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Cibele Forjaz Simões À LUZ DA LINGUAGEM A iluminação cênica: de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura do visível’ (Primeiro recorte: do Fogo à Revolução Teatral) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes, Área de Concentração Artes Cênicas, Linha de Pesquisa Teoria e História do Teatro - Literatura Dramática, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a orientação do Prof. Dr. Jacó Guinsburg. São Paulo 2008 2 DISSERTAÇÃO DE MESTRADO À LUZ DA LINGUAGEM A iluminação cênica: de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura do visível’ (Primeiro recorte: do Fogo à Revolução Teatral) Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Artes, Área de Concentração Artes Cênicas, Linha de Pesquisa Teoria e História do Teatro - Literatura Dramática, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Artes, sob a orientação do Prof. Dr. Jacó Guinsburg.Autoria: Cibele Forjaz Simões São Paulo, 2008 3 Assinaturas da Banca: __________________________ __________________________ __________________________ 4 DEDICATÓRIA: Dedico esta tentativa de aguçar meu olhar em relação à função da iluminação na encenação teatral ao meu orientador, que numa iluminação de gênio me propôs a idéia-título dessa dissertação: “À luz da linguagem”. Foi esta provocação da língua que me impulsionou a começar a escrever. Dedico este trabalho á Jacó Guinsburg, pela presença e debate de idéias como orientador durante o mestrado, que me têm feito procurar as razões essenciais do meu trabalho. Mas também por sua importância na minha formação, a que sou imensamente grata. Jacó Guinsburg “fez a cabeça” da minha geração. Instigou- nos à reflexão, ao prazer por pensar, à curiosidade pelo estudo, à busca de uma praxis continuada no fazer teatral. E isso é visível no teatro que fazemos. Dedico também aos meus “mestres” na luz – Que além de me ensinar me deram coragem para este salto no escuro: Hamilton Saraiva, meu primeiro professor; David de Brito, mestre entre os mestres; Marcio Aurélio, diretor e parceiro dos inícios; Zé Celso, meu diretor querido. E, finalmente, aos meus “filhos” iluminadores, aprendizes e alunos – com quem aprendo a ensinar e a recomeçar continuamente. 5 RESUMO Este projeto de pesquisa tem por objetivo estudar o desenvolvimento da linguagem da iluminação cênica, em sua relação com os caminhos da encenação. O eixo central é a transformação da função da iluminação cênica, de instrumento da visibilidade a elemento estrutural e estruturante da escrita cênica, constituindo- se como linguagem. Através de um olhar abrangente sobre a história e a estética do teatro, pretende-se pontuar os trabalhos exemplares, de forma a descrever esse processo de transformação e suas variáveis, instituindo conceitos para uma análise específica da iluminação cênica. A dissertação de mestrado compreende um recorte de tempo que vai do fogo à revolução teatral, com ênfase no período de 1880 a 1914. ABSTRACT The present research project’s aim is to investigate the development of the stage lightning language in its relation with the ways of stage performance. The central aspect is the transformation of the function of stage lightning, from a visibility instrument to structural and structuring stage language. Through a broad approach over theatres’s History and aesthetics, I intent to point out the exemplary works, in order to describe this transformation process and its variables, stablishing concepts for a specific analysis of stage lightining. The dissertation covers a time period which goes from the usage of fire until the theatrical revolution, emphasizing the years in between 1880 to 1914. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1ª PARTE – A LUZ EM BUSCA DO VISÍVEL CAPÍTULO 1 A LUZ E A VISIBILIDADE CAPÍTULO 2 ANTECEDENTES DA AÇÃO: FLASHES DA HISTÓRIA DA ILUMINAÇÃO CÊNICA DO SOL ÀS VÁRIAS FORMAS DO FOGO. 2.1. INTRODUÇÃO: FIAT LUX... E A LUZ GEROU A SOMBRA 2.2. O TEATRO GREGO e o SOL 2.3. O TEATRO MEDIEVAL e o FOGO 2.4. O RENASCIMENTO E O RAIAR DAS LUZES NO TEATRO 2.5. A CLAREZA DO RENASCIMENTO DISSOLVE-SE NOS CONTRASTES DO BARROCO 2.6. O ROMANTISMO E O APERFEIÇOAMENTO DA CAIXA MÁGICA DE ILUSÕES 2.7. O RAIAR DO SÉCULO XIX E A LUZ VIVA DO GÁS CAPÍTULO 3 A LUZ ELÉTRICA ENTRA EM CENA CAPÍTULO 4 A REVIRAVOLTA: O SURGIMENTO DA ENCENAÇÃO E A LUZ CAPÍTULO 5 O NATURALISMO E A DESCOBERTA DAS “ATMOSFERAS” NA LUZ 5.1 O NATURALISMO E A SUA SUPERAÇÃO ou DO REAL À SUBJETIVIDADE 7 2ª PARTE - A LUZ ATRAVESSA O VISÍVEL OU O SIMBOLISMO E A LUZ COMO LINGUAGEM CAPÍTULO 6 O SIMBOLISMO E AS ILUMINAÇÕES 6.1 LUGNÉ POË e PAUL FORT e a encenação simbolista CAPÍTULO 7 LOÏ FÜLLER – O TEATRO DANÇA A LUZ CAPÍTULO 8 ADOLPHE APPIA da luz ativa à luz viva. CAPÍTULO 9 GORDON CRAIG a luz contracena com a matéria CAPÍTULO 10 UMA REINVENÇÃO DA LUZ PARA NOVAS RELAÇÕES ESPACIAIS OU A REVOLUÇÃO ALEMÃ NA LUZ 10.1 O KÜNSTLER-THEATER DE MUNIQUE Peter Behrens, Max Littmane Fritz Erler, Georg Füchs 10.2 MAX REINHARDT e a luz das “catedrais cênicas” CAPÍTULO 11 MEIERHOLD as encenações simbolistas e a luz CAPÍTULO 12 - CONCLUSÃO À LUZ DA LINGUAGEM 8 INTRODUÇÃO DA ORIGEM O tema dessa dissertação de mestrado tem duas origens complementares. Primeira: O meu desejo de, como iluminadora e encenadora com vinte anos de experiência prática, refletir sobre a relação intrínseca entre a concepção do espetáculo como um todo e a criação da iluminação teatral, entendida não apenas como um desenho técnico dos equipamentos de iluminação no espaço, mas, sobretudo, como o movimento da luz no tempo, parte integrante da progressão dramática do espetáculo. Ou seja, a origem desse trabalho vem da necessidade de, como artista, pesquisar e entender as funções e os procedimentos que re-atualizam na prática do fazer teatral a iluminação cênica como linguagem. Imaginei de início proceder à essa reflexão a partir da pesquisa e análise do meu próprio trabalho como iluminadora e assistente de direção de José Celso Martinez Correa no Teatro Oficina Uzyna Uzona, de 1991 a 2002. Mas assim que comecei a estudar o assunto com mais cuidado percebi a importância de uma pesquisa retrospectiva, do ponto de vista da estética teatral, da função da luz no espetáculo. Incluí então no meu projeto de pesquisa inicial uma primeira parte, de natureza histórica, mas uma parte era estranha à outra. Segunda: A necessidade, como professora de Iluminação Teatral 1, de estudar e desenvolver uma pesquisa mais aprofundada sobre a história da iluminação no teatro, um tema ainda pouco estudado no Brasil e com uma bibliografia específica restrita 2. 1 Uma reviravolta na minha vida fez com que no início de 2006, portanto ainda na primeira fase da pós-graduação, eu fosse escolhida, por concurso público, à cadeira de iluminação teatral do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo. 2 É importante notar aqui a existência, como oásis no deserto, de duas obras fundamentais: a dissertação de mestrado do Prof. Dr. Hamilton Saraiva: Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. São Paulo: ECA/USP, 1990, 2 vol. E o excelente livro de Roberto Gill Camargo, A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000. 9 Com base nestes dois focos de interesse, o primeiro voltado para um aprofundamento estético e o segundo para uma pesquisa histórica (que estavam à princípio separados, cindidos e estanques na minha cabeça) meu orientador propôsuma articulação fundamental entre eles, dando origem ao atual projeto: partir de uma pesquisa histórica para proceder à uma análise estética e, a partir da análise de casos exemplares, estabelecer o percurso de constituição da linguagem. DO MÉTODO A metodologia de pesquisa, análise e sistematização desse trabalho tem duas fontes principais, que atuaram em conjunto, complementando-se uma em relação à outra. A primeira é uma pesquisa bibliográfica, sobre a qual discorrerei um pouco na seqüência, a segunda vem da minha prática como iluminadora- encenadora e professora de iluminação. O meu conhecimento prático da linguagem e da técnica da iluminação cênica, desenvolvidos em vinte anos de profissão, potencializou a minha capacidade de entendimento, análise e articulação da bibliografia lida de maneira decisiva. Tanto no que se refere á compreensão dos procedimentos e termos técnicos, características da linguagem, dificuldades e resultados, quanto na possibilidade de apreender das descrições, fotos, críticas e análises dos espetáculos, informações específicas sobre a iluminação. Por outro lado, no sentido inverso, a partir da leitura da bibliografia comecei a fazer experiências práticas em sala de aula, com meus alunos, reproduzindo modos e formas de iluminar e testando alguns efeitos descritos, principalmente na iluminação à luz do dia e com fontes ígneas: reflexões, rebatimento e formas de colorir as luzes, conectando teoria e prática. Essas experiências permitiram, principalmente, criar uma relação direta e inspiradora entre a intelecção e a minha prática criativa. Quanto à bibliografia: Comecei por recorrer às histórias do teatro e às análises da encenação no século XX, que traçam panoramas gerais e relacionam movimentos, 10 encenadores, práticas teatrais e espetáculos, inclusive com imagens e descrições. Também li vários manuais de iluminação e algumas obras específicas sobre a história e estética da iluminação cênica. Entre elas foram fundamentais para a organização desta dissertação o mestrado de Hamilton Saraiva 3 o livro de Roberto Gill Camargo 4 e um artigo de Denis Bablet sobre a luz 5. Na seqüência, eu li as obras específicas sobre o trabalho dos principais encenadores do século XX, aqui analisados: primeiro os livros escritos por eles próprios sobre suas concepções estéticas e encenações. Depois livros de análise sobre os seus trabalhos práticos e teóricos, com as descrições dos processos de criação e espetáculos, escritos por pesquisadores de teatro 6. As citações em língua estrangeira foram todas traduzidas livremente para o português: as traduções do inglês foram realizadas por Laura Knoll, as traduções do espanhol por mim e as do francês por mim, Laila Miranda Garin e Pedro Cesarino. O texto de referência “Arte e técnica no fim do século XIX” foi traduzido por Gabriela Itocazo. DO TEMPO E DA PESSOA DO VERBO A partir desse momento deixo de escrever na primeira pessoa, para escrever na terceira. Não se trata apenas da idéia de um tempo verbal abstrato, na qual me escondo de minhas análises, idéias e conclusões, mas da inclusão de uma consciência ampliada, materializada na figura do meu orientador, Jacó Guinsburg, que viveu esse processo ao meu lado. Como um “outro”, primeiro leitor, interlocutor e articulador, diretor e guia nos meus caminhos e descaminhos, mas também como um “duplo”, introjetado dentro do meu processo de reflexão, para quem eu escrevia e que me dava coragem para articular idéias e tirar 3 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, 2 vol. 4 Camargo, Roberto Gill; A Função Estética da Luz, TCM Comunicação, Sorocaba, SP, 2000. 5 Bablet, Denis – “A Luz no Teatro” in O teatro e sua Estética, Lisboa: Ed Arcádia, 1968. 6 Nesse aspecto gostaria de agradecer imensamente aos professores do Departamento de Artes Cênicas da ECA/USP que abriram suas bibliotecas pessoais e me emprestaram obras de difícil acesso, que foram fundamentais para a realização desse trabalho. 11 conclusões, não somente a posteriori, mas também no exato momento em que as palavras brotavam ou eram tiradas a fórceps da minha consciência de marinheira de primeira viagem. Tive, portanto, o privilégio de dar os meus primeiros passos na pesquisa e reflexão artística ao lado de um mestre, que, como todo grande mestre me ensinou no passo a passo desse trabalho a me tornar mestre de mim mesma, uma e outro em uma mesma terceira pessoa concreta. Como um ator que traz em si, na concretude da cena, o autor e o diretor, para ser a um só tempo: pessoa, personagem e terceiro olho, em ação. DA ESTRUTURA E SEUS SENTIDOS Dado o tamanho do projeto, resolvemos separar o trabalho em dois recortes: o primeiro aqui apresentado como dissertação de mestrado vai dos primórdios da história do teatro até o que chamamos de revolução teatral, com o surgimento da encenação moderna, o advento do movimento simbolista e o trabalho dos primeiros grandes encenadores do fim do século XIX e começo do século XX. Quando então consideramos completo um ciclo, no qual a iluminação cênica já é, tanto na prática quanto na teoria, compreendida como linguagem estrutural constituinte do todo da encenação 7. Tomei por referência a data de 1914, quando começa a primeira guerra mundial, ou seja, não tratei dos movimentos de vanguarda que se engendram no começo do século, mas explodem no pós-guerra. O segundo recorte começa justamente nas vanguardas modernas do pós- guerra (1914 – 1918) e vem até a atualidade. Será apresentado a seguir como projeto de pesquisa para um doutorado em Artes Cênicas. Porém esse recorte histórico ainda compreende um período muito extenso da história do teatro. Foi necessário dividir o trabalho em partes e privilegiar algumas em relação às outras sempre de acordo com o eixo central do trabalho, que é estudar o desenvolvimento da linguagem da iluminação cênica e sua relação com os caminhos da arte do espetáculo. 7 Embora essa acepção ainda não estivesse absolutamente generalizada na prática teatral, suas bases já estavam lançadas e muito bem entendidas na experiência e na concepção de alguns encenadores e teóricos da arte do espetáculo. 12 Esse processo de constituição da luz como linguagem tem antecedentes importantes, principalmente no Renascimento italiano, mas concentra grande parte do seu desenvolvimento prático e principalmente teórico a partir de 1880, momento em a luz elétrica entra definitivamente em cena e começa uma forte imbricação entre a encenação moderna e o desenvolvimento da linguagem da iluminação cênica. Privilegiamos, portanto, o detalhamento da pesquisa nesse período. Dividimos então o trabalho em duas partes: A luz em busca do visível e A luz atravessa o visível ou o Simbolismo e a luz como linguagem. Tomamos por referencia a reviravolta na função da iluminação na arte do espetáculo que ocorre a partir do movimento teatral simbolista e seus ecos, quando a luz passa a participar ativamente na escritura da encenação. É lógico que a luz elétrica é fundamental para essa mudança, mas consideramos que ela é um fator essencial que possibilitou a mudança e não a mudança em si. O momento histórico é o mesmo, mas o ponto de vista tem uma imbricação fundamental entre a técnica e a estética. Esse é um ponto importante desse trabalho, a relação intrínseca entre técnica e estética e entre luz e encenação. As formas e sentidos da iluminação cênica serão analisados sempre como uma resultante da imbricação entre a estética da encenação e dos meios técnicos disponíveis, ou passíveis de serem inventados naquele momento histórico. Cabe notar então que o foco do meu interesse não está na história do desenvolvimento técnico no decorrer da história do teatro,trabalho já realizado com maestria pelo professor Dr. Hamilton Saraiva em seu mestrado e ao qual eu me referi sempre que necessário, mas em que medida essa técnica e prática da iluminação cênica se articulam com a encenação no desenvolvimento de uma linguagem. Por essa razão condensamos em um único capítulo geral um período de tempo muito abrangente, que vai do teatro grego até a primeira metade do século XIX, onde a iluminação cênica tem por principal fonte de luz artificial, o fogo, em suas diversas técnicas e formas de utilização. Chamamos este capítulo (o segundo) de Antecedentes da ação: flashes da história da iluminação cênica do Sol às várias formas do fogo porque o 13 objetivo deste trabalho não é, nem poderia ser, abarcar toda a história da iluminação, mas retirar dela os pontos de apoio para entender a constituição da linguagem que usamos hoje. Escolhemos então nesse período trabalhar a partir de flashes, clarões que ressaltam momentos significativos de mudança na iluminação, tanto do ponto de vista técnico quanto estético e que nos permitiram construir uma linha de pensamento. O Capítulo três trata do processo de fricção entre a ciência e o teatro, na qual a energia elétrica vira luz, as lâmpadas entram em cena e os primeiros aparelhos de iluminação elétrica são inventados e postos em cena. Processo que se inicia em 1846, com a invenção da lâmpada de arco-voltaico. O capítulo quatro trata das relações entre o surgimento da encenação e a luz. Um e outro servem de base para todo o detalhamento posterior e se estendem no tempo até o fim do período em que focamos este trabalho. A partir de então o tempo se justapõe em todos os capítulos, onde acompanhamos de perto o processo de criação de alguns encenadores, performers e/ou teóricos, que foram fundamentais na constituição da encenação moderna enquanto tal, tentando apreender em cada um o desenvolvimento da linguagem da iluminação cênica tanto na prática quanto na teoria. Escolhemos aqui alguns encenadores, considerados como casos exemplares de todo um processo que, por ser mundial, deve ter essa história multiplicada, em espaços e tempos diferenciados cada qual com suas características próprias. Se alguns estão aqui contemplados com uma análise mais profunda, muitos outros com certeza foram deixados de lado. Toda a escolha tem seus ônus, porém é inevitável. Então gostaríamos de deixar claro nesta introdução que os encenadores analisados servem de ícone para compreender um processo mais amplo e que foram escolhidos dado o seu papel exemplar na história do teatro, pela relação que o seu trabalho tem com a iluminação cênica, por sua influência significativa no processo geral e também de acordo com a possibilidade que tivemos de acesso às informações em detalhes – já que partimos principalmente de descrições e análises sobre as encenações, de onde poderíamos apreender as práticas específicas em relação à luz dos espetáculos – ou seja, são todos amplamente estudados e divulgados e, na 14 maioria dos casos, têm uma reflexão própria sobre a encenação, incluindo aí a iluminação cênica. É em busca dessas relações entre luz e linguagem, que pretendo olhar a história e a estética da iluminação no teatro para articular a partir de caminhos variados uma trama única. É a crescente transformação da cena através da luz e a manipulação cada vez mais consciente desse ponto de vista que constitui o cerne desse caminho. O CAMINHO DAS MIL FACES Se do ponto de vista da articulação entre as partes almejamos apreender um caminho, como parte constituinte de uma análise coerente e coesa, gostaria de esclarecer que não acreditamos que exista de fato um caminho, mas apenas a concepção de um caminho, que é resultado da organização e exposição de uma reflexão específica que pretendemos aqui realizar. É lógico que existem as práticas e as influências e que o desenvolvimento técnico pode ser visto, com milhares de ressalvas, como “progressivo” 8, mas as resultantes estéticas com certeza não o são. A relação da iluminação com a construção do espetáculo e a sua consciência não segue uma linha contínua ou qualquer noção de progresso, muito pelo contrário, ela acontece aos saltos e em direções as mais variadas. Este processo de transformação da iluminação cênica em linguagem se dá a partir de práticas as mais variadas, através dos tempos: experiências precursoras, práticas extemporâneas, saltos qualitativos e esquecimentos históricos, caminhos particulares, pontos de vista diferentes e concepções às vezes opostas. Nenhuma realização, concepção ou interpretação sobre a função e prática da iluminação no espetáculo teatral é uma conquista absoluta, ela pressupõe uma re- atualização criativa no tempo e no espaço. A prática de uma luz ativa na construção do espetáculo tem de ser reinterpretada e reinventada pelos artistas da iluminação a cada instante, na realização de cada novo trabalho, em cada obra de arte, única e particular. 8 Embora um grilo falante sussurre em nossos ouvidos o aviso de Einstein sobre a quarta guerra mundial, entre porretes e tacapes. 15 DO OBJETO O foco deste trabalho é, portanto, a iluminação no teatro em sua relação com a encenação e o seu objetivo é apreender a transformação da iluminação cênica de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura’ do visível, conceito que pressupõe a existência de uma espécie de “dramaturgia” do visível, uma linguagem para os olhos, estrutural e estruturante na arte da encenação, que se sobrepõe ou até mesmo se contrapõe àquela apreendida pelos ouvidos. Pretendo, portanto, analisar a história da iluminação cênica tendo por ênfase as várias funções da iluminação teatral no espetáculo, em busca da concepção desse caminho que vai de ferramenta à linguagem, de efeito especial à escritura da cena. 16 1ª PARTE – A LUZ EM BUSCA DO VISÍVEL 17 CAPÍTULO 1 A LUZ E A VISIBILIDADE “Fiat Lux” e fez-se o mundo. “Black-out” e o mundo desaparece na escuridão. A luz, com suas variações de intensidades e cores, ângulos e distâncias, sempre foi motivo de reflexão e estudo. O estudo da luz está presente na origem de várias ciências como a física, a geometria, a astronomia, a óptica, a teoria das cores, a teoria da percepção, entre muitas outras. O homem percebe o mundo principalmente através da visão que tem das coisas à sua volta, que chamamos por realidade. Porém a visão é resultado de um processo complexo que começa na fonte de luz que emite raios luminosos (freqüência de ondas eletromagnéticas), que são absorvidos ou refletidos pela matéria de que são compostas as superfícies do que está sendo iluminado. A luz refletida é captada pelos olhos que enviam impulsos nervosos ao cérebro onde a informação é decodificada e percebida. Os olhos são extremamente adaptáveis e filtram em segundos a quantidade de luz, as temperaturas de cor e os contrastes. A percepção da luz cria as noções de forma, cor, volume, profundidade, distância e movimento em relação à subjetividade. O que significa dizer que a visão é uma relação ativa entre sujeito e objeto. A visualidade constitui-se assim de um processo de relações entre a luz, o mundo observado, os olhos do observador e a capacidade humana de representar e interpretar aquilo que é visto, através da subjetividade. Ver é criar uma representação do objeto em si, é projetar-se sobre o objeto. A visão é, portanto, um processo análogo à da linguagem. Aprendemos a ver através da cultura e a ter prazer estético com isso. A fruição através da visão das artes pressupõe um processo criativo, de reinvenção do mundo representado. Por ser tão mediada, a luz para nós não existe em si, mas torna-se luz para os nossos olhos na medida em que ilumina a matéria e reflete, formando um contexto complexo de informações,todas elas relativas entre si. Assim como os sons o que percebemos depende de um conjunto de relações, entre a fonte de 18 luz, suas características determinadas, o ângulo em relação aos objetos e aos olhos dos espectadores, o contraste entre a luz e suas sombras, o contraste entre as cores, emitidas, filtradas, refletidas e a sua resultante final para os olhos, as relações entre o que está mais ou menos iluminado, a quantidade de luz que vem antes e a que vem depois. Enfim, uma orquestração de estímulos relacionados entre si. Assim, quando falamos em iluminação cênica, estamos pensando não só em tornar visível, mas em construir uma visibilidade determinada. Não se trata apenas de ver, mas como ver. 19 CAPÍTULO 2 ANTECEDENTES DA AÇÃO: FLASHES DA HISTÓRIA DA ILUMINAÇÃO CÊNICA DO SOL À LÂMPADA Refletir sobre a história da luz antes do advento da luz elétrica é um exercício de sair do próprio tempo. Como temos um modus vivendi absolutamente dependente da eletricidade, é difícil conceber a vida e o teatro á luz de velas. Justamente por estarmos atavicamente ligados ás nossas próprias experiências, é que o senso comum reproduz a idéia de que a iluminação cênica só começa a existir e a se pensar a partir da entrada da luz elétrica em cena. É fato que a função da iluminação cênica muda significativamente a partir da chegada da luz elétrica ao teatro, mas também é que muito já havia sido pensado e realizado antes, por séculos e séculos de práticas teatrais. Este capítulo busca, portanto, fazer um vôo sobre esses séculos sem nenhuma pretensão de aprofundar-se em qualquer tema ou período, com o objetivo único de pinçar na história do teatro diferentes utilizações da luz do fogo, da tocha ao gás, para que possamos perceber e pensar o desenvolvimento da idéia de iluminação cênica e de suas funções no decorrer da história do teatro, sem achar que o nosso tempo histórico é soberano e inventou tudo do nada. 2.1 FIAT LUX... E A LUZ GEROU A SOMBRA No início era o Dia e a Noite e o percurso do Sol pela abóbada celeste visto da Terra. O estudo da luz do Sol, percebida através do olho humano, com suas variações de distâncias e ângulos, intensidades e cores, sempre foi para o homem motivo de inspiração e reflexão. A luz do Sol que nos ilumina é energia, vibração, ou mais precisamente radiação eletromagnética compreendida num espectro visível 9. Mas a idéia de 9 O espectro das radiações eletromagnéticas perceptível pelo olho humano é chamado de “luz” e compreende uma pequena faixa de comprimento de onda 20 “Luz” carrega em si muitos outros significados, como por exemplo, a luz divina, a comunicação entre deuses e homens e o próprio nascimento da vida. Como toda vida tem sua morte, todo Deus seu lado terrível, toda luz gera sombra. A noção de luz e sombra como elementos opostos, complementares, e originários faz parte da história da cultura, das artes e das religiões em muitas culturas. Segundo, Hermilo Borba Filho, uma das primeiras danças dramáticas de que temos notícia é o Drama da Paixão Egípcia, cujo tema principal é a luta da luz contra as trevas: O Drama da Paixão Egípcia descreve a luta de Osíris – a luz – contra Set – as trevas. Osíris é derrotado, mas Hórus, seu filho vinga a sua morte. Esta dança é uma representação simbólica do Dia e da Noite e, por extensão, do Bem e do Mal. 10 A batalha entre a luz e as trevas representa a idéia da existência como luta de contrários. Esta dança nos remete a uma origem mítica do tempo e do devir11. A luz pressupõe a sombra e a sombra, a luz. A existência de ambos está contida no seu contraste originário, tanto no plano mítico, quanto no físico. Não existe definição de volume, forma, distância, delimitação de espaço, noção de composição ou apreensão do movimento, sem contraste. O olho depende não somente da existência da luz para ver, mas do contraste que ela gera. O contraste é condição sinequanon da nossa capacidade de percepção da luz e a partir dela, do mundo que nos rodeia. A “Luz” tem, portanto, na idéia de contraste seu princípio fundamental expresso desde os primórdios, desde o nascimento do teatro no espírito da dança e da música, muito antes do teatro ser entendido como linguagem, da existência da iluminação artificial e desta poder ser controlada pelo homem. que vai de 380 a 780 milimícrons, ou do violeta ao vermelho. O arco-íris e suas gradações é o exemplo mais claro desse espectro solar que encontramos na natureza. 10 Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O Cruzeiro, 1968; p.13. 11 O nascimento de todas as coisas, a corrupção de todas as coisas, a mudança qualitativa, a mudança quantitativa e o movimento no espaço/tempo. 21 Até o século XV o teatro é iluminado pela luz do Sol. Neste longo período da história do teatro existem várias descrições da utilização da luz do fogo e de reflexões da luz do Sol como instrumento do espetáculo. Nestes casos a função da luz é predominantemente a de realizar efeitos especiais, principalmente as aparições sobrenaturais, divinas ou demoníacas. Esta relação entre a luz e o sobrenatural é uma constante e relaciona-se com a idéia da luz como representação ou presentificação da divindade. 2.2 O TEATRO GREGO E O SOL O teatro grego, de origem religiosa e campestre, originou-se, segundo uma das versões, do culto a Dionísos, os ritos de fertilidade dos sátiros dançantes. Essa festividade rural é trazida dos campos para as cidades por volta de 539 a.C. (por Téspis) e é a partir desta época que o Estado Grego tomou a si a organização do teatro, instituindo concursos entre os poetas dramáticos – As Dionisíacas. Com origem na época de Péricles, As Grandes Dinisíacas aconteciam na Cidade-Estado de Atenas por 6 dias seguidos no mês de março, e duravam a cada dia o tempo do percurso do sol. O público chegava ao nascer do sol, vestido de branco 12 e as apresentações iam até o anoitecer. No fim do dia "o cortejo voltava a Atenas sob a claridade das tochas" 13. O teatro Grego era realizado, portanto, à luz do Sol, do nascente ao poente. A idéia de tempo na tragédia está, portanto, intimamente ligada ao percurso do sol pela abóbada celeste, suas mudanças de ângulo e luminosidade e seus limites. 12 “Vestido com o branco ritual, o público chegava em grande número às primeiras horas da manhã ‘Um enxame branco’ é como o chama Ésquilo” Berthold, Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, São Paulo, 2003. p. 114. 13 Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O Cruzeiro, 1968; p.34. 22 Desta forma a questão da visibilidade do espetáculo tinha de ser cuidadosamente estudada, a escolha do local da representação em relação á platéia precisava levar em conta, entre tantas outras variáveis, a direção e o ângulo do Sol. Assim o Sol, que nasce a leste e se põe a Oeste, deveria iluminar a cena de forma oblíqua, nascendo e se pondo por trás dos espectadores á direita ou á esquerda da Skené, para que iluminasse os atores, sem cegar a platéia que olha em direção à cena. Como demonstra o desenho ao lado que representa o eixo do espaço da performance no teatro de Dionísos, em Atenas 14: O local da Dionisíaca de Atenas era a encosta da colina do Santuário de Dionísio, ao sul da Acrópole. 15 Primeiro em instalações provisórias construídas em madeira. Cabanas eram construídas atrás da área de representação, como base para os cenários. Estas cabanas, onde os atores e o coro se trocavam, dão origem ao termo Skené (tenda ou cabana). A pintura sobre a Skené deu origem à palavra skenografia. Na frente da Skené, o Proskênion, espaço onde representam os atores e na sua frente Orquestra (de orkestai, local onde se dança)local para a evolução dos coros, em volta o local destinado à platéia, o Théatron (lugar onde se vê). A origem da palavra teatro está, portanto, diretamente ligada à visão, é uma ação que se representa para ser vista por um público. No centro da Orquestra, sobre um pedestal baixo o altar sacrificial, o Thimelê – altar ou fogo Sagrado. Enquanto estivesse aceso o Thimelê, Dionísos - o deus do entusiasmo e do teatro – estaria presente às representações. A luz do fogo sagrado representa no teatro grego a própria presença do Deus. 14 Wiles, Davis. Tragedy in Athens: performance space and theatrical meaning. Cambridge University Press, 1997, p.57 apud Pollini, Denise. Eurípides, A Cenografia e os Mecanismos Cênicos do séc. V a.C. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 2004.p. 113. 15 Sobre a descrição dos locais e dos elementos da arquitetura do Teatro Grego: Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O Cruzeiro, 1968; pp.32 a 34; Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003; pp. 113 a 118 e Pollini, Denise. Eurípides, A Cenografia e os Mecanismos Cênicos do séc. V a.C. Op. Cit. pp. 15 a 21. 23 Os efeitos especiais luminosos realizados com fogo ou reflexão da luz do sol em superfícies polidas, principalmente nos momentos de clímax, aparição de deuses ou seres maravilhosos, são tradição no teatro e existem registros de sua utilização desde a tragédia grega. Entre as máquinas e os efeitos especiais do teatro grego que se conhece, como guindastes, alçapões, escadas e praticáveis móveis, há efeitos de luz, como os raios feitos com reflexo e até mesmo, segundo Hermilo Borba Filho16, a projeção de imagens ou sombras, é possível que a partir da reflexão do próprio Sol: (...)uma espécie de lanterna mágica que fazia os espectadores verem o outro extremo da cidade, náufragos no meio das ondas, apoteose de heróis acompanhados por fogos de artifício 17 Mas não por acaso, o grande exemplo da luz como convenção e que tem início no teatro grego, é a utilização da luz do fogo como signo da noite, como nos indica Roberto Gill Camargo: As velas, tochas e archotes costumavam entrar só no final das apresentações, quando estas se estendiam até mais tarde, invadindo o período da noite. Em alguns casos, porém, era recurso usado para designar ‘noite’ e ‘escuridão’. 18 È bem significativo que à noite o fogo sirva para iluminar a cena, que necessita ser vista, independente de qualquer indicação de ‘tempo’ e ‘espaço’ no âmbito da ficção; mas ao contrário, um ator que porta uma tocha em plena luz do dia, representa uma personagem que necessita do fogo para ver, portanto encontra-se, na ficção, em meio à escuridão – à noite ou em local escuro, como uma caverna ou uma floresta fechada. Esta convenção teatral talvez seja o primeiro lampejo da luz utilizada como linguagem. Nesse caso a luz do fogo traz 16 Não encontramos mais indicações ou detalhes sobre esse efeito de projeção no teatro grego, à luz do dia, nem ao menos outra menção. Como não sabemos as fontes de Hermilo, apenas indicamos a citação. 17 Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O Cruzeiro, 1968; p.33. 18 Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000. p. 14. 24 consigo o signo de seu oposto, a escuridão. Reiterando a noção de contraste como princípio fundamental da iluminação, mesmo do ponto de vista simbólico. 2 . 3 O T E A T R O M E D I E V A L E O F O G O O TEATRO SAGRADO medieval surge dentro das Igrejas, a princípio dentro da própria liturgia da missa, nas celebrações da Páscoa e do Natal. No decorrer dos séculos a representação litúrgica vai ganhando espaço e independência dentro da missa: Nos Autos Pascais as representações tornam-se cada vez mais elaboradas com a dramatização de vários trechos bíblicos em interlúdios profanos que encenam o Sacramento no meio da missa - através de diálogos escritos. Os cenários são montados simultaneamente para as diversas cenas, em vários locais da Igreja. A simultaneidade da ação e as áreas utilizadas determinaram o futuro palco de todo o teatro medieval. (...) Os espetáculos eclesiais desfilam os eventos bíblicos aos olhos do espectador com a mesma justaposição simultânea de um telão pintado 19 A luz ganha concretude no espaço, desenhada no ar pela fumaça dos incensos. O clima da iluminação é dado pelo contraste entre o mistério da luz tremulante do fogo (presente em miríades de círios, velas e candelabros acesos) e a transcendência da luz do sol filtrada pelos vitrais coloridos, colocados em ângulos precisos em relação ao Sol e que se movimenta pelo espaço de acordo com a hora do dia e as estações do ano, compondo com a arquitetura e percorrendo no chão das catedrais e igrejas desenhos místicos. Indo de encontro às grandes batalhas entre Deus e o Demônio, ou às contradições entre o sagrado e o profano, o grotesco vai se infiltrando nas representações do Teatro Medieval, e com ele as línguas e dialetos locais, durante séculos; até a expulsão do teatro de dentro das igrejas, do altar para a frente do portal, e na seqüência, dos pátios das Igrejas para as praças do mercado. De volta à rua e à luz crua e direta do Sol. 19 Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. pag. 196. 25 OS MISTÉRIOS E O FOGO DA BOCA DO INFERNO OS Mistérios são grandes ciclos bíblicos que contam a Paixão de Cristo, histórias do velho testamento e dos apóstolos. Começam a ser realizados a partir do séc. XII, quando as cidades assumem através das suas corporações de ofício, guildas e confrarias, as representações bíblicas que foram paulatinamente expulsas das missas e dos adros das igrejas20. No século XIII os Mistérios espalham-se e a maioria das cidades importantes da Europa tem a sua grande representação, realizadas em geral nas datas de festa cristã. No decorrer da ultima parte da Idade Média tornam-se um acontecimento fundamental para as cidades crescentes dos séculos XIV e XV, fundindo a religião às feiras e ao comércio. As produções tornam-se cada vez maiores e mais elaboradas e podem durar dias ou até semanas. Cada classe de artesãos assume a responsabilidade por uma das cenas bíblicas apresentadas, incluindo a produção e execução dos cenários e figurinos da representação. Muitos habitantes da cidade tomavam parte das cenas, principalmente como figurantes, os dillettanti. Os cenários de cada cena ou evento bíblico são construídos ao ar livre, todos dispostos pelo espaço de forma simultânea, e a história é representada em ‘estações’, com o público acompanhando o suceder dos passos da história sagrada. Nos palcos simultâneos, todos os cenários e acontecimentos já estão dispostos no espaço e no tempo, do início ao fim da história. Como na noção cristã do mundo, tudo já está posto, do paraíso ao juízo final, formando um todo único e eterno à imagem e semelhança de Deus. O palco simultâneo corresponde exatamente a esse cunho épico da representação; toda a ação já aconteceu e o próprio futuro é antecipado, sendo tudo simultâneo na eternidade do logos divino. A eternidade divina é atemporalidade em que o “então” das origens corresponde com o “então” escatológico. O palco simultâneo é a manifestação da essência, sobrepondo-se á aparência sucessiva. 21 20 “O caminho da celebração litúrgica ao espetáculo teatral, que a Igreja havia encetado e incentivado, fundia-se agora com o da ascendente população urbana européia, que, nos séculos seguintes, determinaria o curso da história e dessa forma, também o aspecto do teatro ocidental.” Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003. Pág. 203. 21 Rosenfeld, Anatol. O Teatro Épico. SãoPaulo: Editora Perspectiva, 1985.p.49. 26 Imagem do Mistério da Paixão de Valenciennes, 1547 22 A sucessão das cenas e a movimentação do público pelas diversas ‘estações’ mudam de acordo com a cidade e a região, gerando diferentes formas de representação e relação espacial com a platéia. Nos países baixos e cidades germânicas os cenários/cenas são montados nas praças, criando uma espécie de cidade-palco por onde a platéia circula em procissão. Nas cidades da região francesa as representações acontecem em compridos palcos-plataformas (como mostra o desenho acima). Na Inglaterra, Itália e Espanha os cenários são montados sobre carroças ou carros palcos, formando um ciclo processual onde por vezes os espectadores seguem as cenas, por outras as cenas movem-se enquanto os espectadores ficam parados. O próprio espectador está no palco; o auditório é simultaneamente o cenário e o palco. Palco e auditório, realidade estética e empírica, põem-se em contato direto e formam um único contínuo: o princípio da frontalidade foi completamente abolido, o fim da representação artística é a ilusão absoluta23 Como o grande apelo dramático dessas epopéias eram os êxtases e milagres e os infernos e as danações, a grandiosidade dos cenários e os efeitos especiais com maquinaria e fogo tornam-se muito importantes para a grandiloqüência das cenas. Efeitos de explosão, fogo e raios flamejantes eram fundamentais para o efeito de êxtase e terror da platéia. Os cenários do inferno tinham grande função no clímax dos espetáculos e eram os carros chefes dos 22 Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. Pág. 230. 23 Hauser, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: Mestre Jou, 1980-1982. Volume 1.p. 350. 27 efeitos especiais: as bocas do inferno tinham mecanismos de abrir e fechar as mandíbulas e de soltar fumaça e línguas de fogo acesas artificialmente com líquidos inflamáveis. Boca do Inferno, Dresden, 1695 24 Seguindo a tradição vinda da Grécia, cabe ao fogo e aos truques luminotécnicos o papel de efeito especial. Mas desta vez, há uma distinção clara entre a luz do sol refletida em metais, seus raios e brilhos, que acompanham a falange de Deus, Santos e anjos; e a luz do fogo presente nos locus dos infernos e dos ímpios. O fogo, que na Grécia significara a presença imanente do deus do entusiasmo em cena; transforma-se na própria encarnação viva do inferno e seus terrores. Aprofunda-se a significação do fogo em cena representar o seu contrário, a escuridão e as trevas. Talvez pelo seu poder ao mesmo tempo maravilhoso e assustador de nos encantar e ofuscar, deixando-nos momentaneamente cegos. No entanto a visão do fogo da boca dos infernos e as cenas grotescas e cômicas que acompanham os pecados e as quedas dos simples mortais - tornam- se as estrelas do espetáculo, ganhando cada vez mais espaço e interesse nas representações. O Teatro Profano está desde sempre contido, escondido como semente pronta pra brotar, dentro do Teatro Sagrado. 24 Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003; p.202. 28 O TEATRO PROFANO O Teatro Profano multiplica-se em silêncio durante toda a Idade Média em carroças de ambulantes. Há inúmeras formas de Teatro Profano que resistem ou se desenvolvem neste período: Mimos e Mascaradas, Autos de carnaval, Farsas e Bufonarias, várias espécies de “jogadores” e improvisadores como os Joculatores, jongleaur ou Spileman.25 Menestréis, saltimbancos, jograis, músicos, dançarinos, acrobatas, bobos, bufões e Arlequinos. Profissionais, esses artistas vivem de arte e truques, circulam pelas estradas, feiras e festas das cidades crescentes, formando um sistema radicular de trocas e influências, que leva e trás cenas e técnicas teatrais, máscaras e personagens, idéias novas e subversão, magia e segredos, ciência e técnica. Estes artistas ambulantes, à margem das regras rígidas da vida medieval, têm uma liberdade ímpar de ir e vir, de forma a criar uma espécie de "vida cultural subcutânea" na Idade Média. É fácil imaginar que suas representações utilizassem efeitos com fogo 26. Hamilton Saraiva cita em sua tese de mestrado um desenho de palco de rua francês de 1540, reproduzido abaixo, que se encontra na Biblioteca Municipal de Cambrai.27 25 Berthold, Margot. História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. Pags. 242 a 267. 26 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.p. 8. 27 Berthold, Margot. História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. p. 256. 29 Esse desenho mostra a utilização de fogo para iluminar um palco de ambulantes. Podemos perceber pelo desenho que os dois recipientes com fogo já formam uma pré-ribalta, inteligentemente colocadas na diagonal, o que completa melhor a iluminação dos dois lados do corpo, do que se viesse da frente, ofuscando menos a visão da platéia. Embora a própria característica intrínseca de sua arte dever muito às narrativas orais e ao improviso, não deixando uma dramaturgia ou história precisa e oficial escrita, é sabido que eles mantém vivas muitas tradições antigas dos mimos e comédias populares latinas. As técnicas que aprendem, aperfeiçoam ou inventam por eles próprios são transmitidas de boca em boca. É muito provável que muitas destas técnicas e truques de teatro, incluindo truques com fogo, tenham resistido e se desenvolvido durante este período por meio da tradição oral, passando de geração a geração na prática de mestres e discípulos, chegando assim até o século XVI – quando serão compiladas, escritas e aperfeiçoadas pelos grandes arquitetos e cenógrafos do Renascimento. 30 2.4 O RENASCIMENTO E O RAIAR DAS LUZES NO TEATRO ANTECEDENTES DA AÇÃO As transformações na estrutura feudal da Idade Média vêm sendo gestadas desde o século XII, com o ressurgimento das cidades e o fortalecimento do comércio. Cresce a população das cidades - os “burgueses” - com suas práticas e necessidades específicas, acompanhados por uma nova trama de relações que as cidades estabelecem. Em 1492 a tomada de Constantinopla pelos turcos expulsa para o ocidente levas e levas de homens em fuga, carregando consigo documentos e textos fundamentais da cultura Greco-Romana. A difusão das obras e do pensamento da cultura Clássica Greco-Romana 28, aliada ao Mecenato 29 às artes e às ciências, possibilitam a retomada da pesquisa e do desenvolvimento das ciências naturais, da astronomia, da óptica, da matemática, da geometria, da arquitetura, da música, da escultura, da pintura e do teatro. O comércio necessita da ciência, da tecnologia e das artes como aliados; e vice e versa. As Repúblicas italianas reuniram, no fim do séc. XV, a necessidade e as condições técnicas30, econômicas31 e políticas32 que possibilitaram uma reviravolta na forma do homem entender a si mesmo e ao mundo, uma revolução cultural de grandes proporções: O Renascimento. 28 A partir de 1456, com a publicação da Bíblia de Guttemberg, a técnica da tipografia possibilita a multiplicação dos textos escritos. Em 1467 o Papa Paulo II instala o primeiro prelo em Roma, publicando importantes obras em grego e latim. 29 O Mecenato é empreendido por grandes famílias italianas e pela própria igreja católica. Os papas humanistas da Contra Reforma abrem o seio da Santa Madre Igreja Católica para a paixão pela Antiguidade, assim como o interesse pelas artes e as ciências naturais. 30 O desenvolvimento da navegação; a tipografia e o desenvolvimento de técnicas de produção mecânicas que aumentam a produção dosartesãos. 31 O comércio entre o Ocidente e o Oriente, via península Itálica, gera uma grande acumulação de capital nas mãos das cidades-estados italianas, conseqüência de um forte do mercantilismo comercial. 32 A relativa independência política de cada uma destas cidades. 31 Na Itália a retomada da literatura dramática começa com o Teatro dos Humanistas, que promovem leituras, declamações e, na seqüência, representações das comédias e tragédias latinas; que logo incitam á produção de novos textos inspirados na forma clássica. O teatro renascentista estabelece a Poética de Aristóteles como ponto de referência para a teoria dramática. A ARQUITETURA RENASCENTISTA E A CONSTRUÇÃO DE TEATROS Do ponto de vista do espetáculo a transformação é total, a começar pelo espaço que ele ocupa. A partir do séc. XV e principalmente durante o século XVI, o teatro recolhe-se a espaços restritos, onde é possível cobrar ingressos ou escolher os convidados. Alguns destes espaços continuam abertos à luz solar, porém há uma tendência cada vez maior de ocupar espaços fechados e edifícios construídos especificamente para as representações – os Teatros - colocando a questão da ocupação espacial e visibilidade como problemas a serem resolvidos e o desenvolvimento da iluminação cênica como uma necessidade. As primeiras fontes de luz utilizadas foram velas33, de diversos tamanhos e tipos, a princípio em candelabros colocados aleatoriamente pelo espaço, sem distinção de local ou ângulo em relação à ação. Também foram utilizados outros procedimentos como a combustão de óleos vegetais ou animais em lamparinas de azeite ou óleo de baleia e latas ou vasos com água misturada em combustíveis vegetais. Do século XVI até o fim do século XIX, o fogo – em suas múltiplas formas e através de inúmeras técnicas diferentes de combustão, controle e transformação da luz – será a principal fonte de luz do teatro. Os espetáculos começam a ocupar espaços fechados primeiro de forma improvisada, segundo as características do teatro medievo de cada região; depois, com o desenvolvimento da arquitetura renascentista, a construção de teatros passa a ter um lugar importante nas cortes e cidades em expansão. 33 “A vela de cera, invenção dos fenícios (cerca de 300 d.C) foi por muito tempo o único iluminante dos teatros.” Camargo, Roberto Gill; A Função Estética da Luz, TCM Comunicação, Sorocaba, SP, 2000, p.15. 32 Na França, os palcos-plataformas franceses com seus Mistérios são os primeiros a serem transferidos para grandes salões em hotéis ou palácios, ao abrigo da corte.34 A iluminação a princípio ficava a cargo dos candelabros originais, acrescidos de uma quantidade suplementar de velas. No primeiro momento as representações em salões e festas, ligados às cortes absolutistas francesas, trazem consigo a idéia de grandiosidade e luxo como fim estético, a iluminação segue então a falsa idéia de que quanto mais velas, mais brilho e luz, portanto a cada nova representação, multiplicam-se as velas por todos os lados, ofuscando a platéia com seu brilho. Na Espanha, as carroças de ambulantes estacionam nos pátios dos hospitais (corrales) de irmandades religiosas. Os Corrales, como ficaram conhecidos, serão os primeiros palcos do Siglo de Oro espanhol (1580-1680) e funcionam de dia, à luz do sol. Na Inglaterra, a forma do teatro renascentista também vem dos carros-palcos medievais, que aportam nos pátios de casas ou pousadas. No fim do século XVI são construídos teatros elizabetanos como espaços específicos para as representações, extremamente populares, que aconteciam diariamente a partir das 14h, também à luz do Sol. Desenhos mostram ribaltas e candelabros, o que indica a provável contracenação entre a luz do dia e a luz do fogo na sombria Inglaterra. Apesar da intensidade da luz do fogo representar pouca potência durante o dia, as temperaturas de cor muito diferentes criam um contraste entre elas que desenha as formas. É conhecida também a utilização de tochas ou velas nessas representações, assim como no teatro grego, para representar em plena luz do dia as cenas noturnas ou soturnas. Mas é na Itália, berço do Renascimento, que o incrível florescimento da arquitetura renascentista traz grandes conseqüências para o espaço teatral e suas técnicas. 34 “Sobretudo em Paris, desde muito cedo há a tendência de transferir o espetáculo para um teatro fechado (...) A ‘Confrérie de la Passion’, de Paris, representava desde o ano de 1411 em interiores, - a princípio no hotel Fe La Trinité, depois no Hôtel de Flandre e, finalmente, no Hôtel de La Bourgogne, onde o teatro francês mais tarde lançou as bases de sua brilhante carreira com Molière e a Commedie Itallienne”. Berthold, Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. P.227. 33 O desenvolvimento da arquitetura renascentista na Itália – inspirado pela publicação de Vitrúvio em 1486 35 e regido por regras áureas da geometria e da matemática – leva à construção de teatros a partir das formas e proporções dos teatros romanos (como mostra abaixo uma fotografia do Teatro Olímpico de Vicenza). Estes teatros eram construídos de forma a aproveitar a iluminação natural: nas apresentações diurnas a cena era iluminada através de grandes clarabóias no centro da construção e janelas atrás da platéia. Entretanto à noite a iluminação artificial era necessária. Imagem - Interior do teatro olímpico de Vicenza 36 No século XVI a construção de teatros segundo o modelo de Vitrúvio, espalha-se pelas cidades italianas e, na seqüência, nos palácios e cortes de toda a Europa 37. 35 “Se fôssemos escolher um marco para a ‘Renascença” do teatro, a data seria 1486.(...) E foi nesse ano também que saiu do prelo a De Architectura (10 livros sobre a Arquitetura) de Vitrúvio, uma contribuição essencial para plasmar o palco e o teatro segundo o modelo da Antiguidade.” Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003, p.270. 36 “O melhor exemplo ainda hoje existente de um teatro renascentista italiano é o Teatro Olímpico de Vicenza. Foi construído por Andréa Palladio, que, após colaborar com Bárbaro na edição que este fez de Vitrúvio, propôs-se a tarefa de reconstruir um teatro Romano antigo. A nova casa foi inaugurada em 1584, com Édipo Rei de Sófocles.” Id. Ibid., p.287. 37 “Do século XVI em diante, os teatros em palácios assumiram importância, tanto do ponto de vista da história cultural, quanto do da Arquitetura”. Id. Ibid., p. 291. 34 O RENASCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA CENOGRAFIA, CENOTÉCNICA E ILUMINAÇÃO. A partir da construção dos teatros, os arquitetos renascentistas vinculados a partir de então às principais cortes da Europa, dedicam-se também à cenografia. Revolucionam formas e composições em busca da perspectiva – a grande paixão da Renascença.38 Para dar maior impressão de profundidade mesclam os telões pintados em perspectiva com cenários construídos em proporção, com volumes, dando origem ao palco e cenários renascentistas. Através da prática de uma arte ligada à ciência, unem técnicas navais do período das grandes navegações, às ciências da arquitetura, geometria, matemática, óptica, entre outras, para o progresso da tecnologia da cena - a cenotécnica. Estes arquitetos italianos e seus discípulos: construtores de teatros, cenógrafos, inventores de máquinas cênicas e mestres da arte da cenotécnia, foram também os primeiros iluminadores. Sabedores da influência da iluminação no efeito visual do espaço tomaram para si a tarefa de manipular artificialmente a luz dos espetáculos. Para isso estudaram, aperfeiçoaram e compilaram as antigas técnicas de utilização do fogo e, através de estudos e pesquisas práticas, ampliaram em muito a tecnologia para iluminar e criarefeitos a partir da luz, que foram a pouco e pouco tomando conta da cena. Suas experiências constituem a base de toda a técnica da iluminação a partir de então, daí sua importância para a compreensão da história da iluminação como um todo. Muito de seus trabalhos e técnicas, tanto na arquitetura cênica, quanto na cenotécnica e iluminação serão não somente incorporados às tradições do teatro como também especificamente 38 “A invenção da perspectiva central é, antes de tudo, expressão do desejo renascentista de conquistar e dominar a realidade empírica no plano artístico. Ela é sintoma de uma deslocação do foco de valores: a transcendência cede terreno à imanência, o outro mundo a este, o céu à terra. A perspectiva coloca a consciência humana - e não a divindade – no centro; ela projeta tudo a partir deste foco central.” Rosenfeld, Anatol. Traços Épicos no Teatro Pós-Medieval (Renascimento e Barroco) in O Teatro Épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985, p.54. 35 estudados e relidos pelos principais encenadores do século XX, como, por exemplo, Edward Gordon Craig e Max Reinhardt. Com o objetivo de primeiro abarcar uma visão mais geral e aglutinadora, para depois detalhar, faremos um rol das principais linhas de pesquisa e práticas em iluminação cênica realizadas por esses mestres da arte e da técnica, de acordo com as diferentes funções que a luz assume nos espetáculos: 1. Visibilidade. Os arquitetos dedicam-se à questão da visibilidade, estudando como iluminar melhor a cena sem ofuscar os olhos da platéia. 2. Perspectiva. Preocupam-se com a interação entre a luz e o espaço com o objetivo de aumentar a noção da perspectiva. A partir de seus conhecimentos de geometria dão os primeiros passos no posicionamento racional das fontes de luz, experimentando diferentes ângulos para iluminar a cena em busca de maior visibilidade, volume, contraste e harmonia na composição das cenas. São eles que criam os princípios matemáticos básicos do desenho de luz, utilizados até hoje. 3. Efeitos especiais. Compilam, aperfeiçoam e inventam novos efeitos especiais com “traquitanas” cênicas e fogo para imitar ícones da natureza como o sol, a lua, raios e trovões, reflexos com rebatimento em metal e até incêndios cenográficos. 4. Relação entre o palco e a platéia. Aumentam, aos poucos, a separação entre a platéia e o palco através da iluminação39: diminuem a quantidade de velas acesas na sala e deslocam os candelabros que iluminam a platéia para o fundo, longe do ângulo de visão dos espectadores 40; aumentam a 39 “Para aumentar o efeito perspectívico acentua-se a tendência a separar palco e platéia. Esta separação se destacará ainda mais (...) na medida em que os palcos se fecham em prédios, pela instalação da ribalta que dota a cena de sua própria luz. O público, por sua vez, que antes comungava da mesma luz da cena (quer do sol, quer das velas e lâmpadas), pouco a pouco é envolto em penumbra, como se não existisse para o palco, enquanto este, luminosa lanterna mágica, desenvolve para a platéia em trevas toda a sua força hipnótica.” Rosenfeld, Anatol. Traços Épicos no Teatro Pós-Medieval (Renascimento e Barroco) in O Teatro Épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985, p.55. 40 Encontramos algumas tentativas de apagar totalmente a luz da platéia, mas elas não funcionam porque a função social do espetáculo necessita que a platéia se veja no teatro. 36 quantidade de fontes de luz do palco e, finalmente, adotam as luzes da ribalta como iluminação principal da cena. A ribalta, localizada na fronteira entre o palco e a platéia, além de promover uma luz mais intensa, cria um abismo físico e luminoso entre esses dois mundos. 5. Atmosfera. Desenvolvem as primeiras técnicas para variar a intensidade da luz no meio das representações ou mudar as cores da cena através da iluminação, sugerindo as primeiras “atmosferas” luminosas. 6. Pesquisa e documentação. São também os primeiros a escrever sobre iluminação cênica em seus tratados sobre arquitetura, cenários e cenotécnica, que incluem a luminotécnica. É importante notar que as mudanças empreendidas pelos arquitetos renascentistas na concepção e prática da iluminação cênica; descritas de forma geral através dos seis itens acima, não aconteceram de uma hora para outra, nem foram aceitas imediatamente como pratica por todos os teatros. Pelo contrário, foram conquistas advindas da pesquisa prática de homens de teatro que se caracterizaram pela audácia, descritas em trabalhos teóricos que justamente se opunham ao senso comum trazendo inovações, algumas delas só se tornaram prática corrente no teatro moderno. A seguir citamos alguns destes arquitetos renascentistas e levantamos suas práticas na iluminação cênica. OS GRANDES MESTRES DA ARQUITETURA RENASCENTISTA NO SÉCULO XVI E SUAS PRÁTICAS NA CENOGRAFIA E ILUMINAÇÃO CÊNICA SEBASTIANO SÉRLIO (1475 – 1554) Arquiteto, discípulo de Perruzi, construtor de teatros e cenografias. Foi o grande teórico da construção teatral do século XVI; escreveu cinco tratados sobre arquitetura: o primeiro deles chamado "Regole generali d'architettura” foi publicado em Veneza em 1537. O Libro Secondo di Perspettiva da Architettura, tratado específico sobre arquitetura cênica, cenografia e perspectiva, foi publicado em 1545. Reunidos depois de sua morte em um único volume, chamado Architettura, foi publicado em vários países como um importante compêndio da arquitetura renascentista. Em seu tratado sobre cenografia - Libro Secondo di 37 Perspettiva da Architettura - reúne e descreve suas importantes contribuições para a cenografia renascentista, com desenhos e explicações técnicas detalhadas41. Abaixo pontuamos as mais significativas para nosso trabalho: Sebastiano Sérlio transforma as bases da utilização da perspectiva no teatro: muda o ponto de fuga para trás da parede do fundo do teatro, conseguindo assim aumentar a sensação de profundidade e ganhar mais espaço para a atuação na frente. Substitui as sólidas construções cênicas, por bastidores em ângulo, facilitando a construção, a colocação dos cenários e a circulação da cena. Seguindo as prescrições de Vitrúvio, retoma as três formas do teatro grego e latino e estabelece três tipos básicos de cenário, incluindo os efeitos da perspectiva. São eles a Scena Trágica (representando uma arquitetura de palácio em perspectiva, a Scena Cômica (uma vista de rua em perspectiva) e a Scena Satírica (uma paisagem arborizada para as pastorais). Sebastiano Sérlio é o primeiro a escrever sobre a relação entre a luz e o espaço cênico. Para organizar a disposição das fontes de luz pelo espaço, separa a luz “para ver”, ou seja, a luz geral; da luz que desenha o espaço para dar a noção de profundidade. Também separa as duas primeiras dos “efeitos especiais”. Cada uma dessas funções tem as suas fontes de luz, que não se misturam. Esse construtor do século XVI informa que essas luzes [coloridas] não são as que servirão para iluminar a cena, mas representam os “efeitos especiais”, já que as luzes de cena serão feitas pelos candelabros e com os vasos cheios de água, nos quais se colocam cânfora que, ardendo, dá uma bela luz e odorífica o ambiente.42 41 Gostaríamos de declarar aqui que infelizmente não foi possível ler diretamente a obra de Sebastiano Sérlio. Lemos as seguintes fontes: Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990; Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000. Streader, Tim e Williams, John A. Create Your Own Stage Lighting. New Jersey: Prentice Hall Inc., 1985. Moussinac,Léon. História do Teatro das origens aos nossos dias. Trad. Mario Jacques. Portugal: Livraria Bertrand, s/d. Keller,Max. Light Fantastic. The Art andDesign of Stage Lighting. Munique: Prestel Verlag 2006. 42 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Op. Cit. p.15. 38 Para iluminar a cena, ou seja, como luz geral: descreve o uso comum de velas em lustres, dispostos no alto, lâmpadas de azeite de baleia penduradas em grande quantidade e bacias de água com óleo vegetal no chão. Para estas luzes de chão, propõe criar um “espelho”, composto do mesmo latão da bacia, bem polido, para esconder as chamas da platéia e refletir mais luz para a cena. Preocupa-se em esconder todas as fontes de luz (menos os lustres do alto) dos olhos da platéia, para não ofuscá-la, tornando então a cena mais clara. Para servir de luz complementar e desenhar o espaço: com o objetivo de aumentar a noção de profundidade, emprega luzes laterais, entre os cenários construídos e a tela de fundo; para iluminar bem a tela pintada e minimizar as sombras das luzes da ribalta, usa um grande lustre central, que ilumina a tela de cima; para a iluminação através de janelas, coloca a fonte de luz por trás e vidros ou papéis coloridos na janela cênica, de forma a criar um efeito de projeção de cores e também avivar a existência destas janelas na cenografia. Descreve também vários efeitos para transformar a luz do espetáculo; explicitando em seu texto que essas luzes não servem para iluminar a cena, mas representam “efeitos especiais”: Relata formas para colorir a luz da cena - utiliza velas e lamparinas como fonte de luz, por trás de orifícios feitos na parede, nos quais havia recipientes (construídos com vidros especiais, alguns côncavos) com líquido de várias cores: “No seu segundo livro de Architettura ensina como fazer as cores transparentes para luz artificial partindo do azul até chegar ao safira.” 43 Quanto aos efeitos para colorir a cena, com certeza dependem de uma grande quantidade de velas por trás dos recipientes com líquidos coloridos, porque muito da luminosidade das velas é absorvida pelas cores. Mas o resultado é surpreendente porque a luz viva das chamas cria miríades de reflexos coloridos em movimento.44 43 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, p.14. 44 Já realizei esta experiência em sala de aula para iluminar uma cena de “A Vida é Sonho” e o efeito é muito bonito. Como as fontes de luz têm movimento os reflexos coloridos são bem diferentes da cor regular resultante dos filtros coloridas em lâmpadas elétricas. 39 Indica a utilização de metais polidos (latão) para refletir as luzes das velas e criar brilhos e raios. Utiliza tochas, foguetes e estopa embebida em álcool ou cânfora para efeitos especiais com fogo, incluindo os perigosos “incêndios cênicos”; Conta como utiliza técnicas do teatro de sombras, para projetar, por trás, imagens no pano de fundo: “como forma de representar, ao fundo, as figuras de músicos e até uma multidão a pé ou a cavalo nos entreatos.” 45 Relâmpagos “eram feitos com um pó inflamável, que era colocado numa caixinha cheia de buracos na tampa. Sobre a tampa, bem no meio, uma vela acesa; levantando-se a caixa rapidamente o pó se inflama fulgurantemente, dando a sensação do relâmpago” 46 É importante notar aqui que a separação que Sebastiano Sérlio faz entre as fontes de luz “para iluminar” e as demais luzes já caracterizam do ponto de vista conceitual uma separação de planos de luz, por função: a iluminação como instrumento da visibilidade, representada pela iluminação geral, as luzes laterais, que desenham o espaço, os “efeitos” que têm função dramática, como raios e incêndios. Sobre essa distinção proposta por Sebastiano Sérlio, conclui Max Keller: Em termos de iluminação cênica ele distingue entre luz geral - luz decorativa, que ilumina os cenários – e luzes móveis e efeitos que representam o Sol, estrelas e luz.47 Eu acrescentaria mais uma distinção realizada por ele, não na teoria, mas na prática, as luzes coloridas, que servem para criar diferentes “atmosferas” na cena. 45 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Op. Cit. p.15. 46 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Op. Cit. p.15. 47 Keller, Max. Light Fantastic. The Art and Design of Stage Lighting. Op. Cit. p. 16. 40 JACOPO BAROZZI DA VIGNOLA (1507 – 1573) Arquiteto e artista plástico. Autor do tratado Le Due Regole Della Prospecttiva Pratica. Vignolla prova, através da geometria, que o ângulo ideal de incidência da luz sobre um objeto é a diagonal. Todo iluminador com alguma prática sabe a importância do ângulo de 45º (diagonal) para a incidência da luz. A diagonal é conhecida como o “ângulo perfeito” porque revela por igual duas 48 ou três dimensões49 das formas iluminadas. Desta forma aumenta a percepção do volume, dando profundidade e harmonia ao conjunto. Muito utilizado, este cálculo matemático é fundamental para o posicionamento dos refletores da “luz geral”, que normalmente é desenhada para criar uma incidência de 45º de um lado e do outro do palco e por isso mesmo é conhecida também como “geral cruzada”. A mesma relação matemática é utilizada para a escolha do local para a instalação das varas de luz de um teatro em construção. LEONE DE’SOMMI (1525/27– 1586/92) Leone de’Sommi, segundo descrição de Jacó Guinsburg: Dramaturgo, encenador, teórico do teatro, poeta tanto em hebraico quanto em italiano, participou intensamente da vida teatral renascentista com numerosas criações dramáticas e cênicas e com concepções teatrais cuja originalidade vem sendo destacada crescentemente pelos estudos críticos modernos.50 Alem dos poemas, canções e peças de teatro, incluindo pastorais, intermédios e comédias, Leone de’ Sommi escreveu uma importante obra de teoria teatral em forma de diálogo – Dialoghi in Matéria di Representationi 48 Incidência a 45º da aresta de um cubo. 49 Incidência a 45º do canto do cubo. 50 Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, P.16. 41 Sceniche – onde discute suas concepções e práticas sobre o fazer teatral. Nestes diálogos, entre vários aspectos da cena, expõe suas idéias sobre a iluminação do palco e também da platéia, propondo uma função para a iluminação no espetáculo absolutamente inovadora para sua época. Para além da questão da visibilidade, afirma que a quantidade e qualidade da luz têm influência na atmosfera da cena e na relação emocional entre o espectador e o espetáculo. Transcrevemos a seguir alguns trechos da sua obra por considerá-los de suma importância para esse trabalho: SANTINO: ...uma vez que em vosso palco já estão acesas tantas luminárias que se começa a discerni-lo muito bem e ele constitui por si mostra muito bonita, desejaria como primeira coisa, Messer Verídico, que nos dissésseis para que servem e onde têm origem todas essas lâmpadas que se acedem pelos tetos das casas em cena (...) para iluminar o palco vejo aqui tochas em quantidade suficiente. VERIDICO – É preciso que também o arquiteto, pela parte que lhe cabe na comédia, represente regozijo e júbilo; e visto que o uso moderno e antigo é, e sempre foi que se acendam, como signos de alegria, fogos e luminárias pelas ruas, nos telhados das casas e no alto das torres, de onde se originou depois este uso no teatro. SANTINO – Às tragédias, portanto, não conviriam tais luminárias? VERIDICO – Nem desconviriam talvez em tudo (...). Foi o que se deu numa tragédia que dirigi entre outras. A cena permaneceu iluminada da forma mais jovial durante todo o tempo em que os sucessos da história corriam de maneira feliz. Quando começou o primeiro caso doloroso (...) fiz com que (como eu havia preparado) naquele instantea maioria das luzes do palco, que não serviam à perspectiva, fossem veladas ou apagadas, coisa que causou profundíssimo horror no peito dos espectadores.51 O trecho citado acima explicita não só o efeito da luz sobre a emoção da platéia, como a autoria e consciência deste efeito - ou seja, a luz é linguagem consciente na mão do diretor e do arquiteto (leia-se aqui em relação ao 51 Sommi, Leone de’. Quatro Diálogos em Matéria de Representação Cênica in Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, p. 111, 112. (IV Diálogo) 42 espetáculo a função moderna do cenógrafo, acrescida do cuidado com as luzes). Podemos apreender também deste trecho a distinção entre diferentes funções da iluminação, cada qual com suas fontes de luz específicas e separadas: existem as tochas que iluminam o palco, as luzes que servem à perspectiva (provavelmente luzes laterais) e as lâmpadas espalhadas “pelos tetos das casas em cena”, que fazem parte da própria ficção – “signos de alegria” – uma luz com função atmosférica. Cabe notar ainda que mais do que a quantidade ou a qualidade da luz, em si, o que interessa a Leone de´Sommi é a transformação em cena desta quantidade ou qualidade da luz, ou seja, é no movimento da iluminação, que ele obtém o forte efeito emocional desejado sobre a platéia. Além da iluminação do palco, Leone de´Sommi também estuda a localização e intensidades das fontes luminosas da platéia. Preocupa-se em reduzir e ocultar as fontes de luz da sala dos espectadores porque sabe que a penumbra na platéia tem como efeito direto, por contraste, tornar o palco mais iluminado aos olhos dos espectadores: SANTINO – Chama a minha atenção, Messer Veridico, que sobre essa vossa cena existam muitíssimas luminárias, ocultas e à vista; no entanto, aqui, na sala, não há arranjos para colocar mais do que doze tochas ali, de pé; não consigo imaginar a causa, pois nesta sala, tão grande, já cheguei a contar em muitas ocasiões duzentos e cinqüenta tochas. VERIDICO – Como sabeis é coisa natural que o homem, encontrando-se no escuro, veja melhor algo que reluza ao longe, do que o faria estando em lugar iluminado, porque a vista vai mais unida ao objeto, sem vaguear, ou, segundo o parecer dos peripatéticos, o objeto vem apresentar-se mais unidamente ao olho. Por isso instalo pouquíssimas luminárias na sala, ao mesmo tempo em que tento tornar o palco resplendente; e inclusive estas poucas, disponho-as atrás dos ouvintes, a fim de que a interposição de tais luzes não ofusque a visão dos espectadores, e por cima delas abro também, como vedes, os espiráculos, de modo que não possam com a fumaça causar dano em parte alguma.52 52 Idem Ibidem, p. 114. (IV Diálogo) 43 Esta preocupação inaudita com o olhar da platéia prenuncia uma importante questão para o teatro moderno – a relação entre a cena e o público, expressa também pela separação luminosa, ou não, entre o palco e a platéia. 53 ÂNGELO IGGEGGNERI (1550 – 1613) Dramaturgo, teórico e diretor de Teatro 54, escreveu o Discorso della poesia rappresentativa e del modo di rappresentare le favole sceniche. Iggeggneri tentou pela primeira vez, em 1598, apagar totalmente a luz da platéia deixando-a no escuro, com o objetivo de concentrar a atenção do público na representação. Porém não teve êxito. Hamilton Saraiva explica essa impossibilidade por razões técnicas: Isso [apagar a luz da platéia] não foi possível realizar, em virtude das dificuldades de se apagar e acender, em cada ato, os grandes lustres suspensos 55 Denis Bablet, no entanto, acrescenta um aspecto social: Numa sala iluminada o espectador não é senão um dos elementos de uma sociedade vinda para ver e fazer-se ver, duma ponta a outra da ferradura da sala clássica. 56 Os arquitetos e dramaturgos-encenadores do Renascimento relacionam a luz à percepção do espaço, preocupam-se com a afinidade entre a luz e a atmosfera da obra dramatúrgica e a conexão entre a luz do palco e a luz da 53 “Assim Leone de’Sommi evidencia um senso de iluminação cenográfica que, embora limitado quanto aos recursos técnicos, pouco fica a dever às premissas básicas da moderna encenação. (...) Pois a sua recomendação de manter o auditório no escuro, numa época em que costumava em geral iluminá-lo (...) desenham, na verdade, mais do que simples disposições pragmáticas, uma visão incomum do caráter do espetáculo como fenômeno teatral e da relação que este deve estabelecer com seus receptores.” Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, p. 41. 54 "Angelo Ingegneri si considerava ed era, oltre che autore un regista: a lui si deve la messa in scena dell' Edipo Rei, con cui si inaugurò il Teatro Olimpico di Vicenza” C.Molinari, L'attore e la recitazione,Roma- Bari, Laterza,1992, p.30. 55 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.Pag. 16. 56 Bablet, Denis. “A Luz no Teatro” in O Teatro e sua Estética. Lisboa: Ed. Arcádia, 1964. p. 295. 44 platéia. Concebem técnica e arte em conjunto. Integram a prática com a teoria. Ou seja, concebem a iluminação cênica, assim como os demais elementos do espetáculo sob uma ótica global, onde tudo se relaciona formando um conjunto de significações. Nunca na história do teatro estivemos tão próximos da concepção da encenação moderna e estes artistas múltiplos são o arquétipo do homem de teatro que Craig desejou como encenador, capazes de conceber, construir, pintar, escrever, dirigir e ainda teorizar sobre a própria arte. É por isso que no raiar da encenação moderna, os encenadores retomarão as concepções dos homens de teatro do Renascimento e do Barroco (séculos XVI e XVII), buscando renovar uma visão total do espetáculo, relacionando as suas técnicas aos seus sentidos profundos. Como em Shakespeare, as razões do Homem, do Estado e do Cosmos estão em profunda aliança, se alguma coisa sai do lugar, tudo desaba. 2.5 A CLAREZA DO RENASCIMENTO DISSOLVE-SE NOS CONSTRASTES DO BARROCO Costuma-se designar com o nome de barroco o estilo no qual se dissolveu a Renascença ou – como se diz muitas vezes – o estilo que resultou na degeneração da Renascença 57 Wölfflin, Heinrich MUNDO –... Descerrarei essa névoa, e ao fugir o véu escuro, para iluminar o teatro, (porque sem brilho profuso não há festa), brilharão dois luminares, diurno farol do dia seja um, e, assim, da noite noturno farol o outro seja, em quem ardam mil luminosos carbúnculos que sobre a face da noite dêem vivificadores influxos 58 Calderon de La Barca A contradição entre o racionalismo terreno da Antiguidade e a fé no sobrenatural da Idade Média – que estivera latente no Renascimento - explode no Barroco em um contraste feroz entre a luz e a sombra. 57 Wölfflin, Heinrich. Renascença e Barroco; São Paulo: Ed. Perspectiva, 1989, p.25. 58 Calderon de la Barca, Pedro. O Grande Teatro do Mundo; trad. Maria de Lourdes Martini, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p.4. 45 “Ao contrário da Renascença, o Barroco não foi acompanhado de teoria. O estilo se desenvolve sem modelos.” 59 Tendo a transgressão das regras formais da Renascença por impulso e o contraste como princípio, no Barroco tudo leva ao exagero emocional e ao movimento advindo da tensão entre contrários. A transformação é a palavra mágica do barroco: Na era Barroca a linearidade clara e clássica da Renascença adquiriu apelo emocional, a linha reta – tanto nas estruturas quanto no pensamento – dissolveu-se no ornamento, a clareza deu lugar á abundância, a auto- confiança á hipérbole. Os conceitos vestiram os trajes da alegoria, e a realidade perdeu-se no reino da ilusão.
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