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O Círculo de Bakhtin em Diálogo - Vol. 1

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Coleção O Círculo de Bakhtin em diálogo – vol. 1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CÍRCULO DE BAKHTIN EM DIÁLOGO: 
RELATOS DE PESQUISAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Coleção O Círculo de Bakhtin em diálogo 
 
O objetivo da coleção O Círculo de Bakhtin em diálogo é publicar 
trabalhos que, de forma heterogênea, permitam estudar, debater 
e  expandir  as  ideias  do  círculo  de  Bakhtin  em  diálogo  com 
outros  pensadores:  Morin,  Freire,  Vigotski,  dentre  outros, 
pensando  questões  contemporâneas  na  Linguística,  na 
Educação, nas Artes, na Política e nas Relações Internacionais, 
dentre outros campos do saber. 
 
Conselho editorial 
Profa. Dra. Eliete Correia dos Santos (UEPB) 
Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB) 
Prof. Dr. Ivo Di Camargo Júnior  
(SME – Sertãozinho e Ribeirão Preto) 
 
Comitê científico da obra 
Prof. Dr. Adail Sobral (FURG/UFPel) 
Prof. Dr. Afrânio Mendes Catani (USP) 
Prof. Dr. Maged Talaat Mohamed Ahmed Elgebaly  
(Aswan University, Egito) 
Prof. Dr. Manassés Morais Xavier (UFCG) 
Profa. Dra. Maria de Fátima Almeida (UFPB) 
Profa. Dra. María Isabel Pozzo  
(IRICE‐Conicet‐UNR, Argentina) 
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri‐Kaneoya (UNESP) 
Profa. Dra. Mona Mohamad Hawi (USP) 
Prof. Dr. Pedro Farias Francelino (UFPB) 
 
 
 
   
 
 
DGP‐CNPq‐UEPB O Círculo de Bakhtin em diálogo 
 
Este  livro  é  a  primeira  produção  vinculada  ao  Grupo  de 
Pesquisa  O  Círculo  de  Bakhtin  em  diálogo.  Liderado  pelos 
Professores Doutores Fábio Marques de Souza e Ivo Di Camargo 
Júnior,  constituído  em  2018  e  cadastrado  no  DGP  do 
CNPq/UEPB,  o  coletivo  busca  reunir  pesquisadores  para,  de 
forma  heterogênea,  estudar,  debater  e  expandir  as  ideias  do 
círculo bakhtiniano em diálogo com outros pensadores: Morin, 
Freire,  Vigotski,  dentre  outros,  pensando  questões 
contemporâneas  na  Linguística,  na  Educação,  nas  Artes,  na 
Política e nas Relações Internacionais, dentre outros campos do 
saber. 
 
Pesquisadores 
Profa. Dra. Cristina Bongestab (UEPB) 
Profa. Dra. Eliane de Moura Silva (UEPB) 
Profa. Dra. Eliete Correia dos Santos (UEPB) 
Profa. Dra. Ester Myriam Rojas Osorio (UNESP) 
Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB) 
Prof. Dr. Ivo Di Camargo Júnior  
(SME – Sertãozinho e Ribeirão Preto) 
Profa. Dra. Marta Lúcia Cabrera Kfouri Kaneoya (UNESP) 
Prof. Me. Rafael de Farias Ferreira (SME – Zabelê) 
Profa. Dra. Tatiana Cristina Vasconcelos (UEPB/FIP) 
 
Estudantes 
André Monteiro Moraes (Mestrando PPGSS‐UEPB) 
Iasmin Araújo Bandeira Mendes  (Mestranda PPGLE‐UFCG) 
Joelma da Silva Neves (Mestranda PPGFP‐UEPB) 
Maria da Conceição Almeida Teixeira 
(Mestranda PPGFP‐UEPB) 
Rogério Rodrigues de Lima (Mestrando PPGFP‐UEPB) 
 
 
 
 
 
Fábio Marques de Souza 
Ivo Di Camargo Júnior 
(Organizadores) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O CÍRCULO DE BAKHTIN EM 
DIÁLOGO: RELATOS DE PESQUISAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Copyright © dos autores 
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser 
reproduzida ou transmitida ou arquivada, desde que levados em 
conta os direitos dos autores. 
 
Fábio Marques de Souza, Ivo Di Camargo Júnior [Organizadores] 
O Círculo de Bakhtin em diálogo: relatos de pesquisas. São 
Paulo, Mentes Abertas, 2019, 150 p. 
ISBN 978‐65‐80266‐21‐0 
1. Bakhtin. 2. Culturas. 3. Linguagens. 4. Cinema. 5. Aprender. I. 
Título. 
CDD 410  
Capa: Elite Estúdio Criativo. 
 
Revisão: Jean de Medeiros Azevedo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
www.mentesabertas.com.br 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
APRESENTAÇÃO
Ivo DI CAMARGO Jr
 
9 
PERCURSOS DE COMPREENSÃO DAS 
CIÊNCIAS HUMANAS COM MIKHAIL 
BAKHTIN
Ivo DI CAMARGO Jr
Fábio Marques de SOUZA 
 
17 
LEITURA DO TEXTO CINEMATOGRÁFICO: 
UMA ANÁLISE DIALÓGICA DO DISCURSO NA 
ARTE
Eliete Correia dos SANTOS
Maria de Fátima ALMEIDA
 
31 
“TRABALHO E ESCOLA: NESSA SEQUÊNCIA E 
NÃO OUTRA!” 
Diálogos bakhtinianos com jovens do Sertão 
paraibano
Tatiana Cristina VASCONCELOS
Joselito SANTOS
Rogério do Nascimento SILVA 
 
53 
DIÁLOGOS POSSÍVEIS ENTRE OS ESTUDOS DO 
CÍRCULO DE BAKHTIN E TEORIAS DE REVISÃO 
E REESCRITA TEXTUAL EM SALA DE AULA
Natália Rodrigues Silva do NASCIMENTO
Marco Antonio VILLARTA‐NEDER
Helena Maria FERREIRA
 
87 
 
 
OS TONS VALORATIVOS CONSTITUINTES DO 
VÍDEO “PENA”, DO CANAL PORTA DOS 
FUNDOS
Alixandra Guedes Rodrigues de Medeiros e 
OLIVEIRA
Hermano Aroldo Gois OLIVEIRA
 
 105 
IDEOLOGIA E RELAÇÕES DE PODER: UMA 
REFLEXÃO DISCURSIVA NO ANÚNCIO 
PUBLICITÁRIO
Leandro MANZONI
LEITURA INICIAL E DE INICIANTE DE 
CONCEITOS EM BAKHTIN
Sônia Regina Constante BARATELA
 
  123 
 
 
 
 
139 
 
 
SOBRE OS ORGANIZADORES
 
  145 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9  
APRESENTAÇÃO 
 
BAKHTIN, O HOMEM DAS CIÊNCIAS HUMANAS 
 
Gostaria  que  o  século  XX  tivesse  acabado  também 
para os estudos das Ciências Humanas e para os estudos 
da  linguagem,  em  especial,  porque  então  poderíamos 
arriscar  novos  olhares  sobre  essa  grande  área  do 
conhecimento humano, colocando os estudos do homem 
em  termos  relacionais,  interacionais;  Poderíamos  olhar 
pra  frente,  pensar  o  futuro dos  estudos das  linguagens 
como  se  dando  no  jogo  das  interações  concretas.  A 
linguagem mediando. E pensar que esses estudos devam 
ter  como  eixo  epistemológico  o  eixo  das  ciências  do 
homem, das ações do homem. 
O  que  perdemos  ao  escolher  para  os  estudos  da 
linguagem  do  século  XX  o  caminho  proposto  por 
Saussure,  em  detrimento  do  caminho  proposto  por 
Bakhtin?  Acho  que  aqui  eu  arriscaria  um  exercício  de 
reflexão  para  o  campo  das  revoluções  humanas, 
entendendo  revolução  de  um  modo  mais  geral,  mais 
amplo, como mudança mesmo, e tentaria retomar o final 
do teu artigo sobre mente, memória, aquele que também 
foi fruto de uma fala. Uma fala que também foi meio que 
construída  em  conjunto.  Aquela  parte  que  diz  que  as 
mudanças na vida cotidiana são mais rápidas e produzem 
reflexo nas esferas imediatamente superiores a nossa vida 
cotidiana de maneira mais efetiva. Essas mudanças são as 
que  movimentam  o  mundo  para  outros  lugares.  Ao 
escolhermos  o  caminho  proposto  por  Saussure,  e  ao 
continuar  escolhendo  esse  caminho  nos  diversos 
momentos  em  que  nos  vimos  diante  dos  inúmeros 
 
10  
encerramentos dos objetos que colocamos sobre o estudo 
das ciências dos sinais (porque a ciência do século XX é a 
ciência dos  sinais) praticamente escolhemos apostar nas 
mudanças mais visíveis, mais demoradas, nas mudanças 
dos processos, aqueles das esferas mais estabilizadas.  
Gostaríamos de olhar um pouco  o mundo  e o  jeito 
como  o  homem  foi  secundarizado. O  sistema  é  o mais 
importante. Hoje ainda se ouve muito isso; pegando pela 
metáfora do computador, do cérebro humano como um 
cérebro computacional: a) Por trás de todo sistema existe 
gente. Não existe sistema. Nem mesmo aquele  ʺsistemaʺ 
que  falha quando você  tenta  retirar o dinheiro do  caixa 
eletrônico, ou quando a tua linha telefônica não funciona, 
ou a internet não conecta. Não há sistema no mundo sem 
um ser humano virando a manivela e o determinando. b) 
Quanto mais inteligente é o  ʹsistemaʹ, o software, quanto 
mais o Android ou o Windows se dedica a realizar tarefas 
sem que você tenha mandado, mais burro ele fica. Quanto 
mais  a  internet  quer  guardar  informações  que 
caracterizariam o usuário e  ʺfacilitariaʺ a  sua vida, mais 
burra ela fica. Quanto mais a  ʺconvergênciaʺ  toma conta 
do mundo, pior o mundo fica, mais chato o mundo fica. 
c) A inteligência do humano é diferente da que vem sendo 
construída no computador, porque a inteligência humana 
age  a partir da  divergência. O  sistema  somente  funciona 
com a convergência. 
Uma proposta de estudo e de vida em queo mundo e 
a sociedade organizada  têm como centro o homem; Um 
homem que é um EU na relação com um OUTRO. Relação 
dialógica.  “O  dialogismo  defende  que  todo  o  sentido  é 
relativo na medida em que ocorre apenas como resultado 
da  relação  entre  dois  corpos  ocupando  um  espaço 
 
11  
simultâneo, mas diferente, sendo que corpos aqui podem ser 
entendidos  como  recobrindo  um  leque  que  vai  da 
imediatismo  dos  nossos  corpos  físicos  até  aos  corpos 
políticos e aos corpos de ideias em geral (ideologias)” .  
Bakhtin  escolheu  analisar  os  acontecimentos  como 
sendo o processo que se dá na interação. Sempre podemos 
ver  o  acontecimento  humano  acontecendo  mesmo.  A 
interação é fundamental. É fundante... Nunca uma estrada 
só.  Sempre  uma  encruzilhada...  muitas  estradas... 
possibilidades diversas... Nunca o Um. Sempre o Dois. Só 
há o dois... a alteridade é  fundante... o UM é vazio. Um 
sujeito que não responde, não participa da construção dos 
sentidos. Os sentidos são as respostas às perguntas... Sem 
perguntas  não  há  resposta.  Eu  estou  sempre 
perguntando...  e  sempre  respondendo  com  novas 
perguntas...  Daí  a  importância  da  divergência,  do 
diferente. Como afirmou Geraldi: “A diferença identifica. 
A desigualdade deforma”.  
E para nós, linguistas, a especificidade desse homem 
é que ele é um homem que fala e que produz texto; A fala... 
O texto... Bakhtin afirma: “Onde não há texto não há objeto de 
pesquisa  e  de  pensamento”  (2003,  p.  307).  Afirma  mais: 
“Independentemente  de  quais  sejam  os  objetivos  de  uma 
pesquisa, só o texto pode ser o ponto de partida” (2003, p. 308). 
Clareia  mais  dizendo:  “O  homem  em  sua  especificidade 
humana  sempre  exprime  a  si mesmo  (fala),  isto  é,  cria  texto 
(ainda que potencial). Onde o homem é estudado fora do texto e 
independente deste, já não se trata de ciências humanas” (2003, 
p.  312).  Assim  podemos  afirmar  que  nosso  objeto  nos 
estudos  linguísticos  é  um  sujeito  –  o  sujeito  social  que 
produz textos. Bakhtin nos ajuda a concluir: “O objeto real 
 
12  
é o homem social (inserido na sociedade), que fala e exprime a si 
mesmo por outros meios” (2003, p. 319).  
Nesse  jogo  de  interação  não  há  neutralidade.  A 
interação humana, por signos, é ideológica. Não há lugar 
para um olhar desinteressado; os valores humanos entram 
como  parte  integrante  das  relações. Além  das  questões 
que  poderiam  ser  pensadas  a  partir  da  ideologia  se 
constituindo  na  própria  constituição  dos  signos  e  dos 
sujeitos,  também se poderia pensar na não neutralidade 
do próprio estudo das linguagens.  
Uma filosofia da linguagem concebida como filosofia 
do  signo  ideológico  exige  um  método  de  estudo  que 
quebre a própria questão do método moderno, construído 
a  partir  de  Descartes.  Aqui  se  exige  um  método 
sociológico, que detone a possibilidade de fetichizar a obra 
estética, limitando seu estudo ao material, e deixando de 
fora o criador e o receptor, o locutor e o interlocutor, o Eu 
e o Outro, e que destrua de vez o psiquismo individual do 
criador e do receptor.  
Assim,  um  programa  de  estudo  das  linguagens  a 
encara  como  produto  de  interação;  como  um momento 
essencial do  acontecimento que  constitui  essa  interação; 
como  uma  unidade  do  fluxo  contínuo  da  vida 
comunicativa  e  verbal  que  se  dá  na  sociedade;  como 
participante  de  outras  formas  de  comunicação,  de  um 
processo de  interações e de  trocas de  formas. O próprio 
pesquisador é parte desse processo. Ele é parte integrante 
de seu próprio estudo. Seu ponto de vista cria e instala sua 
interação; seu projeto de   dizer  determina  possíveis 
sentidos do  jogo;  seu excedente de visão exige abertura 
para novas temporalidades e espacialidades.  
 
13  
A grande contribuição para a dialética materialista é 
manifestar  que  o  caráter  fundamental  da materialidade 
(linguística e sócio‐histórica), enquanto sua identidade, é 
a  alteridade.  Assim  a  dialogia  bakhtiniana mostra  sua 
diferença  para  com  a  dialética  hegeliana:  nada  de 
categorias  abstratas;  nada  de  dar  sumiço  nos 
pressupostos;  nada  de  destruir  a  contradição;  antes 
manter  tudo  dentro  das  palavras,  das  réplicas,  das 
contrapalavras, dos diálogos vivos, das vozes divergentes 
e entonadas, sígnicas, ideológicas. Bakhtin mesmo afirma: 
“No  acontecimento  singular  e  único  da  existência,  é 
impossível neutro.  Só de meu  lugar  singular  é possível 
elucidar  o  sentido  do  acontecimento  em  processo  de 
realização, que se torna mais claro à medida que aumenta 
a intensidade com que nele me radico” (2003, p. 118).  
Assim como será a nossa vida após este livro, após a 
leitura dos trabalhos que compõem a obra.  Escrevi com o 
Prof. Fábio Souza uma forma de se ver a importância dos 
estudos de Mikhail Bakhtin e seu círculo para as ciências 
humanas. Como antecipamos aqui nesta apresentação, o 
caminho bakhtiniano para os estudos da  linguagem  tem 
muito  mais  a  oferecer  do  que  o  estruturalismo  que 
dominou o século XX. Alixandra e Hermano Oliveira nos 
modificam apresentando os tons valorativos presentes nas 
novas  formas  de  comunicação  na  internet. Utilizam  os 
vídeos do canal do Youtube Porta dos Fundos para aplicar 
a teoria bakhtiniana que é feita da vida para a vida. Jean 
Ellaro e Cynthia Girotto apresentam o desenho como um 
instrumento  para  o  diálogo  entre  dois  colossos  do 
pensamento  ocidental:  Bakhtin  e  Vigotsky.  Em  outro 
momento da obra Leandro Manzoni traz o conhecimento 
Bakhtiniano  da  ideologia  em  peças  publicitárias  e  as 
 
14  
reflexões e discursos nelas presentes. Natália Nascimento, 
Marco Antônio Villarta‐Neder e Helena Ferreira trazem‐
nos uma discussão entre as teorias do círculo de Bakhtin e 
as  atividades  de  escrita  no  contexto  da  sala  de  aula 
evidenciando  as  vozes  dos  alunos  escritores.  Sônia 
Baratela nos apresenta uma reflexão de leitora iniciante da 
obra de Bakhtin e nos faz recordar como éramos quando 
começamos  a  ler  a  obra do mestre  russo. Em  suma,  os 
trabalhos aqui presentes neste livro priorizaram a escrita 
feita  com  o  olhar  para  o  humano,  as  nossas  vozes, 
reflexões e busca por uma nova forma de ver e viver no 
mundo. Uma forma com alteridade e humanidade. 
Um  exemplo  da  literatura  vem  à  ideia  para 
exemplificar esses trabalhos e nos introduzir no  jogo das 
perguntas. Nesse jogo dialógico os sentidos se constituem. 
Gabriel Garcia Marquez,  na  obra  “A  aldeia  que  nunca 
mais  foi  a  mesma”,  traz  o  enredo  de  uma  aldeia  de 
pescadores  em  que  uma  coisa  chegou  à  praia.  Era  um 
cadáver. Homens e mulheres se mobilizaram para enterrar 
aquele  morto.  As  mulheres,  como  era  costume,  o 
colocaram sobre uma mesa, numa das casas, e começaram 
a prepará‐lo para ser enterrado. Limparam‐no, ajeitaram 
roupas  limpas,  pentearam  seus  cabelos.  Tudo  em  um 
silêncio obsequioso.  
De repente, uma delas pega na mão do morto e diz: 
quem  será  que  essas  mãos  acariciaram?  Como  elas 
passavam  pelos  cabelos  anelados  de  outras  pessoas? 
Mulheres?  Filhos?  Os  homens  do  lado  de  fora 
acompanhavam os trabalhos das mulheres espiando pelas 
janelas. Outra também falou: como será que ele andava? 
Alto  como  é  certamente  tinha  um  andar  firme,  passos 
largos. Se  fosse  entrar  em nossas  casas  certamente  teria 
 
15  
que se abaixar e inclinar, porque nossas portas são baixas... 
Alguns  homens  começaram  a  pigarrear.  Outra  falou: 
como  será  que  era  seu  olhar?  Doce?  Olhar  duro? 
Compreensivo?  Gostava  de  olhar  ao  longe?  Enxergava 
além das aparências? Do lado de fora os homens trocavam 
olhares enviesados. E outra ainda falou: como será que era 
suavoz?  Será  que  era  uma  voz  doce,  compreensiva, 
cativante. Voz  forte. Que palavras  terá pronunciado aos 
ouvidos de uma mulher?  Será  que  falava de  amor? De 
Paixão?  Que  desejos  expressava?  Outras  mulheres 
tocavam o cadáver, e algumas suspiravam. A ciumeira dos 
homens  cresceu  e  muito.  As  perguntas  dos  homens  e 
mulheres, daquela aldeia, construíram muitos e diversos 
sentidos  e mexeram  com  seu viver. Nunca mais  aquela 
aldeia foi a mesma. Nós, por aqui, certamente, após esta 
obra, não mais seremos os mesmos. 
 
Prof. Dr. Ivo Di Camargo Júnior 
 
Referências  
 
BAKHTIN,  M.  Estética  da  criação  verbal.  São  Paulo:  Martins 
Fontes, 2003.

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