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Síndrome de Down 4

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CARACTERIZAÇÃO DO PERFIL FUNCIONAL DE CRIANÇAS COM 
SÍNDROME DE DOWN EM DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS 
 
Bruna Agostini¹, Jalusa Pilecco Bisognin¹, Giovan Bagolin Bonini
2
, Laércio Ribeiro
2
, 
Juliana Saibt Martins Pasin
3
 
1 
Fisioterapeutas, graduadas pelo Centro Universitário Franciscano - UNIFRA - Santa Maria - RS. 
2
Acadêmicos do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA - Santa Maria - RS. 
3
Orientadora, Docente do Curso de Fisioterapia do Centro Universitário Franciscano - UNIFRA - Santa Maria - RS, 
pertencente ao grupo de pesquisa “Promoção da saúde e tecnologias aplicadas à Fisioterapia”. 
 
RESUMO 
 
Uma das principais características da Síndrome de Down é a hipotonia, contribuindo para o atraso no desenvolvimento 
neuropsicomotor (DNPM). Assim, habilidades como o controle cefálico, rolar, sentar e engatinhar, entre outros, são 
adquiridas mais tardiamente na criança com SD, quando comparadas àquelas com DNPM normal. Este estudo teve 
como objetivo caracterizar o perfil funcional de crianças portadoras de SD em diferentes faixas etárias. A amostra 
constitui-se de 12 crianças portadoras de SD com idades entre 1 ano e 7 meses e 7 anos e 11 meses. A coleta de dados 
baseou-se no Inventário de Avaliação Pediátrica de Incapacidade (PEDI), utilizando-se as Partes I e II contendo as 
mesmas três áreas em cada uma. Observaram-se frequentes escores <10, principalmente nas áreas de mobilidade e 
função social. As importantes limitações evidenciadas dão ao fisioterapeuta maiores subsídios para um adequado plano 
e adequação ao tratamento. 
Palavras-chave: Síndrome de Down, Desenvolvimento Neuropsicomotor, Fisioterapia. 
 
 
ABSTRACT 
 
One of the main features of Down syndrome is hypotonia, it contributes to developmental delay. Thus, skills such as 
head control, rolling, sitting, crawling, and others are acquired later in children with SD, compared to those with normal 
DNPM. This study aimed to characterize the functional profile of children with DS in different age groups. The sample 
consisted of 12 children with DS aged 1 year and 7 months to 7 years and 11 months. Data collection was based on the 
Inventory of the Pediatric Evaluation of Disability (PEDI), using Part I and Part II which contains the same three areas 
in each. Frequently scores were observed <10, especially in the mobility and social function areas. The highlighted 
significant limitations give the physiotherapist more subsidies to plan a suitable and adequate treatment. 
Key-words: Down Syndrome, psychomotor development, Physiotherapy. 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
A Síndrome de Down (SD) é uma 
síndrome de característica não progressiva que 
acomete aproximadamente 1 em cada 600 
nascidos vivos, sendo determinada pela trissomia 
do cromossomo 21 [1]. 
O diagnóstico pré-natal da SD pode ser 
realizado precocemente através da amniocentese e 
posterior estudo das células fetais cultivadas, 
ultra-sonografia, bem como por meio de testes 
com amostra sanguínea da mãe para a 
investigação sorológica e citogenética [2]. A SD 
também pode ser observada ao nascimento por 
suas características dismórficas que variam entre 
os pacientes, mas que, entretanto, produzem um 
fenótipo distinto [3]. O cariótipo é essencial para 
determinar a confirmação e o risco de recorrência 
através da informação genética [4]. 
As crianças com SD apresentam 
alterações fenotípicas, malformações digestivas, 
cardiopatias congênitas, podendo desenvolver 
ainda hipotiroidismo, convulsões, leucemia e 
diabetes [4]. Outra importante conseqüência da 
trissomia do 21 é a redução da capacidade 
respiratória da criança, devido à hipotonia 
muscular [5] e o atraso no desenvolvimento 
neuropsicomotor (DNPM). O tônus muscular 
baixo, associado à frouxidão ligamentar 
característica, faz com que o DNPM inicial se 
torne um pouco mais lento, embora seja consenso 
entre os autores de que a hipotonia diminui com o 
passar da idade [6]. Assim, habilidades como o 
controle cefálico, o rolar, o sentar, o arrastar e o 
engatinhar, entre outros, são adquiridas mais 
tardiamente na criança com SD, quando 
comparadas àquelas com DNPM normal [7]. 
 Dentro deste contexto, o tratamento 
fisioterapêutico pode contribuir para o completo 
desenvolvimento da criança com SD, facilitando a 
aquisição das etapas neuropsicomotoras e a 
melhora da performance respiratória, 
proporcionando às crianças com SD uma melhor 
funcionalidade e qualidade de vida [6]. Porém, 
torna-se necessário elucidar as capacidades, 
potencialidades e limitações do desenvolvimento 
particular de cada criança, a fim de que a 
intervenção seja adequada e individualizada. 
O objetivo do presente estudo foi 
caracterizar o perfil funcional de crianças com 
Síndrome de Down, em diferentes faixas etárias. 
 
MATERIAIS E MÉTODOS 
 
 A amostra constituiu-se de 12 crianças 
com SD, sendo 6 do sexo feminino e 6 do sexo 
masculino com média de idade de 4 anos e 10 
meses, provenientes da comunidade de Santa 
Maria - RS. 
O presente estudo, o qual caracterizou-se 
por ser do tipo quanti-qualitativo, com abordagem 
descritiva, foi desenvolvido no Laboratório de 
Ensino Prático de Fisioterapia da UNIFRA, bem 
como em visitas aos domicílios dos participantes, 
no período de agosto a novembro de 2010. 
Crianças com mal-formações congênitas 
ou contraturas e deformidades associadas, 
autismo, déficits auditivos e visuais, além de 
idade inferior a 6 meses e superior a 7 anos e 11 
meses foram excluídas da amostra. 
 A coleta de dados baseou-se no Inventário 
de Avaliação Pediátrica de Incapacidade - PEDI 
(Pediatric Evaluation of Disability Inventory), a 
que é um instrumento desenvolvido por Haley e 
colegas [8] e adaptado às características sócio-
culturais brasileiras [9]. O teste foi administrado 
em forma de entrevista estruturada com um dos 
cuidadores da criança e teve duração de 50 a 60 
minutos. O PEDI caracteriza o perfil funcional de 
crianças baseada em três níveis de função: auto-
cuidado (alimentação, higiene pessoal, uso do 
toalete, vestuário e controle esfincteriano), 
mobilidade (transferências, locomoção em 
ambiente externo e interno, e uso de escadas) e 
função social (compreensão funcional, expressão 
funcional, resolução de problemas, brincar, auto-
informação, orientação temporal, participação em 
tarefas domésticas, noções de auto-proteção e 
função na comunidade). 
As dimensões supracitadas estão 
estruturadas em três partes com um total de 237 
itens, as quais avaliam as habilidades da criança 
para desempenhar atividades e tarefas de sua 
rotina diária (Parte I). Cada item realizado pela 
criança recebia pontuação 1, e, se ela fosse 
incapaz de realizar a atividade, a mesma não era 
pontuada. 
Em relação à quantidade de ajuda 
fornecida pelo cuidador (Parte II), o grau de 
dependência foi caracterizado como sendo total 
(pontuação = 0) a criança apresenta completa 
dependência; máximo (1) há necessidade de o 
cuidador realizar a maior parte da tarefa; 
moderado (2) a criança e o cuidador realizam 
metade da tarefa cada um; mínimo (3) a criança 
necessita de uma pequena quantidade de ajuda do 
cuidador, como iniciar ou finalizar uma tarefa; 
supervisão (4) a criança necessita de supervisão 
ou orientação verbal do cuidador, sem ajuda física 
do mesmo; independente (5) a criança não 
necessita de ajuda ou supervisão do cuidador. 
O PEDI possui uma terceira parte, que 
informa sobre as modificações utilizadas pela 
criança no desempenho das tarefas funcionais 
(Parte III) [10], a qual não foi utilizada. 
Após a aplicação do questionário obteve-
se 2 escores, o bruto e o normativo. O escore 
bruto (EB) indica o número que a criança pontuou 
nas perguntas respondidas pelos cuidadores. Já o 
escore normativo (EN) indica o escore atingido 
quando comparadas às crianças de mesma faixa 
etária com desenvolvimento normalde 6 meses a 
7 anos e 11 meses, e deve apresentar-se entre 30 e 
70. Aquelas que apresentaram escore inferior a 30 
possuem atraso ou desenvolvimento inferior ao 
demonstrado por crianças de mesma faixa etária. 
O PEDI oferece ainda o escore contínuo, que 
indica a complexidade das atividades e o quanto 
delas a criança realiza, independentemente de sua 
idade [11], o qual não foi avaliado neste estudo. 
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê 
de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da 
UNIFRA, sob parecer n° 180.2010.2. Os 
responsáveis pelas crianças foram esclarecidos 
sobre o estudo e assinaram um Termo de 
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). 
Os resultados obtidos foram analisados 
conforme estatística descritiva e expressos em 
forma de porcentagem simples. 
 
RESULTADO E DISCUSSÃO 
 
Verificou-se que a área onde as crianças 
obtiveram um escore normativo menor foi na 
mobilidade. De fato, 8 crianças (66,6%) 
obtiveram valores <10 enquanto apenas 2 (16,6%) 
encontravam-se no intervalo de normalidade (30-
70). Em segundo lugar está a função social onde 7 
crianças (58,3%) apresentaram escores <10 e 
apenas 3 estavam na faixa de normalidade. Desta 
forma, nota-se que as crianças obtiveram 
resultados bastante abaixo do normal na área de 
mobilidade. Na área do Autocuidado, os dados 
obtidos mostram que apenas 4 crianças (33,4%) 
apresentaram escore normativo <10, enquanto o 
restante apresentou escore dentro do intervalo de 
normalidade ou próximo dele. Pode-se observar 
ainda na tabela 1 que as crianças 5, 7 e 8 
apresentaram todos os escores <10, evidenciando 
um atraso importante no desenvolvimento nas três 
áreas das habilidades funcionais (tabela 1). 
A obtenção de escores baixos na área de 
mobilidade pode ser decorrente do atraso no 
desenvolvimento apresentado pelas crianças 
portadoras de SD, que adquirem as habilidades 
funcionais mais tardiamente [7]. De fato, o tônus 
baixo afeta diretamente as tarefas do dia-a-dia da 
criança como a locomoção, as transferências e 
descer escadas [12]. Outro fator que pode estar 
relacionado aos baixos escores obtidos na área de 
mobilidade é a superproteção dos pais, impedindo 
a criança de vivenciar novas tarefas [13]. Durante 
a aplicação do PEDI, alguns cuidadores relataram 
que seus filhos ainda não haviam vivenciado 
experiências como transferências em ônibus e 
carro. Nestes casos, a pontuação atribuída àqueles 
itens foi zero, o que pode ter contribuído para um 
escore normativo baixo naquela área investigada. 
Os resultados obtidos na área de função 
social indicam que o desempenho inferior 
apresentado pelas crianças avaliadas deu-se 
principalmente nas subáreas do uso funcional da 
comunicação, resolução de problemas, interação 
com companheiros e função comunitária. De fato, 
a SD afeta o desempenho cognitivo da criança, 
manifestando-se funcionalmente nas atividades 
acima citadas [13]. 
 
Tabela 1: Parte I - Habilidades Funcionais. 
Distribuição da amostra e escores normativos nas 
áreas de autocuidado, mobilidade e função social. 
Criança Idade 
em 
meses 
Habilidades Funcionais 
 Autocuidado Mobilidade Função 
Social 
1 19 25,5 <10 <10 
2 24 25,1 <10 <10 
3 31 29,4 25,1 38,6 
4 32 31,7 <10 39,7 
5 54 <10 <10 <10 
6 59 <10 32,4 <10 
7 64 <10 <10 <10 
8 71 <10 <10 <10 
9 80 34,8 <10 32,9 
10 86 30,4 40,6 21,6 
11 89 20,1 18,7 <10 
12 95 21,9 <10 19,3 
 
Referindo-se ao Autocuidado, a privação 
de oportunidades motoras devido a pouca 
disponibilidade de tempo dos pais, pode ter 
diminuído o escore normativo desta área. 
A tabela 2 apresenta os resultados 
individuais referentes à Assistência do Cuidador 
(Parte II) nas áreas de Autocuidado, Mobilidade e 
Função Social. Ao analisar-se as três áreas 
observou-se que nenhuma das crianças apresentou 
escore ideal para sua idade. A área da mobilidade 
destacou-se por necessitar de maior auxílio, 
resultado que é compatível com aqueles expostos 
na tabela 1 (Habilidades Funcionais), ou seja, a 
área que apresentou maior dificuldade necessitou 
de maior auxílio do cuidador. 
 
Tabela 2: Parte II - Assistência do Cuidador. 
Distribuição da amostra e escores normativos nas 
áreas de autocuidado, mobilidade e função social. 
Criança Idade 
em 
meses 
Assistência do cuidador 
 Autocuidado Mobilidade Função 
Social 
1 19 25,5 <10 18,6 
2 24 33,5 <10 <10 
3 31 23,6 <10 <10 
4 32 15,7 <10 <10 
5 54 <10 <10 <10 
6 59 15,5 <10 <10 
7 64 20,5 <10 <10 
8 71 <10 <10 <10 
9 80 28,3 <10 25,9 
10 86 23,7 <10 16,7 
11 89 <10 <10 <10 
12 95 <10 <10 <10 
 
Na área de função social, 7 crianças 
(58,3%) obtiveram escore normativo <10, 
evidenciando maior dependência do cuidador. 
As crianças 3, 6, 10 e 11 obtiveram 
escores mais baixos na assistência ao cuidador do 
que nas habilidades funcionais, o que significa 
que a criança recebe mais ajuda do que ela 
realmente necessita, desvalorizando a sua 
capacidade funcional. As demais crianças 
atingiram valores semelhantes de habilidades 
funcionais e assistência do cuidador, o que 
significa que o cuidador oferece o auxílio 
adequado para as limitações do paciente. 
Da mesma forma que o exposto na Tabela 
1, muitas das habilidades não foram adquiridas na 
subárea de Função Social provavelmente devido à 
falta de oportunidade disponibilizada pelos pais. 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
Este estudo evidenciou limitações 
importantes no desempenho funcional em tarefas 
de vida diária das crianças com Síndrome de 
Down avaliadas, as quais manifestaram-se 
principalmente nas áreas de mobilidade e função 
social. Por outro lado, destaca-se o auto-cuidado 
como a área de melhor desempenho. O 
conhecimento das habilidades da criança fornece 
subsídios ao fisioterapeuta para planejar 
adequadamente o tratamento e orientar os 
cuidadores. 
 
REFERÊNCIAS 
[1] Diament A; Cypel, S. Neurologia Infantil. São 
Paulo: Atheneu, 1996. 
[2] Bissoto ML. O desenvolvimento cognitivo e o 
processo de aprendizagem do portador de 
Síndrome de Down. Ciências & Cognição, Rio de 
Janeiro, mar. 2005. Disponível em: 
<http://www.cienciacognição.org>. Acesso em: 
23 abr. 2010. 
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Thompson & Thompson: Genética Médica. 7. ed. 
Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 
[4] Fonseca LF; Cunha Filho JM; Pianetti G. et al. 
Manual de Neurologia Infantil: Clínica, Cirurgia, 
Exames Complementares. Rio de Janeiro: 
Guanabara Koogan, 2006. 
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2. ed. São Paulo: Mackenzie, 2003. 
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ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 
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International classification of functioning and 
disability. Geneva, 2000. 
[8] Haley SM; Coster WJ; Ludlow LH; Hal-
tiwanger JT; Andrellos PJ. Pediatric Evaluation of 
Disability Inventory: Development, 
Standardization, and Administration Manual, 
Version 1.0. Boston , MA: Health and Disability 
Research Institute, 1992. 
[9] Mancini MC. Inventário de Avaliação Pedi-
átrica de Incapacidade (PEDI). Belo Horizonte: 
Editora UFMG, 2005. 
[10] Haltiwanger JT; Andrellow PJ. Inventário de 
avaliação pediátrica de disfunção: versão 
brasileira. Tradução e adaptação cultural: 
Mancini, MC. Departamento de Terapia 
Ocupacional da Universidade Federal de Minas 
Gerais: Laboratórios de Atividade e 
Desenvolvimento. Belo Horizonte, 2000. 
[11] Alegretti ALC; Mancini MC; Schwartzman 
JS. Estudo do desempenho funcional de crianças 
portadores de Paralisia Cerebral Espástica 
utilizando o Pediatric Evaluation of Disability 
Inventory – PEDI. Temas Sobre 
Desenvolvimento. v. 11, n. 64, pp. 5-11, 2002. 
[12] Kozma, C. Crianças com Síndrome de Down. 
Porto Alegre: Artmed, 2007. 
[13] Mancini MC; Silva PC; Gonçalves SC; 
Martins SM. Comparação do desempenho 
funcional de crianças portadoras de síndrome de 
Down e crianças comdesenvolvimento normal 
aos 2 e 5 anos de idade. Arquivos de 
Neuropsiquiatria, v.61, n.2, pp. 409-415, 2003. 
http://www.cienciacognição.org/

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