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2019 1a Edição Teoria Sociológica i Prof.ª Franciele Otto Duque Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof.ª Franciele Otto Duque Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: D946t Duque, Franciele Otto Teoria sociológica I. / Franciele Otto Duque. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 206 p.; il. ISBN 978-85-515-0285-3 1. Sociologia - Teorias. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 301.01 III apreSenTação Caro acadêmico! Este é seu Livro de Estudos de Teoria Sociológica I. Com ele você iniciará seus estudos de teoria sociológica, já que esta primeira parte trata da chamada Sociologia Clássica. Diferentes autores contribuíram para a consolidação da Sociologia, inclusive os autores clássicos que aqui você estudará: Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber. Os três legaram grandes contribuições teóricas e metodológicas para as ciências sociais, e certamente você já ouviu estes nomes — pois podemos dizer que são famosos em se tratando da área de sociologia. Sendo o primeiro passo de seus estudos em Teoria Sociológica (que prosseguirão com os componentes curriculares: Teoria Sociológica II e Teoria Sociológica III), cabe reforçar a importância dos clássicos. Autores clássicos são sempre atuais, ou seja, eles adquirem o estatuto de clássicos justamente porque são revisitados com frequência, e seu arcabouço intelectual reinterpretado em diversos momentos. Em se tratando de Durkheim, Marx e Weber, muitas produções contemporâneas ainda são embasadas nas obras destes autores. A divisão deste livro está baseada em três unidades, uma sobre cada autor. As unidades dividem-se em tópicos que seguem uma lógica similar: o primeiro apresenta as bases teórico- metodológicas da teoria sociológica de cada autor; o segundo apresenta os principais conceitos desenvolvidos por cada um; e o terceiro traz os desdobramentos de sua teoria sociológica — com os principais temas de estudo e como foram abordados pelo autor. A primeira unidade trata da obra de Émile Durkheim e de sua teoria da integração. Inicialmente você conhecerá as influências do positivismo em seu pensamento, o uso da noção de fato social, e o método funcionalista em ação a partir deste conceito. Ou seja, são as bases do pensamento teórico e das aplicações metodológicas que o autor produziu ao longo de sua carreira. Em seguida, terá acesso ao estudo aprofundado dos conceitos relativos à teoria da integração, baseada na divisão do trabalho social: solidariedade mecânica, consciência coletiva, solidariedade orgânica e anomia. Para fechar, alguns desdobramentos da aplicação de sua teoria sociológica: o estudo sobre o suicídio, a moral, a religião e a educação. IV A segunda unidade está direcionada para a obra de Karl Marx e a teoria do materialismo histórico-dialético. Partindo das influências recebidas dos autores Hegel e Feuerbach para o desenvolvimento do materialismo dialético, segue-se pelo materialismo histórico e pela importância da análise do modo de produção indicada pelo autor. Após, o aprofundamento será nos conceitos de: infraestrutura e superestrutura, mercadoria e dinheiro, exploração e mais-valia, alienação. Os temas de seus estudos principais, que a parte final apresenta, são: classes sociais, a ideia de luta de classes, o papel das revoluções na história, e o projeto político de Marx — que perpassa o socialismo e o comunismo. A terceira e última unidade é dedicada à obra de Max Weber e sua teoria sociológica compreensiva. Iniciaremos identificando as influências que o autor sofreu para desenvolver a proposta de individualismo metodológico, e para analisar a relação entre objetividade e conhecimento. Segue-se o estudo da noção de ação social, central na obra do autor. Após, seu estudo será sobre os conceitos de tipo ideal, relação social, poder, dominação e estratificação social (classes, estamentos e partidos). Para fechar o tópico sobre Weber, você conhecerá aspectos principais de sua sociologia da religião, o processo de racionalização social e seu favorecimento do capitalismo, a dominação carismática e o chamado desencantamento do mundo. Por meio desta trajetória, objetiva-se que você finalize a disciplina identificando as características principais da teoria sociológica de cada autor, bem como seus conceitos e principais estudos. Ressalto a importância de seus estudos irem além deste livro, já que cada autor possui uma vasta obra e temas diversos de estudo, impossíveis de sistematização total. Veja o estudo desta disciplina como uma oportunidade de conhecer o básico sobre cada autor, e de selecionar materiais complementares para conhecê-los com mais afinco ao longo de toda a sua formação. Desejo um ótimo processo formativo na teoria sociológica clássica! Franciele Otto Duque V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VI VII UNIDADE 1 – O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM .................................................... 1 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO ........................ 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 VIDA E OBRA ....................................................................................................................................... 4 3 POSITIVISMO ...................................................................................................................................... 6 4 FATO SOCIAL ....................................................................................................................................... 12 5 FUNCIONALISMO .............................................................................................................................. 17 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 22 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 23 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO PARA ACOMPREENSÃO DA SOCIEDADE ............................................................................. 25 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 25 2 DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL ............................................................................................... 25 2.1 SOLIDARIEDADE MECÂNICA ................................................................................................... 27 2.1.1 Consciência Coletiva .............................................................................................................. 28 2.2 SOLIDARIEDADE ORGÂNICA ................................................................................................... 34 3 ANOMIA ................................................................................................................................................ 42 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 48 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 49 TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DA SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM ............. 51 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 51 2 O SUICÍDIO .......................................................................................................................................... 51 3 VIDA SOCIAL E MORALIDADE ..................................................................................................... 55 4 A RELIGIÃO .......................................................................................................................................... 59 5 A EDUCAÇÃO ...................................................................................................................................... 63 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 66 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 71 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 72 UNIDADE 2 – O MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO DE KARL MARX .................. 73 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DE KARL MARX: TEORIA E MÉTODO ..................................... 75 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 75 2 VIDA E OBRA ....................................................................................................................................... 75 3 MATERIALISMO DIALÉTICO ......................................................................................................... 78 4 MATERIALISMO HISTÓRICO ........................................................................................................ 86 5 ANÁLISE DO MODO DE PRODUÇÃO ......................................................................................... 90 5.1 MODO DE PRODUÇÃO PRIMITIVO .......................................................................................... 91 5.2 MODO DE PRODUÇÃO ESCRAVISTA ....................................................................................... 91 5.3 MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO ............................................................................................ 92 Sumário VIII 5.4 MODO DE PRODUÇÃO FEUDAL ............................................................................................... 92 5.5 MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ..................................................................................... 93 5.6 MODO DE PRODUÇÃO COMUNISTA ...................................................................................... 93 5.7 MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA ..................................................................................... 94 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 98 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 99 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................101 2 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA ...............................................................................101 3 MERCADORIA, VALOR E DINHEIRO .......................................................................................105 4 EXPLORAÇÃO, MAIS-VALIA E LUCRO ....................................................................................109 5 ALIENAÇÃO .......................................................................................................................................114 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................119 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................120 TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DA SOCIOLOGIA DE KARL MARX .......................121 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................121 2 CLASSES SOCIAIS ............................................................................................................................121 3 PROJETO POLÍTICO: LUTA DE CLASSES ..................................................................................125 4 PAPEL REVOLUCIONÁRIO DA BURGUESIA ...........................................................................127 5 SOCIEDADE CAPITALISTA E COMUNISMO ...........................................................................130 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................133 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139 UNIDADE 3 – A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA DE MAX WEBER ......................................141 TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER: TEORIA E MÉTODO ...................................143 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................143 2 VIDA E OBRA .....................................................................................................................................144 3 BASES DA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA .............................................................................145 4 INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO ......................................................................................150 5 OBJETIVIDADE E CONHECIMENTO ..........................................................................................152 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................159 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................160 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA AÇÃO SOCIAL PARA A COMPREENSÃODA SOCIEDADE ...........................................................................161 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................161 2 AÇÃO SOCIAL ...................................................................................................................................161 3 TIPO IDEAL .........................................................................................................................................166 4 RELAÇÃO SOCIAL ............................................................................................................................170 5 PODER E DOMINAÇÃO ..................................................................................................................174 6 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL: CLASSES, ESTAMENTOS E PARTIDOS ...............................178 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................182 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................183 IX TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DA SOCIOLOGIA DE MAX WEBER .......................185 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................185 2 SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ........................................................................................................186 3 CAPITALISMO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL .......................................................................189 4 CARISMA E DESENCANTAMENTO DO MUNDO ..................................................................194 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................198 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................203 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................204 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................205 X 1 UNIDADE 1 O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • situar as características e os principais aspectos das bases teóricas e metodológicas do pensamento sociológico de Émile Durkheim; • examinar as principais contribuições da teoria da integração de Durkheim para a teoria sociológica clássica, a partir da sistematização de seus conceitos principais; • analisar os desdobramentos da teoria sociológica de Durkheim para a sociologia, com base em temas cuja sua influência, nas formas de análise, persiste nas interpretações contemporâneas. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE TÓPICO 3 – OS DESDOBRAMENTOS DA SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 1 INTRODUÇÃO Neste primeiro tópico você irá estudar alguns elementos sobre as principais teorias e aplicação do método sociológico de acordo com o autor clássico Émile Durkheim. Digo alguns elementos porque sua obra é bastante extensa e, mesmo sintetizada, nos ocuparia muito tempo de estudo. Conforme for se interessando pelas temáticas, procure encontrar as obras sugeridas para que possa prosseguir com os estudos sobre o autor. Iniciaremos pela retomada de sua vida e obra, que você já estudou em História da Sociologia, seguindo pela explicação acerca das influências positivistas em seu pensamento (e suas teorias). Se você ainda não cursou esta disciplina, é essencial saber que a Sociologia surge baseada essencialmente em três movimentos: o Renascimento – como marco cultural baseado nos ideais iluministas que defendiam a racionalidade humana; a Revolução Francesa – enquanto marco político de tomada de poder por parte do povo, ou seja, mudança na ordem social; e a Revolução Industrial – que modifica a sociedade feudal para uma sociedade industrial. Todas estas mudanças provocaram inúmeros problemas sociais com os quais as pessoas não sabiam lidar, e por isso surge a necessidade de uma ciência para tentar explicá-los, a ciência sociológica. A partir disso surgem autores buscando explicações para a ordem social, e Durkheim é um deles. Após iremos nos aprofundar no conceito de fato social, base para o desenvolvimento de seu pensamento sociológico. É a partir deste conceito que Durkheim se define com relação a um pensamento que posiciona a sociedade como prevalente em referência ao indivíduo. Para finalizar o tópico, veremos o método funcionalista em ação em seu pensamento teórico e na busca por uma metodologia para a ciência sociológica. Novamente reforçamos: estude este tópico pensando que ele é uma síntese dos principais pontos a serem estudados quando se fala em Émile Durkheim. Não pare por aqui, caminhe pelas obras e teorias deste autor consagrado na Sociologia. Para começar, vamos situá-lo no contexto de sua vida, para entender o local de onde ele fala. Boa leitura! UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 4 2 VIDA E OBRA Para começar, vamos entender um pouco sobre a biografia de Émile Durkheim: Filho, neto e bisneto de rabinos, Émile Durkheim nasceu em 15 de abril de 1858. Com 21 anos, ingressou na Escola Normal Superior, principal centro de formação da elite intelectual francesa. Entre seus colegas mais próximos, destacaram-se Jean Jaurès e Henri Bergson. Durkheim atingiu a maturidade logo após a derrota da França para a Alemanha, na guerra de 1870, e a sangrenta repressão aos trabalhadores rebelados na Comuna de Paris. Sob o impacto desses acontecimentos, grande parte de sua geração aderiu aos ideais republicanos, laicos e universalistas da III República, fornecendo-lhe alguns de seus principais quadros intelectuais e políticos. Ao escolher como objeto de estudo as relações entre a personalidade individual e a solidariedade social, Durkheim afasta-se de sua área de formação, a filosofia, encaminhando-se para a sociologia. Esta, no entanto, ainda não era reconhecida como ciência ou mesmo como disciplina acadêmica. Ele se impõe a tarefa de dar forma científica (método e corpo) a esse saber, dissociando-o tanto da pregação doutrinária dos seguidores de Comte como do ensaísmo eclético de Renan e Taine. Em 1885, como bolsista do governo francês, passa um semestre na Alemanha. Assiste aos cursos de Wundt e toma contato com as obras de Dilthey, Tönnies e Simmel. Os dois artigos que escreve sobre o estado das ciências sociais na Alemanha abrem caminho para que seja nomeado, em 1887, professor de pedagogia e ciência social na Universidade de Bordéus. Durkheim permaneceu em Bordéus por 15 anos. Nesse período, escreveu e publicou seus principais livros e firmou sua reputação como sociólogo. Nas disciplinas de pedagogia, tratou dos temas clássicos da área, introduzindo paulatinamente o viés da sociologia da educação. Nos cursos de sociologia (os primeiros na universidade francesa e um sucesso de público), abordou temas que antecipam os principais tópicos de sua obra: a solidariedade social, a família e o parentesco, o suicídio, a religião, o socialismo, o direito e a política. Publica seu primeiro livro, a tese doutoral Da divisão do trabalho social, em 1893. Apenas dois anos depois, surgem as regras do métodosociológico, e, em 1897, O suicídio. Em 1896, funda e dirige uma revista que se tornou rapidamente modelo de pesquisa sociológica. Mais que um periódico, L’Année Sociologique estabelece um programa sistemático, por meio de uma divisão intelectual do trabalho que agrupa talentosos e destacados cientistas. Seu esforço para transformar a sociologia em disciplina acadêmica é reconhecido em 1902, com sua nomeação para a Universidade de Sorbonne, em Paris: a primeira cátedra de sociologia na França. O interesse cada vez maior de Émile Durkheim pela sociologia do conhecimento e da religião consolida uma inflexão em vida intelectual. Em 1912, publica As formas elementares da vida religiosa. Após sua morte, em 1917, foram editados novos livros, reunião de artigos, como Sociologia e filosofia, ou de suas anotações de cursos: Educação e sociologia, O socialismo, Pragmatismo e sociologia, Lições de sociologia (DURKHEIM; MUSSE, 2007, p. 76–77). TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 5 FIGURA 1 – ÉMILE DURKHEIM FONTE: <https://www.comunidadeculturaearte.com/wp-content/uploads/2017/08/emile- durkheim-589909c93df78caebcf505a41.jpg>. Acesso em: 10 set. 2018. DICAS Uma excelente síntese sobre a vida de Durkheim e o contexto histórico no qual este autor esteve inserido é a introdução da obra Émile Durkheim: Sociologia. É uma coletânea de textos do autor organizada por José Albertino Rodrigues, publicada em várias edições pela Editora Ática. Além disso, este texto também apresenta diretrizes gerais da concepção sociológica e da posição metodológica do autor. Leitura altamente recomendada! FONTE:<https://www.estantevirtual.com.br/livros/jose- albertino-rodrigues/durkheim/683457527>. Acesso em: 16 jan. 2019. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 6 Para sua localização na obra do autor, segue adiante um mapa conceitual trazido nesta obra mencionada anteriormente, muito esclarecedor e que irá auxiliá-lo na organização de seus estudos ao longo de toda esta unidade. FIGURA 2 – MAPA CONCEITUAL DO PENSAMENTO DE ÉMILE DURKHEIM FONTE: Durkheim e Rodrigues (2006, p. 31) De posse das informações sobre a vida e obra deste autor, bem como o mapa conceitual de suas principais análises, vamos iniciar nossa leitura, na seção seguinte, pelo Positivismo, corrente filosófica que influenciou toda a obra deste autor. Prossiga! 3 POSITIVISMO Vamos iniciar nossos estudos aprofundados no autor Durkheim, conhecendo as formas de pensar as análises sociais, os métodos propostos para a Sociologia, e inevitavelmente para isso passaremos pelas suas obras com base positivista. Durkheim pode ser classificado, especialmente em seus primeiros escritos, como um autor do Positivismo — já que pensa as análises sociais como ciência que necessitava, à sua época, delimitar seu objeto específico de análise e seu método. DIVISÃO DO TRABALHO SUICÍDIO INDIVÍDUO ORGÂNICA GRUPOS E INSTITUIÇÕES MECÂNICA REPRESENTAÇÕES COLETIVAS CONSCIÊNCIA COLETIVA FISIOLOGIA SOCIAL MORAL RELIGIÃO tipo tipo Direito Repressivo Direito Restitutivo A N O M IA coerção coerçãofunções egoísta altruísta an ôm ic o co er çã o SOCIEDADE (complexo integrado de fatos sociais) SO L ID A R IE D A D E S O C IA L Sagrado Profano MORFOLOGIA SOCIAL TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 7 DICAS Você já estudou o Positivismo? Caso já tenha cursado a unidade curricular História da Sociologia, retome os textos desta unidade, pois lá essa temática está presente. Se ainda não cursou ou quer aprimorar seus conhecimentos sobre o tema, busque a obra O que é Positivismo?, de João Ribeiro Junior, publicada na coleção Primeiros Passos. Há várias edições e a editora é a Brasiliense. FONTE:<https://www.skoob.com.br/o-que-e- positivismo-8961ed10233.html>. Acesso em: 16 jan. 2019. Para definir de maneira bem simples, Durkheim entendia que a tarefa da Sociologia era estudar as instituições sociais, desde seu surgimento às suas leis de funcionamento. Ele entendia que eram as instituições que levavam ao compartilhamento de comportamentos por parte dos grupos. Todo comportamento coletivo, portanto, tinha origem em um sistema de crenças, de representações, de formas de pensar a ordem social e interpretar o mundo que tinham base nas instituições sociais. Tente pensar em exemplos... Nos dias atuais, onde você consegue visualizar comportamentos coletivos que têm origem nas instituições sociais? Muitos rituais das igrejas que são coletivos possuem origem na instituição religião: casamentos, batismos, funerais, entre outros. Também conseguimos visualizar comportamentos baseados em outras instituições: educação, política, família... Pense um pouco sobre estes exemplos. Você deve ter percebido que estes comportamentos compartilhados sempre são baseados em regras externas ao indivíduo, que são assimiladas por ele conforme avança sua vida social e sua socialização nos grupos. É isto que Durkheim entendia que deveria ser estudado: como esta externalidade das regras impacta a vida individual, buscando assim respostas para esta troca indivíduo X sociedade. Para pensar nestas questões ele baseia-se na ideia de fundar uma ciência que estude esta externalidade, encontre as leis de funcionamento da sociedade e as descreva. Parte, portanto, da superioridade da ciência como forma de conhecimento de mundo, defendida por Comte e pelo Positivismo, e do poder da razão humana presente nas análises iluministas. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 8 O Positivismo aparece nas teorias de Durkheim especialmente quando ele se defronta com as questões sobre o conhecimento, ou seja, quando ele busca entender o que é o objeto da Sociologia e seu método científico. IMPORTANT E Nas reflexões sobre epistemologia (estudos sobre a teoria do conhecimento), portanto, é que você conseguirá buscar elementos para conhecer melhor as influências positivistas quando Durkheim lança luz às características científicas da ciência sociológica. Sell (2002) destaca duas questões que o autor analisa em que se percebe a veia positivista atuando. Um primeiro item com qual Durkheim se preocupa é a superioridade da sociedade com relação ao indivíduo. Para o Positivismo, o objeto condiciona a explicação da realidade, portanto, a conclusão do autor é a mesma sobre este tema: a determinação da sociedade em relação ao indivíduo, ou, a objetividade predominando com relação à subjetividade. É por isso que ao estudar Durkheim você irá ouvir muito que as explicações sociais, para ele, têm fundamento na vida social, ou seja, na sociedade, e não no indivíduo. Em termos de representação imagética, temos: FIGURA 3 – REPRESENTAÇÃO DA RELAÇÃO INDIVÍDUO X SOCIEDADE PARA DURKHEIM SOCIEDADE INDIVÍDUO FONTE: A autora (2018) TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 9 Durkheim reconhecia que a sociedade não existia sem os indivíduos, mas “o que ele desejava ressaltar é que uma vez criadas pelo homem, as estruturas sociais passam a funcionar de modo independente dos indivíduos, condicionando suas ações” (SELL, 2002, p. 64). Este funcionamento independente é o que ele visualiza como sendo as instituições sociais, como estrutura externa de condicionamento dos indivíduos, que possuem regras próprias, dinâmicas próprias, existindo independentes daqueles que fazem parte delas. As instituições permanecem mesmo com a passagem dos indivíduos por elas. Novamente vamos parar para refletir: existem regras e funcionamentos próprios da educação que estão aí, desde antes de nascermos, e seguem depois de falecermos. Na religião funciona da mesma forma, há regras que sequer conseguimos estabelecerquando surgiram na história, de tão antigas que são. É esta independência do indivíduo que Durkheim busca destacar, combinados regras, diretrizes, funcionamentos que existem antes do indivíduo, durante sua vida e sua participação nas instituições, e seguirão depois dele. Diante da identificação das instituições sociais (atualmente na Sociologia se reconhece principalmente os exemplos: Religião, Família e Educação), o autor persegue a ideia de que a tarefa da Sociologia é descrever como o todo condiciona as partes, ou como a sociedade condiciona os indivíduos. Parte-se, portanto, do estudo do objeto, e não do sujeito. Em todas as obras de Durkheim vamos perceber que este pressuposto está presente. Tanto em suas explicações sobre a origem da religião, sobre o conhecimento, sobre o comportamento suicida e mesmo sobre a divisão social do trabalho; é a sociedade que age sobre o indivíduo, modelando suas formas de agir, influenciando suas concepções e modos de ver, condicionando e padronizando o seu comportamento. Ninguém mais do que Durkheim vai colocar tanta ênfase na força do social sobre nossas vidas, procurando sempre ressaltar que, em última instância, até mesmo a noção de que nós somos pessoas ou sujeitos individuais não passa de uma construção social (SELL, 2002, p. 64). ESTUDOS FU TUROS Para estudar o condicionamento do objeto diante do indivíduo, Durkheim apresentou o conceito de Fato Social, central para o entendimento de sua teoria sociológica. Teremos uma seção específica para tratar deste conceito, dada sua importância. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 10 Seguimos agora com o segundo item onde a influência positivista se manifesta nas obras durkheimianas, trata-se de um método científico desenvolvido para as ciências sociais ou, mais especialmente, para a Sociologia. Se o objeto de estudos é a sociedade, a partir da objetividade, então era preciso também definir um método para esta ciência. Para tal, seguiremos com a interpretação do autor Sell (2002). Uma das principais intenções de Durkheim, elencada, inclusive, como uma das principais contribuições deste teórico para a Sociologia — e que contribuiu para que este fosse considerado um autor clássico —, foi o seu esforço em consolidar o espaço científico da ciência sociológica. E foi para fixar esta ciência que ele se concentrou tanto no método. Resgate em sua mente, qual o modelo ideal de método científico para o Positivismo? Lembrou? O método das ciências naturais. Em função disso, Durkheim se concentrou em verificar como o método das ciências naturais poderia ser uma referência para as ciências sociais. Para isso, o primeiro item que ele identifica ser fundamental é o distanciamento do pesquisador com relação ao seu objeto de análise, ou seja, os fenômenos sociais deveriam ser considerados como coisas. “Ao equiparar os fenômenos sociais a ‘coisas’, Durkheim partia do princípio de que a realidade social é idêntica à realidade da natureza e que, portanto, equipara-se também aos fenômenos por ela estudados” (SELL, 2002, p. 65). Segundo seu raciocínio, se as coisas naturais podem ser estudadas independentes da ação humana, as coisas sociais também poderiam ser. O cientista teria a tarefa de buscar regularidades, distinções, semelhanças, princípios. Para isso, o primeiro passo seria que o cientista libertasse suas pré-noções, ou melhor, aquilo que já conhecia ou interpretava sobre o fenômeno, analisando-o de forma objetiva e baseado em suas características exteriores (objetivando o fenômeno). Esta aproximação do objeto social com o objeto natural, entendendo ambos como coisas, permitiu que Durkheim defendesse que o método de estudo poderia ser o mesmo para ambas as tipologias científicas. Ou seja, o papel da sociologia consiste em “registrar” da forma mais imparcial possível a realidade pesquisada (o objeto), tal como naquelas ciências. Cabe ao pesquisador apenas fazer um retrato da realidade pesquisada, pois ela é uma realidade objetiva, tão objetiva como qualquer “coisa” da natureza. Na percepção sociológica de Durkheim, portanto, a realidade (objeto) é que se impõe ao sujeito (observador), por isso, as ciências sociais deveriam adotar o mesmo método que as ciências da natureza (SELL, 2002, p. 65). Toda esta dinâmica de análise foi sintetizada por Tura (2006), conforme segue: TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 11 Enfim, na visão durkheimiana só se poderia pensar no estudo dos fenômenos sociais no campo da ciência se fosse possível concebê-los como algo de real e existente fora das consciências particulares, ou seja, como realidade coletiva, externa ao indivíduo, que o ultrapassa e se impõe sobre ele. Para Durkheim, as sociedades, assim como os fenômenos naturais, são ordenadas e reguladas por certas leis ou tendências gerais e necessárias e que, por isso, se deve proceder à análise das relações de causa e efeito entre os fenômenos sociais. É assim que se pode antever algumas tendências futuras. Em seus diversos textos, Durkheim se mostrou preocupado em dar indicações minuciosas de seus procedimentos de análise e em apresentar os limites de seu trabalho, posto que, segundo ele, estava lidando com uma ciência jovem que tinha que se ater a um conjunto ainda precário de dados acumulados e a um desenvolvimento teórico ainda iniciante. Por isso, acreditava que seria mais viável naquele momento a investigação de normas cristalizadas, instituições consolidadas e sistemas de regras morais estabelecidas. Os métodos de investigação das ciências naturais, já bastante desenvolvidos no século XIX, foram a base de onde partiu. Essa gênese marcou muito a linguagem de sua sociologia e do que se produziu posteriormente. Pode-se notá-la em termos recorrentes com: espécies de sociedade, sistemas, organismo social, funções e formas de regulação. Os métodos experimentais da psicologia, a que Durkheim teve bastante acesso participando de atividades de laboratório, também tiveram influência em seu pensamento. Contudo, este interessado em distinguir os métodos e as leis próprias da sociologia, sempre se referindo à natureza sui generis da sociedade e, portanto, a impossibilidade de redução dos fatos sociais aos fatos psicológicos e afirmando que os fatos sociais só podem ser explicados por outros fatos sociais. A sociologia é para Durkheim a ciência das instituições sociais, de sua gênese e seu funcionamento. Instituições, no caso, entendidas em seu sentido largo que abrange também as crenças, valores e comportamentos instituídos. Por isso, ele pensou que a sociologia podia e devia auxiliar na compreensão das instituições pedagógicas e a “conjeturar o que devem ser elas, para o melhor resultado do próprio trabalho”. Esta compreensão deve conduzir o pesquisador à análise de práticas sociais. Pode-se verificar isto quando afirma que “os estudos devem recair sobre fatos que conheçamos, que se realizem e sejam passíveis de observação” (TURA, 2006, p. 33–35). O método que estava no auge da discussão científica na época de Durkheim era o chamado método funcionalista, e foi nele que o autor encontrou material para solucionar seus anseios com relação aos objetos sociológicos, e com relação especialmente ao método de análise. NOTA Iremos estudar o Funcionalismo em uma seção específica mais adiante, por hora é importante que você saiba que é uma forma de explicação da ordem social que entendia o funcionamento e a dinâmica sociais análogas ao funcionamento do corpo humano. Cada grupo social, portanto, possuía uma função no organismo – que deveria ser cumprida para que o todo funcionasse harmonicamente. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 12 Por isso, é possível classificar parte da obra de Durkheim como sendo fruto de um pensamento funcionalista, e é o que iremosestudar mais adiante. Enquanto prossegue com a leitura, tenha em mente sempre essa tentativa de aproximação do método com as ciências naturais e a importância da objetividade do pesquisador em suas análises sociais. Assim irá compreender o quanto este pensamento interfere na Sociologia até os dias contemporâneos. Antes de conhecer o detalhamento de seu pensamento funcionalista, vamos destrinchar o conceito de Fato Social, base para o entendimento deste método e da objetividade prevista por Durkheim para o analista social. Mas antes, uma indicação de leitura! DICAS Para conhecer o pensamento durkheimiano sobre o método científico da Sociologia, nada melhor do que as palavras do próprio autor. Veja, portanto, a obra “As regras do método sociológico”, do próprio Émile Durkheim, traduzida e publicada por diferentes editoras no Brasil. Uma edição compacta e barata pode ser a da Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, Editora Martin Claret, cuja imagem de capa está ao lado. FONTE:<https://www.livrariacultura.com.br/p/livros/ ciencias-sociais/sociologia/as-regras-do-metodo- sociologico-3055247>. Acesso em: 16 jan. 2019. 4 FATO SOCIAL Em seus estudos básicos de Sociologia no Ensino Médio você já deve ter se aproximado do conceito de Fato Social. É uma das noções mais presentes na sociologia durkheimiana, e como explica boa parte de seu pensamento social, é utilizada com bastante frequência. Nesta seção iremos nos aprofundar no entendimento deste conceito, amparados pelas obras do autor e por sistematização de outros autores. Lembre-se, é essencial que você busque conhecer as próprias obras do autor, pois são clássicos, ou seja, um autor de base para quem estuda Sociologia. Nada melhor do que ter acesso às obras originais e interpretá-las a partir de sua vivência e seus estudos. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 13 Diante disso, nosso primeiro pressuposto é de que os fatos sociais são o objeto de estudo dos sociólogos. São eles que o pesquisador deve buscar descrever e interpretar, pois a partir deles é possível entender a sociedade como coisa, como ente externo ao cientista, garantindo a tão importante neutralidade — conforme vimos na seção anterior. IMPORTANT E O objeto formal da Sociologia, portanto, para Durkheim, são os fatos sociais! Ele define fato social no livro que indicamos anteriormente, logo em seu início: É um fato social toda a maneira de agir, fixa ou não, capaz de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda, que é geral no conjunto de uma dada sociedade, tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais (DURKHEIM, s.d. apud MUSSE, 2006, p. 93). É no fato social que Durkheim materializa, portanto, a exterioridade da vida social no indivíduo, o condicionamento que este sofre em seus comportamentos, reconhecendo a coerção da sociedade para com as ações individuais. A tirinha a seguir (Figura 4) explica uma situação como esta, veja: FIGURA 4 – TIRINHA: EXTERIORIDADE DA VIDA SOCIAL Mãe, quero fazer uma mecha verde no cabelo. Pra quê?! É para expressar a minha individualidade! E tá todo mundo fazendo! FONTE: <https://blogdoenem.com.br/pensadores-sociologia-emile-durkheim/>. Acesso em: 20 set. 2018. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 14 Reconhecendo estas características próprias nos fatos sociais, sua influência nas ações, pensamentos e sentimentos das pessoas, Durkheim defende a necessidade de uma ciência que compreenda a ordem social a partir de um método científico, que consiga chegar em suas leis específicas de funcionamento. Não poderia ser o mesmo método da Psicologia, por exemplo, já que o entendimento psicológico pode ser feito por meio da introspecção. Da perspectiva do autor, a sociedade não é o resultado de um somatório dos indivíduos vivos que a compõem ou de uma mera justaposição de suas consciências. Ações e sentimentos particulares, ao serem associados, combinados e fundidos, fazem nascer algo novo e exterior àquelas consciências e às suas manifestações. E ainda que o todo só se forme pelo agrupamento das partes, a associação “dá origem ao nascimento de fenômenos que não provêm diretamente da natureza dos elementos associados” (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 62). É em função desta definição que Durkheim distingue as consciências individuais da consciência coletiva. A sociedade não é apenas a soma dos indivíduos, mas sim uma síntese, um todo com forças que as particularidades não apresentam. As formas de agir coletivas são diferentes das quais os indivíduos utilizariam como referência se estivessem sozinhos. Ainda para explicar com mais detalhes os fatos sociais: Os fatos sociais podem ser menos consolidados, mais fluidos, são as maneiras de agir. É o caso das correntes sociais, dos movimentos coletivos, das correntes de opinião “que nos impelem com intensidade desigual, segundo as épocas e os países, ao casamento, por exemplo, ao suicídio, a uma natalidade mais ou menos forte etc.” Outros fatos têm uma forma já cristalizada na sociedade, constituem suas maneiras de ser: as regras jurídicas, morais, dogmas religiosos e sistemas financeiros, o sentido das vias de comunicação, a maneira como se constroem as casas, as vestimentas de um povo e suas inúmeras formas de expressão. Eles são, por exemplo, os modos de circulação de pessoas e de mercadorias, de comunicar-se, vestir-se, dançar, negociar, rir, cantar, conversar etc., que vão sendo estabelecidos pelas sucessivas gerações. Apesar de seu caráter ser mais ou menos cristalizado, tanto as maneiras de ser quanto de agir são igualmente imperativas, coagem os membros das sociedades a adotar determinadas condutas e formas de sentir. Por encontrar-se fora dos indivíduos e possuir ascendência sobre eles, consistem em uma realidade objetiva, são fatos sociais (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 63). Da definição de fato social, Durkheim destaca três características que nos auxiliam a compreender os mesmos: a exterioridade, a coercitividade e a objetividade. Vamos pontuar cada uma delas: • Exterioridade: as formas de agir sempre são determinadas pela sociedade, e não pelo indivíduo, ou seja, são exteriores. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 15 • Coercitividade: os fatos sociais exercem coerção sobre os indivíduos, ou seja, são impostos a eles pela sociedade. • Objetividade: a existência de formas de agir coletivas se dá independente do indivíduo, ou seja, os fatos sociais existem, independentemente de quem forma o grupo naquele momento. Deste modo, podemos compreender o quanto o indivíduo é produto da sociedade nas análises de Durkheim, sendo que esta deve ser a perspectiva de análise para o entendimento dos comportamentos compartilhados, a ideia da prevalência da sociedade com relação ao indivíduo. Para explicar a exterioridade e objetividade dos fatos sociais, ele argumenta que a internalização das formas de agir coletivas só ocorre por meio de um processo educativo, ou seja, por meio de um processo de internalização. A este processo damos o nome de socialização, outro conceito da Sociologia que certamente permeará seus estudos futuros sobre Sociologia da Educação. O processo educativo insere o indivíduo nas regras sociais, que ensinam ao novo ser os comportamentos aceitos ou rejeitados, que, aos poucos, fazem com que ele sinta, pense e interprete como seu grupo. “Com o tempo, as crianças vão adquirindo os hábitos que lhes são ensinados e deixando de sentir-lhes a coação, aprendem comportamentos e modos de sentir dos membros dos grupos dos quais participam” (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 63). Esta internalização ocorre por meio do processo educativo e conforma o indivíduono pensamento do grupo, gerando representações coletivas e representações individuais. A associação de ideias, percepções, sentimentos, estados, como já dissemos, a “síntese”, faz com que existam representações que são compartilhadas sobre o próprio grupo, sobre o mundo. Elas são expressas em regras morais, padrões de beleza, lendas, mitos, religiões, entre outros. Estas representações coletivas, também chamadas de consciência coletiva, são exemplos de fatos sociais. Eles são perceptíveis também no conjunto de valores dos grupos, pois “eles também possuem uma realidade objetiva, independente do sentimento ou da importância que alguém individualmente lhes dá; não necessitam expressar- se por meio de uma pessoa em particular ou que esta esteja de acordo com eles” (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 64). A coercitividade é trazida por Durkheim quando explica como os fatos sociais exercem autoridade específica sobre os indivíduos, materializada em diferentes obstáculos, impostos a quem realizar ações que contrariam as convenções do grupo. Como exemplo, podemos pensar em uma pessoa que tenta usar um idioma diferente do local, uma moeda diferente, viola uma regra ou resiste a uma lei. Ela sofre punições e/ou sanções, institucionalizadas no Estado, ou mesmo de pessoas do próprio grupo. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 16 Ele tropeçará com os demais membros da sociedade que tentarão impedi-lo, convencê-lo ou restringir sua ação, usarão de punições, da censura, do riso, do opróbrio e de outras sanções, incluindo a violência, advertindo-o de que está diante de algo que não depende dele. Quando optamos pela não submissão, “as forças morais contra as quais nos insurgimos reagem contra nós e é difícil, em virtude de sua superioridade, que não sejamos vencidos. [...] estamos mergulhados numa atmosfera de ideias e sentimentos coletivos que não podemos modificar à vontade (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 64). A dificuldade de modificação de regras, a existência de sanções e punições para quem avança de uma forma diferente do grupo, é o poder de coercitividade dos fatos sociais sendo exercido. Durkheim reconhece que é possível que haja modificações, mas para isso é necessário que os comportamentos sejam combinados, que as ações de mudanças sejam também coletivas. Assim os fatos sociais são reformados e podem sofrer modificações. A ação transformadora é tanto mais difícil quanto maior o peso ou a centralidade que a regra, a crença ou a prática social que se quer modificar possuam para a coesão social. Enquanto nas sociedades modernas, até mesmo os valores relativos à vida - o aborto, a clonagem humana, a pena de morte ou a eutanásia - podem ser postos em questão, em sociedades tradicionais, os inovadores enfrentam maiores e às vezes insuperáveis resistências (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 65). Os fatos sociais surgem a partir de causas externas, que vão se moldando na interação dos grupos e dos indivíduos que compõem os grupos, adicionando a esta interação as consciências individuais plurais, cuja síntese forma a consciência coletiva. Tura (2006) apresenta uma dimensão importante, destacada por Durkheim acerca dos fatos sociais, os quais, muitas vezes, são ignorados por nossa própria consciência individual. Ela explica: Os fatos sociais são também coisas ignoradas, posto que, apesar de estarmos convivendo com eles, os apreendemos a partir de formas não metódicas, de uma penetração acrítica, de impressões confusas. Para conhecê-los cientificamente é necessário que se utilize criteriosamente o método científico e se vão realizando procedimentos ligados à observação, à experimentação, à análise do tempo histórico e social de constituição dos fenômenos sociais. Dessa forma, se está intentando estudar como as coisas se dão no contexto de seu tempo e espaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que determina formas de ver, sentir e pensar, que são forjadoras de símbolos que se imbricam na consciência coletiva e produzem representações coletivas (TURA, 2006, p. 37). Antes de adentrarmos os métodos para estudo dos fatos sociais, vamos ao autor para conhecer como este define fato social e apresenta o conceito em sua obra, veja a leitura sugerida no Uni. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 17 DICAS A leitura complementar desta unidade apresenta o texto do próprio Durkheim, extraído da obra As Regras do Método Sociológico, intitulado O que é fato social? Sugiro que você faça esta leitura antes de prosseguir com os estudos deste tópico. 5 FUNCIONALISMO Reconhecendo a superioridade da sociedade com relação ao indivíduo, e que as ciências sociais deveriam buscar desenvolver um método similar aos métodos das ciências da natureza, Durkheim se aproximou da biologia para pensar uma possibilidade de método para a Sociologia. Com isto ele se aproxima das ideias de Herbert Spencer, o qual afirmou que natureza e sociedade obedecem à mesma lei geral: a lei da evolução (SELL, 2002). Toda a explicação funcionalista não é uma criação de Durkheim, mas sim fruto da influência que esta teoria possuía na biologia, reinterpretada por Spencer a partir das obras evolucionistas de Charles Darwin. A ciência daquela época estava influenciada pelas maneiras de pensar baseadas no Evolucionismo. NOTA O Evolucionismo é uma corrente de pensamento presente na Antropologia, que entende a existência de uma unidade psíquica nos seres humanos, pelo aspecto cultural, e que em função disso os grupos sociais possuiriam estágios de desenvolvimento socioculturais pelos quais deveriam passar. Definido, portanto, o fato social como objeto formal dos estudos sociológicos, Durkheim debruçou-se sobre o método. Ele precisava definir como ocorreria o estudo dos fatos sociais, como garantir a neutralidade científica que almejava, e foi a partir destas reflexões que ele se aproximou de uma metodologia funcionalista. No estudo da vida social, uma das preocupações de Durkheim era avaliar qual método permitiria fazê-lo de maneira científica, superando as deficiências do senso comum. Conclui que ele deveria assemelhar-se ao adotado pelas ciências naturais, mas nem por isso ser o seu decalque, porque os fatos que a Sociologia examina pertencem ao reino social e têm peculiaridades que os distinguem dos fenômenos da UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 18 natureza. Tal método deveria ser estritamente sociológico. Com base nele, os cientistas sociais investigariam possíveis relações de causa e efeito e regularidades com vistas à descoberta de leis e mesmo de “regras de ação para o futuro”, observando fenômenos rigorosamente definidos (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 65). Segundo Durkheim, os fatos sociais não existem apenas sem razão de ser, mas cumprem uma função dentro do sistema social. É preciso, portanto, investigar não apenas as causas que os levam a serem produzidos, mas também a função que desempenham. Explicar os fatos sociais seria, então, demonstrar a função que estes exercem. Para isso, seria preciso inicialmente pesquisar as causas que levaram o fato social a surgir, ou seja, não buscar no futuro, e sim no passado, quais motivos fizeram com que esta forma de agir coletiva existisse. As análises sobre o surgimento da prática social deveriam vir seguidas de investigação sobre a sua utilidade social. A função seria determinada pela análise da utilidade projetada no fato social, ou seja, para quê exatamente servia esta prática social. Esta seria a dinâmica de pesquisa que deveria ser aplicada pela sociologia segundo Durkheim, e assim seria possível determinar a função exercida pelos fatos sociais no grupo ao qual estava vinculado. Desta maneira, pensando as funções, Durkheim comparaa sociedade com um corpo, um organismo vivo. Lakatos e Marconi definem: O método funcionalista considera, de um lado, a sociedade como uma estrutura complexa de grupos ou indivíduos, reunidos numa trama de ações e reações sociais; de outro, como um sistema de instituições correlacionadas entre si, agindo e reagindo umas em relação às outras. Qualquer que seja o enfoque, fica claro que o conceito de sociedade é visto como um todo em funcionamento, um sistema em operação. E o papel das partes nesse todo é compreendido como funções no complexo de estrutura e organização (LAKATOS; MARCONI, 1990, p. 35). Nos corpos, cada órgão cumpre uma função. Assim também seria na sociedade, segundo ele, cada segmento cumprindo uma função. As partes existiriam para cumprir funções essenciais para a existência do todo, reforçando novamente a percepção de um todo predominando sobre as partes (SELL, 2002). Sell (2002, p. 69) propõe um exercício listando as instituições sociais, para você pensar quais são as funções sociais que cada uma exerce: TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 19 QUADRO 1 - EXEMPLOS DE INSTITUIÇÕES SOCIAIS FAMÍLIA RELIGIÃO EMPRESA ESCOLA EXÉRCITO LEIS GOVERNO LAZER FONTE: Sell (2002, p. 69) Determinando a função de cada instituição é possível explicar sua existência e entender as formas de agir coletivas que cada uma determina, gerando fatos sociais e entendendo sua contribuição para o bom funcionamento da sociedade. A escola, por exemplo, cumpre a função de socialização dos indivíduos mais jovens nas diretrizes e comportamentos já estabelecidos pelos mais velhos, além de socializar o novo indivíduo com outros. É na determinação da função social que estas instituições cumprem que a metodologia funcionalista procura explicar sua existência, bem como das nossas formas de agir, ou, como queria Durkheim, dos fatos sociais. Esta é a essência da metodologia funcionalista, que apesar das inovações e aprofundamentos posteriores, constitui até hoje seu núcleo de ideias básicas (SELL, 2002, p. 69). O método proposto por Durkheim para entender as funções das instituições era baseado na comparação, entendendo diferentes modos de organização social e tempos históricos diversos, e assim, buscando comparar suas diferenças e regularidades. As combinações de fatos e causalidades, portanto, poderiam auxiliar na determinação de causas e efeitos, traduzindo as funções. Outro aspecto fundamental da teoria funcionalista durkheimiana era a ideia de pensar não apenas no conceito de sociedade, mas sim de sociedades, no plural. Isto porque a analogia feita era de que haveria diferentes formas de sociedades, passíveis de classificações em espécies, assim como os vegetais e animais podem ser classificados na biologia. Seria possível, por meio do método comparativo, encontrar sociedades que se aproximam e estabelecer tipologias. Utilizando a observação criteriosa e a descrição minuciosa, poderiam ser observados tipos de família, tipos de religião, tipos de educação, atuando com similaridades, mas em “espécies” diferentes de sociedades. O foco, para tal, precisa ser direcionado à identificação de homogeneidades e regularidades. Da mesma maneira, seria possível identificar quando alguma função social não está sendo cumprida corretamente pela instituição à qual está vinculada, e identificar as chamadas patologias sociais. Uma patologia ocorreria, portanto, na situação em que o órgão responsável estivesse com problemas para desempenhar seu papel, dificultando a manutenção da harmonia de todo o sistema. Vejamos: UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 20 Para explicar um fenômeno social, deve-se procurar a causa que o produz e a função que desempenha. Procura-se a causa nos fatos anteriores, sociais e não individuais; e a função, através da relação que o fato mantém com algum fim social. Durkheim, ao estabelecer as regras de distinção entre o normal e o patológico, propôs: um fato social é normal, para um tipo social determinado, quando considerado numa determinada fase de seu desenvolvimento, desde que se apresente na média das sociedades da mesma categoria, e na mesma fase de sua evolução. Esta regra estabelece uma norma de relatividade e de objetividade na observação dos fatos sociais, como foi ilustrado em sua obra sobre o suicídio. Demonstra, também, que certos fenômenos sociais, tidos como patológicos, só o são à medida que ultrapassam uma taxa dita "normal", em determinado momento, em sociedades de mesmo nível ou estágio de evolução (LAKATOS; MARCONI, 1990, p. 47). As disfunções sociais são consideradas normais em todas as sociedades, no entanto, o patológico é definido como uma função doente, que pode colocar em risco a existência do grupo, a destruição. Seria necessário ao investigador verificar, em cada espécie de sociedade, o que é patológico em seu contexto. Como exemplo, é possível citar a criminalidade, sempre existente em grupos sociais, mas que dependendo do tipo e das taxas, passa a ser uma patologia. A sociologia, neste caso, teria um papel fundamental na medida em que ela deveria identificar qual parte do corpo não está mais integrada ao todo em pleno funcionamento, para que a sociedade pudesse ajustar o que fosse necessário, restaurando seu equilíbrio. Estas ideias, infelizmente, levaram a sociologia de Durkheim a uma visão política profundamente conservadora. Como a sociedade era comparada com um corpo, não fazia sentido transformá-la. Para a sociologia, a única solução possível para os problemas era “preservar” (conservar) a sociedade, assim como o médico deve preservar o corpo dos pacientes. Se existe algum problema, não há como mudar todo o conjunto da sociedade: a única solução possível seria restaurar o funcionamento das partes ou mesmo eliminar o problema. A tradição funcionalista, portanto, coloca toda ênfase no equilíbrio e na integração social, e todas as formas de conflito ou de contestação são vistas como desvios e anomalias que precisam ser eliminadas. Desta forma, os movimentos que contestam a ordem vigente e buscam a mudança não encontram respaldo nesta teoria, pois ela está comprometida com a ordem vigente e com sua preservação. Trata-se, portanto, de um projeto político conservador (SELL, 2002, p. 85). Diante destas analogias com o método biológico, é possível identificar o viés de pensamento estabelecido por Durkheim ao ser influenciado pelo Funcionalismo. Mais adiante, sua forma de pensar passa a ser chamada de Estrutural-funcionalismo, em distinção a outras correntes sociológicas que utilizam a metodologia funcionalista para interpretação da ordem social. TÓPICO 1 | A SOCIOLOGIA DE ÉMILE DURKHEIM: TEORIA E MÉTODO 21 Até aqui você viu os principais aspectos teóricos e metodológicos do pensamento durkheimiano. Para fechar, sugiro um vídeo indicado no UNI a seguir, e no próximo tópico você irá se aprofundar no estudo da Teoria da Integração deste autor. DICAS Para finalizar este tópico, veja o vídeo Clássicos da Sociologia: Émile Durkheim, disponível na plataforma Youtube, uma aula produzida pela Universidade Virtual do Estado de São Paulo – UNIVESP, sobre Durkheim. Você poderá acessá-lo em: <https://www.youtube.com/watch?v=SMaxxNEqk7U>. 22 Neste tópico, você aprendeu que: • A teoria sociológica de Durkheim e seu método foram desenvolvidos a partir de influências positivistas. • Ele buscou interpretar como a externalidade das regras impacta a vida individual, buscando assim respostas para esta troca indivíduo X sociedade. • É no conceito de fato social que Durkheim materializa a exterioridade da vida social no indivíduo, reconhecendo a coerção da sociedade para com as ações individuais. • Os fatos sociais possuem como características: exterioridade, coercitividade e objetividade.• Reconhecendo que as ciências sociais deveriam buscar desenvolver um método similar aos métodos das ciências da natureza, Durkheim se aproximou da biologia para pensar uma possibilidade de método para a Sociologia. • Os fatos sociais cumprem uma função dentro do sistema social. É preciso investigar não apenas as causas que os levam a serem produzidos, mas também a função que desempenham no sistema social. RESUMO DO TÓPICO 1 23 1 A teoria sociológica de Durkheim é marcada pela observação das relações entre indivíduo e sociedade, enfatizando a prevalência da sociedade diante do indivíduo, manifesta em diferentes fatos sociais. Sobre as principais influências sofridas por Durkheim para o desenvolvimento de seu pensamento sociológico, analise as seguintes sentenças: I- O Positivismo influenciou o pensamento de Durkheim quando este buscou um método adequado para a análise social, a fim de torná-la científica. II- A objetividade defendida pelo Positivismo aparece nas obras de Durkheim quando ele afirma a determinação da sociedade no comportamento do indivíduo. III- A neutralidade científica defendida pelo Positivismo não seria possível nas análises sociais, já que o pesquisador é também parte de seu objeto de estudos. IV- O método adequado para a sociologia deveria ser buscado com base nos métodos das ciências naturais, mais precisamente a química. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a afirmativa IV está correta. b) ( ) Somente as afirmativas I e II estão corretas. c) ( ) As afirmativas I, II e III estão corretas. d) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas. 2 É no desenvolvimento da noção de fato social que Durkheim materializa a exterioridade da vida social no indivíduo, o condicionamento que este sofre em seus comportamentos, reconhecendo a coerção da sociedade para com as ações individuais. Sobre as características do fato social, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Exterioridade. II- Coercitividade. III- Objetividade. ( ) Os fatos sociais são impostos a ele pela sociedade. ( ) As formas de agir são determinadas pela sociedade e não pelos indivíduos. ( ) As formas de agir coletivas existem independentes do indivíduo. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I - III - II. b) ( ) II - I - III. c) ( ) I - II - III. d) ( ) III - I - II. AUTOATIVIDADE 24 25 TÓPICO 2 CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Agora que você já compreendeu como funciona a lógica do pensamento durkheimiano, entendendo as influências positivistas e o funcionamento do método funcionalista, além da centralidade do conceito de fato social em suas análises sociais, é hora de nos debruçarmos sobre o estudo de algumas noções de base de seu arcabouço conceitual. Durkheim desenvolveu importantes conceitos a partir da busca de uma explicação funcionalista para as dinâmicas sociais. Boa parte deste material ainda é utilizado na Sociologia atualmente, muitas vezes reinterpretado por autores contemporâneos. Como já frisamos, sua obra é muito vasta, portanto, neste tópico você verá um recorte dos principais conceitos para entender a lógica da teoria da integração social a partir da visão de Durkheim. Para este autor, é determinante que o sociólogo interprete a forma pela qual o indivíduo se integra em seus grupos sociais para que se possa apreender o funcionamento da ordem social. A teoria da integração passa pela divisão do trabalho social, uma parte, muito famosa, do pensamento durkheimiano. Acreditamos que você já tenha lido ou ouvido algo em seus estudos até aqui. Portanto, é hora de conhecer detalhes e se aprofundar neste conjunto teórico! Para este caminhar, passaremos pela divisão do trabalho social através dos conceitos de: solidariedade mecânica, consciência coletiva, solidariedade orgânica e anomia. Boa leitura! 2 DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL Considerado uma das primeiras grandes obras de Durkheim, o livro A divisão social do trabalho, escrito em 1893, pode ser tido como uma análise sobre as relações dos seres humanos com o trabalho, e o impacto deste na vida social dos grupos. Para sermos mais específicos, ele busca compreender, dentro da lógica da sociedade moderna, a função que é exercida pela chamada divisão social do trabalho. UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 26 Ou seja, as ditas sociedades simples, primitivas, não possuíam a centralidade de suas atividades no trabalho, ou, ao menos, este não era determinante e relacionado diretamente com a forma de suas relações sociais. Mas no caso das sociedades complexas, modernas, o trabalho torna-se o centro gerador das demais relações, é sua forma que determina e influencia como os integrantes de um grupo se relacionam naquele momento. Por conta disso, para Durkheim, era essencial compreender a dinâmica de funcionamento e a divisão das funções que ocorriam no mundo do trabalho, pois estas se espalhavam para além deste espaço, inclusive gerando processos de diferenciação social entre os sujeitos. NOTA Uma pausa na teoria para um destaque: você consegue imaginar o quanto este raciocínio é importante para uma obra sociológica? Durkheim fez o movimento de relacionar formas de diferenciação no trabalho com formas de diferenciação social, ou seja, buscando compreender as trocas ocorridas no microcosmo (trabalho) que modificavam as formas de existência do macrocosmo (sociedade). Não é à toa que esta obra é estudada até hoje, e que auxilia a compreender as bases da teoria sociológica durkheimiana. Voltando... Para entendermos como ele analisa a função desta divisão social do trabalho, vamos precisar de dois conceitos: solidariedade orgânica e solidariedade mecânica. Você já deve ter ouvido falar em ambos, digamos que são famosíssimos conceitos cunhados por Durkheim. Não temos como estudar seu pensamento e obras sem passar pela noção de solidariedade. Antes de prosseguir, reflita sobre o significado de solidariedade. Um deles, se formos buscar no dicionário, é: “Sentimento de amor ou compaixão pelos necessitados ou injustiçados, que impele o indivíduo a prestar-lhes ajuda moral ou material” (MICHAELIS, 2018, s.p.). Este é o significado mais comum que utilizamos quando falamos de solidariedade. No entanto, na sociologia, não estamos nos referindo a um sentimento quando falamos nesta palavra, e sim uma situação social na qual existe compartilhamento de ações e pensamentos por grupos sociais. Então lembre-se, quando falarmos de solidariedade a seguir, não é sobre o sentimento com relação aos desfavorecidos, e sim sobre comportamentos coletivos de grupos sociais, certo? Neste sentido, podemos buscar no dicionário mencionado uma definição sociológica: “Estado ou situação de um grupo que resulta do compartilhamento de atitudes e sentimentos, tornando o grupo uma unidade mais coesa e sólida, com a capacidade de resistir às pressões externas” (MICHAELIS, 2018, s.p.). TÓPICO 2 | CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE 27 Agora sim, temos uma definição relacionada com os estudos de Durkheim, que pensava a solidariedade como o laço de coesão entre os grupos. A seguir, vamos estudar individualmente a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica, e voltaremos, depois, a analisar a divisão social do trabalho, pois, para entendê-la, você precisa consolidar primeiro estes dois conceitos. Prossigamos! 2.1 SOLIDARIEDADE MECÂNICA Para Durkheim, uma forma de laço possível entre os indivíduos, e que determina o nível de evolução social de um grupo e/ou sociedade, é a solidariedade mecânica. Sempre que você pensar em solidariedade mecânica, lembre-se de que ela está associada a outro conceito importante na obra dele, o de consciência coletiva.IMPORTANT E A existência da consciência coletiva no grupo permite o predomínio da solidariedade mecânica como base para as relações sociais, procure fixar esta relação conceitual em sua mente durante seus estudos. Um conceito é interdependente do outro na obra de Durkheim. A consciência coletiva é definida como: “um conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade, que forma um sistema determinado que tem vida própria” (DURKHEIM, s.d. apud SELL, 2002, p. 72). Veja que aqui aparece a externalidade do fenômeno, a determinação de comportamentos compartilhados a partir de estruturas externas, marca da teoria sociológica durkheimiana — como vimos no tópico anterior. A vida em comum, cujo vínculo se dá a partir da solidariedade mecânica, é baseada nesta externalidade do grupo com relação ao indivíduo. Pouco aparece o individual nas relações, a dominação que gera a coesão social é de predomínio do grupo. Segundo Sell (2002), a explicação para que os indivíduos vivam em sociedade é justamente o compartilhamento de uma cultura comum, carregada de itens que, de certa maneira, obrigam o indivíduo a participar do grupo e a partilhar a cultura, até mesmo por uma questão de sobrevivência. “Quando Durkheim fazia estas análises, estava pensando em sociedades do tipo simples, como são as sociedades indígenas, por exemplo, em que a inserção dos indivíduos no grupo é fundamental para sua cultura” (SELL, 2002, p. 72). UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 28 Vamos dar uma pausa na solidariedade mecânica para aprofundar o conceito de consciência coletiva e, depois deste estudo detalhado, continuaremos com o estudo da solidariedade. Respire e retome a concentração, para compreender um conceito precisamos de outro! 2.1.1 Consciência Coletiva Para que você entenda com clareza o conceito de consciência coletiva, pode começar pensando no significado literal das palavras que compõem a expressão. A consciência é algo de que se está consciente, algo que ativamos racionalmente para responder com ações aos estímulos da nossa vida. E o coletivo é aquilo que é compartilhado, reconhecido pelo grupo como de propriedade de seus integrantes. Portanto, a consciência coletiva são respostas racionais do grupo aos estímulos, e respostas compartilhadas — repetidas e reforçadas por todo o grupo. Segundo o autor, possuímos duas consciências: “Uma é comum com todo o nosso grupo e, por conseguinte, não representa a nós mesmos, mas a sociedade agindo e vivendo em nós. A outra, ao contrário, só nos representa no que temos de pessoal e distinto, nisso é que faz de nós um indivíduo.” Em outras palavras, existem em nós dois seres: um, individual, “constituído de todos os estados mentais que não se relacionam senão conosco mesmo e com os acontecimentos de nossa vida pessoal”, e outro que revela em nós a mais alta realidade, “um sistema de ideias, sentimentos e de hábitos que exprimem em nós [...] o grupo ou os grupos diferentes de que fazemos parte; tais são as crenças religiosas, as crenças e as práticas morais, as tradições nacionais ou profissionais, as opiniões coletivas de toda espécie (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 70). Conforme o indivíduo se envolve com sua vida social, cada vez mais deixa sua individualidade ao largo para se comportar de acordo com os preceitos defendidos pelo grupo. A educação, neste contexto, possui obrigações de integração, moralizadoras, na medida em que irá instituir no indivíduo as diretrizes morais do grupo, e, por meio desta ação, desenvolver a consciência grupal no sujeito egoísta. O conjunto de crenças e sentimentos compartilhados pelo grupo a partir da consciência coletiva produz ideias, imagens, representações, que são manifestadas de formas diferentes pelos sujeitos, mas cuja realidade própria sempre está presente. A dimensão que será ocupada na consciência total das pessoas é variada, de acordo com os dispositivos mobilizados pelo grupo para que esta consciência se manifeste. A coesão entre o grupo é determinada pela extensão da consciência coletiva: quanto mais extensa a consciência, maior é a coesão. Vejamos: TÓPICO 2 | CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO PARA A COMPREENSÃO DA SOCIEDADE 29 A consciência comum recobre “áreas” de distintas dimensões na consciência total das pessoas, o que depende de que seja ou segmentar ou organizado o tipo de sociedade na qual aquelas se inserem. Quanto mais extensa é a consciência coletiva, mais a coesão entre os participantes da sociedade examinada refere-se a uma “conformidade de todas as consciências particulares a um tipo comum”, o que faz com que todas se assemelhem e, por isso, os membros do grupo sintam-se atraídos pelas similitudes uns com os outros, ao mesmo tempo que a sua individualidade é menor (BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 71). Durkheim também reconhece que, mesmo com um elevado grau de coesão, e uma consciência coletiva consolidada, é possível que haja ações de rebelião por parte dos sujeitos. Nem todos possuem a moral do grupo tão inculcada pelo coletivo a ponto de sempre optarem pelas ações coletivas em detrimento das individuais. Isto quer dizer, o teórico reconhece que uma uniformidade total não é possível, que existem as faltas morais ou mesmo os crimes — divergências entre o indivíduo e as estruturas determinadas pelo coletivo. Quando a originalidade individual se impõe com relação ao coletivo é como se esta pessoa estivesse realizando um delito, deixando de seguir a moral coletiva, sendo tomada como alguém que comete erros. É aí que entra a ausência ou fraqueza da divisão do trabalho. Quando a consciência individual é tão reduzida e fraca (afinal, só conhecemos parte do todo, só compreendemos como funciona a nossa parte nesta divisão de trabalhos), facilmente, a consciência total domina as decisões racionais sobre a vida individual. Afinal, se não conhecemos o todo, é mais fácil nos guiarmos pelo comportamento que todos estão tendo, do que nos rebelarmos e tomarmos decisões diferentes — já que não temos referência do que pode ser um comportamento diferente. Barbosa, Oliveira e Quintaneiro destacam um trecho da obra de Durkheim para ilustrar: Quanto mais o meio social se amplia, menos o desenvolvimento das divergências privadas é contido. Mas, entre as divergências, existem aquelas que são específicas de cada indivíduo, de cada membro da família, elas mesmas tornam-se sempre mais numerosas e mais importantes à medida que o campo das relações sociais se torna mais vasto. Ali, então, onde elas encontram uma resistência débil, é inevitável que elas provenham de fora, se acentuem, se consolidem, e como elas são o âmago da personalidade individual, esta vai necessariamente se desenvolver. Cada qual, com o passar do tempo, assume mais sua fisionomia própria, sua maneira pessoal de sentir e pensar (DURKHEIM, 1921 apud BARBOSA; OLIVEIRA; QUINTANEIRO, 2002, p. 71). A individualidade gera uma interdependência entre os indivíduos, na medida em que para sobreviver no organismo o individual precisa existir, UNIDADE 1 | O FUNCIONALISMO DE ÉMILE DURKHEIM 30 também precisa se moldar ao coletivo, gerando uma interdependência entre as partes. Isso fortalece ainda mais a coesão social. No entanto, mesmo com esta interdependência, as sociedades, cujo laço social desenvolve-se com base na consciência coletiva do indivíduo, vão sendo gradativamente moldadas à imagem e semelhança do grupo. Exemplo: São sociedades que podem ser chamadas de clãs, segmentos que executam funções semelhantes e processos similares na vida social, todos caçadores, ou todos agricultores, e papéis sociais são cumpridos de forma semelhante. O cimento que une esses organismos individuais a esse corpo coletivo, como as células em um tecido, é a solidariedade
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