 (EC-29), 
que determinou a vinculação de receitas dos três níveis para o sistema. Os recursos 
federais que correspondem, a mais de 70% do total, progressivamente vêm sendo 
repassados a estados e municípios, por transferências diretas do Fundo Nacional de 
Saúde aos fundos estaduais e municipais, conforme mecanismo instituído pelo 
decreto 1.232, de 30 de agosto de 1994. 
 
 
14 
 
A intensa habilitação de municípios e estados em modalidades avançadas de 
gestão gerou um expressivo aumento das transferências diretas de recursos do 
Fundo Nacional de Saúde para os fundos municipais e estaduais, fazendo com que, 
em dezembro de 2001 (Tabela 2), a maior parte dos recursos da assistência já fosse 
transferida nessa modalidade, em contraposição à predominância de pagamento 
federal direto aos prestadores de serviços. 
 
 
 
Além das transferências do Fundo Nacional de Saúde, os fundos estaduais e 
municipais recebem aportes de seus próprios orçamentos. Alguns estados 
promovem repasses de recursos próprios para os fundos municipais de saúde, de 
acordo com regras definidas no âmbito estadual. 
O nível federal ainda é o responsável pela maior parcela do financiamento do 
SUS, embora a participação dos municípios venha crescendo ao longo dos últimos 
dez anos e haja a perspectiva de que a parcela dos recursos estaduais no 
financiamento do sistema aumente significativamente em decorrência da aprovação 
da EC-29. O pagamento aos prestadores de serviços de saúde é feito pelo nível de 
governo responsável por sua gestão. Independentemente do nível de governo que 
execute o pagamento, o SUS utiliza um mesmo sistema de informações para os 
serviços ambulatoriais – o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e outro para 
os serviços hospitalares – o Sistema de Informações Hospitalares (SIH). No caso 
 
 
15 
 
específico das internações hospitalares, embora o pagamento pelos serviços 
prestados esteja descentralizado para o nível de governo responsável por sua 
gestão, o processamento das informações relativas a todas as internações 
financiadas pelo sistema público de saúde é realizado de forma centralizada pelo 
Departamento de Informática do SUS (DATASUS) órgão do Ministério da Saúde. Do 
mesmo modo, todo o sistema público utiliza uma única tabela de preços, definida 
pelo MS, para o pagamento aos prestadores de serviços. 
 
 
Fonte:aoquadrado.catracalivre.com.br 
A tendência é que os municípios assumam cada vez mais a responsabilidade 
pelo relacionamento com os prestadores de serviço, à medida que se habilitem às 
condições de gestão descentralizada do sistema. A norma em vigor (NOAS-SUS 
01/01) define duas condições de gestão municipal: (a) Gestão Plena da Atenção 
Básica Ampliada, pela qual o município se habilita a receber um montante definido 
em base per capita para o financiamento das ações de atenção básica, e (b) Gestão 
Plena do Sistema Municipal, pela qual o município recebe o total de recursosfederais programados para o custeio da assistência em seu território. Cabe 
 
 
16 
 
esclarecer que o financiamento por base per capita não dispensa o gestor de 
alimentar o sistema de informações ambulatoriais, cuja produção servirá como 
insumo para futuras negociações de alocação de recursos financeiros. 
Apesar do incremento das habilitações de estados e municípios, e do 
consequente aumento do volume de recursos repassados diretamente aos fundos 
de saúde subnacionais, um terço dos recursos federais ainda é empregado em 
pagamentos diretos a prestadores de serviços de saúde. Tal situação decorre do 
processo de contratação e pagamento centralizado que vigorou durante o período 
do INAMPS que antecedeu à implementação do SUS e, em certa medida, ainda não 
foi plenamente substituído pelo processo de descentralização, dado o caráter não 
compulsório e progressivo deste último. 
Até 1997 não havia subdivisão dos recursos transferidos para estados e 
municípios o que passou a ocorrer a partir de março de 1998 com a edição da 
Portaria n° 2.121/GM que implantou o Piso da Atenção Básica (PAB) e separou os 
recursos para o financiamento da Atenção Básica e para o financiamento da 
Assistência de Média e Alta Complexidade Ambulatorial. 
O PAB de cada município que é calculado tendo por base um valor per capita 
é transferido de forma automática do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos 
Municipais de Saúde mudando a forma anterior de financiamento por prestação de 
serviços e passando para uma lógica de transferência de recursos em função do 
compromisso do município assumir a responsabilidade sanitária por este nível de 
atenção. 
Vale destacar que enquanto os recursos do PAB fixo são transferidos tendo 
por base o valor per capita, o valor do PAB variável depende da adesão do 
município a programas prioritários definidos pelo Ministério da Saúde, tais como os 
Programas de Agentes Comunitários de Saúde, de Saúde da Família e de Combate 
às Carências Nutricionais e a ações estratégicas tais como a Farmácia Básica e as 
Ações Básicas de Vigilância Sanitária. 
O Manual da Atenção Básica, aprovado pela Portaria GM/MS n° 3.925, de 13 
de novembro de 1998, define a Atenção Básica como “o conjunto de ações, de 
caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de 
saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e 
a reabilitação”. E frisa, ainda, que “essas ações não se limitam àqueles 
 
 
17 
 
procedimentos incluídos no Grupo de Assistência Básica da tabela do SIA/SUS, 
quando da implantação do Piso da Atenção Básica. A ampliação desse conceito se 
torna necessária para avançar na direção de um sistema de saúde centrado na 
qualidade de vida das pessoas e de seu meio ambiente”. 
Com a Portaria GM/MS n° 2.121, o Ministério da Saúde concretizou um 
primeiro e significativo passo para a construção de um sistema de saúde que não se 
reduzia a apenas a um componente de assistência médica e para a redução das 
desigualdades regionais na distribuição dos recursos. 
 
 
Fonte:cursosabrafordes.com.br 
A partir da Portaria GM N° 1.399, de 15 de dezembro de 1999, que 
regulamentou a NOB SUS 01/96 no que se refere às competências da União, 
estados, municípios e Distrito Federal, na área de Epidemiologia e Controle de 
Doenças e definiu a sistemática de financiamento, no ano 2000 o Ministério da 
Saúde, por meio da Fundação Nacional de Saúde, começou a implementar o 
processo de descentralização dessa área. 
 
 
18 
 
Assim, a parir de junho de 2001, o volume de recursos transferidos pelo 
Ministério da Saúde para os estados e municípios para o desenvolvimento de ações 
e serviços de saúde passou a ser subdividido em: 
• Recursos para a Atenção Básica (PAB Fixo e PAB Variável) 
• Recursos para a Vigilância Epidemiológica e Controle de Doenças 
• Recursos para a Assistência de Média Complexidade 
• Recursos para a Assistência de Alta Complexidade. 
6 O PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO SUS 
O Sistema Único de Saúde vem passando, desde a sua instituição pela Lei 
Orgânica da Saúde em 1990, por importantes mudanças, entre as quais pode-se 
destacar o significativo avanço obtido na sua universalização, principalmente em 
decorrência de um importante processo de descentralização de responsabilidades, 
atribuições e recursos da esfera federal para estados e municípios, em oposição ao 
modelo anterior do sistema de saúde, caracterizado por marcante centralização 
decisória e financeira no nível federal. 
Esse processo tem sido orientado pelas Normas Operacionais do SUS, 
instituídas por meio de portarias ministeriais. Estas Normas definem as 
competências de cada esfera de governo e as condições necessárias para que 
estados e municípios possam assumir as novas posições no processo de 
implantação do SUS. 
As Normas Operacionais definem critérios para que estados e municípios 
voluntariamente se habilitem a receber repasses de recursos do Fundo Nacional de 
Saúde para seus respectivos fundos de saúde. A habilitação às condições de gestão 
definidas nas Normas Operacionais é condicionada ao cumprimento de uma série de 
requisitos e ao compromisso de assumir um conjunto de responsabilidades 
referentes à gestão do sistema de saúde. 
Embora o instrumento formal seja uma portaria do Ministro da Saúde, o seu 
conteúdo é definido de forma compartilhada entre o Ministério e os representantes 
do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS) e do Conselho 
Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Para tanto foram 
criadas instancias de negociação, sendo uma a nível nacional, a Comissão Inter 
 
 
19 
 
gestores Tripartite (CIT – com representação do Ministério da saúde, do CONASS e 
do CONASEMS) e, em cada estado, uma Comissão Inter gestores Bipartite (CIB), 
com representação da Secretaria Estadual de Saúde e do Conselho Estadual de 
Secretários Municipais de Saúde (COSEMS). 
Desde o início do processo de implantação do SUS, foram públicas três 
Normas Operacionais Básicas (NOB SUS 1991, 1993 e em 1996.). No ano 2001 foi 
publicada a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS-SUS), atualmente 
em vigor. Os fundamentos jurídicos e normativos da descentralização do SUS são 
sistematizados na figura a seguir. 
 
 
 
Uma das dimensões relevantes desse processo diz respeito à tentativa de 
definição do papel de cada esfera de governo no SUS, que se dá com intensos 
debates e conflitos, tendo em vista o caráter ainda recente do processo de 
democratização no Brasil, a marcante heterogeneidade política, econômica e social 
no país, as características do federalismo brasileiro e as intensas transformações 
por que o Estado brasileiro vem passando nas diversas áreas da política, entre 
outras questões. 
 
 
20 
 
7 AVANÇOS E DIFICULDADES DO PROCESSO RECENTE DE 
DESCENTRALIZAÇÃO 
O período de implementação da NOB SUS 01/96, compreendido entre os 
anos 1998 a 2000 (as habilitações na referida norma no ano 2001 foram residuais), 
foi marcado por uma série de importantes avanços do processo de descentralização 
do Sistema Único de Saúde. Entre esses avanços cabe destacar: 
 
 
Fonte:www.hospitalbelohorizonte.com.br 
1. No âmbito do financiamento: 
a) a implementação do Piso da Atenção Básica para o financiamento das ações 
de atenção básica desenvolvidas pelos municípios, representando a 
introdução de uma lógica de financiamento per capita pela primeira vez no 
SUS, o que é um avanço no sentido da superação dos mecanismos de pós-
pagamento; 
b) a adoção de incentivos específicos para áreas estratégicas, e o aumento 
expressivo de transferências de recursos do Fundo Nacional de Saúde para 
os Fundos Estaduais e Fundos Municipais de Saúde; 
 
2. No âmbito do modelo assistencial e da organização dos serviços: 
a) a expansão da estratégia de Equipes de Saúde da Família e de Agentes 
Comunitários de Saúde;21 
 
b) a implementação de experiências inovadoras de atenção no âmbito local e 
avanços, tanto na organização da atenção básica como na organização de 
redes de referência em vários municípios e estados; 
 
 
Fonte:arquidiocesesalvador.org.br 
3. No âmbito da gestão: 
a) milhares de municípios foram habilitados de acordo com as condições de 
gestão da NOB SUS 01/96, integrando-se de forma voluntária e assumindo 
responsabilidades no Sistema Público de Saúde; 
b) houve uma intensa transferência negociada de responsabilidades, atribuições 
e recursos do nível federal para municípios e estados; 
Ao final do período de vigência da NOB SUS 01/96, 99% dos municípios 
brasileiros estavam habilitados a uma das condições de gestão da referida norma, 
sendo 89% em Gestão Plena da Atenção Básica e 10,1% em Gestão Plena do 
Sistema Municipal (Quadro II). A maior parte dessas habilitações ocorreu ainda em 
1998, no primeiro ano de implantação da NOB/96. Entretanto, o percentual de 
municípios habilitados em cada uma dessas condições de gestão é bastante variável 
 
 
22 
 
entre os estados, sugerindo a existência de diferentes ritmos e modelos de 
descentralização. Cabe lembrar que o processo de habilitação depende da iniciativa 
dos gestores subnacionais. Conforme já mencionado, os estados e municípios 
voluntariamente se submetem ao processo de habilitação, assumindo 
responsabilidades e fazendo jus ao repasse de recursos e responsabilidades a partir 
do cumprimento dos requisitos definidos nas Normas Operacionais. 
 
 
 
 
 
23 
 
Já o processo de habilitação dos estados foi mais lento e irregular (Tabela 4). 
Em dezembro de 2001, cinco estados estavam habilitados na condição de Gestão 
Avançada do Sistema Estadual e sete estados na condição de Gestão Plena do 
Sistema Estadual. 
 
 
 
Entretanto, os próprios avanços da descentralização no período levantam 
novas questões críticas para a implementação do SUS. No final da década de 90, 
acentua-se o debate sobre alguns problemas e desafios até então não 
equacionados: 
a) Divisão de responsabilidades entre estados e municípios: 
Parcela significativa dos pactos de gestão sobre os prestadores de serviços 
de saúde entre estados e municípios foi estabelecida segundo critérios pouco 
adequados a organização funcional do sistema e ao comando efetivamente público 
do sistema, tais como partilhas de gestão por natureza jurídica dos prestadores de 
serviços (públicos vs. privados). 
Em alguns estados, ainda há unidades básicas de saúde sob gestão estadual 
e/ou conflitos relacionados à persistência de hospitais estaduais que não estão sob 
gestão de municípios em Gestão Plena do Sistema Municipal. 
 
 
24 
 
b) Processo de habilitação: 
Em muitos casos a habilitação ocorreu de forma cartorial. O processo de 
habilitação dos estados nem sempre apresentou uma relação direta com a 
capacidade efetiva da Secretaria de Estado da Saúde de exercer todas as suas 
funções gestoras. 
A maciça habilitação dos municípios em Gestão Plena da Atenção Básica 
representou um avanço do ponto de vista da responsabilização de milhares de 
gestores municipais e aumento da equidade na alocação de recursos por meio da 
implantação do PAB, mas não assegurou a qualidade e efetividade da atenção 
básica em todos esses municípios, nem foi suficiente para garantir o acesso dos 
cidadãos aos demais níveis de atenção. 
A habilitação em Gestão Plena do Sistema Municipal, por sua vez, 
representou um avanço para centenas de municípios que passaram a dispor de 
maior autonomia de gestão; por outro lado, não foi suficiente para assegurar sua 
inserção no Sistema Estadual de Saúde e seu papel na garantia do atendimento às 
populações referidas de outros municípios com menor capacidade assistencial. 
c) Financiamento do sistema: 
A alocação dos recursos financeiros permanecia, em parte, vinculada à lógica 
da oferta, à capacidade instalada existente e às necessidades de receita dos 
prestadores de serviços de saúde, o que mantinha a concentração de recursos nas 
áreas mais desenvolvidas e em ações nem sempre compatíveis com as 
necessidades da população. 
No âmbito dos estados, os critérios adotados para a distribuição de recursos 
entre os municípios eram, em geral, pouco explícitos. 
d) Planejamento e organização funcional do sistema: 
Embora muitos estados tenham conduzido os processos de Programação 
Pactuada e Integrada (PPI) com seus municípios, sua implementação foi efetiva em 
poucos casos, dificultando a integração intermunicipal. 
As limitações da capacidade de planejamento e coordenação das Secretarias 
Estaduais de Saúde aumentavam o risco de atomização dos sistemas 
municipais, da incorporação tecnológica irracional e da adoção de barreiras de 
acesso entre municípios. 
 
 
 
25 
 
 
Fonte:ulbra-to.br 
A prática de contratação de serviços privados e da construção de unidades 
públicas, sem a prévia análise da adequação do perfil da oferta existente às 
necessidades da população, dificultava a estruturação de uma rede regionalizada e 
Resolutiva de unidades. 
Por outro lado, a expansão de serviços nas décadas precedentes produziu 
um conjunto de unidades com oferta desordenada e relações frágeis entre os 
serviços, dificultando a reorientação do modelo de atenção e a conformação de 
redes regionalizadas e resolutivas. 
e) Resolutividade e acesso aos serviços: 
A configuração do elenco de procedimentos incluídos na atenção básica (Piso 
de Atenção Básica fixo – PAB fixo) era restrita, apresentando baixa capacidade de 
resolução dos problemas mais frequentes dos usuários. Simultaneamente, ocorriam 
dificuldades de acesso à assistência de média e alta complexidade, relacionadas à 
concentração desses serviços em poucos municípios ou mesmo à inexistência de 
determinados serviços de alta complexidade em diversos estados. 
O instrumental utilizado para as referências intermunicipais e interestaduais 
tem sido insuficiente para garantir o acesso, carecendo de mecanismos efetivos de 
relação entre gestores e entre serviços. 
 
 
 
26 
 
f) Monitoramento e avaliação contínua de desempenho: 
Em geral não existia avaliação rotineira e sistemática do desempenho dos 
órgãos gestores e de monitoramento da implementação das atividades previstas nos 
Planos de Saúde e processos de programação. O controle e a auditoria da 
prestação de serviços por terceiros e do consequente faturamento apresentavam 
fragilidades e descontinuidades. 
Em síntese, tanto o Ministério da Saúde quanto a maior parte dos estados 
não dispunham de diagnósticos precisos do funcionamento dos sistemas estaduais 
e municipais para o desenvolvimento adequado de estratégias de cooperação 
técnica e decisões de investimento. 
g) Processo de habilitação das Secretarias Municipais de Saúde (SMS) e 
transferências fundo a fundo: 
O processo de habilitação dos municípios atingiu seu ápice, sendo residual o 
número de municípios que ainda não se encontra em uma das condições de gestão 
previstas na NOB 96. A taxa de crescimento do volume de recursos transferidos 
fundo a fundo, bastante significativa no primeiro ano de vigência da referida Norma, 
apresentou uma desaceleração no período de dezembro de 1998 a dezembro de 
2000, indicando a necessidade do desenvolvimento de novos mecanismos para 
ampliar a descentralização dos recursos financeiros e buscar a superação 
progressiva do financiamento pela compra de serviços para mecanismos de repasse 
de recursos entre gestores por produção de serviços. 
Face aos avanços e problemas descritos, ainda durante a fase de 
implementação da NOB SUS 01/96, os diversos atores envolvidos no processo de 
consolidação do SUS passaram a discutir as estratégias necessárias para enfrentar 
os grandes desafios colocados para as políticas de descentralização na saúde. 
Desse processo resultou a publicação da Norma Operacional da Assistência à 
Saúde (NOAS SUS01/01) 
8 O PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO, ELABORAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA 
NOAS-SUS 
 
 
 
27 
 
 
Fonte:www.medsisten.com.br 
Ao longo de todo o ano 2000, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria 
de Assistência à Saúde, em articulação com outras secretarias do Ministério 
(Secretaria de Políticas de Saúde, Secretaria Executiva), coordenou um intenso 
processo de debate e negociação com as representações nacionais dos secretários 
estaduais (CONASS) e municipais (CONASEMS) de saúde no âmbito da Comissão 
Inter gestores Tripartite (CIT) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), acerca do 
aperfeiçoamento e consolidação do processo de descentralização no Sistema Único 
de Saúde. 
A publicação da Norma Operacional de Assistência à Saúde NOAS SUS 
01/01 em janeiro de 2001 é fruto desse longo processo de negociação. O objetivo 
geral da referida norma é: “promover maior equidade na alocação de recursos e no 
acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção”. 
Para atingir esse objetivo, a NOAS adotou a regionalização como macro 
estratégia fundamental para o aprimoramento do processo de descentralização, 
nesse momento específico da implantação do SUS, e propôs três grupos de 
estratégias articuladas, como forma de promover a descentralização com equidade 
no acesso: 
1. Elaboração do Plano Diretor de Regionalização e diretrizes para a 
organização regionalizada da assistência, visando à conformação de sistemas de 
atenção funcionais e resolutivos nos diversos níveis. 
 
 
28 
 
2. Fortalecimento das capacidades gestoras do SUS, que compreende um 
conjunto de estratégias voltadas para consolidar o caráter público da gestão do 
sistema, por meio da instrumentalização dos gestores estaduais e municipais para o 
desenvolvimento de funções como planejamento, programação, regulação, controle 
e avaliação, incluindo instrumentos de consolidação de compromissos entre 
gestores. 
3. Atualização dos critérios e do processo de habilitação de estados e 
municípios às condições de gestão do SUS, visando torná-lo coerente com o 
conjunto de mudanças propostas. 
Um dos pontos mais importantes da NOAS SUS 01/01 diz respeito ao 
processo de elaboração do Plano Diretor de Regionalização, coordenado pelo gestor 
estadual, com a participação do conjunto de municípios. Esse Plano deve conter 
minimamente: 
a) a divisão do território estadual em regiões/microrregiões de saúde, 
definidas segundo critérios sanitários, epidemiológicos, geográficos, sociais, de 
oferta de serviços e de acessibilidade; 
b) o diagnóstico dos principais problemas de saúde e das prioridades de 
intervenção; 
c) a constituição de módulos assistenciais resolutivos, formados por um ou 
mais municípios, que garantam o primeiro nível da média complexidade, visando 
garantir o suporte às ações de Atenção Básica; 
d) os fluxos de referência para todos os níveis de complexidade e os 
mecanismos de relacionamento intermunicipal; 
e) a organização de redes assistenciais específicas; 
f) o Plano Diretor de Investimentos, que procura suprir as lacunas 
assistenciais identificadas, de acordo com as prioridades de intervenção. 
No que diz respeito à organização da assistência, se enfatiza a importância 
de qualificar e melhorar a resolutividade da atenção básica em todos os municípios 
brasileiros, a partir da identificação de áreas estratégicas mínimas, relacionadas a 
problemas de saúde de abrangência nacional (saúde da mulher, saúde da criança, 
saúde bucal, controle da hipertensão e diabetes, controle da tuberculose e 
eliminação da hanseníase). 
 
 
29 
 
Complementarmente, os gestores estaduais e municipais podem definir 
outras áreas estratégicas, de acordo com as especificidades locais. Além das ações 
mínimas de atenção básica a serem asseguradas em todos os municípios 
brasileiros, a NOAS SUS 01/01 propõe a formação de módulos assistenciais 
resolutivos, formados por um ou mais municípios, que garantam no âmbito 
microrregional o acesso ágil e oportuno de todos os cidadãos a um conjunto de 
ações de saúde frequentemente necessárias para atender os problemas mais 
comuns, que nem sempre podem ser oferecidas em todos os municípios pelo seu 
pequeno porte populacional. A proposta de qualificação de regiões/microrregiões na 
assistência à saúde apresentada na referida Norma se fundamenta, portanto, na 
busca de garantia de acesso a ações resolutivas para além dos limites municipais, 
considerando critérios de qualidade e economia de escala. 
Ainda no que tange à assistência à saúde, a NOAS SUS 01/01 estabelece 
diretrizes gerais para a organização das demais ações de média e alta 
complexidade, e preconiza que o plano de regionalização compreenda o 
mapeamento das redes de referência em áreas estratégias específicas (gestação de 
alto risco, urgência e emergência, hemoterapia, entre outras). 
Esse tipo de regionalização, incentivado pela NOAS SUS 01/01, requer a 
articulação dos gestores municipais para a negociação e pactuação de referências 
intermunicipais, sob coordenação e regulação estadual, que deve se dar através da 
programação pactuada e integrada (PPI). Além disso, é necessário o fortalecimento 
da capacidade gestora de estados e municípios para exercer as funções de 
regulação, controle e avaliação do sistema, em uma nova perspectiva. 
Do ponto de vista do financiamento, a NOAS SUS 01/01 pressupõe um 
aumento do componente de financiamento federal calculado em uma base per 
capita, ao propor uma ampliação do Piso de Atenção Básica - fixo e que o 
financiamento das ações do primeiro nível da média complexidade ambulatorial 
passe a também a se dar com base em um valor per capita nacional. Esse aspecto é 
importante por assinalar uma tendência de superação da lógica anterior de 
financiamento, fortemente orientada pela oferta pré-existente de serviços, a partir da 
expansão dos mecanismos de pré-pagamento, que requerem um papel mais ativo 
dos gestores no planejamento da oferta, de acordo com as necessidades da 
população e prioridades identificadas. 
 
 
30 
 
Uma vez publicada a NOAS em janeiro de 2001, ao longo do ano a Secretaria 
de Assistência à Saúde acompanhou e apoiou sistematicamente os processos de 
regionalização nos estados, considerando as especificidades de cada um, bem 
como buscou desenvolver estratégias e instrumentos de gestão e de organização da 
assistência de apoio aos estados e municípios no processo de regionalização. 
Ao longo do ano 2001, observou-se um grande dinamismo nos estados no 
que diz respeito aos processos de articulação entre gestores estaduais e municipais 
para a elaboração dos planos diretores de regionalização, de investimentos e da 
programação pactuada e integrada. Todos os estados já elaboraram esboços 
desses planos e, e a maior parte está adotando medidas significativas de 
organização da rede de serviços voltadas à melhoria do acesso. 
 
9 25 ANOS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: RESULTADOS E DESAFIOS 
A pedido de estudos avançados, o médico Samir Salman, fundador do 
primeiro centro privado especializado em cuidados paliativos e no atendimento a 
pacientes crônicos de alta dependência (o Hospital Premier), entrevistou Eugênio 
Vilaça Mendes, conselheiro da Organização Pan-Americana da Saúde na área de 
Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde e secretário adjunto da 
Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais no governo Tancredo Neves. Entre 
os temas abordados, destacam-se o Sistema Único de Saúde e a Estratégia da 
Saúde da Família. 
Além de consultor de organismo internacional na área da saúde e gestor 
público, Eugênio Vilaça Mendes é especialista em planejamento de saúde, mestre 
em Administração e doutor em Odontologia. Foi professor das Faculdades de 
Odontologia e Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, da Faculdade de 
Odontologia da PUC Minas, das Escolas de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-
MG) e do Ceará, e daFaculdade de Medicina da Universidade Estadual de Montes 
Claros (MG), da qual recebeu o título de "Professor Honoris Causa". É autor de 
vários livros e capítulos de livros, e de artigos no Brasil e no exterior. Seu livro mais 
recente, As redes de atenção à saúde, foi publicado pela ESP-MG. 
 
 
31 
 
Samir Salman – Passados 25 anos de sua instalação, o Sistema Único de 
Saúde (SUS) se apresenta a 75% dos brasileiros como a única forma de acesso e 
assistência à saúde. Qual a sua avaliação, hoje, dos caminhos do SUS diante dos 
desafios que sua implantação almejava responder, décadas atrás? 
Eugênio Vilaça Mendes – O SUS foi instituído pela Constituição Federal de 
1988. É, portanto, uma política pública recente, com duas décadas e meia de 
existência. Não obstante sua curta vida, tem muitos resultados a celebrar e, 
também, enormes desafios a superar. 
O nosso sistema público de saúde tem uma dimensão verdadeiramente 
universal quando cobre indistintamente todos os brasileiros com serviços de 
vigilância sanitária de alimentos e de medicamentos, de vigilância epidemiológica, 
de sangue, de transplantes de órgãos e outros. No campo restrito da assistência à 
saúde ele é responsável exclusivo por 140 milhões de pessoas, já que 48 milhões 
de brasileiros recorrem ao sistema de saúde suplementar, muitos deles acessando 
concomitantemente o SUS em circunstâncias em que o sistema privado apresenta 
limites de cobertura. 
O SUS constituiu a maior política de inclusão social da história de nosso país. 
Antes do SUS vigia um Tratado das Tordesilhas da saúde que separava quem 
portava a carteirinha do Inamps e que tinha acesso a uma assistência curativa 
razoável das grandes maiorias que eram atendidas por uma medicina simplificada 
na atenção primária à saúde e como indigentes na atenção hospitalar. O SUS 
rompeu essa divisão iníqua e fez da saúde um direito de todos e um dever do 
Estado. A instituição da cidadania sanitária pelo SUS incorporou, imediatamente, 
mais de cinquenta milhões de brasileiros como portadores de direitos à saúde e fez 
desaparecer, definitivamente, a figura odiosa do indigente sanitário. 
O SUS apresenta números impressionantes: quase seis mil hospitais e mais 
de sessenta mil ambulatórios contratados, mais de dois bilhões de procedimentos 
ambulatoriais por ano, mais de onze milhões de internações hospitalares por ano, 
aproximadamente dez milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia por 
ano, mais de duzentas mil cirurgias cardíacas por ano e mais de 150 mil vacinas por 
ano. O SUS pratica programas que são referência internacional, mesmo 
considerando países desenvolvidos, como o Sistema Nacional de Imunizações, o 
Programa de Controle de HIV/Aids e o Sistema Nacional de Transplantes de Órgãos 
 
 
32 
 
que tem a maior produção mundial de transplantes realizados em sistemas públicos 
de saúde do mundo, 24 mil em 2012. O programa brasileiro de atenção primária à 
saúde tem sido considerado, por sua extensão e cobertura, um paradigma a ser 
seguido por outros países. Com esses processos o SUS tem contribuído 
significativamente para a melhoria dos níveis sanitários dos brasileiros. Entre 2000 e 
2010, a taxa de mortalidade infantil caiu 40%, tendo baixado de 26,6 para 16,2 
óbitos em menores de um ano por mil nascidos vivos. 
Não obstante a exuberância dos números, o nosso sistema público de saúde 
permanece com muitos problemas a solucionar. No meu entendimento há três 
grandes desafios para o SUS: a organização macroeconômica do sistema de saúde 
no Brasil, a organização microeconômica expressa no modelo de atenção à saúde 
que pratica e o financiamento. 
No plano da organização macroeconômica, o SUS foi concebido como um 
sistema público de saúde de cobertura universal, de corte beveridgeano que se 
caracteriza por financiamento público por meio de impostos gerais, universalidade 
de acesso, gestão pública e prestação de serviços por mix público/privado, com 
especificação de obrigações e direitos dos cidadãos e dos órgãos prestadores de 
serviços. O modelo beveridgeano tem como fundamento a saúde como direito 
humano e como direito constitucional, e tem como objetivo a universalização da 
atenção à saúde e o aumento da coesão social. Nele, o sistema público provê uma 
carteira generosa de serviços sanitariamente necessários, havendo a possibilidade 
de os cidadãos adquirirem, no setor privado, serviços suplementares aos que estão 
inscritos nessa carteira. Esse modelo originário do Reino Unido implantou-se em 
diferentes países, como Canadá, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Itália, Noruega, 
Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido e Suécia. 
A generosa concepção constitucional de um sistema de saúde de cobertura 
universal, ao longo dos anos, vem caminhando num sentido diverso, expresso na 
segmentação do sistema de saúde brasileiro. Dessa forma, o sonho da 
universalização vem se transformando no pesadelo da segmentação. 
Os sistemas de saúde segmentados combinam diferentes modelos 
institucionais segundo diferentes clientelas, segregando-as em nichos institucionais 
singulares. Disso resulta uma integração vertical em cada segmento e uma 
segregação horizontal entre eles, em que cada segmento, público ou privado, 
 
 
33 
 
exercita as macrofunções de financiamento, regulação e prestação de serviços para 
sua clientela particular. Os Estados Unidos são um exemplo emblemático de sistema 
segmentado com sistemas públicos específicos para pobres (Medicaid), idosos 
(Medicare) e veteranos de guerra e sistema privados para quem pode pagar por si 
ou por meio de empresas. 
Em função da segmentação, o SUS, pensado como um sistema de cobertura 
universal, vem se consolidando como um subsistema público de saúde que convive, 
em nosso país, com um subsistema privado de saúde suplementar e um outro 
subsistema privado de desembolso direto. 
No plano da organização microeconômica, o desafio é superar a forma 
fragmentada como o SUS se estrutura. Em realidade, a fragmentação dos sistemas 
de saúde é uma característica que dá tons de universalidade à crise dos modelos de 
atenção à saúde em todo o mundo, nos setores públicos e privados. Nesse plano, 
pode-se afirmar que a crise está em responder a uma situação de saúde do século 
XXI com um modelo de atenção à saúde engendrado na metade do século passado. 
Isso não deu certo nos países ricos, isso não está dando certo no Brasil. A razão 
desse problema está no descompasso temporal que ocorre entre uma evolução 
muito rápida dos fatores contingenciais do sistema de saúde (transição demográfica, 
transição nutricional, transição epidemiológica e inovação tecnológica) e a baixa 
velocidade desse sistema em adaptar-se a essas mudanças por meio de reformas 
internas (cultura organizacional, arranjos organizativos, modelos assistenciais, 
modelos de financiamento, sistemas de incentivos e liderança). 
O Brasil vive uma transição demográfica acelerada. A população de pessoas 
de mais de 65 anos dobrará nos próximos vinte anos e isso significará, no futuro, 
mais doenças crônicas, porque 79% de pessoas idosas brasileiras relatam ser 
portadores dessas condições de saúde. A transição nutricional é, também, muito 
rápida. Hoje, metade de nossa população total e um terço de nossa população de 
crianças de cinco a dez anos de idade tem sobrepeso ou obesidade. Por outro lado, 
o país apresenta uma transição epidemiológica singular. A carga de doença, medida 
em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, se compõe de 14,8% de 
doenças infecciosas e desnutrição, 10,2% de causas externas, de 8,8% de causas 
maternas e perinatais e de 66,2% de doenças crônicas. Isso significa que o Brasil 
tem uma situação epidemiológica de tripla carga de doenças com a convivência, no 
 
 
34 
 
mesmo tempo, de uma agenda de doenças infecciosas e causas maternas e 
perinatais, do crescimento das causas externas e pela dominância relativadas 
doenças crônicas e de seus fatores de riscos. 
O problema do SUS, mas presente igualmente nos subsistemas privados 
brasileiros, está numa situação de saúde que combina transição epidemiológica e 
nutricional aceleradas e tripla carga de doença, com forte predomínio relativo de 
condições crônicas, e uma resposta social estruturada num sistema de atenção à 
saúde que é fragmentado, que opera de forma episódica e reativa e que se volta, 
principalmente, para a atenção às condições agudas e às agudizações das 
condições crônicas. O sistema de saúde fragmentado que praticamos não é capaz 
de responder socialmente, com efetividade, eficiência e qualidade, à situação de 
saúde vigente. 
A resposta a esse desafio está em restabelecer a coerência entre a situação 
de saúde e a forma de organização do sistema de saúde no plano microeconômico, 
acelerando as mudanças necessárias que levem à conformação de um sistema 
integrado que opere de forma contínua e proativa e que seja capaz de responder, 
com eficiência, efetividade, qualidade e de modo equilibrado às condições agudas e 
crônicas. Ou seja, o SUS deverá ser estruturado em redes de atenção à saúde, 
coordenadas pela atenção primária à saúde. 
Esse é um grande desafio que se coloca para os anos futuros, mas que não 
será fácil de ser superado porque a fragmentação presente tem profundas raízes 
econômicas, políticas e culturais que a sustenta. Mas alguns passos têm sido dados, 
nos últimos anos, no caminho da construção de redes de atenção à saúde no SUS. 
O terceiro desafio, o do subfinanciamento do SUS, que está na base da 
segmentação do sistema de saúde brasileiro, será considerado na questão seguinte. 
Samir Salman – A gestão de um sistema social complexo como o SUS 
exige recursos que possibilitem, de fato, a sua manutenção. Mas também exige um 
criterioso método de aplicação. Como o senhor avalia esse binômio alocação-
método na atual conjuntura do SUS? Iluminando ainda questões importantes nesta 
reflexão, como o princípio da universalidade, qual o volume de recursos que seriam 
necessários, ano a ano, para que o SUS seja plenamente implantado no país, ainda 
nesta década? 
 
 
35 
 
Eugênio Vilaça Mendes – A generosidade do mandamento jurídico da saúde 
como direito de todos e dever do Estado não foi sustentada, na Constituição 
Federal, por uma base material que garantisse um financiamento público compatível 
com a universalidade. 
O exame dos dados de 2013 da Organização Mundial da Saúde sobre 
financiamento dos sistemas de saúde mostra que o Brasil gasta em saúde 9,0 do 
PIB. Esse valor indica que o Brasil tem um gasto total em saúde muito adequado, 
bem próximo à média dos gastos em saúde dos países desenvolvidos. Contudo 
quando se examina o percentual do gasto público em saúde verifica-se que ele é 
muito baixo e incapaz de garantir que a norma constitucional se materialize na 
prática social de modo a garantir o princípio da universalidade do SUS. 
As evidências internacionais mostram que todos os países que estruturaram 
sistemas universais de saúde, beveridgeanos ou bismarckianos, apresentam uma 
estrutura de financiamento em que os gastos públicos em saúde são, no mínimo, 
70% dos gastos totais em saúde. Por exemplo: Alemanha, 76,8%; Canadá, 71,1%; 
Itália, 77,6%; Holanda, 84,8%, Noruega, 85,5%; Reino Unido, 83,2%. No Brasil, o 
gasto público como porcentual do gasto total em saúde é de, apenas, 47%, inferior 
aos 53% que constituem o porcentual de gastos privados em saúde. Em geral, a 
segmentação dos sistemas de saúde se dá quando os gastos públicos são inferiores 
a 50% dos gastos totais em saúde. Nos Estados Unidos, país emblemático do 
sistema segmentado, esse valor é de 48,2%, bem próximo ao gasto público 
brasileiro. 
Com a estrutura vigente de gastos públicos em saúde não se pode pretender 
consolidar o SUS como direito de todos e dever do Estado. Essa é a razão fundante 
da segmentação do sistema de saúde brasileiro que poderá fazer de nosso sistema 
público de saúde, no longo prazo, um sistema de assistência à saúde para as 
classes mais baixas e um resseguro para procedimentos de alto custo para as 
classes médias e para os ricos. 
Os gastos públicos em saúde em nosso país são muito baixos quando 
comparados com outros países em dólares americanos com paridade de poder de 
compra. O gasto total em saúde é de US$ 1.009,00, mas o gasto público per 
capita em saúde é de apenas US$ 474,00. Esse valor é muito inferior aos valores 
praticados em países desenvolvidos, mas é inferior a países da América Latina 
 
 
36 
 
como Argentina, US$ 851,00; Chile, US$ 562,00; Costa Rica, US$ 825,00; Panamá, 
US$ 853,00; e Uruguai, US$ 740,00. A razão para esse baixo gasto público em 
saúde no Brasil está no fato de que os gastos em saúde correspondem a 10,7% do 
gasto do orçamento total dos governos, um valor muito abaixo do praticado em 
âmbito internacional, em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Estima-se 
que o faturamento per capita do sistema de saúde suplementar brasileiro é três 
vezes superior aos gastos per capita do SUS. 
Esses dados eloquentes sobre o subfinanciamento do SUS não têm 
sensibilizado os segmentos políticos, de diferentes matizes ideológicos, para que 
promovam um aumento do financiamento que permita tornar realidade o princípio da 
cobertura universal em saúde. Os sistemas segmentados de saúde, não raro, são 
justificados por um suposto, aparentemente magnânimo: o de que ao se instituírem 
sistemas específicos para quem pode pagar, sobrariam mais recursos públicos para 
dar uma melhor atenção aos pobres. As evidências indicam que esse suposto não é 
verdadeiro; ao contrário, ao se especializar um sistema singular para os pobres, 
dada a desorganização social desses grupos excluídos e sua baixa vocalização 
política, esse sistema tende a ser subfinanciado. 
O financiamento do SUS é feito pela trina federativa de forma solidária. 
Ocorre que os Estados e municípios vêm aumentando seus gastos em saúde e 
chegaram ao limite definido pela Emenda Constitucional 29. De outra forma, os 
gastos federais em saúde vêm numa tendência fortemente decrescente e as 
tentativas de aumentar os gastos federais em saúde são reiteradamente frustradas. 
Estima-se que seria necessário quase dobrar o orçamento do Ministério da Saúde 
para chegar-se a uma relação que torne viável a universalização da saúde. Por 
isso, não há que ter muita esperança para a solução desse problema nesta década 
e, como consequência, o gasto público deverá permanecer em valores próximos a 
50% dos gastos totais em saúde, o que manterá a segmentação do sistema de 
saúde. 
Em função do volume de recursos necessários para fortalecer o sistema 
público da insensibilidade dos diferentes segmentos políticos para o tema da 
universalização da saúde, dos movimentos de mobilidade social que ampliaram 
vertiginosamente as classes médias do país, dos valores professados por esses 
segmentos sociais emergentes, da dimensão alcançada pelo sistema privado de 
 
 
37 
 
saúde suplementar e das dificuldades de se fazerem reformas sanitárias no âmbito 
macroeconômico do sistema de saúde, o cenário mais provável para os próximos 
dez anos é de mudanças incrementais lentas, pontuais e destituídas de visão 
estratégica que levarão a uma consolidação da segmentação do sistema de saúde, 
com as consequências, no longo prazo, de ineficiência e de iniquidade. Em certo 
sentido, se pode prever que, em termos de sistema de saúde, caminharemos para 
sermos amanhã, à moda brasileira, o que são, hoje, os Estados Unidos. 
Samir Salman – A Estratégia de Saúde da Família tem sido considerada pelo 
senhor como a principal forma de implantação do SUS por todo o país. Qual o mérito 
dessa estratégia? 
Eugênio Vilaça Mendes – O sistema público de saúde brasileiro sempre fez 
uma opção por organizar-se com base na Atenção Primária à Saúde (APS). 
Historicamente,é possível identificar sete ciclos de desenvolvimento da APS no 
sistema público de saúde de nosso país, desde o ciclo inicial do Prof. Paula Souza 
na USP, na segunda década do século XX, até o sétimo ciclo inaugurado em 1993, 
no governo Itamar Franco, o ciclo da Estratégia da Saúde da Família (ESF), ainda 
vigente. O Brasil tem hoje uma ESF extensiva que conta com mais de 32 mil equipes 
espalhadas por quase todos os municípios brasileiros e que cobrem 
aproximadamente 58% de nossa população. 
Creio que a expansão da APS e sua tradução na ESF foi a opção estratégica 
mais consequente feita no sistema de saúde brasileiro ao longo de toda sua história. 
A razão disso está nas evidências que se produziram, nos âmbitos internacional e 
nacional, sobre a APS em geral e sobre a ESF em particular. 
Recentemente fiz uma revisão bibliográfica sobre a APS visitando centenas 
de publicações de muitos países, desenvolvidos e em desenvolvimento. As 
evidências são robustas em atestar que os sistemas de saúde com forte orientação 
para a APS comparados com outros com frágil orientação para a APS apresentam 
melhores resultados em termos de diminuição da mortalidade, redução dos custos 
da atenção, maior acesso a serviços preventivos, melhoria da equidade em saúde, 
redução das internações hospitalares e redução da atenção de urgência. 
Da mesma forma, um exame da literatura produzida por acadêmicos, no 
exterior e no Brasil, mostrou que a opção feita pelo SUS para fortalecer a APS 
produziu os mesmo resultados. Mas, muito importante, vários estudos demonstraram 
 
 
38 
 
que a operacionalização da APS por meio da ESF tem sido exitosa e superior aos 
modelos tradicionais de estruturação da APS. As evidências indicam que a ESF 
influiu positivamente no acesso e na utilização dos serviços e teve impacto na saúde 
dos brasileiros: reduziu a mortalidade infantil e a mortalidade de menores de cinco 
anos; teve impacto na morbidade; aumentou a satisfação das pessoas com a 
atenção recebida; teve uma nítida orientação para os mais pobres; melhorou o 
desempenho do SUS; influiu positivamente em outras políticas públicas como 
educação e trabalho; e contribuiu para incrementar o interesse internacional pela 
APS. 
Samir Salman – Dos desafios e tendências que se colocam nos caminhos 
futuros do SUS, quais seriam, na sua opinião, duas propostas de aperfeiçoamento 
que poderiam reescrever a trajetória do sistema de forma a cumprir a proteção social 
a que se destina? 
Eugênio Vilaça Mendes – Creio que se pode subscrever a afirmativa de que 
o SUS não é um problema sem solução, mas uma solução com problemas. Mas a 
superação de seus problemas não será fácil, nem rápida, nem barata. 
As mudanças na organização macroeconômica do sistema de saúde no Brasil 
são improváveis pelas razões mencionadas na primeira questão. Junte-se a elas a 
constatação empírica de que mudanças consequentes nesse âmbito, em geral, se 
dão em janelas históricas que se abrem em momentos de fortes transformações 
institucionais, o que não parece estar no horizonte brasileiro. 
Por consequência, as mudanças possíveis devem se limitar ao plano da 
organização microeconômica do SUS, especialmente por meio de sua organização 
em redes de atenção à saúde e do fortalecimento da APS por meio da ESF. 
Nesse âmbito, mesmo contando com menores recursos que o sistema 
privado de saúde suplementar, o SUS apresenta melhores condições de 
efetivamente estruturar redes de atenção à saúde, coordenadas pela APS. O 
sistema de saúde suplementar brasileiro sequer colocou, em sua agenda, os temas 
das redes de atenção à saúde e da APS. 
As redes de atenção à saúde são a resposta adequada à situação de saúde 
vigente em nosso país e implicam organizar, de forma integrada, sob coordenação 
da APS, os pontos de atenção ambulatoriais e hospitalares secundários e 
terciários, os sistemas de apoio (sistema de assistência farmacêutica, sistema de 
 
 
39 
 
apoio diagnóstico e terapêutico e sistema de informação), os sistemas logísticos 
(sistema de regulação da atenção, registro eletrônico em saúde e sistema de 
transporte em saúde) e o sistema de governança. 
A proposta de organização em redes de atenção à saúde já foi incorporada na 
legislação do SUS pelo Decreto 7.508/2011 que regulamentou a Lei Orgânica da 
Saúde e tem constituído uma prioridade de diversos governos nos âmbitos nacional, 
estadual e municipal. 
As redes de atenção à saúde, para cumprirem com seus objetivos, devem ser 
coordenadas por uma APS forte. Para isso, será necessário aprofundar o movimento 
de implantação da ESF, inaugurando um oitavo ciclo no SUS, o ciclo da atenção 
primária à saúde. Isso implicará uma agenda de radicalização da ESF com alguns 
pontos fundamentais: aumento da cobertura como um foco especial em grandes e 
médios municípios, até atingir uma cobertura de 75% da população brasileira; 
superação dos problemas críticos de sua gestão; expansão do trabalho 
interdisciplinar; implantação de modelos de atenção à saúde baseados em 
evidência; e incremento dos recursos financeiros. 
Esse novo ciclo significará o encontro da ESF brasileira com as novas 
diretrizes da APS, enunciadas pela Organização Mundial da Saúde no Relatório 
Mundial de Saúde de 2008. "Agora mais do que nunca" é preciso fortalecer a ESF 
no SUS. 
 
 
 
40 
 
10 REFERÊNCIAS 
BARROS, M. E. D.; PIOLA, S. F. & VIANNA, S. M. Política de Saúde no 
Brasil: diagnóstico e perspectivas. Brasília: Instituto de Pesquisa econômica 
Aplicada (Ipea), 1996. (Texto para Discussão nº 401.) 
 
BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação econômica/Escritório de 
Pesquisa econômica Aplicada (Epea). Plano Decenal de Desenvolvimento 
econômico e Social. Previdência Social Diagnóstico Preliminar, abr., 1966. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde. Plano de Coordenação das Atividades de 
Proteção e Recuperação da Saúde. Rio de Janeiro, 1968. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde. Brasília, 1973. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Saúde. Anais da V 
Conferência Nacional de Saúde. Brasília, 1975. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde/Programa de Interiorização de Ações de Saúde 
e Saneamento no Nordeste (Piass). Exposição de Motivos Interministerial nº 229, de 
18/08/1976. Brasília, 1976. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema de Informações sobre Orçamentos 
Públicos em Saúde (Siops). Brasília: Impresso Publicação da Diretoria de Projetos 
da Secretaria de Gestão de Investimentos em Saúde, jul., 2002. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde. Vamos Promover nossa Saúde? Brasília, 2002. 
 
BRASIL. Ministério da Saúde. Análise de Alguns Aspectos do Processo de 
Descentralização no Sistema Único de Saúde. Ministério da Saúde (Secretaria de 
Assistência à Saúde/Secretaria de Políticas de Saúde), s.d. 
 
CAMPOS, O. Planejamento Setorial de Saúde. Rio de Janeiro: Fundação de 
Recursos Humanos para a Saúde, s.d. (Departamento de Administração e 
Planejamento.) 
 
DONNANGELO, M. C. F. Medicina e Sociedade: o médico e seu mercado de 
trabalho. São Paulo: Pioneira, 1975. 
 
GENTILE DE MELLO, C. Saúde e Assistência Médica no Brasil. São Paulo: 
Cebes/Hucitec, 1977. 
 
LUZ, M. T. As Instituições Médicas no Brasil: instituição e estratégia de 
hegemonia. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. 
 
MACHADO, M. H. (Coord.) Os Médicos no Brasil: um retrato da realidade. Rio 
de Janeiro: Editora Fiocruz, 1997. 
 
 
 
41 
 
NUNES, A. et al. (Coords.) Medindo as Desigualdades em Saúde no Brasil. 
Brasília: Opas/ OMS/Ipea., 2001. 
 
PIOLA, S.; VIANNA, S. M. & OSÓRIO, R. G. Saúde no Brasil na Década de 
1990. Brasília: Instituto de Pesquisa econômica Aplicada (Ipea), jun., 2002. 
 
PORTO, S. M. et al. Metodologia de Alocação Equitativa de Recursos 
(Relatório Final) Rio de Janeiro: Fiocruz (Fundação Ensptec), jan., 2002. 
 
RODRIGUES, B. de A. Fundamentos de Administração Sanitária. Rio de 
Janeiro: Freitas Bastos, 1967.42 
 
11 LEITURA COMPLEMENTAR 
11.1 SAÚDE PÚBLICA, REDE BÁSICA E O SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO 
Emerson E. Merhy 
Marcos S. Queiroz 
Texto disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-
40142013000200003&script=sci_arttext. 
Acesso em: 02/02/2016. 
RESUMO 
Este artigo focaliza o desenvolvimento da saúde pública no Brasil com o intuito de analisar os 
problemas com os quais se depara o processo atual de municipalização dos serviços de saúde. 
Argumenta-se que a postura neoliberal ou conservadora tornou-se incapaz de articular uma proposta 
viável para o sistema de saúde. Por outro lado, a proposta reformista concentra sua atenção no 
sistema de saúde e sua administração, tendo como modelo a postura positivista das ciências naturais 
e administrativas. Argumenta-se que apenas uma mudança radical no paradigma da medicina, na 
qual a dimensão coletiva e social predomina sobre a dimensão biológica e individual, permitiria 
conciliá-la com as necessidades de saúde da população. 
Palavras-Chave: Saúde Pública; Sistemas de Saúde 
11.2 INTRODUÇÃO 
Este artigo tem como objetivo principal focalizar o desenvolvimento da saúde 
pública e do sistema de saúde no Brasil, buscando contribuir para a compreensão 
dos principais problemas que marcam o momento atual. Será argumentado que o 
processo de municipalização dos serviços de saúde, em grande medida estimulado 
por princípios contidos no paradigma (o termo “paradigma” é empregado de acordo 
com o conceito de Kuhn (1975), ou seja, como um mapa que governa a percepção 
do cientista no sentido de conformar a ele os fatos e as descobertas) social da 
medicina, encontra-se, presentemente, num estágio crucial do seu desenvolvimento. 
Observa-se, neste sentido, que, sob uma nova fachada de racionalidade 
administrativa, o paradigma mecanicista se impõe sobre o paradigma social da 
medicina. Este artigo defende o ponto de que é necessário ir além de uma mera 
reforma administrativa e, no interior de uma concepção social de medicina, encontrar 
tecnologias (o termo “tecnologia” é empregado no sentido usado por Gonçalves 
(1986), ou seja, como um instrumental contido principalmente na formação do 
 
 
43 
 
especialista, e não somente como um aparelho externo a ele) que, ao organizar o 
sistema de saúde, a tornem prática. Embora os fatos históricos apresentados na 
primeira parte deste artigo sejam de conhecimento comum e já tenham sido 
divulgados (Merhy, 1991), sua apresentação justifica-se por fornecer uma visão 
resumida do processo e permitir focalizar o momento atual a partir de uma dimensão 
histórica. 
11.3 O DESENVOLVIMENTO DA SAÚDE PÚBLICA 
A história da Saúde Pública brasileira inicia-se no começo do século com 
Emílio Ribas, em São Paulo, e Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. No interior da 
escola pasteuriana, estes cientistas tinham como meta superar a teoria miasmática a 
partir da introdução da teoria bacteriológica, considerada mais adequada para 
organizar a intervenção no campo da saúde. Nesta perspectiva, tanto a saúde como 
a doença passaram a ser vistas como um processo coletivo, resultado da agressão 
externa que o corpo biológico (fisiologicamente harmônico) sofria de um meio 
social/natural insalubre. A descoberta e o isolamento dos indivíduos doentes 
contagiantes, o saneamento do meio, a destruição dos vetores biológicos e a 
proteção dos sadios consistiam nos principais objetivos desta perspectiva. Para 
instrumentalizar as ações de saúde, adotava-se a bacteriologia e a engenharia 
sanitária. Secundariamente, utilizava-se a medicina, entendida como muito limitada 
e pouco eficaz. 
O modelo assistencial público tinha na campanha e na polícia sanitária seus 
meios principais de efetivação. Para pôr em prática esta política, foram organizadas 
leis, códigos e decretos. Além disso, foram também organizados institutos de 
pesquisa, laboratórios e serviços sanitários como braços auxiliares. Os principais 
aspectos administrativos e programáticos situavam-se no âmbito estadual, com 
alguns resíduos no nível municipal. Via de regra, os pensadores da política de saúde 
eram funcionários públicos e, como tal, compartilhavam das perspectivas que os 
grupos oligárquicos adotavam para as questões sociais, tendo em vista servir ao 
processo agroexportador e legitimar o Estado. 
A partir da teoria bacteriológica, novas ideias foram se organizando e 
desembocaram, na década de 10, na formação de um movimento em saúde pública 
 
 
44 
 
que ficou conhecido como “médico-sanitário”. Esta perspectiva foi influenciada pela 
escola norte-americana de saúde pública, que tinha em Baltimore seu núcleo mais 
ativo, através da associação entre a Fundação Rockefeller e a John Hopkins 
University. 
Nesta época, já se buscava no Brasil uma ação social que saneasse a zona 
rural, a fim de constituir um povo saudável, racialmente forte, permitindo, ao mesmo 
tempo, a ocupação do interior do país, considerada vital para a integração nacional. 
A chamada Liga do Saneamento caracterizou-se, neste sentido, por criticar os 
excessivos urbanismo e regionalismo da política de saúde então vigente. Este 
movimento tinha em Belisário Pena e Artur Neiva os seus mais significativos 
representantes. 
No decorrer da década de 20, a corrente médico-sanitária tornou-se 
hegemônica, organizando-se principalmente nos grandes centros urbanos, como Rio 
de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, entre outros. Dois núcleos foram 
especialmente ativos: o paulista, influenciado por Paula Souza e Borges Vieira 
(médicos sanitaristas formados pela John Hopkins University, com bolsas da 
Fundação Rockfeller), e o dos “jovens turcos”, sanitaristas vinculados ao 
Departamento Nacional de Saúde Pública, no Rio de Janeiro, que defendiam a 
especialidade na carreira médica na área de saúde pública e o trabalho integral nas 
instituições estatais. Estes núcleos chegaram a organizar cinco congressos durante 
a década de 20 (os Congressos Brasileiros de Higiene) e tiveram tal influência no 
desenvolvimento da política de saúde no Brasil que sua presença se fez marcante 
até a reforma administrativa da década de 60/70, no interior da Secretaria de Saúde 
do Estado de São Paulo. 
A base deste modelo pressupunha o processo saúde-doença como um 
fenômeno coletivo, porém determinado, em última instância, pelo nível individual. O 
conceito de “consciência sanitária” permitia compreender como o meio insalubre 
atingia os indivíduos. Medicina e saúde pública eram entendidas como campos 
distintos; a primeira para curar através da clínica, patologia e terapêutica, e a 
segunda para prevenir doenças, prolongar e promover a saúde através da higiene e 
da educação sanitária. O setor privado, entendido sob o ângulo “caritativo”, deveria 
ser controlado pelo serviço público. Não havia qualquer conflito com a organização 
liberal, predominante no período. O modelo tecnoassistencial desta proposta 
 
 
45 
 
centrou-se na construção de serviços regionais permanentes de saúde pública (os 
centros e postos de saúde) comandados por especialistas — os sanitaristas — em 
tempo integral. 
Durante a fase de transição 30/37, a saúde pública praticamente reduziu-se à 
atuação campanhista pelo conjunto do país. Sob a influência da Liga de 
Saneamento, foram favorecidas as ações verticais permanentes. Este foi um período 
que viabilizou a construção dos serviços médicos previdenciários, abrindo um outro 
setor socialmente significativo no conjunto das ações de saúde. 
Os “jovens turcos” foram marcando passagem pelas instituições na luta por 
uma reforma que levasse à criação de um ministério da saúde e de secretarias 
estaduais de saúde, experiência, aliás, já vivida pelo estado da Bahia em 1925. 
Assim ocorreu com a Reforma Federal de 1937, que permitiu a criação dos 
departamentos nacionais de combate a problemas específicos, como a malária, a 
febre amarela e a saúde das crianças. Quando, na década

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