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IluminaçaA luz da linguagem o

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Cibele Forjaz Simões 
 
 
 
 
À LUZ DA LINGUAGEM 
 
A iluminação cênica: 
de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura do visível’ 
(Primeiro recorte: do Fogo à Revolução Teatral) 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes, Área de Concentração 
Artes Cênicas, Linha de Pesquisa Teoria e 
História do Teatro - Literatura Dramática, da 
Escola de Comunicações e Artes da 
Universidade de São Paulo, como exigência 
parcial para obtenção do Título de Mestre em 
Artes, sob a orientação do Prof. Dr. Jacó 
Guinsburg. 
 
 
 
 
 
São Paulo 2008 
2 
 
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO 
 
 
 
 
À LUZ DA LINGUAGEM 
 
A iluminação cênica: 
de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura do visível’ 
(Primeiro recorte: do Fogo à Revolução Teatral) 
 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes, Área de Concentração 
Artes Cênicas, Linha de Pesquisa Teoria e 
História do Teatro - Literatura Dramática, da 
Escola de Comunicações e Artes da 
Universidade de São Paulo, como exigência 
parcial para obtenção do Título de Mestre em 
Artes, sob a orientação do Prof. Dr. Jacó 
Guinsburg.Autoria: Cibele Forjaz Simões 
 
 
 
 
 
São Paulo, 2008 
3 
 
 
 
Assinaturas da Banca: 
 
__________________________ 
__________________________ 
__________________________ 
4 
 
DEDICATÓRIA: 
 
 
 
Dedico esta tentativa de aguçar meu olhar em relação à função da iluminação na 
encenação teatral ao meu orientador, que numa iluminação de gênio me propôs a 
idéia-título dessa dissertação: “À luz da linguagem”. 
 
Foi esta provocação da língua que me impulsionou a começar a escrever. 
 
Dedico este trabalho á Jacó Guinsburg, pela presença e debate de idéias como 
orientador durante o mestrado, que me têm feito procurar as razões essenciais do 
meu trabalho. Mas também por sua importância na minha formação, a que sou 
imensamente grata. Jacó Guinsburg “fez a cabeça” da minha geração. Instigou-
nos à reflexão, ao prazer por pensar, à curiosidade pelo estudo, à busca de uma 
praxis continuada no fazer teatral. E isso é visível no teatro que fazemos. 
 
Dedico também aos meus “mestres” na luz – Que além de me ensinar me deram 
coragem para este salto no escuro: Hamilton Saraiva, meu primeiro professor; 
David de Brito, mestre entre os mestres; Marcio Aurélio, diretor e parceiro dos 
inícios; Zé Celso, meu diretor querido. 
 
E, finalmente, aos meus “filhos” iluminadores, aprendizes e alunos – com quem 
aprendo a ensinar e a recomeçar continuamente. 
 
5 
 
RESUMO 
 
Este projeto de pesquisa tem por objetivo estudar o desenvolvimento da 
linguagem da iluminação cênica, em sua relação com os caminhos da encenação. 
O eixo central é a transformação da função da iluminação cênica, de instrumento 
da visibilidade a elemento estrutural e estruturante da escrita cênica, constituindo-
se como linguagem. Através de um olhar abrangente sobre a história e a estética 
do teatro, pretende-se pontuar os trabalhos exemplares, de forma a descrever 
esse processo de transformação e suas variáveis, instituindo conceitos para uma 
análise específica da iluminação cênica. A dissertação de mestrado compreende 
um recorte de tempo que vai do fogo à revolução teatral, com ênfase no período 
de 1880 a 1914. 
 
ABSTRACT 
The present research project’s aim is to investigate the development of the stage lightning 
language in its relation with the ways of stage performance. The central aspect is the 
transformation of the function of stage lightning, from a visibility instrument to structural 
and structuring stage language. Through a broad approach over theatres’s History and 
aesthetics, I intent to point out the exemplary works, in order to describe this 
transformation process and its variables, stablishing concepts for a specific analysis of 
stage lightining. The dissertation covers a time period which goes from the usage of fire 
until the theatrical revolution, emphasizing the years in between 1880 to 1914. 
6 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO 
 
1ª PARTE – A LUZ EM BUSCA DO VISÍVEL 
 
CAPÍTULO 1 
A LUZ E A VISIBILIDADE 
 
CAPÍTULO 2 
ANTECEDENTES DA AÇÃO: FLASHES DA HISTÓRIA DA 
ILUMINAÇÃO CÊNICA DO SOL ÀS VÁRIAS FORMAS DO FOGO. 
 
2.1. INTRODUÇÃO: FIAT LUX... E A LUZ GEROU A SOMBRA 
2.2. O TEATRO GREGO e o SOL 
2.3. O TEATRO MEDIEVAL e o FOGO 
2.4. O RENASCIMENTO E O RAIAR DAS LUZES NO TEATRO 
2.5. A CLAREZA DO RENASCIMENTO DISSOLVE-SE NOS CONTRASTES 
DO BARROCO 
2.6. O ROMANTISMO E O APERFEIÇOAMENTO DA CAIXA MÁGICA DE 
ILUSÕES 
2.7. O RAIAR DO SÉCULO XIX E A LUZ VIVA DO GÁS 
 
CAPÍTULO 3 
A LUZ ELÉTRICA ENTRA EM CENA 
 
CAPÍTULO 4 
A REVIRAVOLTA: O SURGIMENTO DA ENCENAÇÃO E A LUZ 
CAPÍTULO 5 
O NATURALISMO E A DESCOBERTA DAS “ATMOSFERAS” NA LUZ 
5.1 O NATURALISMO E A SUA SUPERAÇÃO ou DO REAL À 
SUBJETIVIDADE 
 
7 
 
2ª PARTE - A LUZ ATRAVESSA O VISÍVEL 
OU O SIMBOLISMO E A LUZ COMO LINGUAGEM 
 
CAPÍTULO 6 
O SIMBOLISMO E AS ILUMINAÇÕES 
6.1 LUGNÉ POË e PAUL FORT e a encenação simbolista 
 
CAPÍTULO 7 
LOÏ FÜLLER – O TEATRO DANÇA A LUZ 
CAPÍTULO 8 
ADOLPHE APPIA da luz ativa à luz viva. 
CAPÍTULO 9 
GORDON CRAIG a luz contracena com a matéria 
CAPÍTULO 10 
UMA REINVENÇÃO DA LUZ PARA NOVAS RELAÇÕES ESPACIAIS 
OU A REVOLUÇÃO ALEMÃ NA LUZ 
10.1 O KÜNSTLER-THEATER DE MUNIQUE 
Peter Behrens, Max Littmane Fritz Erler, Georg Füchs 
 
10.2 MAX REINHARDT e a luz das “catedrais cênicas” 
CAPÍTULO 11 
MEIERHOLD as encenações simbolistas e a luz 
CAPÍTULO 12 - CONCLUSÃO 
À LUZ DA LINGUAGEM 
8 
 
INTRODUÇÃO 
 
DA ORIGEM 
 
O tema dessa dissertação de mestrado tem duas origens complementares. 
Primeira: O meu desejo de, como iluminadora e encenadora com vinte 
anos de experiência prática, refletir sobre a relação intrínseca entre a concepção 
do espetáculo como um todo e a criação da iluminação teatral, entendida não 
apenas como um desenho técnico dos equipamentos de iluminação no espaço, 
mas, sobretudo, como o movimento da luz no tempo, parte integrante da 
progressão dramática do espetáculo. Ou seja, a origem desse trabalho vem da 
necessidade de, como artista, pesquisar e entender as funções e os 
procedimentos que re-atualizam na prática do fazer teatral a iluminação cênica 
como linguagem. 
Imaginei de início proceder à essa reflexão a partir da pesquisa e análise 
do meu próprio trabalho como iluminadora e assistente de direção de José Celso 
Martinez Correa no Teatro Oficina Uzyna Uzona, de 1991 a 2002. Mas assim que 
comecei a estudar o assunto com mais cuidado percebi a importância de uma 
pesquisa retrospectiva, do ponto de vista da estética teatral, da função da luz no 
espetáculo. Incluí então no meu projeto de pesquisa inicial uma primeira parte, de 
natureza histórica, mas uma parte era estranha à outra. 
Segunda: A necessidade, como professora de Iluminação Teatral 1, de 
estudar e desenvolver uma pesquisa mais aprofundada sobre a história da 
iluminação no teatro, um tema ainda pouco estudado no Brasil e com uma 
bibliografia específica restrita 2. 
 
1 Uma reviravolta na minha vida fez com que no início de 2006, portanto 
ainda na primeira fase da pós-graduação, eu fosse escolhida, por concurso 
público, à cadeira de iluminação teatral do Departamento de Artes Cênicas 
da Universidade de São Paulo. 
 
2 É importante notar aqui a existência, como oásis no deserto, de duas 
obras fundamentais: a dissertação de mestrado do Prof. Dr. Hamilton 
Saraiva: Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. São Paulo: 
ECA/USP, 1990, 2 vol. E o excelente livro de Roberto Gill Camargo, A 
Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000. 
9 
 
 Com base nestes dois focos de interesse, o primeiro voltado para um 
aprofundamento estético e o segundo para uma pesquisa histórica (que estavam 
à princípio separados, cindidos e estanques na minha cabeça) meu orientador 
propôsuma articulação fundamental entre eles, dando origem ao atual projeto: 
partir de uma pesquisa histórica para proceder à uma análise estética e, a partir 
da análise de casos exemplares, estabelecer o percurso de constituição da 
linguagem. 
DO MÉTODO 
 A metodologia de pesquisa, análise e sistematização desse trabalho tem 
duas fontes principais, que atuaram em conjunto, complementando-se uma em 
relação à outra. A primeira é uma pesquisa bibliográfica, sobre a qual discorrerei 
um pouco na seqüência, a segunda vem da minha prática como iluminadora-
encenadora e professora de iluminação. 
O meu conhecimento prático da linguagem e da técnica da iluminação 
cênica, desenvolvidos em vinte anos de profissão, potencializou a minha 
capacidade de entendimento, análise e articulação da bibliografia lida de maneira 
decisiva. Tanto no que se refere á compreensão dos procedimentos e termos 
técnicos, características da linguagem, dificuldades e resultados, quanto na 
possibilidade de apreender das descrições, fotos, críticas e análises dos 
espetáculos, informações específicas sobre a iluminação. 
Por outro lado, no sentido inverso, a partir da leitura da bibliografia comecei 
a fazer experiências práticas em sala de aula, com meus alunos, reproduzindo 
modos e formas de iluminar e testando alguns efeitos descritos, principalmente na 
iluminação à luz do dia e com fontes ígneas: reflexões, rebatimento e formas de 
colorir as luzes, conectando teoria e prática. Essas experiências permitiram, 
principalmente, criar uma relação direta e inspiradora entre a intelecção e a minha 
prática criativa. 
Quanto à bibliografia: 
Comecei por recorrer às histórias do teatro e às análises da encenação no 
século XX, que traçam panoramas gerais e relacionam movimentos, 
10 
 
encenadores, práticas teatrais e espetáculos, inclusive com imagens e 
descrições. Também li vários manuais de iluminação e algumas obras específicas 
sobre a história e estética da iluminação cênica. Entre elas foram fundamentais 
para a organização desta dissertação o mestrado de Hamilton Saraiva 3 o livro de 
Roberto Gill Camargo 4 e um artigo de Denis Bablet sobre a luz 5. 
Na seqüência, eu li as obras específicas sobre o trabalho dos principais 
encenadores do século XX, aqui analisados: primeiro os livros escritos por eles 
próprios sobre suas concepções estéticas e encenações. Depois livros de análise 
sobre os seus trabalhos práticos e teóricos, com as descrições dos processos de 
criação e espetáculos, escritos por pesquisadores de teatro 6. 
As citações em língua estrangeira foram todas traduzidas livremente para o 
português: as traduções do inglês foram realizadas por Laura Knoll, as traduções 
do espanhol por mim e as do francês por mim, Laila Miranda Garin e Pedro 
Cesarino. O texto de referência “Arte e técnica no fim do século XIX” foi traduzido 
por Gabriela Itocazo. 
DO TEMPO E DA PESSOA DO VERBO 
A partir desse momento deixo de escrever na primeira pessoa, para 
escrever na terceira. Não se trata apenas da idéia de um tempo verbal abstrato, 
na qual me escondo de minhas análises, idéias e conclusões, mas da inclusão de 
uma consciência ampliada, materializada na figura do meu orientador, Jacó 
Guinsburg, que viveu esse processo ao meu lado. Como um “outro”, primeiro 
leitor, interlocutor e articulador, diretor e guia nos meus caminhos e descaminhos, 
mas também como um “duplo”, introjetado dentro do meu processo de reflexão, 
para quem eu escrevia e que me dava coragem para articular idéias e tirar 
 
3 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, 2 vol. 
 
4 Camargo, Roberto Gill; A Função Estética da Luz, TCM Comunicação, 
Sorocaba, SP, 2000. 
 
5 Bablet, Denis – “A Luz no Teatro” in O teatro e sua Estética, Lisboa: 
Ed Arcádia, 1968. 
 
6 Nesse aspecto gostaria de agradecer imensamente aos professores do 
Departamento de Artes Cênicas da ECA/USP que abriram suas bibliotecas 
pessoais e me emprestaram obras de difícil acesso, que foram fundamentais 
para a realização desse trabalho. 
 
11 
 
conclusões, não somente a posteriori, mas também no exato momento em que as 
palavras brotavam ou eram tiradas a fórceps da minha consciência de marinheira 
de primeira viagem. Tive, portanto, o privilégio de dar os meus primeiros passos 
na pesquisa e reflexão artística ao lado de um mestre, que, como todo grande 
mestre me ensinou no passo a passo desse trabalho a me tornar mestre de mim 
mesma, uma e outro em uma mesma terceira pessoa concreta. Como um ator 
que traz em si, na concretude da cena, o autor e o diretor, para ser a um só 
tempo: pessoa, personagem e terceiro olho, em ação. 
DA ESTRUTURA E SEUS SENTIDOS 
Dado o tamanho do projeto, resolvemos separar o trabalho em dois 
recortes: o primeiro aqui apresentado como dissertação de mestrado vai dos 
primórdios da história do teatro até o que chamamos de revolução teatral, com o 
surgimento da encenação moderna, o advento do movimento simbolista e o 
trabalho dos primeiros grandes encenadores do fim do século XIX e começo do 
século XX. Quando então consideramos completo um ciclo, no qual a iluminação 
cênica já é, tanto na prática quanto na teoria, compreendida como linguagem 
estrutural constituinte do todo da encenação 7. Tomei por referência a data de 
1914, quando começa a primeira guerra mundial, ou seja, não tratei dos 
movimentos de vanguarda que se engendram no começo do século, mas 
explodem no pós-guerra. 
O segundo recorte começa justamente nas vanguardas modernas do pós- 
guerra (1914 – 1918) e vem até a atualidade. Será apresentado a seguir como 
projeto de pesquisa para um doutorado em Artes Cênicas. 
 Porém esse recorte histórico ainda compreende um período muito extenso 
da história do teatro. Foi necessário dividir o trabalho em partes e privilegiar 
algumas em relação às outras sempre de acordo com o eixo central do trabalho, 
que é estudar o desenvolvimento da linguagem da iluminação cênica e sua 
relação com os caminhos da arte do espetáculo. 
 
7 Embora essa acepção ainda não estivesse absolutamente generalizada na 
prática teatral, suas bases já estavam lançadas e muito bem entendidas na 
experiência e na concepção de alguns encenadores e teóricos da arte do 
espetáculo. 
12 
 
Esse processo de constituição da luz como linguagem tem antecedentes 
importantes, principalmente no Renascimento italiano, mas concentra grande 
parte do seu desenvolvimento prático e principalmente teórico a partir de 1880, 
momento em a luz elétrica entra definitivamente em cena e começa uma forte 
imbricação entre a encenação moderna e o desenvolvimento da linguagem da 
iluminação cênica. Privilegiamos, portanto, o detalhamento da pesquisa nesse 
período. 
Dividimos então o trabalho em duas partes: A luz em busca do visível e A 
luz atravessa o visível ou o Simbolismo e a luz como linguagem. Tomamos por 
referencia a reviravolta na função da iluminação na arte do espetáculo que ocorre 
a partir do movimento teatral simbolista e seus ecos, quando a luz passa a 
participar ativamente na escritura da encenação. É lógico que a luz elétrica é 
fundamental para essa mudança, mas consideramos que ela é um fator essencial 
que possibilitou a mudança e não a mudança em si. O momento histórico é o 
mesmo, mas o ponto de vista tem uma imbricação fundamental entre a técnica e 
a estética. 
 Esse é um ponto importante desse trabalho, a relação intrínseca entre 
técnica e estética e entre luz e encenação. As formas e sentidos da iluminação 
cênica serão analisados sempre como uma resultante da imbricação entre a 
estética da encenação e dos meios técnicos disponíveis, ou passíveis de serem 
inventados naquele momento histórico. Cabe notar então que o foco do meu 
interesse não está na história do desenvolvimento técnico no decorrer da história 
do teatro,trabalho já realizado com maestria pelo professor Dr. Hamilton Saraiva 
em seu mestrado e ao qual eu me referi sempre que necessário, mas em que 
medida essa técnica e prática da iluminação cênica se articulam com a 
encenação no desenvolvimento de uma linguagem. 
 Por essa razão condensamos em um único capítulo geral um período de 
tempo muito abrangente, que vai do teatro grego até a primeira metade do século 
XIX, onde a iluminação cênica tem por principal fonte de luz artificial, o fogo, em 
suas diversas técnicas e formas de utilização. Chamamos este capítulo (o 
segundo) de Antecedentes da ação: flashes da história da 
iluminação cênica do Sol às várias formas do fogo porque o 
13 
 
objetivo deste trabalho não é, nem poderia ser, abarcar toda a história da 
iluminação, mas retirar dela os pontos de apoio para entender a constituição da 
linguagem que usamos hoje. Escolhemos então nesse período trabalhar a partir 
de flashes, clarões que ressaltam momentos significativos de mudança na 
iluminação, tanto do ponto de vista técnico quanto estético e que nos permitiram 
construir uma linha de pensamento. 
 O Capítulo três trata do processo de fricção entre a ciência e o teatro, na 
qual a energia elétrica vira luz, as lâmpadas entram em cena e os primeiros 
aparelhos de iluminação elétrica são inventados e postos em cena. Processo que 
se inicia em 1846, com a invenção da lâmpada de arco-voltaico. O capítulo quatro 
trata das relações entre o surgimento da encenação e a luz. Um e outro servem 
de base para todo o detalhamento posterior e se estendem no tempo até o fim do 
período em que focamos este trabalho. 
A partir de então o tempo se justapõe em todos os capítulos, onde 
acompanhamos de perto o processo de criação de alguns encenadores, 
performers e/ou teóricos, que foram fundamentais na constituição da encenação 
moderna enquanto tal, tentando apreender em cada um o desenvolvimento da 
linguagem da iluminação cênica tanto na prática quanto na teoria. 
Escolhemos aqui alguns encenadores, considerados como casos 
exemplares de todo um processo que, por ser mundial, deve ter essa história 
multiplicada, em espaços e tempos diferenciados cada qual com suas 
características próprias. Se alguns estão aqui contemplados com uma análise 
mais profunda, muitos outros com certeza foram deixados de lado. Toda a 
escolha tem seus ônus, porém é inevitável. Então gostaríamos de deixar claro 
nesta introdução que os encenadores analisados servem de ícone para 
compreender um processo mais amplo e que foram escolhidos dado o seu papel 
exemplar na história do teatro, pela relação que o seu trabalho tem com a 
iluminação cênica, por sua influência significativa no processo geral e também de 
acordo com a possibilidade que tivemos de acesso às informações em detalhes – 
já que partimos principalmente de descrições e análises sobre as encenações, de 
onde poderíamos apreender as práticas específicas em relação à luz dos 
espetáculos – ou seja, são todos amplamente estudados e divulgados e, na 
14 
 
maioria dos casos, têm uma reflexão própria sobre a encenação, incluindo aí a 
iluminação cênica. 
É em busca dessas relações entre luz e linguagem, que pretendo olhar a 
história e a estética da iluminação no teatro para articular a partir de caminhos 
variados uma trama única. É a crescente transformação da cena através da luz e 
a manipulação cada vez mais consciente desse ponto de vista que constitui o 
cerne desse caminho. 
O CAMINHO DAS MIL FACES 
Se do ponto de vista da articulação entre as partes almejamos apreender 
um caminho, como parte constituinte de uma análise coerente e coesa, gostaria 
de esclarecer que não acreditamos que exista de fato um caminho, mas apenas a 
concepção de um caminho, que é resultado da organização e exposição de uma 
reflexão específica que pretendemos aqui realizar. 
É lógico que existem as práticas e as influências e que o desenvolvimento 
técnico pode ser visto, com milhares de ressalvas, como “progressivo” 8, mas as 
resultantes estéticas com certeza não o são. 
A relação da iluminação com a construção do espetáculo e a sua 
consciência não segue uma linha contínua ou qualquer noção de progresso, muito 
pelo contrário, ela acontece aos saltos e em direções as mais variadas. Este 
processo de transformação da iluminação cênica em linguagem se dá a partir de 
práticas as mais variadas, através dos tempos: experiências precursoras, 
práticas extemporâneas, saltos qualitativos e esquecimentos históricos, caminhos 
particulares, pontos de vista diferentes e concepções às vezes opostas. 
Nenhuma realização, concepção ou interpretação sobre a função e prática da 
iluminação no espetáculo teatral é uma conquista absoluta, ela pressupõe uma re-
atualização criativa no tempo e no espaço. A prática de uma luz ativa na 
construção do espetáculo tem de ser reinterpretada e reinventada pelos artistas 
da iluminação a cada instante, na realização de cada novo trabalho, em cada obra 
de arte, única e particular. 
 
8 Embora um grilo falante sussurre em nossos ouvidos o aviso de Einstein 
sobre a quarta guerra mundial, entre porretes e tacapes. 
15 
 
DO OBJETO 
 O foco deste trabalho é, portanto, a iluminação no teatro em sua relação 
com a encenação e o seu objetivo é apreender a transformação da iluminação 
cênica de instrumento da visibilidade à ‘Scriptura’ do visível, conceito que 
pressupõe a existência de uma espécie de “dramaturgia” do visível, uma 
linguagem para os olhos, estrutural e estruturante na arte da encenação, que se 
sobrepõe ou até mesmo se contrapõe àquela apreendida pelos ouvidos. 
Pretendo, portanto, analisar a história da iluminação cênica tendo por ênfase as 
várias funções da iluminação teatral no espetáculo, em busca da concepção 
desse caminho que vai de ferramenta à linguagem, de efeito especial à escritura 
da cena. 
16 
 
 
 
 
 
 
 
 
1ª PARTE – A LUZ EM BUSCA DO VISÍVEL 
17 
 
CAPÍTULO 1 
A LUZ E A VISIBILIDADE 
 
 “Fiat Lux” e fez-se o mundo. 
 “Black-out” e o mundo desaparece na escuridão. 
 
 
A luz, com suas variações de intensidades e cores, ângulos e distâncias, 
sempre foi motivo de reflexão e estudo. O estudo da luz está presente na origem 
de várias ciências como a física, a geometria, a astronomia, a óptica, a teoria das 
cores, a teoria da percepção, entre muitas outras. 
O homem percebe o mundo principalmente através da visão que tem das 
coisas à sua volta, que chamamos por realidade. Porém a visão é resultado de 
um processo complexo que começa na fonte de luz que emite raios luminosos 
(freqüência de ondas eletromagnéticas), que são absorvidos ou refletidos pela 
matéria de que são compostas as superfícies do que está sendo iluminado. A luz 
refletida é captada pelos olhos que enviam impulsos nervosos ao cérebro onde a 
informação é decodificada e percebida. Os olhos são extremamente adaptáveis e 
filtram em segundos a quantidade de luz, as temperaturas de cor e os contrastes. 
A percepção da luz cria as noções de forma, cor, volume, profundidade, distância 
e movimento em relação à subjetividade. O que significa dizer que a visão é uma 
relação ativa entre sujeito e objeto. A visualidade constitui-se assim de um 
processo de relações entre a luz, o mundo observado, os olhos do observador e a 
capacidade humana de representar e interpretar aquilo que é visto, através da 
subjetividade. Ver é criar uma representação do objeto em si, é projetar-se sobre 
o objeto. A visão é, portanto, um processo análogo à da linguagem. Aprendemos 
a ver através da cultura e a ter prazer estético com isso. A fruição através da 
visão das artes pressupõe um processo criativo, de reinvenção do mundo 
representado. 
Por ser tão mediada, a luz para nós não existe em si, mas torna-se luz para 
os nossos olhos na medida em que ilumina a matéria e reflete, formando um 
contexto complexo de informações,todas elas relativas entre si. Assim como os 
sons o que percebemos depende de um conjunto de relações, entre a fonte de 
18 
 
luz, suas características determinadas, o ângulo em relação aos objetos e aos 
olhos dos espectadores, o contraste entre a luz e suas sombras, o contraste entre 
as cores, emitidas, filtradas, refletidas e a sua resultante final para os olhos, as 
relações entre o que está mais ou menos iluminado, a quantidade de luz que vem 
antes e a que vem depois. Enfim, uma orquestração de estímulos relacionados 
entre si. Assim, quando falamos em iluminação cênica, estamos pensando não só 
em tornar visível, mas em construir uma visibilidade determinada. Não se trata 
apenas de ver, mas como ver. 
 
19 
 
 
CAPÍTULO 2 
ANTECEDENTES DA AÇÃO: 
FLASHES DA HISTÓRIA DA ILUMINAÇÃO CÊNICA 
DO SOL À LÂMPADA 
 
 
Refletir sobre a história da luz antes do advento da luz elétrica é um 
exercício de sair do próprio tempo. Como temos um modus vivendi absolutamente 
dependente da eletricidade, é difícil conceber a vida e o teatro á luz de velas. 
Justamente por estarmos atavicamente ligados ás nossas próprias experiências, 
é que o senso comum reproduz a idéia de que a iluminação cênica só começa a 
existir e a se pensar a partir da entrada da luz elétrica em cena. 
É fato que a função da iluminação cênica muda significativamente a partir 
da chegada da luz elétrica ao teatro, mas também é que muito já havia sido 
pensado e realizado antes, por séculos e séculos de práticas teatrais. 
Este capítulo busca, portanto, fazer um vôo sobre esses séculos sem 
nenhuma pretensão de aprofundar-se em qualquer tema ou período, com o 
objetivo único de pinçar na história do teatro diferentes utilizações da luz do fogo, 
da tocha ao gás, para que possamos perceber e pensar o desenvolvimento da 
idéia de iluminação cênica e de suas funções no decorrer da história do teatro, 
sem achar que o nosso tempo histórico é soberano e inventou tudo do nada. 
2.1 FIAT LUX... E A LUZ GEROU A SOMBRA 
No início era o Dia e a Noite e o percurso do Sol pela abóbada celeste visto 
da Terra. O estudo da luz do Sol, percebida através do olho humano, com suas 
variações de distâncias e ângulos, intensidades e cores, sempre foi para o 
homem motivo de inspiração e reflexão. 
A luz do Sol que nos ilumina é energia, vibração, ou mais precisamente 
radiação eletromagnética compreendida num espectro visível 9. Mas a idéia de 
 
9 O espectro das radiações eletromagnéticas perceptível pelo olho humano 
é chamado de “luz” e compreende uma pequena faixa de comprimento de onda 
20 
 
“Luz” carrega em si muitos outros significados, como por exemplo, a luz divina, a 
comunicação entre deuses e homens e o próprio nascimento da vida. 
Como toda vida tem sua morte, todo Deus seu lado terrível, toda luz gera 
sombra. A noção de luz e sombra como elementos opostos, complementares, e 
originários faz parte da história da cultura, das artes e das religiões em muitas 
culturas. Segundo, Hermilo Borba Filho, uma das primeiras danças dramáticas de 
que temos notícia é o Drama da Paixão Egípcia, cujo tema principal é a luta da luz 
contra as trevas: 
O Drama da Paixão Egípcia descreve a luta de Osíris 
– a luz – contra Set – as trevas. Osíris é derrotado, 
mas Hórus, seu filho vinga a sua morte. Esta dança é uma 
representação simbólica do Dia e da Noite e, por 
extensão, do Bem e do Mal. 10 
A batalha entre a luz e as trevas representa a idéia da existência como luta 
de contrários. Esta dança nos remete a uma origem mítica do tempo e do devir11. 
A luz pressupõe a sombra e a sombra, a luz. A existência de ambos está contida 
no seu contraste originário, tanto no plano mítico, quanto no físico. 
Não existe definição de volume, forma, distância, delimitação de espaço, 
noção de composição ou apreensão do movimento, sem contraste. O olho 
depende não somente da existência da luz para ver, mas do contraste que ela 
gera. O contraste é condição sinequanon da nossa capacidade de percepção da 
luz e a partir dela, do mundo que nos rodeia. 
A “Luz” tem, portanto, na idéia de contraste seu princípio fundamental 
expresso desde os primórdios, desde o nascimento do teatro no espírito da dança 
e da música, muito antes do teatro ser entendido como linguagem, da existência 
da iluminação artificial e desta poder ser controlada pelo homem. 
 
que vai de 380 a 780 milimícrons, ou do violeta ao vermelho. O arco-íris 
e suas gradações é o exemplo mais claro desse espectro solar que 
encontramos na natureza. 
 
10 Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O 
Cruzeiro, 1968; p.13. 
 
11 O nascimento de todas as coisas, a corrupção de todas as coisas, a 
mudança qualitativa, a mudança quantitativa e o movimento no 
espaço/tempo. 
21 
 
Até o século XV o teatro é iluminado pela luz do Sol. Neste longo período 
da história do teatro existem várias descrições da utilização da luz do fogo e de 
reflexões da luz do Sol como instrumento do espetáculo. Nestes casos a função 
da luz é predominantemente a de realizar efeitos especiais, principalmente as 
aparições sobrenaturais, divinas ou demoníacas. Esta relação entre a luz e o 
sobrenatural é uma constante e relaciona-se com a idéia da luz como 
representação ou presentificação da divindade. 
 
2.2 O TEATRO GREGO E O SOL 
O teatro grego, de origem religiosa e campestre, originou-se, segundo uma 
das versões, do culto a Dionísos, os ritos de fertilidade dos sátiros dançantes. 
Essa festividade rural é trazida dos campos para as cidades por volta de 539 a.C. 
(por Téspis) e é a partir desta época que o Estado Grego tomou a si a 
organização do teatro, instituindo concursos entre os poetas dramáticos – As 
Dionisíacas. Com origem na época de Péricles, As Grandes Dinisíacas 
aconteciam na Cidade-Estado de Atenas por 6 dias seguidos no mês de março, e 
duravam a cada dia o tempo do percurso do sol. O público chegava ao nascer do 
sol, vestido de branco 12 e as apresentações iam até o anoitecer. No fim do dia "o 
cortejo voltava a Atenas sob a claridade das tochas" 13. 
O teatro Grego era realizado, portanto, à luz do Sol, do nascente ao 
poente. A idéia de tempo na tragédia está, portanto, intimamente ligada ao 
percurso do sol pela abóbada celeste, suas mudanças de ângulo e luminosidade 
e seus limites. 
 
12 “Vestido com o branco ritual, o público chegava em grande número às 
primeiras horas da manhã ‘Um enxame branco’ é como o chama Ésquilo” 
Berthold, Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, São 
Paulo, 2003. p. 114. 
 
13 Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O 
Cruzeiro, 1968; p.34. 
22 
 
Desta forma a questão da visibilidade do 
espetáculo tinha de ser cuidadosamente estudada, a 
escolha do local da representação em relação á platéia 
precisava levar em conta, entre tantas outras variáveis, a 
direção e o ângulo do Sol. Assim o Sol, que nasce a 
leste e se põe a Oeste, deveria iluminar a cena de forma 
oblíqua, nascendo e se pondo por trás dos espectadores 
á direita ou á esquerda da Skené, para que iluminasse 
os atores, sem cegar a platéia que olha em direção à cena. Como demonstra o 
desenho ao lado que representa o eixo do espaço da performance no teatro de 
Dionísos, em Atenas 14: 
O local da Dionisíaca de Atenas era a encosta da colina do Santuário de 
Dionísio, ao sul da Acrópole. 15 Primeiro em instalações provisórias construídas 
em madeira. Cabanas eram construídas atrás da área de representação, como 
base para os cenários. Estas cabanas, onde os atores e o coro se trocavam, dão 
origem ao termo Skené (tenda ou cabana). A pintura sobre a Skené deu origem à 
palavra skenografia. Na frente da Skené, o Proskênion, espaço onde representam 
os atores e na sua frente Orquestra (de orkestai, local onde se dança)local para a 
evolução dos coros, em volta o local destinado à platéia, o Théatron (lugar onde 
se vê). 
A origem da palavra teatro está, portanto, diretamente ligada à visão, é 
uma ação que se representa para ser vista por um público. 
No centro da Orquestra, sobre um pedestal baixo o altar sacrificial, o 
Thimelê – altar ou fogo Sagrado. Enquanto estivesse aceso o Thimelê, Dionísos - 
o deus do entusiasmo e do teatro – estaria presente às representações. A luz do 
fogo sagrado representa no teatro grego a própria presença do Deus. 
 
14 Wiles, Davis. Tragedy in Athens: performance space and theatrical 
meaning. Cambridge University Press, 1997, p.57 apud Pollini, Denise. 
Eurípides, A Cenografia e os Mecanismos Cênicos do séc. V a.C. Dissertação de 
Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 2004.p. 113. 
 
15 Sobre a descrição dos locais e dos elementos da arquitetura do Teatro 
Grego: Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: 
ed. O Cruzeiro, 1968; pp.32 a 34; Berthold, Margot, História Mundial do 
Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003; pp. 113 a 118 e Pollini, Denise. Eurípides, A 
Cenografia e os Mecanismos Cênicos do séc. V a.C. Op. Cit. pp. 15 a 21. 
23 
 
Os efeitos especiais luminosos realizados com fogo ou reflexão da luz do 
sol em superfícies polidas, principalmente nos momentos de clímax, aparição de 
deuses ou seres maravilhosos, são tradição no teatro e existem registros de sua 
utilização desde a tragédia grega. 
Entre as máquinas e os efeitos especiais do teatro grego que se conhece, 
como guindastes, alçapões, escadas e praticáveis móveis, há efeitos de luz, como 
os raios feitos com reflexo e até mesmo, segundo Hermilo Borba Filho16, a 
projeção de imagens ou sombras, é possível que a partir da reflexão do próprio 
Sol: 
(...)uma espécie de lanterna mágica que fazia os 
espectadores verem o outro extremo da cidade, náufragos 
no meio das ondas, apoteose de heróis acompanhados por 
fogos de artifício 17 
Mas não por acaso, o grande exemplo da luz como convenção e que tem 
início no teatro grego, é a utilização da luz do fogo como signo da noite, como nos 
indica Roberto Gill Camargo: 
As velas, tochas e archotes costumavam entrar só no 
final das apresentações, quando estas se estendiam até 
mais tarde, invadindo o período da noite. Em alguns 
casos, porém, era recurso usado para designar ‘noite’ e 
‘escuridão’. 18 
È bem significativo que à noite o fogo sirva para iluminar a cena, que 
necessita ser vista, independente de qualquer indicação de ‘tempo’ e ‘espaço’ no 
âmbito da ficção; mas ao contrário, um ator que porta uma tocha em plena luz do 
dia, representa uma personagem que necessita do fogo para ver, portanto 
encontra-se, na ficção, em meio à escuridão – à noite ou em local escuro, como 
uma caverna ou uma floresta fechada. Esta convenção teatral talvez seja o 
primeiro lampejo da luz utilizada como linguagem. Nesse caso a luz do fogo traz 
 
16 Não encontramos mais indicações ou detalhes sobre esse efeito de 
projeção no teatro grego, à luz do dia, nem ao menos outra menção. Como 
não sabemos as fontes de Hermilo, apenas indicamos a citação. 
 
17 Borba Filho, Hermilo. A História do Espetáculo. Rio de Janeiro: ed. O 
Cruzeiro, 1968; p.33. 
 
18 Camargo, Roberto Gill. A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de 
Cultura, 2000. p. 14. 
 
24 
 
consigo o signo de seu oposto, a escuridão. Reiterando a noção de contraste 
como princípio fundamental da iluminação, mesmo do ponto de vista simbólico. 
2 . 3 O T E A T R O M E D I E V A L E O F O G O 
O TEATRO SAGRADO medieval surge dentro das Igrejas, a princípio 
dentro da própria liturgia da missa, nas celebrações da Páscoa e do Natal. No 
decorrer dos séculos a representação litúrgica vai ganhando espaço e 
independência dentro da missa: Nos Autos Pascais as representações tornam-se 
cada vez mais elaboradas com a dramatização de vários trechos bíblicos em 
interlúdios profanos que encenam o Sacramento no meio da missa - através de 
diálogos escritos. 
Os cenários são montados simultaneamente para as diversas cenas, em 
vários locais da Igreja. 
A simultaneidade da ação e as áreas utilizadas 
determinaram o futuro palco de todo o teatro medieval. 
(...) Os espetáculos eclesiais desfilam os eventos 
bíblicos aos olhos do espectador com a mesma 
justaposição simultânea de um telão pintado 19 
A luz ganha concretude no espaço, desenhada no ar pela fumaça dos 
incensos. O clima da iluminação é dado pelo contraste entre o mistério da luz 
tremulante do fogo (presente em miríades de círios, velas e candelabros acesos) 
e a transcendência da luz do sol filtrada pelos vitrais coloridos, colocados em 
ângulos precisos em relação ao Sol e que se movimenta pelo espaço de acordo 
com a hora do dia e as estações do ano, compondo com a arquitetura e 
percorrendo no chão das catedrais e igrejas desenhos místicos. 
Indo de encontro às grandes batalhas entre Deus e o Demônio, ou às 
contradições entre o sagrado e o profano, o grotesco vai se infiltrando nas 
representações do Teatro Medieval, e com ele as línguas e dialetos locais, 
durante séculos; até a expulsão do teatro de dentro das igrejas, do altar para a 
frente do portal, e na seqüência, dos pátios das Igrejas para as praças do 
mercado. De volta à rua e à luz crua e direta do Sol. 
 
19 Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 
2003. pag. 196. 
 
25 
 
OS MISTÉRIOS E O FOGO DA BOCA DO INFERNO 
OS Mistérios são grandes ciclos bíblicos que contam a Paixão de Cristo, 
histórias do velho testamento e dos apóstolos. Começam a ser realizados a partir 
do séc. XII, quando as cidades assumem através das suas corporações de ofício, 
guildas e confrarias, as representações bíblicas que foram paulatinamente 
expulsas das missas e dos adros das igrejas20. No século XIII os Mistérios 
espalham-se e a maioria das cidades importantes da Europa tem a sua grande 
representação, realizadas em geral nas datas de festa cristã. No decorrer da 
ultima parte da Idade Média tornam-se um acontecimento fundamental para as 
cidades crescentes dos séculos XIV e XV, fundindo a religião às feiras e ao 
comércio. As produções tornam-se cada vez maiores e mais elaboradas e podem 
durar dias ou até semanas. 
Cada classe de artesãos assume a responsabilidade por uma das cenas 
bíblicas apresentadas, incluindo a produção e execução dos cenários e figurinos 
da representação. Muitos habitantes da cidade tomavam parte das cenas, 
principalmente como figurantes, os dillettanti. Os cenários de cada cena ou evento 
bíblico são construídos ao ar livre, todos dispostos pelo espaço de forma 
simultânea, e a história é representada em ‘estações’, com o público 
acompanhando o suceder dos passos da história sagrada. Nos palcos 
simultâneos, todos os cenários e acontecimentos já estão dispostos no espaço e 
no tempo, do início ao fim da história. Como na noção cristã do mundo, tudo já 
está posto, do paraíso ao juízo final, formando um todo único e eterno à imagem e 
semelhança de Deus. 
O palco simultâneo corresponde exatamente a esse cunho 
épico da representação; toda a ação já aconteceu e o próprio 
futuro é antecipado, sendo tudo simultâneo na eternidade do 
logos divino. A eternidade divina é atemporalidade em que o 
“então” das origens corresponde com o “então” escatológico. O 
palco simultâneo é a manifestação da essência, sobrepondo-se 
á aparência sucessiva. 21 
 
20 “O caminho da celebração litúrgica ao espetáculo teatral, que a Igreja havia 
encetado e incentivado, fundia-se agora com o da ascendente população urbana 
européia, que, nos séculos seguintes, determinaria o curso da história e dessa 
forma, também o aspecto do teatro ocidental.” Berthold, Margot, História Mundial 
do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 2003. Pág. 203. 
 
21 Rosenfeld, Anatol. O Teatro Épico. SãoPaulo: Editora Perspectiva, 
1985.p.49. 
26 
 
 
Imagem do Mistério da Paixão de Valenciennes, 1547 22 
A sucessão das cenas e a movimentação do público pelas diversas 
‘estações’ mudam de acordo com a cidade e a região, gerando diferentes formas 
de representação e relação espacial com a platéia. Nos países baixos e cidades 
germânicas os cenários/cenas são montados nas praças, criando uma espécie de 
cidade-palco por onde a platéia circula em procissão. Nas cidades da região 
francesa as representações acontecem em compridos palcos-plataformas (como 
mostra o desenho acima). Na Inglaterra, Itália e Espanha os cenários são 
montados sobre carroças ou carros palcos, formando um ciclo processual onde 
por vezes os espectadores seguem as cenas, por outras as cenas movem-se 
enquanto os espectadores ficam parados. 
O próprio espectador está no palco; o auditório é 
simultaneamente o cenário e o palco. Palco e auditório, 
realidade estética e empírica, põem-se em contato direto 
e formam um único contínuo: o princípio da frontalidade 
foi completamente abolido, o fim da representação 
artística é a ilusão absoluta23 
Como o grande apelo dramático dessas epopéias eram os êxtases e 
milagres e os infernos e as danações, a grandiosidade dos cenários e os efeitos 
especiais com maquinaria e fogo tornam-se muito importantes para a 
grandiloqüência das cenas. Efeitos de explosão, fogo e raios flamejantes eram 
fundamentais para o efeito de êxtase e terror da platéia. Os cenários do inferno 
tinham grande função no clímax dos espetáculos e eram os carros chefes dos 
 
 
22 Berthold, Margot, História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 
2003. Pág. 230. 
 
23 Hauser, Arnold. História Social da Literatura e da Arte. São Paulo: 
Mestre Jou, 1980-1982. Volume 1.p. 350. 
 
27 
 
efeitos especiais: as bocas do inferno tinham mecanismos de abrir e fechar as 
mandíbulas e de soltar fumaça e línguas de fogo acesas artificialmente com 
líquidos inflamáveis. 
 
 Boca do Inferno, Dresden, 1695 24 
 
Seguindo a tradição vinda da Grécia, cabe ao fogo e aos truques 
luminotécnicos o papel de efeito especial. Mas desta vez, há uma distinção clara 
entre a luz do sol refletida em metais, seus raios e brilhos, que acompanham a 
falange de Deus, Santos e anjos; e a luz do fogo presente nos locus dos infernos 
e dos ímpios. 
O fogo, que na Grécia significara a presença imanente do deus do 
entusiasmo em cena; transforma-se na própria encarnação viva do inferno e seus 
terrores. Aprofunda-se a significação do fogo em cena representar o seu 
contrário, a escuridão e as trevas. Talvez pelo seu poder ao mesmo tempo 
maravilhoso e assustador de nos encantar e ofuscar, deixando-nos 
momentaneamente cegos. 
No entanto a visão do fogo da boca dos infernos e as cenas grotescas e 
cômicas que acompanham os pecados e as quedas dos simples mortais - tornam-
se as estrelas do espetáculo, ganhando cada vez mais espaço e interesse nas 
representações. O Teatro Profano está desde sempre contido, escondido como 
semente pronta pra brotar, dentro do Teatro Sagrado. 
 
 
24 Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed Perspectiva, São Paulo, 
2003; p.202. 
28 
 
O TEATRO PROFANO 
O Teatro Profano multiplica-se em silêncio durante toda a Idade Média em 
carroças de ambulantes. Há inúmeras formas de Teatro Profano que resistem ou 
se desenvolvem neste período: Mimos e Mascaradas, Autos de carnaval, Farsas 
e Bufonarias, várias espécies de “jogadores” e improvisadores como os 
Joculatores, jongleaur ou Spileman.25 Menestréis, saltimbancos, jograis, músicos, 
dançarinos, acrobatas, bobos, bufões e Arlequinos. 
Profissionais, esses artistas vivem de arte e truques, circulam pelas 
estradas, feiras e festas das cidades crescentes, formando um sistema radicular 
de trocas e influências, que leva e trás cenas e técnicas teatrais, máscaras e 
personagens, idéias novas e subversão, magia e segredos, ciência e técnica. 
Estes artistas ambulantes, à margem das regras rígidas da vida medieval, têm 
uma liberdade ímpar de ir e vir, de forma a criar uma espécie de "vida cultural 
subcutânea" na Idade Média. 
É fácil imaginar que suas representações utilizassem efeitos com fogo 26. 
Hamilton Saraiva cita em sua tese de mestrado um desenho de palco de rua 
francês de 1540, reproduzido abaixo, que se encontra na Biblioteca Municipal de 
Cambrai.27 
 
 
25 Berthold, Margot. História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 
2003. Pags. 242 a 267. 
 
26 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.p. 8. 
 
27 Berthold, Margot. História Mundial do Teatro, São Paulo: Ed Perspectiva, 
2003. p. 256. 
29 
 
Esse desenho mostra a utilização de fogo para iluminar um palco de 
ambulantes. Podemos perceber pelo desenho que os dois recipientes com fogo já 
formam uma pré-ribalta, inteligentemente colocadas na diagonal, o que completa 
melhor a iluminação dos dois lados do corpo, do que se viesse da frente, 
ofuscando menos a visão da platéia. 
Embora a própria característica intrínseca de sua arte dever muito às 
narrativas orais e ao improviso, não deixando uma dramaturgia ou história precisa 
e oficial escrita, é sabido que eles mantém vivas muitas tradições antigas dos 
mimos e comédias populares latinas. As técnicas que aprendem, aperfeiçoam ou 
inventam por eles próprios são transmitidas de boca em boca. É muito provável 
que muitas destas técnicas e truques de teatro, incluindo truques com fogo, 
tenham resistido e se desenvolvido durante este período por meio da tradição 
oral, passando de geração a geração na prática de mestres e discípulos, 
chegando assim até o século XVI – quando serão compiladas, escritas e 
aperfeiçoadas pelos grandes arquitetos e cenógrafos do Renascimento. 
 
30 
 
2.4 O RENASCIMENTO E O RAIAR DAS LUZES NO TEATRO 
 
 
 
 
ANTECEDENTES DA AÇÃO 
As transformações na estrutura feudal da Idade Média vêm sendo gestadas 
desde o século XII, com o ressurgimento das cidades e o fortalecimento do 
comércio. Cresce a população das cidades - os “burgueses” - com suas práticas e 
necessidades específicas, acompanhados por uma nova trama de relações que 
as cidades estabelecem. 
Em 1492 a tomada de Constantinopla pelos turcos expulsa para o ocidente 
levas e levas de homens em fuga, carregando consigo documentos e textos 
fundamentais da cultura Greco-Romana. A difusão das obras e do pensamento da 
cultura Clássica Greco-Romana 28, aliada ao Mecenato 29 às artes e às ciências, 
possibilitam a retomada da pesquisa e do desenvolvimento das ciências naturais, 
da astronomia, da óptica, da matemática, da geometria, da arquitetura, da música, 
da escultura, da pintura e do teatro. 
O comércio necessita da ciência, da tecnologia e das artes como aliados; e 
vice e versa. As Repúblicas italianas reuniram, no fim do séc. XV, a necessidade 
e as condições técnicas30, econômicas31 e políticas32 que possibilitaram uma 
reviravolta na forma do homem entender a si mesmo e ao mundo, uma revolução 
cultural de grandes proporções: O Renascimento. 
 
28 A partir de 1456, com a publicação da Bíblia de Guttemberg, a técnica 
da tipografia possibilita a multiplicação dos textos escritos. Em 1467 o 
Papa Paulo II instala o primeiro prelo em Roma, publicando importantes 
obras em grego e latim. 
 
29 O Mecenato é empreendido por grandes famílias italianas e pela própria 
igreja católica. Os papas humanistas da Contra Reforma abrem o seio da 
Santa Madre Igreja Católica para a paixão pela Antiguidade, assim como o 
interesse pelas artes e as ciências naturais. 
 
30 O desenvolvimento da navegação; a tipografia e o desenvolvimento de 
técnicas de produção mecânicas que aumentam a produção dosartesãos. 
 
31 O comércio entre o Ocidente e o Oriente, via península Itálica, gera 
uma grande acumulação de capital nas mãos das cidades-estados italianas, 
conseqüência de um forte do mercantilismo comercial. 
 
32 A relativa independência política de cada uma destas cidades. 
31 
 
Na Itália a retomada da literatura dramática começa com o Teatro dos 
Humanistas, que promovem leituras, declamações e, na seqüência, 
representações das comédias e tragédias latinas; que logo incitam á produção de 
novos textos inspirados na forma clássica. O teatro renascentista estabelece a 
Poética de Aristóteles como ponto de referência para a teoria dramática. 
A ARQUITETURA RENASCENTISTA E A CONSTRUÇÃO DE TEATROS 
Do ponto de vista do espetáculo a transformação é total, a começar pelo 
espaço que ele ocupa. A partir do séc. XV e principalmente durante o século XVI, 
o teatro recolhe-se a espaços restritos, onde é possível cobrar ingressos ou 
escolher os convidados. Alguns destes espaços continuam abertos à luz solar, 
porém há uma tendência cada vez maior de ocupar espaços fechados e edifícios 
construídos especificamente para as representações – os Teatros - colocando a 
questão da ocupação espacial e visibilidade como problemas a serem resolvidos 
e o desenvolvimento da iluminação cênica como uma necessidade. 
As primeiras fontes de luz utilizadas foram velas33, de diversos tamanhos e 
tipos, a princípio em candelabros colocados aleatoriamente pelo espaço, sem 
distinção de local ou ângulo em relação à ação. Também foram utilizados outros 
procedimentos como a combustão de óleos vegetais ou animais em lamparinas 
de azeite ou óleo de baleia e latas ou vasos com água misturada em combustíveis 
vegetais. 
Do século XVI até o fim do século XIX, o fogo – em suas múltiplas formas e 
através de inúmeras técnicas diferentes de combustão, controle e transformação 
da luz – será a principal fonte de luz do teatro. 
Os espetáculos começam a ocupar espaços fechados primeiro de forma 
improvisada, segundo as características do teatro medievo de cada região; 
depois, com o desenvolvimento da arquitetura renascentista, a construção de 
teatros passa a ter um lugar importante nas cortes e cidades em expansão. 
 
33 “A vela de cera, invenção dos fenícios (cerca de 300 d.C) foi por 
muito tempo o único iluminante dos teatros.” Camargo, Roberto Gill; A 
Função Estética da Luz, TCM Comunicação, Sorocaba, SP, 2000, p.15. 
 
32 
 
Na França, os palcos-plataformas franceses com seus Mistérios são os 
primeiros a serem transferidos para grandes salões em hotéis ou palácios, ao 
abrigo da corte.34 A iluminação a princípio ficava a cargo dos candelabros 
originais, acrescidos de uma quantidade suplementar de velas. No primeiro 
momento as representações em salões e festas, ligados às cortes absolutistas 
francesas, trazem consigo a idéia de grandiosidade e luxo como fim estético, a 
iluminação segue então a falsa idéia de que quanto mais velas, mais brilho e luz, 
portanto a cada nova representação, multiplicam-se as velas por todos os lados, 
ofuscando a platéia com seu brilho. 
Na Espanha, as carroças de ambulantes estacionam nos pátios dos 
hospitais (corrales) de irmandades religiosas. Os Corrales, como ficaram 
conhecidos, serão os primeiros palcos do Siglo de Oro espanhol (1580-1680) e 
funcionam de dia, à luz do sol. Na Inglaterra, a forma do teatro renascentista 
também vem dos carros-palcos medievais, que aportam nos pátios de casas ou 
pousadas. No fim do século XVI são construídos teatros elizabetanos como 
espaços específicos para as representações, extremamente populares, que 
aconteciam diariamente a partir das 14h, também à luz do Sol. Desenhos 
mostram ribaltas e candelabros, o que indica a provável contracenação entre a luz 
do dia e a luz do fogo na sombria Inglaterra. Apesar da intensidade da luz do fogo 
representar pouca potência durante o dia, as temperaturas de cor muito diferentes 
criam um contraste entre elas que desenha as formas. É conhecida também a 
utilização de tochas ou velas nessas representações, assim como no teatro 
grego, para representar em plena luz do dia as cenas noturnas ou soturnas. 
Mas é na Itália, berço do Renascimento, que o incrível florescimento da 
arquitetura renascentista traz grandes conseqüências para o espaço teatral e 
suas técnicas. 
 
34 “Sobretudo em Paris, desde muito cedo há a tendência de transferir o 
espetáculo para um teatro fechado (...) A ‘Confrérie de la Passion’, de 
Paris, representava desde o ano de 1411 em interiores, - a princípio no 
hotel Fe La Trinité, depois no Hôtel de Flandre e, finalmente, no Hôtel 
de La Bourgogne, onde o teatro francês mais tarde lançou as bases de sua 
brilhante carreira com Molière e a Commedie Itallienne”. Berthold, 
Margot, História Mundial do Teatro. São Paulo: Ed Perspectiva, 2003. P.227. 
 
33 
 
O desenvolvimento da arquitetura renascentista na Itália – inspirado pela 
publicação de Vitrúvio em 1486 35 e regido por regras áureas da geometria e da 
matemática – leva à construção de teatros a partir das formas e proporções dos 
teatros romanos (como mostra abaixo uma fotografia do Teatro Olímpico de 
Vicenza). Estes teatros eram construídos de forma a aproveitar a iluminação 
natural: nas apresentações diurnas a cena era iluminada através de grandes 
clarabóias no centro da construção e janelas atrás da platéia. Entretanto à noite a 
iluminação artificial era necessária. 
 
Imagem - Interior do teatro olímpico de Vicenza 36 
 
No século XVI a construção de teatros segundo o modelo de Vitrúvio, 
espalha-se pelas cidades italianas e, na seqüência, nos palácios e cortes de toda 
a Europa 37. 
 
35 “Se fôssemos escolher um marco para a ‘Renascença” do teatro, a data 
seria 1486.(...) E foi nesse ano também que saiu do prelo a De 
Architectura (10 livros sobre a Arquitetura) de Vitrúvio, uma 
contribuição essencial para plasmar o palco e o teatro segundo o modelo 
da Antiguidade.” Berthold, Margot; História Mundial do Teatro, Ed 
Perspectiva, São Paulo, 2003, p.270. 
 
36 “O melhor exemplo ainda hoje existente de um teatro renascentista 
italiano é o Teatro Olímpico de Vicenza. Foi construído por Andréa 
Palladio, que, após colaborar com Bárbaro na edição que este fez de 
Vitrúvio, propôs-se a tarefa de reconstruir um teatro Romano antigo. A 
nova casa foi inaugurada em 1584, com Édipo Rei de Sófocles.” Id. Ibid., 
p.287. 
 
37 “Do século XVI em diante, os teatros em palácios assumiram 
importância, tanto do ponto de vista da história cultural, quanto do da 
Arquitetura”. Id. Ibid., p. 291. 
 
34 
 
O RENASCIMENTO E O DESENVOLVIMENTO DA CENOGRAFIA, 
CENOTÉCNICA E ILUMINAÇÃO. 
 
A partir da construção dos teatros, os arquitetos renascentistas vinculados 
a partir de então às principais cortes da Europa, dedicam-se também à 
cenografia. Revolucionam formas e composições em busca da perspectiva – a 
grande paixão da Renascença.38 
Para dar maior impressão de profundidade mesclam os telões pintados em 
perspectiva com cenários construídos em proporção, com volumes, dando origem 
ao palco e cenários renascentistas. 
Através da prática de uma arte ligada à ciência, unem técnicas navais do 
período das grandes navegações, às ciências da arquitetura, geometria, 
matemática, óptica, entre outras, para o progresso da tecnologia da cena - a 
cenotécnica. 
Estes arquitetos italianos e seus discípulos: construtores de teatros, 
cenógrafos, inventores de máquinas cênicas e mestres da arte da cenotécnia, 
foram também os primeiros iluminadores. Sabedores da influência da iluminação 
no efeito visual do espaço tomaram para si a tarefa de manipular artificialmente a 
luz dos espetáculos. Para isso estudaram, aperfeiçoaram e compilaram as antigas 
técnicas de utilização do fogo e, através de estudos e pesquisas práticas, 
ampliaram em muito a tecnologia para iluminar e criarefeitos a partir da luz, que 
foram a pouco e pouco tomando conta da cena. Suas experiências constituem a 
base de toda a técnica da iluminação a partir de então, daí sua importância para a 
compreensão da história da iluminação como um todo. Muito de seus trabalhos e 
técnicas, tanto na arquitetura cênica, quanto na cenotécnica e iluminação serão 
não somente incorporados às tradições do teatro como também especificamente 
 
38 “A invenção da perspectiva central é, antes de tudo, expressão do 
desejo renascentista de conquistar e dominar a realidade empírica no 
plano artístico. Ela é sintoma de uma deslocação do foco de valores: a 
transcendência cede terreno à imanência, o outro mundo a este, o céu à 
terra. A perspectiva coloca a consciência humana - e não a divindade – no 
centro; ela projeta tudo a partir deste foco central.” Rosenfeld, Anatol. 
Traços Épicos no Teatro Pós-Medieval (Renascimento e Barroco) in O Teatro 
Épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985, p.54. 
 
35 
 
estudados e relidos pelos principais encenadores do século XX, como, por 
exemplo, Edward Gordon Craig e Max Reinhardt. 
Com o objetivo de primeiro abarcar uma visão mais geral e aglutinadora, 
para depois detalhar, faremos um rol das principais linhas de pesquisa e práticas 
em iluminação cênica realizadas por esses mestres da arte e da técnica, de 
acordo com as diferentes funções que a luz assume nos espetáculos: 
1. Visibilidade. Os arquitetos dedicam-se à questão da visibilidade, estudando 
como iluminar melhor a cena sem ofuscar os olhos da platéia. 
2. Perspectiva. Preocupam-se com a interação entre a luz e o espaço com o 
objetivo de aumentar a noção da perspectiva. A partir de seus 
conhecimentos de geometria dão os primeiros passos no posicionamento 
racional das fontes de luz, experimentando diferentes ângulos para iluminar 
a cena em busca de maior visibilidade, volume, contraste e harmonia na 
composição das cenas. São eles que criam os princípios matemáticos 
básicos do desenho de luz, utilizados até hoje. 
3. Efeitos especiais. Compilam, aperfeiçoam e inventam novos efeitos 
especiais com “traquitanas” cênicas e fogo para imitar ícones da natureza 
como o sol, a lua, raios e trovões, reflexos com rebatimento em metal e até 
incêndios cenográficos. 
4. Relação entre o palco e a platéia. Aumentam, aos poucos, a separação 
entre a platéia e o palco através da iluminação39: diminuem a quantidade 
de velas acesas na sala e deslocam os candelabros que iluminam a platéia 
para o fundo, longe do ângulo de visão dos espectadores 40; aumentam a 
 
39 “Para aumentar o efeito perspectívico acentua-se a tendência a separar 
palco e platéia. Esta separação se destacará ainda mais (...) na medida 
em que os palcos se fecham em prédios, pela instalação da ribalta que 
dota a cena de sua própria luz. O público, por sua vez, que antes 
comungava da mesma luz da cena (quer do sol, quer das velas e lâmpadas), 
pouco a pouco é envolto em penumbra, como se não existisse para o palco, 
enquanto este, luminosa lanterna mágica, desenvolve para a platéia em 
trevas toda a sua força hipnótica.” Rosenfeld, Anatol. Traços Épicos no 
Teatro Pós-Medieval (Renascimento e Barroco) in O Teatro Épico. São 
Paulo: Editora Perspectiva, 1985, p.55. 
 
40 Encontramos algumas tentativas de apagar totalmente a luz da platéia, 
mas elas não funcionam porque a função social do espetáculo necessita que 
a platéia se veja no teatro. 
36 
 
quantidade de fontes de luz do palco e, finalmente, adotam as luzes da 
ribalta como iluminação principal da cena. A ribalta, localizada na fronteira 
entre o palco e a platéia, além de promover uma luz mais intensa, cria um 
abismo físico e luminoso entre esses dois mundos. 
5. Atmosfera. Desenvolvem as primeiras técnicas para variar a intensidade da 
luz no meio das representações ou mudar as cores da cena através da 
iluminação, sugerindo as primeiras “atmosferas” luminosas. 
6. Pesquisa e documentação. São também os primeiros a escrever sobre 
iluminação cênica em seus tratados sobre arquitetura, cenários e 
cenotécnica, que incluem a luminotécnica. 
É importante notar que as mudanças empreendidas pelos arquitetos 
renascentistas na concepção e prática da iluminação cênica; descritas de forma 
geral através dos seis itens acima, não aconteceram de uma hora para outra, nem 
foram aceitas imediatamente como pratica por todos os teatros. Pelo contrário, 
foram conquistas advindas da pesquisa prática de homens de teatro que se 
caracterizaram pela audácia, descritas em trabalhos teóricos que justamente se 
opunham ao senso comum trazendo inovações, algumas delas só se tornaram 
prática corrente no teatro moderno. A seguir citamos alguns destes arquitetos 
renascentistas e levantamos suas práticas na iluminação cênica. 
OS GRANDES MESTRES DA ARQUITETURA RENASCENTISTA NO SÉCULO 
XVI E SUAS PRÁTICAS NA CENOGRAFIA E ILUMINAÇÃO CÊNICA 
SEBASTIANO SÉRLIO (1475 – 1554) 
Arquiteto, discípulo de Perruzi, construtor de teatros e cenografias. Foi o 
grande teórico da construção teatral do século XVI; escreveu cinco tratados sobre 
arquitetura: o primeiro deles chamado "Regole generali d'architettura” foi 
publicado em Veneza em 1537. O Libro Secondo di Perspettiva da Architettura, 
tratado específico sobre arquitetura cênica, cenografia e perspectiva, foi publicado 
em 1545. Reunidos depois de sua morte em um único volume, chamado 
Architettura, foi publicado em vários países como um importante compêndio da 
arquitetura renascentista. Em seu tratado sobre cenografia - Libro Secondo di 
37 
 
Perspettiva da Architettura - reúne e descreve suas importantes contribuições 
para a cenografia renascentista, com desenhos e explicações técnicas 
detalhadas41. Abaixo pontuamos as mais significativas para nosso trabalho: 
Sebastiano Sérlio transforma as bases da utilização da perspectiva no 
teatro: muda o ponto de fuga para trás da parede do fundo do teatro, conseguindo 
assim aumentar a sensação de profundidade e ganhar mais espaço para a 
atuação na frente. Substitui as sólidas construções cênicas, por bastidores em 
ângulo, facilitando a construção, a colocação dos cenários e a circulação da cena. 
Seguindo as prescrições de Vitrúvio, retoma as três formas do teatro grego e 
latino e estabelece três tipos básicos de cenário, incluindo os efeitos da 
perspectiva. São eles a Scena Trágica (representando uma arquitetura de palácio 
em perspectiva, a Scena Cômica (uma vista de rua em perspectiva) e a Scena 
Satírica (uma paisagem arborizada para as pastorais). 
Sebastiano Sérlio é o primeiro a escrever sobre a relação entre a luz e o 
espaço cênico. Para organizar a disposição das fontes de luz pelo espaço, separa 
a luz “para ver”, ou seja, a luz geral; da luz que desenha o espaço para dar a 
noção de profundidade. Também separa as duas primeiras dos “efeitos 
especiais”. Cada uma dessas funções tem as suas fontes de luz, que não se 
misturam. 
Esse construtor do século XVI informa que essas 
luzes [coloridas] não são as que servirão para iluminar 
a cena, mas representam os “efeitos especiais”, já que 
as luzes de cena serão feitas pelos candelabros e com os 
vasos cheios de água, nos quais se colocam cânfora que, 
ardendo, dá uma bela luz e odorífica o ambiente.42 
 
41 Gostaríamos de declarar aqui que infelizmente não foi possível ler 
diretamente a obra de Sebastiano Sérlio. Lemos as seguintes fontes: 
Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica 
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990; Camargo, Roberto Gill. 
A Função Estética da Luz. Sorocaba: Ed. Fundo de Cultura, 2000. Streader, Tim e 
Williams, John A. Create Your Own Stage Lighting. New Jersey: Prentice Hall Inc., 1985. 
Moussinac,Léon. História do Teatro das origens aos nossos dias. Trad. 
Mario Jacques. Portugal: Livraria Bertrand, s/d. Keller,Max. Light 
Fantastic. The Art andDesign of Stage Lighting. Munique: Prestel Verlag 
2006. 
 
42 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Op. Cit. p.15. 
 
38 
 
Para iluminar a cena, ou seja, como luz geral: descreve o uso comum de 
velas em lustres, dispostos no alto, lâmpadas de azeite de baleia penduradas em 
grande quantidade e bacias de água com óleo vegetal no chão. Para estas luzes 
de chão, propõe criar um “espelho”, composto do mesmo latão da bacia, bem 
polido, para esconder as chamas da platéia e refletir mais luz para a cena. 
Preocupa-se em esconder todas as fontes de luz (menos os lustres do alto) dos 
olhos da platéia, para não ofuscá-la, tornando então a cena mais clara. 
Para servir de luz complementar e desenhar o espaço: com o objetivo de 
aumentar a noção de profundidade, emprega luzes laterais, entre os cenários 
construídos e a tela de fundo; para iluminar bem a tela pintada e minimizar as 
sombras das luzes da ribalta, usa um grande lustre central, que ilumina a tela de 
cima; para a iluminação através de janelas, coloca a fonte de luz por trás e vidros 
ou papéis coloridos na janela cênica, de forma a criar um efeito de projeção de 
cores e também avivar a existência destas janelas na cenografia. 
Descreve também vários efeitos para transformar a luz do espetáculo; 
explicitando em seu texto que essas luzes não servem para iluminar a cena, mas 
representam “efeitos especiais”: 
Relata formas para colorir a luz da cena - utiliza velas e lamparinas 
como fonte de luz, por trás de orifícios feitos na parede, nos quais havia 
recipientes (construídos com vidros especiais, alguns côncavos) com 
líquido de várias cores: “No seu segundo livro de Architettura ensina como 
fazer as cores transparentes para luz artificial partindo do azul até chegar 
ao safira.” 43 Quanto aos efeitos para colorir a cena, com certeza 
dependem de uma grande quantidade de velas por trás dos recipientes 
com líquidos coloridos, porque muito da luminosidade das velas é 
absorvida pelas cores. Mas o resultado é surpreendente porque a luz viva 
das chamas cria miríades de reflexos coloridos em movimento.44 
 
43 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990, p.14. 
 
44 Já realizei esta experiência em sala de aula para iluminar uma cena de 
“A Vida é Sonho” e o efeito é muito bonito. Como as fontes de luz têm 
movimento os reflexos coloridos são bem diferentes da cor regular 
resultante dos filtros coloridas em lâmpadas elétricas. 
39 
 
Indica a utilização de metais polidos (latão) para refletir as luzes das 
velas e criar brilhos e raios. 
Utiliza tochas, foguetes e estopa embebida em álcool ou cânfora 
para efeitos especiais com fogo, incluindo os perigosos “incêndios cênicos”; 
Conta como utiliza técnicas do teatro de sombras, para projetar, por 
trás, imagens no pano de fundo: “como forma de representar, ao fundo, as 
figuras de músicos e até uma multidão a pé ou a cavalo nos entreatos.” 45 
Relâmpagos “eram feitos com um pó inflamável, que era colocado 
numa caixinha cheia de buracos na tampa. Sobre a tampa, bem no meio, 
uma vela acesa; levantando-se a caixa rapidamente o pó se inflama 
fulgurantemente, dando a sensação do relâmpago” 46 
É importante notar aqui que a separação que Sebastiano Sérlio faz entre 
as fontes de luz “para iluminar” e as demais luzes já caracterizam do ponto de 
vista conceitual uma separação de planos de luz, por função: a iluminação como 
instrumento da visibilidade, representada pela iluminação geral, as luzes laterais, 
que desenham o espaço, os “efeitos” que têm função dramática, como raios e 
incêndios. Sobre essa distinção proposta por Sebastiano Sérlio, conclui Max 
Keller: 
 Em termos de iluminação cênica ele distingue entre 
luz geral - luz decorativa, que ilumina os cenários – e 
luzes móveis e efeitos que representam o Sol, estrelas e 
luz.47 
Eu acrescentaria mais uma distinção realizada por ele, não na teoria, mas 
na prática, as luzes coloridas, que servem para criar diferentes “atmosferas” na 
cena. 
 
 
 
 
45 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Op. Cit. p.15. 
 
46 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Op. Cit. p.15. 
 
47 Keller, Max. Light Fantastic. The Art and Design of Stage Lighting. 
Op. Cit. p. 16. 
 
40 
 
 
JACOPO BAROZZI DA VIGNOLA (1507 – 1573) 
Arquiteto e artista plástico. Autor do tratado Le Due Regole Della 
Prospecttiva Pratica. Vignolla prova, através da geometria, que o ângulo ideal de 
incidência da luz sobre um objeto é a diagonal. 
Todo iluminador com alguma prática sabe a importância do ângulo de 45º 
(diagonal) para a incidência da luz. A diagonal é conhecida como o “ângulo 
perfeito” porque revela por igual duas 48 ou três dimensões49 das formas 
iluminadas. Desta forma aumenta a percepção do volume, dando profundidade e 
harmonia ao conjunto. 
Muito utilizado, este cálculo matemático é fundamental para o 
posicionamento dos refletores da “luz geral”, que normalmente é desenhada para 
criar uma incidência de 45º de um lado e do outro do palco e por isso mesmo é 
conhecida também como “geral cruzada”. A mesma relação matemática é 
utilizada para a escolha do local para a instalação das varas de luz de um teatro 
em construção. 
 
LEONE DE’SOMMI (1525/27– 1586/92) 
Leone de’Sommi, segundo descrição de Jacó Guinsburg: 
 Dramaturgo, encenador, teórico do teatro, poeta 
tanto em hebraico quanto em italiano, participou 
intensamente da vida teatral renascentista com numerosas 
criações dramáticas e cênicas e com concepções teatrais 
cuja originalidade vem sendo destacada crescentemente 
pelos estudos críticos modernos.50 
 
 Alem dos poemas, canções e peças de teatro, incluindo pastorais, 
intermédios e comédias, Leone de’ Sommi escreveu uma importante obra de 
teoria teatral em forma de diálogo – Dialoghi in Matéria di Representationi 
 
48 Incidência a 45º da aresta de um cubo. 
 
49 Incidência a 45º do canto do cubo. 
 
50 Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença 
Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, P.16. 
 
41 
 
Sceniche – onde discute suas concepções e práticas sobre o fazer teatral. Nestes 
diálogos, entre vários aspectos da cena, expõe suas idéias sobre a iluminação do 
palco e também da platéia, propondo uma função para a iluminação no 
espetáculo absolutamente inovadora para sua época. Para além da questão da 
visibilidade, afirma que a quantidade e qualidade da luz têm influência na 
atmosfera da cena e na relação emocional entre o espectador e o espetáculo. 
Transcrevemos a seguir alguns trechos da sua obra por considerá-los de suma 
importância para esse trabalho: 
SANTINO: ...uma vez que em vosso palco já estão acesas 
tantas luminárias que se começa a discerni-lo muito bem 
e ele constitui por si mostra muito bonita, desejaria 
como primeira coisa, Messer Verídico, que nos dissésseis 
para que servem e onde têm origem todas essas lâmpadas 
que se acedem pelos tetos das casas em cena (...) para 
iluminar o palco vejo aqui tochas em quantidade 
suficiente. 
VERIDICO – É preciso que também o arquiteto, pela parte 
que lhe cabe na comédia, represente regozijo e júbilo; e 
visto que o uso moderno e antigo é, e sempre foi que se 
acendam, como signos de alegria, fogos e luminárias 
pelas ruas, nos telhados das casas e no alto das torres, 
de onde se originou depois este uso no teatro. 
SANTINO – Às tragédias, portanto, não conviriam tais 
luminárias? 
VERIDICO – Nem desconviriam talvez em tudo (...). Foi o 
que se deu numa tragédia que dirigi entre outras. A cena 
permaneceu iluminada da forma mais jovial durante todo o 
tempo em que os sucessos da história corriam de maneira 
feliz. Quando começou o primeiro caso doloroso (...) fiz 
com que (como eu havia preparado) naquele instantea 
maioria das luzes do palco, que não serviam à 
perspectiva, fossem veladas ou apagadas, coisa que 
causou profundíssimo horror no peito dos espectadores.51 
 
O trecho citado acima explicita não só o efeito da luz sobre a emoção da 
platéia, como a autoria e consciência deste efeito - ou seja, a luz é linguagem 
consciente na mão do diretor e do arquiteto (leia-se aqui em relação ao 
 
51 Sommi, Leone de’. Quatro Diálogos em Matéria de Representação Cênica 
in Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença 
Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, p. 111, 112. (IV Diálogo) 
42 
 
espetáculo a função moderna do cenógrafo, acrescida do cuidado com as luzes). 
Podemos apreender também deste trecho a distinção entre diferentes funções da 
iluminação, cada qual com suas fontes de luz específicas e separadas: existem as 
tochas que iluminam o palco, as luzes que servem à perspectiva (provavelmente 
luzes laterais) e as lâmpadas espalhadas “pelos tetos das casas em cena”, que 
fazem parte da própria ficção – “signos de alegria” – uma luz com função 
atmosférica. Cabe notar ainda que mais do que a quantidade ou a qualidade da 
luz, em si, o que interessa a Leone de´Sommi é a transformação em cena desta 
quantidade ou qualidade da luz, ou seja, é no movimento da iluminação, que ele 
obtém o forte efeito emocional desejado sobre a platéia. 
 
Além da iluminação do palco, Leone de´Sommi também estuda a 
localização e intensidades das fontes luminosas da platéia. Preocupa-se em 
reduzir e ocultar as fontes de luz da sala dos espectadores porque sabe que a 
penumbra na platéia tem como efeito direto, por contraste, tornar o palco mais 
iluminado aos olhos dos espectadores: 
 
SANTINO – Chama a minha atenção, Messer Veridico, que sobre 
essa vossa cena existam muitíssimas luminárias, ocultas e à 
vista; no entanto, aqui, na sala, não há arranjos para 
colocar mais do que doze tochas ali, de pé; não consigo 
imaginar a causa, pois nesta sala, tão grande, já cheguei a 
contar em muitas ocasiões duzentos e cinqüenta tochas. 
VERIDICO – Como sabeis é coisa natural que o homem, 
encontrando-se no escuro, veja melhor algo que reluza ao 
longe, do que o faria estando em lugar iluminado, porque a 
vista vai mais unida ao objeto, sem vaguear, ou, segundo o 
parecer dos peripatéticos, o objeto vem apresentar-se mais 
unidamente ao olho. Por isso instalo pouquíssimas luminárias 
na sala, ao mesmo tempo em que tento tornar o palco 
resplendente; e inclusive estas poucas, disponho-as atrás 
dos ouvintes, a fim de que a interposição de tais luzes não 
ofusque a visão dos espectadores, e por cima delas abro 
também, como vedes, os espiráculos, de modo que não possam 
com a fumaça causar dano em parte alguma.52 
 
52 Idem Ibidem, p. 114. (IV Diálogo) 
 
43 
 
Esta preocupação inaudita com o olhar da platéia prenuncia uma 
importante questão para o teatro moderno – a relação entre a cena e o público, 
expressa também pela separação luminosa, ou não, entre o palco e a platéia. 53 
 
ÂNGELO IGGEGGNERI (1550 – 1613) 
Dramaturgo, teórico e diretor de Teatro 54, escreveu o Discorso della poesia 
rappresentativa e del modo di rappresentare le favole sceniche. Iggeggneri tentou 
pela primeira vez, em 1598, apagar totalmente a luz da platéia deixando-a no 
escuro, com o objetivo de concentrar a atenção do público na representação. 
Porém não teve êxito. Hamilton Saraiva explica essa impossibilidade por razões 
técnicas: 
Isso [apagar a luz da platéia] não foi possível 
realizar, em virtude das dificuldades de se apagar e 
acender, em cada ato, os grandes lustres suspensos 55 
Denis Bablet, no entanto, acrescenta um aspecto social: 
Numa sala iluminada o espectador não é senão um dos 
elementos de uma sociedade vinda para ver e fazer-se 
ver, duma ponta a outra da ferradura da sala clássica. 
56 
 Os arquitetos e dramaturgos-encenadores do Renascimento relacionam a 
luz à percepção do espaço, preocupam-se com a afinidade entre a luz e a 
atmosfera da obra dramatúrgica e a conexão entre a luz do palco e a luz da 
 
53 “Assim Leone de’Sommi evidencia um senso de iluminação cenográfica 
que, embora limitado quanto aos recursos técnicos, pouco fica a dever às 
premissas básicas da moderna encenação. (...) Pois a sua recomendação de 
manter o auditório no escuro, numa época em que costumava em geral 
iluminá-lo (...) desenham, na verdade, mais do que simples disposições 
pragmáticas, uma visão incomum do caráter do espetáculo como fenômeno 
teatral e da relação que este deve estabelecer com seus receptores.” 
Guinsburg, Jacó; Leone de’Sommi: Um Judeu no Teatro da Renascença 
Italiana. São Paulo: Ed Perspectiva, 2001, p. 41. 
 
54 "Angelo Ingegneri si considerava ed era, oltre che autore un regista: 
a lui si deve la messa in scena dell' Edipo Rei, con cui si inaugurò il 
Teatro Olimpico di Vicenza” C.Molinari, L'attore e la recitazione,Roma-
Bari, Laterza,1992, p.30. 
 
55 Saraiva, Hamilton F. Iluminação Teatral: História, Estética e Técnica. 
Dissertação de Mestrado. São Paulo: ECA/USP, 1990.Pag. 16. 
 
56 Bablet, Denis. “A Luz no Teatro” in O Teatro e sua Estética. Lisboa: 
Ed. Arcádia, 1964. p. 295. 
 
44 
 
platéia. Concebem técnica e arte em conjunto. Integram a prática com a teoria. 
Ou seja, concebem a iluminação cênica, assim como os demais elementos do 
espetáculo sob uma ótica global, onde tudo se relaciona formando um conjunto de 
significações. Nunca na história do teatro estivemos tão próximos da concepção 
da encenação moderna e estes artistas múltiplos são o arquétipo do homem de 
teatro que Craig desejou como encenador, capazes de conceber, construir, pintar, 
escrever, dirigir e ainda teorizar sobre a própria arte. É por isso que no raiar da 
encenação moderna, os encenadores retomarão as concepções dos homens de 
teatro do Renascimento e do Barroco (séculos XVI e XVII), buscando renovar 
uma visão total do espetáculo, relacionando as suas técnicas aos seus sentidos 
profundos. Como em Shakespeare, as razões do Homem, do Estado e do 
Cosmos estão em profunda aliança, se alguma coisa sai do lugar, tudo desaba. 
2.5 A CLAREZA DO RENASCIMENTO DISSOLVE-SE NOS CONSTRASTES 
DO BARROCO 
Costuma-se designar com o nome de barroco o estilo 
no qual se dissolveu a Renascença ou – como se diz 
muitas vezes – o estilo que resultou na degeneração 
da Renascença 57 Wölfflin, Heinrich 
 
MUNDO –... Descerrarei essa névoa, e ao fugir o véu 
escuro, para iluminar o teatro, (porque sem brilho 
profuso não há festa), brilharão dois luminares, 
diurno farol do dia seja um, e, assim, da noite 
noturno farol o outro seja, em quem ardam mil 
luminosos carbúnculos que sobre a face da noite 
dêem vivificadores influxos 58 Calderon de La Barca 
 
 
A contradição entre o racionalismo terreno da Antiguidade e a fé no 
sobrenatural da Idade Média – que estivera latente no Renascimento - explode no 
Barroco em um contraste feroz entre a luz e a sombra. 
 
 
57 Wölfflin, Heinrich. Renascença e Barroco; São Paulo: Ed. Perspectiva, 
1989, p.25. 
 
58 Calderon de la Barca, Pedro. O Grande Teatro do Mundo; trad. Maria de 
Lourdes Martini, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p.4. 
45 
 
“Ao contrário da Renascença, o Barroco não foi acompanhado de teoria. O 
estilo se desenvolve sem modelos.” 59 Tendo a transgressão das regras formais 
da Renascença por impulso e o contraste como princípio, no Barroco tudo leva ao 
exagero emocional e ao movimento advindo da tensão entre contrários. A 
transformação é a palavra mágica do barroco: 
Na era Barroca a linearidade clara e clássica da 
Renascença adquiriu apelo emocional, a linha reta – 
tanto nas estruturas quanto no pensamento – dissolveu-se 
no ornamento, a clareza deu lugar á abundância, a auto-
confiança á hipérbole. Os conceitos vestiram os trajes 
da alegoria, e a realidade perdeu-se no reino da ilusão.

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