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1 r UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA CURSO BACHARELADO EM BIOLOGIA FRANCISCO NILDO SILVEIRA BENTO EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NOTIFICADOS NO MUNICÍPIO DE CAPITÃO POÇO, PARÁ, BRASIL. CAPITÃO POÇO – PA 2019 2 FRANCISCO NILDO SILVEIRA BENTO EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NOTIFICADOS NO MUNICÍPIO DE CAPITÃO POÇO, PARÁ, BRASIL. Trabalho apresentado à Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) como requisito básico para Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Orientadora: Drª Annelise Batista D’Angiollela. Co-orientador: Prof. Dr. Bruno da Silveira Prudente CAPITÃO POÇO – PA 2019 3 4 5 AGRADECIMENTOS Acima de tudo Deus, por ter me dado força para superar cada obstáculo encontrado durante essa jornada árdua. Aos meus pais, Hildo e Maria, pelo apoio e por fazerem de mim o que sou hoje. À minha esposa pela compreensão e paciência diante das ausências e estresses e ao meu filho que a cada sorriso que dava me enchia de vontade de continuar buscando sempre o melhor para sua vida. À minha família e amigos, por de certa forma estarem sempre dispostos a me ajudar. À Prof.ª.: Drª. Annelise Batista D’angiolella, pela orientação, dedicação e apoio À Secretaria Municipal de Saúde, em especial a enfermeira Andrielle Nayara Ramos Reis por sua colaboração em fornecer os dados necessários à minha pesquisa. 6 RESUMO No Brasil, aproximadamente 29.000 casos de envenenamentos por serpentes são reportados a cada ano, em que 4,31% dos casos evoluem para o óbito do paciente. Assim, o presente estudo buscou caracterizar o perfil clínico e epidemiológico dos acidentes ofídicos notificados entre os anos de 2010 e 2017 na Secretaria de Saúde do município de Capitão Poço, Nordeste do Pará. Os dados obtidos foram analisados através de estatística descritiva usando o software Microsoft Excel (versão 2010). Foram registrados 244 acidentes ao longo dos oito anos estudados, com as maiores taxas de envenenamento sendo observadas durante a estação chuvosa. Onde a maioria dos acidentes ocorreu na zona rural, com homens adultos, com faixa etária entre 20 e 39 anos sendo os mais acometidos principalmente nos membros inferiores por serpentes do gênero Bothrops. Dor, sangramento e edema foram as manifestações locais mais frequentes, sendo a maior parte dos acidentes classificada como leve, com 95,9 % dos casos evoluindo para cura do paciente. Diante disso, o estudo evidenciou a necessidade de conscientização da população com relação à importância do uso da indumentária adequada para a realização do trabalho em zonas rurais, bem como a necessidade de treinamento para os profissionais da saúde, para que os mesmos possam estar mais preparados para atender os pacientes e preencher de maneira adequada as fichas de identificação. Palavras-chaves: Acidente ofídico, Serpentes, Amazônia. 7 ABSTRACT In Brazil, approximately 29.000 reports of snake envenoming occur each year, with 4,31% of cases evolving to patient death. This study aimed to describe the clinical and epidemiological profile of snakebites occurred in Capitão Poço, northeastern Pará, between the years of 2000 and 2017. The data was obtained from database with the Secretariat of the Municipality of Capitão Poço Health and were analyzed using simple descriptive statistics on Microsoft Excel (version 2010). There were 244 cases of snakebites reported along the eight years, with the regional rainy season coinciding with higher snakebite rates. The majority of these accidents occurred in rural areas, where adult men were most affected in the lower limbs by Bothrops snakes. Pain, bleeding and edema were the most common local manifestation symptoms, with 95,9 % of accidents evolving to patient healing. The present study highlights the importance of awareness of the population in relation to suitable clothing for working in rural zones. Also, flaws in the serum therapy as well as filling in the forms were identified, showing the need for training of personnel involved as well as improving the notification system. Key-words: Snakebites, Snakes, Amazônia. 8 LISTA DE FIGURAS CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA FIGURA 1 – Distribuição global das serpentes peçonhentas. FIGURA 2 – Representação das fossetas labial (a) e loreal (b), indicadas pelas setas vermelhas, presente em espécies da família Boidae e Viperidae, respectivamente. FIGURA 3. Tipos de Dentição das Serpentes. FIGURA 4 – Bothrops atrox (Jararacaquinha-do-rabo-branco). FIGURA 5 – Manifestações locais de picada por Bothrops. FIGURA 6 – Caudisona durissa (Cascavel). FIGURA 7 – Manifestações sistêmicas de picada por Caudisona. FIGURA 8 – Lachesis muta (Surucucu ou Pico-de-jaca). FIGURA 9 – Micrurus lemniscatus (coral verdadeira). FIGURA 10 – Philodryas argentea (cobra-cipó). CAPÍTULO 2 – EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NOTIFICADOS NO MUNICÍPIO DE CAPITÃO POÇO, PARÁ, BRASIL FIGURA 1 – Localização geográfica do município de Capitão Poço, Estado do Pará, Brasil. FIGURA 2 – Variação mensal da pluviosidade e do número de acidentes ofídicos notificados entre os anos de 2010 a 2017, no município de Capitão Poço, Pará, Brasil. FIGURA 3 – Registro de notificações relacionadas aos acidentes ofídicos, segundo a zona de ocorrência, registradas na Secretária de Saúde de Capitão poço, Pará, no período de 2010- 2017. 9 FIGURA 4 – Distribuição dos 244 casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com o nível de escolaridade. FIGURA 5 - Notificações de acidentes ofídicos, segundo região anatômica acometida, registradas na Secretária de Saúde de Capitão poço, Pará, no período de 2010-2017. FIGURA 06 – Notificações de acidentes ofídicos, segundo a gravidade dos acidentes e o tempo até o atendimento. 10 LISTA DE TABELAS CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Tabela 01 - Indicação do número de ampolas de soros antiveneno para tratamento de acidentes ofídicos de acordo o Ministério da Saúde. CAPÍTULO 2 – EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NOTIFICADOS NO MUNICÍPIO DE CAPITÃO POÇO, PARÁ, BRASIL. Tabela 01 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com a faixa etária e o sexo do acidentado. Tabela 02 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com a ocupação e se tem relação com o trabalho. Tabela 03 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo Manifestações locais e sistêmicas identificadas nas fichas de notificações do SINAN. Tabela 04 – Dados ignorados ou não preenchidos Tabela 05 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com o tipo de acidente e a soroterapia instituída. 11 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1. INTRODUÇÃO GERAL ............................................................................................... 13 1.1 – OFIDISMO..............................................................................................................13 1.1.1 OFIDISMO NO BRASIL ..................................................................................... 13 1.2 – SERPENTES: BIOLOGIA, ECOLOGIA, CLASSIFICAÇÃO DOS ACIDENTES OFÍDICOS E SOROTERAPIA INDICADA .................................................................... 15 1.2.1 - CARACTERÍSTICAS BIOLÓGICAS E ECOLÓGICAS .................................. 15 1.2.2 – SERPENTES PEÇONHENTAS E DE IMPORTÂNCIA MÉDICA ................... 17 1.2.2.1 – SERPENTES DO GÊNERO BOTHROPS (JARARACAS) ............................ 18 1.2.2.2 – SERPENTES DO GÊNERO CAUDISONA (CASCÁVEIS) ........................... 21 1.2.2.3 – SERPENTES DO GÊNERO LACHESIS (SURUCUCUS) .............................. 22 1.2.2.4 – SERPENTES DO GÊNERO MICRURUS (CORAL VERDADEIRA)……….22 1.2.2.5 – ALGUMAS SERPENTES DA FAMÍLIA DIPSADIDAE .............................. 25 1.3 – EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NO BRASIL ........................... 27 2 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 28 CAPÍTULO 2 - EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NOTIFICADOS NO MUNICÍPIO DE CAPITÃO POÇO, PARÁ, BRASIL. 1– INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 32 2 – OBJETIVOS................................................................................................................. 34 2.1 – OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 34 2.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................... 34 3 – MATERIAL E MÉTODOS ......................................................................................... 34 3.1 – ÁREA DE ESTUDO ............................................................................................... 34 3.2 – OBTENÇÃO DOS DADOS .................................................................................... 35 3.3 – ANÁLISE DOS DADOS ......................................................................................... 36 4 – RESULTADOS ............................................................................................................ 37 5 – DISCUSSÃO................................................................................................................. 44 6 - CONCLUSÃO ………………………………………………………………………………………………...48 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 48 12 CAPÍTULO 1 – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 13 1. INTRODUÇÃO GERAL 1.1 – OFIDISMO O ofidismo é o quadro de envenenamento em humanos decorrente da inoculação de toxinas através das presas de serpentes. O envenenamento ocorre quando a serpente consegue injetar na sua presa o conteúdo de suas glândulas de veneno (MELGAREJO, 2009; ARAGUAIA, 2017; SINAN, 2017). Os acidentes ofídicos representam um alarmante problema mundial de saúde pública, onde segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) provocam aproximadamente 40.000 mortes por ano (SWARROP, 1954). Em países tropicais, há uma maior frequência deste tipo de acidente devido à alta incidência de florestas, e a precariedade dos serviços públicos como o saneamento básico (PINHO; PEREIRA, 2001; BONAN et al., 2010). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 2,5 milhões de pessoas sofrem acidentes ofídicos no mundo por ano, e no Brasil, são cerca de 29.000 casos ocorridos anualmente, com uma média de 125 óbitos registrados (BERNARDE, 2014; GUIMARÃES et al., 2015), com a maior incidência de casos por habitantes ocorrendo na região amazônica (ARAÚJO et al., 2003). É possível que tais números estejam subestimados devido à grande dificuldade de acesso e a precariedade dos sistemas públicos de saúde, que fazem com que muitos acidentes não sejam sequer registrados (BERNADE & GOMES, 2012). 1.1.1 OFIDISMO NO BRASIL Os primeiros relatos de acidentes ofídicos no Brasil foram feitos ainda na época do descobrimento, por volta de 1560, porém o primeiro estudo epidemiológico sobre o tema no país foi realizado mais de 300 anos depois, em 1901, quando o médico, cientista e imunologista Vital Brazil, então diretor do recém-criado Instituto Butantan, levantou o número de óbitos por picadas de serpentes peçonhentas no Estado de São Paulo (Brazil, 1901). Ainda no mesmo ano, Vital Brazil produziu os primeiros tubos de soros antipeçonhentos para o consumo, e desde então passou a distribuir, junto com as ampolas de soro, o Boletim para Observação de Accidente Ophidico, para ser preenchido com os dados 14 referentes ao acidente que levou ao uso desse antiveneno. Através desses boletins, vários outros trabalhos relacionados ao tema foram realizados (VAZ, 1950; CAMARGO; SANT’ANNA, 2004). Por muitos anos, o estudo sobre ofidismo no Brasil esteve centralizado na região sudeste, e somente a partir de 1985, com a “crise do soro” e um aumento significativo no número de acidentes ofídicos, que o Ministério da Saúde (MS) assumiu a responsabilidade em coordenar a produção e distribuição de soros antiveneno (SAV), bem como a capacitação de recursos humanos e vigilância epidemiológica (CAMARGO; SANT’ANNA, 2004). Sendo assim, em 1986 foi criado o Programa Nacional de Ofidismo que, mais tarde, passou a se chamar Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos. Porém, somente a partir de 1987, com a obrigatoriedade da notificação dos acidentes ofídicos, os primeiros estudos regionalizados de epidemiologia dos acidentes ofídicos aconteceram (SINAN, 2017). A partir de então, o governo passou a apoiar e financiar os primeiros projetos regionalizados sobre a distribuição das serpentes no país (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998), sendo o primeiro direcionado para a região Sul e Sudeste e, a partir de 1998, o segundo, para a região Nordeste (LIRA-DA-SILVA et al, 2009). O Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN), adotado no país desde 1995 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998), é um dos métodos nacionais usados para o controle de dados de acidentes ofídicos (BOCHNER; STRUCHINER, 2002). Apesar de estar presente em âmbito nacional, o SINAN sofre, desde sua criação até os dias atuais, com a falta de dados por parte dos municípios e estados, dentre outros fatores, como as dificuldades de acesso aos serviços de saúde nas regiões mais remotas do país, em especial na região Centro- Oeste, Nordeste e Norte (VILAR et al., 2004). O tratamento recomendado pelo Ministério da Saúde para acidentes ofídicos consiste na administração, o mais rapidamente possível, do soro antiofídico por via intravenosa, onde a quantidade de soro inserido depende da gravidade do acidente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). É recomendado que a soroterapia seja complementada com o uso de analgésicos, antibióticos e hidratação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). A soroterapia é extremamente importante, mas sua eficácia depende muito do tempo decorrido entre o envenenamento e a aplicação do soro antiofídico e, quanto mais rápido a soroterapia, maiores são as chances de redução da letalidade e os efeitos sistêmicos decorrentes dos envenenamentos por serpentes peçonhentas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001; PICOLO et al., 2002). 15 1.2 – SERPENTES: BIOLOGIA, ECOLOGIA, CLASSIFICAÇÃO DOS ACIDENTES OFÍDICOS E SOROTERAPIA INDICADA 1.2.1 - CARACTERÍSTICAS BIOLÓGICAS E ECOLÓGICAS As serpentes são vertebrados pertencentes ao filo Chordata, subfilo Vertebrata, classe Reptilia, sendo bem próximas filogeneticamente dos lagartos e anfisbenas, com os quais partilham à ordem Squamata (FRAGA et al., 2013). São encontradas em quase todo o mundo (Figura 1), com exceção dos polos, habitando principalmente regiões temperadas e tropicais, onde ocupam praticamentetodos os ambientes disponíveis (terrestres, subterrâneos e arbóreos, até as águas continentais e oceânicas) (KASTURIRATNE et al., 2008). FIGURA 1. Distribuição global das serpentes. Retirado de WHO, 2007. Esses animais são caracterizados por possuírem um corpo alongado e ápodo (ocasionalmente podendo apresentar vestígios de cintura pélvica), revestido por escamas epidérmicas, os olhos com pupila vertical ou circular, um par de narinas localizadas na região lateral da cabeça, e a mandíbula dividida em duas metades ligadas por um ligamento articulado, podendo mover-se independentemente, e facilitando a deglutição presas maiores que o seu diâmetro (POUGH et al., 2003). Além disso, as serpentes possuem língua bífida, usada para percepção química e tátil, sendo também responsável por captar partículas de cheiro, levando-as a região palatar, onde localiza-se o órgão de Jacobson ou vômero-nasal (MELGAREJO, 2009). São animais ectotérmicos, fazendo o uso de fontes externas de energia 16 para controlar a variação térmica do corpo, expondo-se ou evitando o contato com o sol, para elevar ou diminuir a temperatura corporal, processo conhecido como termorregulação (PINHO; PEREIRA, 2001; MELGAREJO, 2009). Algumas serpentes apresentam órgãos termorreceptores que as ajudam a encontrar fontes de calor e presas endotérmicas, dentre as quais podem ser destacadas as fossetas labiais (depressões nas escamas labiais de alguns Boídeos, Figura 2a) e a fosseta loreal (orifício localizado entre o olho e narina dos Viperídeos, Figura 2b) (BERNARDE, 2017). FIGURA 2. Representação das fossetas labial (a) e loreal (b), indicadas pelas setas vermelhas, presente em espécies da família Boidae e Viperidae, respectivamente. Fontes: http://npabombeiro.blogspot.com e http://npabombeiro.blogspot.com. Entre as serpentes, algumas espécies são ovíparas, outras vivíparas, e algumas ainda são ovovivíparas (BERNARDE, 2017). Logo após a postura dos ovos, na maioria das vezes as fêmeas, abandonam os ovos, com exceção de algumas espécies, que realizam o que para alguns autores é considerado como cuidado parental, como é o caso da surucucu-pico-de-jaca (Lachesis muta – Linnaeus, 1766), que se enrola junto aos ovos até o momento da eclosão (SOUZA, 2007; MELGAREJO, 2009). Após o nascimento os filhotes se dispersam a procura de abrigo, água e alimento (CANTER et al., 2008). Quanto aos hábitos alimentares, todas as espécies são carnívoras, alimentando-se de diversas presas, desde invertebrados (como onicóforos, formigas e camarões) a vertebrados variados (como peixes, anfíbios, aves e seus ovos, outros répteis, e mamíferos, preferencialmente roedores) (CANTER et al., 2008). A preferência alimentar varia entre as espécies, sendo algumas mais seletivas em relação ao tipo de presa (chamadas de especialistas), outras predam diversos grupos animais (chamadas de generalistas) (BERNARDE, 2017), e algumas espécies chegam até a predar indivíduos da mesma espécie (MOSMANN, 2001). a b http://npabombeiro.blogspot.com/ http://npabombeiro.blogspot.com/ 17 Para matarem suas presas, algumas serpentes enrolam-se ao redor do corpo da presa realizando um processo chamado constrição, em que as presas são mortas por asfixia. Espécies constritoras não possuem presas modificadas, ou seja, dentes inoculadores, como é o caso de espécies da família Boidae como jibóias e sucuris. Por outro lado, outras espécies fazem o uso da inoculação de veneno através de presas, cuja morfologia e localização na cavidade bucal varia entre os diferentes grupos (CANTER et al., 2008). As dentições encontradas entre as serpentes podem ser de quatro tipos: áglifa - quando não há a presença de dentes modificados em presas; opistóglifa – presas de tamanho variado, fixas, situadas na região posterior do maxilar; proteróglifa – presas pequenas, fixas, situadas na região anterior do maxilar; e solenóglifa – presas grandes, móveis, situadas na região anterior do maxilar (Figura 3) (MELGAREJO, 2009). FIGURA 3. Tipos de Dentição das Serpentes. Fonte: Instituto Butantã 1.2.2 – SERPENTES PEÇONHENTAS E DE IMPORTÂNCIA MÉDICA As serpentes peçonhentas ou de importância são animais que apresentam glândulas que produzem toxinas que podem ser inoculadas por presas (dentes modificados) dos tipos solenóglifa, proteróglifa e opistóglifa, acarretando em envenenamentos que necessitam de intervenção médica (LIRA-DA-SILVA, 2009). São conhecidas no mundo cerca de 2.900 a 3.000 espécies peçonhentas, distribuídas em 465 gêneros e 20 famílias, e dentre estas somente 10 a 14% destas são de interesse médico 18 (BÉRNILS, 2009; BERNADE & GOMES, 2012). No Brasil, cerca de 392 espécies já foram catalogadas (BÉRNILS; COSTA, 2015), das quais 63 espécies são peçonhentas, que apresentam glândulas produtoras de toxinas e presas inoculadoras de veneno (BERNADE; GOMES, 2012). As espécies das famílias Viperidae (Bothriopsis, Bothrocophias, Bothropoides, Bothrops, Rhinocerophis, Lachesis e Caudisona) e Elapidae (Micrurus e Leptomicrurus) (BERNADE, 2011) são todas com importância médica, além de alguns gêneros da família Dipsadidae, mas o veneno geralmente causa somente manifestações locais, sem muita gravidade, e geralmente seus acidentes não levam o paciente à morte. Contudo, existem algumas exceções para as espécies Philodryas olfersii (Lichtenstein, 1823), P. patagoniensis (Girard, 1857), P. viridissimus (Linnaeus, 1758) e Clelia plumbea (Wied- Neuwied, 1820) (=Boiruna sertaneja) para as quais já foi comprovado que seus venenos causam o óbito (LIRA-DA-SILVA, 2009). 1.2.2.1 – SERPENTES DO GÊNERO BOTHROPS (JARARACAS) O gênero Bothrops, pertencente à família Viperidae, possuem fosseta loreal, escamas do dorso são quilhadas e da cabeça são bem pequenas e numerosas (MELGAREJO, 2009). Esse gênero é composto por aproximadamente 30 espécies que estão distribuídas ao longo do território nacional (MELGAREJO, 2009). São popularmente conhecidas como jararaca, ouricana, jararacuçu, urutu-cruzeira, jararaca-do-rabo-branco, malha-de-sapo, patrona, surucucurana, combóia, caiçara entre outras e (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005) são responsáveis por 90% dos acidentes ofídicos no Brasil (BERNADE & GOMES, 2012). As serpentes desse gênero habitam principalmente zonas rurais e periferias de grandes cidades, com predomínio em ambientes úmidos como matas e áreas cultivadas e locais onde se tenha maior facilidade para proliferação de roedores (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Na Amazônia, a espécie mais frequentemente encontrada é a jararaca (Bothrops atrox - Linnaeus, 1758) (Figura 4), que habita principalmente beiras de rios e igarapés (FRAGA et al., 2013). Essas serpentes são mais ativas nos períodos noturnos ou crepusculares e durante os meses quentes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). A maioria das espécies deste gênero apresenta reprodução sazonal, com o acasalamento ocorrendo geralmente no outono, e o nascimento dos filhotes ocorrendo no final do verão (ALMEIDA et al., 2016). Porém os ciclos reprodutivos podem variar de acordo com a área de ocorrência, podendo ser pouco sazonais ou contínuos em áreas com clima quente e úmido ao longo do ano (que é o caso da Amazônia) e sazonais onde há sazonalidade climática (PIZZATTO, 2006). Segundo Zelanis 19 et al., 2010, ocorre uma variação ortogenética nessas espécies, onde os venenos de adultas e filhotes possuem atividades hemorrágicas similares, porém o veneno de adultos é mais letal em roedores. Já a atividade coagulante de filhotes é dez vezes mais potente comparadas às serpentes adultas, sendo este especializado para agir em animais ectotérmicos, principalmente em anuros. FIGURA 4. Bothrops atrox (Jararacaquinha-do-rabo-branco) Fonte: Paulo Sérgio Bernarde Acidentes causados por esse tipo de serpentes são chamados de acidentes botrópicos,os quais são responsáveis por 86,23% dos casos ocorridos no Brasil (BOCHNER; STRUCHINER, 2002), onde as principais atividades do veneno são proteolítica (lesões locais e destruição tecidual), coagulante (incoagulabilidade sanguínea por consumo de fibrinogênio) e hemorrágica (liberação de substâncias hipotensoras e provoca lesões na membrana basal dos capilares por ação de hemorraginas) (PINHO; PEREIRA, 2001; MELGAREJO, 2009; BERNARDE, 2012). A vítima de acidente com essa classificação pode desenvolver um quadro clínico que depende muito da quantidade de veneno inoculado, da localização da picada, da idade e, especialmente, do tempo decorrido entre o acidente e o atendimento médico (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Há diferenças entre o quadro clínico de uma pessoa acometida por um 20 filhote de Bothrops, onde veneno é predominantemente coagulante, e do adulto, que possui veneno com maior ação proteolítica e menor ação coagulante (PINHO; PEREIRA, 2001). Algumas manifestações locais são evidenciadas nas primeiras horas após a picada, com a presença de edema, dor e equimose na região da picada, sendo que o caso pode evoluir, e produzir sangramentos e bolhas com conteúdo seroso ou sero-hemorrágico e dar origem à necrose cutânea. As principais complicações locais são decorrentes da necrose e da infecção secundária que podem levar à amputação do membro (Figura 5) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). FIGURA 5. Manifestações locais de picada por Bothrops Fonte: Paula, 2010. Existem ainda algumas manifestações sistêmicas comuns, como sangramentos na pele e mucosas (gengivorragia, e quimoses longe do local da picada), hematúria, hematêmese e hemorragia em outras cavidades, o que pode determinar risco ao paciente, bem como hipotensão decorrente de sequestro de líquido no membro picado, e ainda hipovolemia consequente a sangramentos, que podem contribuir para a instalação de insuficiência renal aguda (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). O tratamento específico consiste no uso precoce, por via endovenosa, das doses (nº de ampolas) recomendadas do soro antibotrópico (SAB) ou, na falta deste, das associações antibotrópico-crotálico (SABC) ou antibotrópico-laquético (SABL), em ambiente hospitalar, de acordo com a avaliação inicial da gravidade (Tabela 1) (PINHO; PEREIRA, 2001). 21 1.2.2.2 – SERPENTES DO GÊNERO CAUDISONA (CASCÁVEIS) As serpentes do gênero Caudisona, assim como Bothrops, também fosseta loreal, escamas do dorso são quilhadas (MELGAREJO, 2009), são facilmente identificadas pela presença de um guizo ou chocalho na extremidade da cauda (PINHO; PEREIRA, 2001). No Brasil, há a ocorrência apenas de uma espécie do gênero (Caudisona durissa - Linnaeus, 1758), popularmente conhecida como Cascavel (Figura 6). Estão amplamente distribuídas geograficamente, com ocorrência desde os cerrados do Brasil Central, regiões áridas e semiáridas do Nordeste, até os campos e áreas abertas do Sul, Sudeste e Norte (FRAGA et al., 2013). FIGURA 6. Caudisona durissa (Cascavel) Fonte: Paulo Sérgio Bernarde Acidentes causados por esse tipo de serpentes são chamados de acidentes crotálicos, são responsáveis por cerca de 7,7% dos acidentes ofídicos no Brasil. Entre as espécies que causam acidentes ofídicos no país, esse é o gênero que apresenta maior letalidade, com 1,8% dos casos evoluindo para óbito (BERNARDE, 2012). As principais atividades evidenciadas no veneno de Caudisona são neurotóxica, miotóxica e coagulante (MELGAREJO, 2009). O veneno crotálico praticamente não produz lesão local, mas acarreta dor e edema usualmente discretos e restritos ao redor da picada, bem como é comum a ocorrência de eritema e parestesia (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Contudo, esse veneno apresenta algumas manifestações sistêmicas de atividade neurotóxica, com ação periférica, causando 22 paralisia flácida da musculatura esquelética, principalmente ocular, facial (Figura 7) e às vezes, da respiração, podendo evoluir para insuficiência respiratória; atividade coagulante, provocando a ocorrência de sangramento e distúrbios da coagulação por consumo de fibrinogênio; e atividade miotóxica sistêmica, causando rabdomiólise generalizada, podendo evoluir para insuficiência renal aguda (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). O tratamento específico recomendado é a administração via endovenosa do soro anticrotálico (SAC) ou soro antibotrópico-crotálico (SABC) (BRASIL, 2001). Os pacientes devem ser bem hidratados para prevenir a insuficiência renal (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). FIGURA 7. Manifestações sistêmica de picada por Caudisona Fonte: Paula, 2010 1.2.2.3 – SERPENTES DO GÊNERO LACHESIS (SURUCUCUS) O gênero Lachesis é popularmente conhecido como surucucu pico-de-jaca (Lachesis muta – Linnaeus, 1766) (Figura 8), também apresenta fosseta loreal, possui escamas eriçadas na região ventral da cauda e pode alcançar 3,5 m de comprimento (MELGAREJO, 2009), sendo considerada a maior serpente peçonhenta das Américas (BERNARDE, 2017). Além disso, elas habitam tanto áreas florestais da Amazônia, como da Mata Atlântica e de alguns enclaves de matas úmidas do Nordeste (LIRA-DA-SILVA, 2009; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 23 FIGURA 8. Lachesis muta (Surucucu ou Pico-de-jaca) Foto: Paulo Sérgio Bernarde. Acidentes causados por esse tipo de serpentes são chamados de acidentes laquéticos, os quais são responsáveis por 9,17% dos casos (BOCHNER; STRUCHINER, 2002), sendo três vezes mais letal do que o acidente botrópico e apresentando metade da letalidade do acidente crotálico. As principais atividades do veneno são proteolítica (atividade inflamatória aguda), hemorrágica, coagulante e neurotóxica (MELGAREJO, 2009; BERNARDE, 2012). Tanto as manifestações locais como as sistêmicas são confundidas com as apresentadas pelo quadro clínico ocasionado pelo veneno botrópico, sendo, na maior parte dos casos, difícil o diagnóstico diferencial (BORGES, 1999). Contudo, o veneno de Lachesis se diferencia clinicamente pela presença de alterações vagais como náuseas, vômitos, cólicas abdominais, diarreia, hipotensão e choque (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). O tratamento para o envenenamento laquético é baseado na gravidade do acidente que é classificado como moderado ou grave, por conta da grande quantidade de veneno que geralmente é introduzida pela serpente (Tabela 1) e, consiste na administração via endovenosa do soro antibotrópico-laquético (SABL) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 1.2.2.4 – SERPENTES DO GÊNERO MICRURUS (CORAL VERDADEIRA) 24 O gênero Micrurus, conhecidos popularmente por coral, coral verdadeira ou boicorá (Figura 9) é os representante da família Elapidae, até pouco tempo atrás, Leptomicrurus, também era considerado um gênero dessa família, porém alguns trabalhos como por exemplo, Lee, at al., (2015), propõem um novo arranjo taxonômico para essas serpentes, onde deixam de existir, tornando-se sinônimo de Micrurus (LEE et al., 2015). Estes animais não apresentam fosseta loreal, a pupila do olho é redonda e as escamas dorsais são lisas (BERNARDE, 2009). No Brasil são conhecidas aproximadamente 22 espécies, com ampla distribuição geográfica (BERNARDE, 2009). Por possuírem hábitos crípticos e apresentarem presas fixas e pequenas, esses animais apresentam menor número de acidentes ofídicos registrados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). FIGURA 9. Micrurus lemniscatus – Linnaeus, 1758 (coral verdadeira) Foto: Paulo Sérgio Bernarde Acidentes causados por esse tipo de serpentes são chamados de acidentes elapídicos são responsáveis por 0,86% dos acidentes ofídicos no Brasil (BERNARDE, 2012). A ocorrência é tão pequena em relação aos outros acidentes ofídicos, que geralmente não são expressas em trabalhos científicos (BERNARDE, 2012). O veneno das serpentes desse grupoé neurotóxico com substâncias de baixo peso molecular (neurotoxinas) sendo rapidamente absorvidas e difundidas para os tecidos, o que explica a precocidade dos sintomas de envenenamento (MELGAREJO, 2009). Este veneno produz bloqueio neuromuscular (pós- sináptico) levando à paralisia muscular, competindo com a acetilcolina (Ach) pelos receptores colinérgicos, atuando de modo semelhante ao curare e também atua na junção neuromuscular 25 (pré-sináptica), bloqueando a liberação de Ach pelos impulsos nervosos, impedindo a deflagração do potencial de ação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998; PINHO; PEREIRA, 2001). Quanto as manifestações locais, pode haver discretas dores e parestesia na região da picada, não havendo lesões evidentes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Por outro lado, podem ocorrer fácies miastênica ou neurotóxica como manifestações sistêmicas, que consiste na expressão clínica mais comum do envenenamento por coral verdadeira, e as possíveis complicações são decorrentes da progressão da paralisia da face para músculos respiratórios (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). O acidente elapídico é considerado muito grave, podendo causar a morte da vítima em curto intervalo de tempo (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).O tratamento específico recomendado é a administração via endovenosa do soro antielapídico (SAE). Que deve ser administrado na dose de 10 ampolas (Tabela 1). Nos casos com manifestações clínicas de insuficiência respiratória, é fundamental manter o paciente adequadamente ventilado, seja por máscara e AMBU (reanimador manual), intubação traqueal e AMBU ou até mesmo por ventilação mecânica (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 1.2.2.5 – ALGUMAS SERPENTES DA FAMÍLIA DIPSADIDAE Muitas espécies da família Dipsadidae apresentam dentição áglifa (Figura 10), não oferecendo, portanto, qualquer risco à saúde humana. Embora existam também espécies desta família que são opistóglifas, porém o veneno dessas serpentes é geralmente pouco eficiente em humanos, com exceção de Philodryas olfersii, P. patagoniensis, P. viridissimus e Clelia plumbea (=Boiruna sertaneja), que já apresentaram registro de acidente com óbito no SINAN, sendo por tanto de importância médica e registrados de acidentes com os gêneros Helicops, Xenodon e Oxyrhopus, mas que não levaram o paciente a óbito, picadas causa apenas traumatismo local, como dor, edema e equimose, porém sem alteração da coagulação (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). 26 FIGURA 10. Philodryas argentea (cobra-cipó) Foto: Paulo Sérgio Bernarde Em um estudo epidemiológico dos acidentes por serpentes consideradas não peçonhentas, feito por Hess e Squaiella-Baptistão (2012), onde foram analisados os casos de acidentados por P. patagoniensis de 1959 a 2008, os autores constataram que esse veneno é capaz de induzir edema, dor, com inflamação aguda, necrose de músculo esquelético, ocasionando mionecrose dos tipos coagulativa, miolítica e mista após 24h da inoculação (HESS; SQUAIELLA-BAPTISTÃO, 2012). O tratamento consiste apenas no uso de anti-inflamatórios da classe não esteroidal, e a dor severa é geralmente tratada com analgésicos opioides, pois uso do soro antiofídico nesses casos é altamente não recomendado, para não expor os pacientes aos riscos de reações adversas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001; HESS; SQUAIELLA-BAPTISTÃO, 2012) (Tabela 1). TABELA 1 - Indicação do número de ampolas de soros antiveneno para tratamento de acidentes ofídicos de acordo o Ministério da Saúde Classificação e n° de ampolas Tipo de acidente Leve Moderado Grave Tipo de Soro Botrópico 2 – 4 4 – 8 12 SAB, SABL ou SABC Crotálico 5 10 20 SAC ou SABC Elapídico * * 10 SAE Laquético * 10 20 SABL 27 1.3 – EPIDEMIOLOGIA DOS ACIDENTES OFÍDICOS NO BRASIL Acontecem no Brasil aproximadamente 20.000 casos por ano de acidentes com serpentes peçonhentas, e uma média de 125 óbitos (BERNARDE, 2014), sendo a maioria dos acidentes ocorridos no país é provocado por serpentes do gênero Bothrops (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001), e na Amazônia, a espécie Botrhops atrox, é a responsável pela maioria dos envenenamentos (SILVA; BERNARDE; ABREU, 2015). O perfil geral dos acidentados desta região é representado por trabalhadores rurais do sexo masculino, com idade economicamente ativa, e os membros inferiores são as regiões mais acometidas por picadas (BORGES; SADAHIRO; SANTOS, 1999; GUIMARÃES et al., 2015; LIMA; CAMPOS; RIBEIRO, 2009; MORENO et al., 2005; NASCIMENTO, 2000; WALDEZ; VOGT, 2009), que está de acordo com o padrão apresentado por outros estudos realizados nas outras regiões do país (BONAN et al., 2010; BRITO; BARBOSA, 2012; SARAIVA et al., 2012; DE PAULA, 2010). Apesar de já ser considerado um grande problema de saúde pública, os acidentes ofídicos ainda são pouquíssimo estudados na Amazônia, sobretudo na região nordeste do Pará, onde o numero de estudos dessa natureza são ainda são ainda menores. Diante disso, o presente estudo tem o objetivo de apresentar o perfil epidemiológico do ofidismo no município de Capitão Poço, Pará. 28 2 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADEPARÁ - Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará. ADEPARÁ: CAPITÃO POÇO É DESTAQUE NA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA. Disponível em: http://www.defesaagropecuaria.net/single-post/2016/07/04/ADEPARA-CAPITAO-POCO-DESTAQUE- NA-PRODUCAO-AGROPECURIA. Acesso em: 30 de junho de 2017. ARAGUAIA, Mariana. Serpentes peçonhentas brasileiras. Brasil Escola. Disponível em http://brasilescola.uol.com.br/biologia/serpentes.htm. Acesso em 30 de junho de 2017. BERNARDE PS. Serpentes peçonhentas e acidentes ofídicos no Brasil. São Paulo: Anolis Books. 2014 BERNARDE, P. S. 2012. Anfíbios e répteis: introdução ao estudo da herpetofauna brasileira. Curitiba: Anolis Books, 320p. BERNARDE, P.S. Acidentes ofídicos (PDF). Herpetofauna. Consultado em 16 de fevereiro de 2016. BERNARDE, Paulo Sérgio; TURCI, Luiz Carlos B.; MACHADO, Reginaldo Assêncio. Serpentes do Alto Juruá, Acre – Amazônia brasileira. Rio Branco – AC: Edufac, 2017. BÉRNILS, R.S.; COSTA, H.C. (2015). Répteis brasileiros: Lista de espécies (PDF). Herpetologia Brasileira. 4 (3): 75-93. ISSN 2316-4670. 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Entre as regiões do país, a região amazônica apresenta a maior incidência de casos por habitantes (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007; BERNARD; GOMES, 2012). O Brasil apresenta atualmente 63 espécies de serpentes peçonhentas (BÉRNILS; COSTA, 2015) distribuídas em quatro famílias (Viperidae, Elapidae, Colubridae e Dipsadidae), cujos envenenamentos são classificados como botrópico (MELGAREJO, 2003), causado por picadas de serpentes dos gêneros Bothriopsis, Bothrocophias, Bothropoides, Bothrops e Rhinocerophis popularmente conhecidas como jararacas e responsáveis por 86,23% dos casos; crotálico, causado por picadas de serpentes anteriormente pertencentes ao gênero Crotalus e recentemente alocada no gênero Caudisona (BERNARDE, 2011), conhecidas popularmente como cascavéis e responsáveis por 9,17% dos casos; laquético causado por picadas de serpentes do gênero Lachesis conhecido popularmente como surucucu-pico-de-jaca e responsável por 3,72% dos casos; e elapídico causado por picadas de serpentes do gênero Micrurus, conhecidos popularmente por corais-verdadeiras e responsáveis por 0,86% dos casos (BERNARDE, 2012). De acordo com Pardal (1997), os gêneros de serpentes peçonhentas estão distribuídos geograficamente pelo país da seguinte forma: Bothrops e Micrurus são encontrados em todo o Brasil, em áreas de floresta, campos e descampados; o gênero Lachesis está associado as áreas florestadas da Mata Atlântica e da Amazônia; o gênero Crotalus não ocorre em florestas, sendo encontrado em campos, áreas secas, arenosas e pedregosas. Existem registros dessa última serpente em algumas regiões da Amazônia, onde existem áreas de campos, como na Ilha do Marajó, Santarém e no norte do Amapá, que são considerados enclaves de savana na Amazônia (MELGAREJO, 2003). A grande dimensão territorial da Amazônia, seus fragmentos florestais ocasionados pela acelerada urbanização, a situação precária (sem o mínimo de segurança) das atividades 33 agrícolas (sobretudo da agricultura familiar), somado às dificuldades de acesso aos serviços de saúde pública (PARDAL, 2000), podem dificultar o registro e o tratamento desses acidentes, fazendo com que haja ainda subnotificação de registros (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Segundo Bochner (2003),que analisou o registro de acidentes ofídicos ao longo de 100 anos (de 1900 até o ano 2000), o perfil epidemiológico se manteve inalterado ao longo deste período, onde a maioria dos pacientes acometidos por picadas de serpentes peçonhentas são indivíduos do sexo masculino, trabalhadores rurais, com idade entre 15 a 49 anos, que tem principalmente os membros inferiores atingidos, sendo serpentes do gênero Bothrops as responsáveis pela maioria dos acidentes, cuja letalidade é de 0,45%. No Brasil, segundo o Portal da Saúde do Ministério da Saúde (2014), a taxa de incidência de acidentes ofídicos é de 13,4 casos para cada 100.000 habitantes, com 120 mortes registradas (letalidade de 0,44%), sendo a região Norte a que mais apresenta acidentes (35,5%), seguida das regiões Nordeste (22,7%), Sudeste (22,2%), Centro-Oeste (10,5%) e Sul (9%) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2014). Com diferenças regionais, o ofidismo apresenta sazonalidade marcante, relacionada a fatores climáticos e da atividade humana no campo, com predomínio de incidência nos meses chuvosos e quentes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Um estudo realizado em um dos estados da região Amazônica, feito por Moreno (2005), mostrou que 51,4% dos casos ocorreram nos cinco primeiros meses do ano, sobretudo no mês de abril. Isso se deve, provavelmente, ao período caracterizado por altas temperaturas e elevados índices pluviométricos, uma vez que, nesta região, a estação seca ocorre principalmente de julho a setembro, enquanto a estação chuvosa ocorre principalmente de janeiro a março (MORENO et al., 2005; WALDEZ; VOGT, 2009; BERNARDE; GOMES, 2012; SINIMBU, 2012; GUIMARÃES et al., 2015; SILVA, et al., 2016). O presente estudo foi realizado no município de Capitão Poço, Mesorregião Nordeste Paraense, na Amazônia oriental, que possui uma economia voltada principalmente para agricultura, apresentando uma grande produção de citros e pimenta do reino (IBGE, 2017), concentrando a maior produção de laranja do norte do Brasil (SAGRI, 2017). Por se tratar de uma região principalmente rural, que apresenta intenso fluxo de pessoas no campo, o encontro 34 com serpentes é frequente, o que aumenta a probabilidade da população ser acometida por acidentes ofídicos (MORENO et al., 2005). Dessa forma, o presente estudo buscou caracterizar o perfil epidemiológico dos acidentes ofídicos notificados na Secretaria de Saúde do município de Capitão Poço de forma que o presente estudo possa fornecer subsídios para a elaboração de campanhas de conscientização e educação populacional que visem minimizar esse grave problema de saúde pública. 2 – OBJETIVOS 2.1 – OBJETIVO GERAL Descrever aspectos epidemiológicos dos acidentes ofídicos registrados entre os anos de 2010 e 2017 no município de Capitão Poço, Pará, Brasil. 2.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS Avaliar a incidência de acidentes ofídicos entre 2010 e 2017, no município de Capitão Poço, Pará. Evidenciar o perfil social das pessoas acometidas por acidentes ofídicos entre 2010 e 2017, no município de Capitão Poço, Pará. Verificar quais as espécies de serpentes responsáveis pelos acidentes ofídicos no município de Capitão Poço, Pará. Caracterizar espacialmente e temporalmente a dinâmica dos acidentes ofídicos entre 2010 e 2017, no município de Capitão Poço, Pará. Descrever os principais aspectos clínicos dos acidentes ofídicos registrados entre 2010 e 2017, no município de Capitão Poço, Pará. 3 – MATERIAL E MÉTODOS 3.1 – ÁREA DE ESTUDO O presente estudo foi realizado no município de Capitão Poço, Pará, Brasil, cuja sede encontra-se localizada nas coordenadas 01º44'47" S e 47º03'34" O, a 73 metros altitude 35 (IBGE, 2017). O município limita-se ao norte pelo município de Ourém, a leste pelos municípios de Santa Luzia do Pará e Garrafão do Norte, ao sul pelos municípios de Ipixuna do Pará e Nova Esperança do Piriá e a oeste pelos municípios Aurora do Pará, Mãe do Rio e Irituia (Figura 01). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município possui uma área de 2.714,85 Km² que abriga uma população de aproximadamente 51.893 habitantes (IBGE, 2017). As atividades econômicas desenvolvidas no município são, em sua maioria, agrícolas, voltadas para o cultivo de limão, laranja, mel, pimenta-do-reino, feijão, mandioca, frutas e legumes (IBGE, 2017). A cidade é considerada a maior produtora de laranja do norte do Brasil, atividade esta que gera uma renda de aproximadamente 50 milhões de reais por ano e cerca de 30 mil empregos temporários diretos e indiretos (SAGRI, 2017). Além da agricultura, atividades como pecuária e extração vegetal (madeira) e mineral (seixo e areia) também contribuem com a economia local e nacional (HOMMA et al., 2014). FIGURA 01. Localização geográfica do município de Capitão Poço, Estado do Pará, Brasil. 3.2 – OBTENÇÃO DOS DADOS Para realização do presente estudo, foram consultadas fichas de notificação do Sistema de Informação de Agravo De Notificação – SINAN, utilizadas pela Secretaria de Saúde do https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Brasileiro_de_Geografia_e_Estat%C3%ADstica 36 município de Capitão Poço para registro de acidentes ofídicos (ANEXO). Foram avaliadas as notificações realizadas entre janeiro de 2010 e dezembro de 2017. De cada ficha de notificação avaliada foram extraídas informações referentes ao tempo e espaço, tais como: mês e ano de ocorrência dos acidentes, além da zona de ocorrência dos mesmos (rural ou urbana). Também foram registradas qual o gênero de serpente responsável pelo acidente, além de características socioeconômicas do paciente acometido, tais como idade, sexo, escolaridade e ocupação, e ainda relacionado ao paciente, foram obtidas informações sobre o local do corpo onde ocorreu a picada, e características do acidente, como o tempo decorrido entre o acidente e o atendimento, a classificação do caso (leve, moderado ou grave), terapia instituída e evolução do caso. Os dados foram digitalizados utilizando o software Microsoft Excel ® , versão 2010. Para comparação entre a quantidade de acidentes ocorridos em cada mês ao longo do período estudado e a pluviosidade, os dados de precipitação média mensal dos oito anos estudados foram obtidos através da estação meteorológica do INMET instalada na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), campus Capitão Poço. 3.3 – ANÁLISE DOS DADOS Para verificar possíveis diferenças no número de acidentes entre os meses amostrados, os dados obtidos entre 2010 e 2017 foram inseridos em um modelo anual geral representado por doze meses. Ou seja, em caso de registro de acidente em janeiro de todos os oito anos estudados, o mês de janeiro, no modelo geral, seria representado por oito repetições. O longo dos doze meses, a quantidade de acidentes em cada repetição foi testada quanto as premissas estatísticas de normalidade e homocedasticidade. Posteriormente, foi realizado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis (H), seguido por um teste a posteriori de comparação múltipla. Tais testes foram realizados considerando um nível de significância de 5% (Zar, 2010), utilizando o pacote vegan do software R versão 3.4.4 (R Core Team, 2018). A variação mensal no número de acidentes foi visualmente comparada com a precipitação média mensal dos oito anos estudados. A comparação do número de acidente entre as demais variáveis (ex. sexo, idade, local da picada, entre outros) fora realizada apenas de maneira descritiva. 37 4 – RESULTADOS Foram registrados 244 acidentes ofídicos no total, resultando em uma média de 35 acidentes por ano. O maior número de envenenamentos por serpentes foi observado em 2013 que apresentou 22,54% (n = 55) do total de acidentes entre os anos de 2010 e 2017. O segundo ano com maior número de agravos foi o ano de 2010, quando foram notificados 21,31% (n= 52) doscasos, seguido pelos anos de 2014 com 17,21% (n = 42), 2016 com 11,48% (n = 28), 2017 com 10,25% (n = 25), 2015 9,84% (n = 24) e 2012 com 7,38% (n = 16). É importante ressaltar que as fichas de notificação referente ao ano de 2011 e as do 2º semestre de 2012 não foram localizadas na Secretária de Saúde do município e por esse motivo, não foram contabilizadas no presente estudo. Embora tais dados encontrem-se disponíveis no Sistema de Informação de Agravo de Notificação – SINAN, não foram considerados, uma vez que incongruências entre estas diferentes bases de dados tem sido reportada em estudos anteriores (SARACENI et al., 2005; SANTA RITA et al., 2016) Considerando os oito anos de estudo como um todo, o mês de março apresentou o maior número de acidentes (19,26%; n = 47), seguido pelos meses de fevereiro (10,25%; n=25), abril (9,43%; n = 23), maio (9,02%; n =22), novembro (9,02%; n =22), janeiro (8,20%; n =20) e junho (8,20%; n =20). Os meses com menor número de acidentes foram setembro (4,92%; n=12), outubro (4,92%; n=12), agosto (5,33%; n =13), julho (5,74%; n =14) e dezembro (5,74%; n =14). Não houve evidencias de diferenças significativa no número de acidentes considerando os doze meses como um todo (H11;71 = 17,9; p > 0,05), no entanto foram registradas diferenças significativas no número de acidentes ocorridos no mês de março em comparação com os meses de janeiro, abril, julho, agosto, setembro, outubro e dezembro; bem como entre o número de acidentes ocorrido no mês de setembro em relação aos meses de fevereiro e junho (Figura 02). O gênero Bothrops foi o responsável por 97,54% (n=238) dos acidentes registrados. Foram reportados ainda 2,05% (n=5) casos ignorados e apenas um caso (0,41%) foi atribuído a espécies que não são de importância médica. Acidentes crotálicos e elapídicos não foram notificados no período estudado. Embora todos os acidentes tenham sido classificados como botrópicos, três pacientes apresentaram sintomas referente à síndrome vagal, observada apenas em acidentes laquéticos. 38 FIGURA 02. Variação mensal da pluviosidade e do número de acidentes ofídicos notificados entre os anos de 2010 a 2017, no município de Capitão Poço, Pará, Brasil. Quanto ao tipo de ambiente onde ocorreram os acidentes, é possível observar, para o conjunto de dados como um todo, um maior número de acidentes nas zonas rurais (n=213; 89,12%) do que nas zonas urbanas (n=26; 10,88%) do município (Figura 03). Em quatro casos (1,67%) essa informação não foi preenchida no formulário e em um caso (0,42%) foi ignorada. Analisando cada mês individualmente, verificou-se um maior número de acidentes ocorridos na zona rural no mês de março (n=37; 17,37%), enquanto o menor índice de acidentes nesse local foi observado no mês de outubro (n=9; 4,23%). Quanto à zona urbana, mais acidentes foram observados também no mês de março (n=10; 38,46%) enquanto a menor incidência foi verificada no mês de novembro, onde nenhum acidente foi registrado durante os meses estudados. FIGURA 03. Registro de notificações relacionadas aos acidentes ofídicos, segundo a zona de ocorrência, registradas na Secretária de Saúde de Capitão poço, Pará, no período de 2010- 2017. 39 Pessoas do sexo masculino foram mais acometidas pelos acidentes (n=204; 83,6%) do que o sexo feminino (n=40; 16,4%). A maioria dos acidentes acometeu adultos com idade entre 20 e 39 anos (n=98; 40,2%), seguida por crianças e jovens com idade entre 1 e 9 anos (n=74; 30,3%), adultos com idade entre 40 e 59 anos (n=51; 20,9%) e idosos com idade superior a 60 anos (n=21; 8,5%) (TABELA 01). Tabela 01 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com a faixa etária e o sexo do acidentado. FAIXA ETÁRIA ♀ ♂ TOTAL N % N % N % 0 a 4 2 0,8 1 0,4 3 1,2 5 a 14 10 4,1 34 13,9 44 18,0 15 a 19 6 2,5 21 8,6 27 11,1 20 a 39 7 2,9 91 37,3 98 40,2 40 a 59 12 4,9 39 16,0 51 20,9 60 a 64 1 0,4 8 3,3 9 3,7 65 a 69 1 0,4 4 1,6 5 2,0 70 a 79 >80 1 0 0,4 0 3 3 1,2 1,2 4 3 1,6 1,2 TOTAL 40 16,4 204 83,6 244 100,0 De acordo com o grau de escolaridade, verificou-se que a maioria das vítimas não completou o ensino fundamental (54,92%; n=134), enquanto em 17,21% dos casos essa informação não foi preenchida na ficha de notificação, seguido por analfabetos (11,07%; n=27), pessoas com ensino médio completo (5,74%; n=14), ensino médio incompleto (4,10%; n=10), em 4,10% (n=10) dos casos essa informação foi ignorada, em 2,46% dos casos as pessoas apresentaram fundamental completo (n=6) e em apenas um caso (0,41%) a vítima apresentava nível superior (Figura 04). 40 FIGURA 04 - Distribuição dos 244 casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com o nível de escolaridade. A maioria dos acidentes ocorreu com agricultores (n=148; 60,7%), em seguida estudantes foram mais acometidos (n=54; 22,1%) e por último, aposentados (n=12; 4,9%). As demais ocupações somadas representaram 3% dos casos analisados (n=9) e em 8,6% dos casos essa informação foi ignorada (n= 21). Na maioria dos casos, a relação entre o trabalho e o acidente foi ignorada (n=124; 50,8%), em 83 casos (34%) não houve relação com trabalho, em 34 casos (13,9%) houve relação com o trabalho e por fim, em três registros (1,2%) essa informação não foi preenchida (TABELA 02). TABELA 02 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com a ocupação e se tem relação com o trabalho. OCUPAÇÃO ACIDENTES RELACIONADOS AO TRABALHO Ignorado Não Não Preenchida Sim Total % Agente comunitário de saúde 0 1 0 0 1 0,4 Agricultor/Lavrador 69 47 2 30 148 60,7 Aposentado 9 3 0 0 12 4,9 Autônomo 0 1 0 0 1 0,4 Do Lar 1 0 0 0 1 0,4 Doméstica 0 1 0 0 1 0,4 Estudante 35 19 0 0 54 22,1 Funcionário Público 1 0 0 0 1 0,4 Ignorada 7 9 1 4 21 8,6 Motorista 1 0 0 0 1 0,4 Orientadora Social 1 0 0 0 1 0,4 Professor 0 1 0 0 1 0,4 Servente de Pedreiro 0 1 0 0 1 0,4 Total 124 83 3 34 244 - % 50,8 34,0 1,2 13,9 100 - 41 Os membros inferiores foram os mais atingidos, sendo o pé (n=167; 68,44%) e a perna (n=39; 15,98%) as áreas mais afetadas, já membros como a coxa e o dedo do pé, registraram índices bem baixos (n=2; 0,82%) e n=1; 0,41%) respectivamente, quanto aos membros inferiores, a mão (n=19; 7,79%) e os dedos da mão (n=8; 3,28%) foram as áreas com o maior número de picadas, tendo ainda o ante-braço (n=4 1,64%), o braço (n=2; 0,82%) e o tronco com (n=1; 0,41%). E ainda um (0,41%) em que essa informação não foi preenchida, como mostra a figura 05. FIGURA 05. Notificações de acidentes ofídicos, segundo região anatômica acometida, registradas na Secretária de Saúde de Capitão poço, Pará, no período de 2010-2017. Na maior parte dos casos, manifestações locais foram as alterações clínicas mais encontradas, com dor e edema sendo os sintomas mais frequentes (99,59%; n=243). Com relação às alterações sistêmicas, manifestações hemorrágicas (2,87%; n=7) foram as mais observadas, seguidas das manifestações vagais (náuseas e vômitos) (1,23%; n=3), de manifestações miolíticas/hemolíticas (0,82%; n=2), renais (0,82%; n=2) e neuroparalíticas (0,41%; n=1) (TABELA 03). 42 TABELA 03 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo Manifestações locais e sistêmicas identificadas nas fichas de notificações do SINAN. MANIFESTAÇÕESLOCAIS Valor absoluto Percentual Dor 243 99,59 Edema 240 98,36 Equimose 9 3,69 Outros 3 1,23 MANIFESTAÇÕES SISTÊMICAS Valor absoluto Percentual Neuroparalíticas 1 0,41 Hemorrágicas 7 2,87 Vagais 3 1,23 Miolíticas/Hemolíticas 2 0,82 Renais 2 0,82 A maior parte dos acidentes foi classificada como leve (90,98%; n=222), seguido pelo grau moderado com 18 casos (7,38%) e dois casos (0,82%) considerados como graves. Apenas em um caso (0,41%) essa informação foi ignorada e em outro (0,41%) não foi preenchida. Os resultados apontam ainda que, em praticamente metade dos casos (44,3%; n=108), o tempo decorrido entre a picada até o atendimento ambulatorial foi a maioria entre 1 e 6 horas, (1 a 3; n=108) e (3 a 6; n=108), equivalente a mais de 70% dos casos e que a maioria dos casos evoluiu para cura (95,90%; n=234). Em nove casos (3,69%) essa informação não foi preenchida e um caso (0,41%) foi ignorado (FIGURA 06). FIGURA 06. Notificações de acidentes ofídicos, segundo a gravidade dos acidentes e o tempo até o atendimento. 43 As análises da também mostraram uma grande quantidade de dados ignorados ou que simplesmente não foram preenchidos pelo profissional de saúde responsável pelo atendimento dos pacientes, durante o período estudado. Onde variáveis como: se o acidente tem algum tipo de relação com o trabalho (n= 124), a ocupação (n=21), o tipo de acidente (5), tempo decorrido picada/atendimento (n=3) classificação do caso (n=1) e evolução do caso (n=1) (Tabela 04), não tiveram o preenchimento mais indicado pelo Ministério da Saúde. TABELA 04 – Dados ignorados ou não preenchidos DADOS IGNORADOS NO PREENCHIMENTO DA FICHA VARIÁVEIS QUANTIDADE Acidente relacionado ao trabalho 124 Ocupação 21 Escolaridade 10 Tipo de acidente 5 Tempo decorrido picada/atendimento 3 Classificação do caso 1 Evolução do caso 1 Total 165 Com relação à soroterapia, dos 238 casos atribuídos como acidentes botrópicos, grande parte foi tratada com soro antibotrópico (n=203; 85,29%), havendo 32 casos (13,45%), em que nenhum soro antiofídico foi administrado. Houve uma situação (n=01; 0,42%) em que a soroterapia instituída foi o soro antibotropicolaquético SABL, e uma (n= 01; 0,42%) em que essa informação não foi preenchida. Em um caso de acidente identificado como botrópico, foi instituído o soro antiescorpiônico (TABELA 05). 44 TABELA 05 - Distribuição dos casos de acidentes ofídicos notificados na Secretaria Municipal de Saúde de Capitão Poço (PA), de janeiro de 2010 a dezembro de 2017, de acordo com o tipo de acidente e a soroterapia instituída. SAB SABL SAEs Nenhum Não preenchida Nº de casos V.A. % V.A. % V.A. % V.A. % V.A. % V.A. % Acidente botrópico 203 85,29 1 0,42 1 0,42 32 13,45 1 0,42 238 97,54 Acidente laquético 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Não peçonhenta 0 0,41 0 0,00 0 0,00 1 0,00 0 0,00 1 0,41 Informação ignorada 4 80,00 0 0,00 0 0,00 1 20,00 0 0,00 5 2,05 Informação não preenchida 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 Total 207 84,84 1 0,41 1 0,41 34 13,93 1 0,41 244 100 SAB - soro antibotrópico; SABL - soro antibotropicolaquético; SABC - soro antibotropicocrotálico; SAEs - soro antiescorpiônico V.A. - valor absoluto. 5 – DISCUSSÃO O município de Capitão Poço apresentou uma quantidade expressiva de acidentes ofídicos, com uma média equivalente a 35 acidentes/ano, o que equivale a 59,4 acidentes/100.000. Levando-se em consideração que o município tem aproximadamente 51.893 habitantes (IBGE, 2014) e que o coeficiente de incidência de acidentes na região Norte é de 52 acidentes/100.000 habitantes (PAULA, 2010), os números apresentados são relativamente altos. Os acidentes ofídicos foram mais frequentes nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho e novembro, que correspondem aos meses com os maiores índices pluviométricos na região Amazônica. Nesse período, ocorreram 73,38% dos agravos registrados no município de Capitão Poço, nos anos estudados. Esse fato destoa do indicado pela Fundação Nacional da Saúde, que sugere a ausência de sazonalidade marcante na distribuição mensal dos acidentes ofídicos na região amazônica, onde os mesmos tenderiam a ocorrer de maneira uniforme durante todo o ano (ARAÚJO et al., 2003; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Contudo, estudos prévios realizados em vários estados da Amazônia brasileira já haviam demonstrado que meses com altas temperaturas e elevados índices pluviométricos correspondem também ao período de maior incidência de acidentes ofídicos, contrapondo as informações da Fundação Nacional de Saúde (MORENO, et al., 2005; WALDEZ; VOGT, 2009; BERNARDE; GOMES, 2012; SINIMBU, 2012; GUIMARÃES et 45 al., 2015; SILVA, et al., 2016). Esses meses coincidem também com o período em que as atividades rurais são intensificadas na região devido principalmente ao período de colheita e limpeza das áreas cultivadas, o que provavelmente provoca uma maior exposição da população à fauna ofídica, aumentando também os riscos de acidentes (MORENO et al., 2005; NASCIMENTO, 2000; WALDEZ; VOGT, 2009). A estação chuvosa no município de Capitão Poço, inicia-se em meados do mês de novembro e, de acordo com alguns agricultores da região, é também neste período em que a colheita de espécies cítricas, muito cultivadas no município, é realizada. Nesse mesmo mês, porém, na primeira quinzena, período final da estação seca, pequenos produtores também realizam a limpeza manual das suas áreas de cultivo, o que também pode favorecer o encontro com as serpentes (FEITOSA; MELO; MONTEIRO, 1997). Assim, o alto número de acidentes ocorridos no mês de novembro aqui evidenciado pode estar relacionado ao maior fluxo de trabalhadores nas áreas rurais, seja realizando a colheita, ou preparando a área para (limpeza e queima do roçado) para novas plantações. Assim como em outros estudos (BERNARDE, 2014; CAMPBELL; LAMAR, 2004; GUIMARÃES; PALHA; SILVA, 2015; SILVA; BERNARDE; ABREU, 2015), a grande maioria dos acidentes foi atribuída ao gênero Bothrops. Serpentes desse gênero tem uma ótima capacidade de se adaptar a diferentes tipos de ambientes (BERNARDE, 2014), sendo frequentes nos mais variados ecossistemas, tanto em zonas rurais, como urbanas (MORENO et al., 2005). É importante destacar que a identificação do tipo de acidente geralmente é feita com base em sintomas clínicos, já que dificilmente o animal é capturado e levado junto com o paciente para fornecer uma identificação precisa. Sendo assim, incertezas ou incongruências relacionadas a este quesito podem ocorrer (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001). Por Capitão Poço ser um município basicamente rural, já era esperado que a maioria das notificações durante o período de estudo fossem atribuídas a casos ocorridos na zona rural, tendo agricultores como as maiores vítimas. Esse público encontra-se mais susceptível ao encontro com serpentes, corroborando com o que foi visto em muitos outros estudos epidemiológicos sobre acidentes ofídicos no Brasil (GUIMARÃES; PALHA; SILVA, 2015; MORENO et al., 2005; NASCIMENTO, 2000; WALDEZ; VOGT, 2009) 46 O maior número de acidentes envolvendo indivíduos do sexo masculino, moradores ou trabalhadores da zona rural, com idade economicamente ativa entre 20 e 59 anos, mostra que o ofidismo é um importante problema de saúde ocupacional na região, devido à maior exposição deste público às serpentes e consequentemente a possíveis acidentes ofídicos (BOCHNER; STRUCHINER, 2003; MORENO et al., 2005). Esse mesmo padrão também foi verificado em outros estudos realizados em diferentes regiões do Brasil, como Borges (1999), Nascimento (2000), Nicoleti (2000) e Bochner; Struchiner (2003). No presente estudo, os membros inferiores foram os mais atingidos, com mais da metade de todos os casos notificados no período estudado evidenciandoo pé como a área mais acometida pelas picadas. Esse fato possivelmente está relacionado ao hábito terrestre da serpente Bothrops atrox, bastante frequente e abundante na região, que é de pequeno e médio porte, o que pode limitar a altura alcançada pelo seu bote (D’AGOSTINI; CHAGAS, 2011). Além disso, verificou-se que a não utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) tem sido determinante para essa grande ocorrência dos acidentes, sobretudo no que diz respeito aos resultados obtidos à respeito das regiões posteriores do corpo, como a mão e o dedo da mão, que também foram regiões bastante acometidas por picadas de serpentes, como esses membros são bastante utilizados durante limpeza do solo, o uso de EPI’s facilmente evitariam uma boa parte desses acidentes. Em relação ao grau de escolaridade das vítimas, os resultados deste estudo coincidem com os encontrados em outros trabalhos como Guimarães, Palha e Silva (2015) que realizaram um estudo na ilha de Colares, no estado do Pará, e como verificado por Moreno (2005) em Rio Branco, no Acre, onde pessoas que possuíam apenas o nível fundamental incompleto foram as mais acometidas por esse tipo de acidente, reforçando a hipótese de que os trabalhadores rurais deixam de estudar para ajudar no sustento da família (PAULA, 2010). As manifestações locais mais frequentes caracterizaram-se por dor, sangramento e edema, que correspondem ao quadro clínico mais frequente em acidentes botrópicos e laquéticos de acordo com a literatura (BORGES, 1999; PARDAL et al., 2000; MORENO et al., 2005). Do total de casos registrados, três casos que foram classificados como acidente botrópico, apresentaram manifestações sistêmicas vagais caracterizados pela ativação do sistema nervoso autônomo parassimpático causando sintomas como hipotensão arterial, 47 bradicardia, tontura, escurecimento da visão, vômitos, cólica abdominal e diarreia (Brasil, 2001), que são descritos como típicos de envenenamento por Lachesis (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003, BERNARDE, 2017). Destes três casos, um recebeu soro antibotrópicolaquético (SABL), um caso foi tratado com soro antibotrópico (SAB) e o outro não foi tratado com nenhum tipo de soro antiofídico. Em um outro caso classificado como acidente botrópico, foi administrado o soro antiescorpiônico. Esse fato evidencia incongruências relacionadas à aplicação do tratamento adequado, bem como o despreparo da equipe no preenchimento das fichas, gerando dúvidas acerca da identificação dos envenenamentos ou das informações contidas nas fichas e mostra a necessidade de qualificação dos profissionais que prestam assistência a esses pacientes. Outros estudos como os de Guimarães; Palha; Silva, (2015); Moreno (2005) e Souza (2013), demonstraram que aplicações inadequadas do soro acontecem com certa frequência. Quanto à gravidade dos casos, a maioria foi classificado como de grau leve, seguido por grau moderado e apenas um caso grave. Para Nicoleti (2000), a gravidade do caso é determinada de acordo com o número de ampolas de soro utilizadas no tratamento, reforçando que o tempo transcorrido entre a picada e o atendimento é decisivo para a determinação da gravidade do caso (MORENO et al., 2005; BERNARDE, 2012).Durante as analises das fichas, verificou-se que nenhum paciente foi a óbito ou apresentou qualquer tipo de sequela, mesmo tendo apresentado um caso grave, porém fica difícil afirmar que todos tiveram sucesso total no tratamento, já que em nove fichas essa informação não foi preenchida e em uma foi simplesmente ignorada . Neste estudo, na maioria dos casos classificados como leve, as vítimas receberam atendimento entre uma e seis horas após o acidente, confirmando que a rápida procura por atendimento aumenta a probabilidade de cura dos pacientes (BORGES et al.,1999; MORENO et al., 2005). Os nossos dados também evidenciaram uma alta incidência de itens ignorados ou não preenchidos nas fichas, em todas as categorias. Isso dificulta a realização de estudos mais detalhados, podendo, inclusive, gerar incertezas quanto aos padrões observados, e, portanto, dificultar a formulação e aplicação de políticas mais direcionadas ao combate desse importante problema de saúde pública (BERNARDE; GOMES 2012; DA SILVA, 2016). O que novamente reforça a necessidade de treinamento e capacitação dos profissionais da área, não somente quanto ao preenchimento das fichas de notificações, como também em relação ao ofidismo de maneira geral (BERNARDE; GOMES 2012). 48 6 – CONCLUSÃO Os resultados obtidos neste estudo não diferem dos encontrados por outros autores, em diferentes regiões do Brasil, mostrado que o perfil geral das vítimas corresponde a homens adultos, agricultores, com idade economicamente ativa de 20 a 59 anos, atingidos com maior frequência nos membros inferiores, sendo o gênero Bothrops responsável pela maioria dos acidentes ocorridos no período estudado. É necessário que haja uma melhor conscientização da população com relação à importância do uso da indumentária adequada para a realização do trabalho em zonas rurais a fim de reduzir a quantidade de acidentes observados na região. Também é importante que cursos de capacitação sejam ofertados no município e adjacências para os profissionais da saúde, para que os mesmos possam preencher de maneira adequada as fichas de identificação dos acidentes e possam estar mais preparados para reconhecerem os diferentes tipos de envenenamento, prestando assim o atendimento correto. 7 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADEPARÁ - Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará. ADEPARÁ: CAPITÃO POÇO É DESTAQUE NA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA. Disponível em: 49 http://www.defesaagropecuaria.net/single-post/2016/07/04/ADEPARA-CAPITAO-POCO- DESTAQUE-NA-PRODUCAO-AGROPECURIA. Acesso em: 30 de junho de 2017. ARAGUAIA, Mariana. Serpentes peçonhentas brasileiras. Brasil Escola. Disponível em http://brasilescola.uol.com.br/biologia/serpentes.htm. Acesso em 30 de junho de 2017. ARAÚJO, F.A.A.; Santalúcia, M; Cabral, R.F. Epidemioloy of accidents by venomous animals, p. 6-12. 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