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Psicanálise-e-Behaviorismo-Radical-Pedro-Sampaio

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Graduação em Psicologia
PSICANÁLISE E BEHAVIORISMO 
RADICAL
Um paralelo epistemológico
Pedro Henrique de Faria Sampaio
Belo Horizonte
2º Semestre/2010
Pedro Henrique de Faria Sampaio
PSICANÁLISE E BEHAVIORISMO 
RADICAL
Um paralelo epistemológico
Projeto de conclusão de curso apresentado ao Programa 
de Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade 
Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para 
obtenção do título de bacharel em Psicologia
Orientador: Arthur Parreira Gomes
Professor Leitor: William Castilho
Belo Horizonte
2010
Pedro Henrique de Faria Sampaio
PSICANÁLISE E BEHAVIORISMO RADICAL
Um paralelo epistemológico
Projeto de conclusão de curso apresentado ao 
Programa de Graduação em Psicologia da Pontifícia 
Universidade Católica de Minas Gerais
____________________________________________
Arthur Parreira Gomes (Orientador) – PUC – Minas
___________________________________________
William César Castilho (Leitor) – PUC - Minas
Belo Horizonte, novembro de 2010
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que contribuíram diretamente no desenvolvimento deste trabalho:
- Ao meu orientador, Arthur, por todas as críticas e sugestões
- Aos meus pais, que deram condições para que me dedicasse aos estudos
- À Isabela, por toda a ajuda com a monografia, disponibilidade, debates e apoio
- Ao Ramon, leitor extra-oficial desta monografia, por seus elogios, críticas e sugestões
- À professora Sandra Bernardes, que tanto auxilia e inspira
- Aos colegas e amigos do Grupo de Estudos “Ciência e Comportamento”
- Aos amigos e companheiros do Círculo da Savassi que ajudaram a enriquecer esta 
monografia
“Pode-se perguntar se, e até onde, eu próprio me acho 
convencido da verdade das hipóteses que foram formuladas 
nestas páginas. Minha resposta seria que eu próprio não me 
acho convencido e que não procuro persuadir outras pessoas a 
nelas acreditar ou, mais precisamente, que não sei até onde 
nelas acredito. Não há razão, segundo me parece, para que o 
fator emocional da convicção tenha de algum modo de entrar 
nessa questão. É certamente possível que nos lancemos por uma 
linha de pensamento e que a sigamos aonde quer que ela leve, 
por simples curiosidade científica, ou se o leitor preferir, como 
um advocatus diaboli, que não se acha, por esta razão, vendido 
ao demônio”. Sigmund Freud
RESUMO
Este estudo procura traçar um paralelo crítico entre a epistemologia psicanalítica e a 
epistemologia behaviorista radical. Para isso, aborda o que é epistemologia. Em seguida 
investiga qual a epistemologia da Psicanálise de Freud e do Behaviorismo Radical de 
Skinner, posicionando ambos com relação à ciência, ao problema mente e corpo, à 
continuidade entre espécies e à problemática do conhecimento, realidade e critério de 
verdade. Em seguida, aborda a questão da incomensurabilidade em Kuhn e debate se a 
Psicanálise e o Behaviorismo Radical são incomensuráveis ou não. Por fim, busca traçar 
aproximações e divergências entre as teorias, levando o tão freqüente embate entre estas 
duas populares teorias para um nível epistemológico, menos relativista e ingênuo, onde 
algo pode ser extraído após uma apreciação mútua entre as teorias.
Palavras-chave: Psicanálise, Behaviorismo Radical, epistemologia, ciência, 
incomensurabilidade, crítica
ABSTRACT
This study looks foward to draw a critical parallel between the psychoanalytic 
epistemology and the radical behaviorism epistemology. To accomplish this task, 
approach what epistemology is. Then investigates the epistemology of the 
psychoanalysis of Freud and the radical behaviorism of Skinner, placing both in relation 
to science, the mind-body problem, the continuity between species and the problem of 
knowledge, reality and truth criterion. Then, addresses the issue of incommensurability 
in Kuhn and debate whether psychoanalysis and radical behaviorism are immeasurable 
or not. Finally, attempts to draw similarities and differences between theories, taking the 
so frequent clash between these two popular theories to an epistemological level, less 
relativistic and naive, where something can be extracted after a mutual appreciation 
between the theories.
Keywords: Psychoanalysis, Radical Behaviorism, epistemology, science, 
incommensurability, critical
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 08
2 EPISTEMOLOGIA DA PSICANÁLISE ............................................................... 13
2.1. Psicanálise e ciência 13
2.2. O problema mente-corpo e a continuidade entre espécies 20
2.2.1. O problema mente-corpo 20
2.2.2. A continuidade entre espécies 23
2.3. Conhecimento, Realidade e Critério de Verdade 25
3 EPISTEMOLOGIA DO BEHAVIORISMO RADICAL .......................................... 38
3.1. Behaviorismo Radical e ciência 39
3.2. O problema mente-corpo e a continuidade entre espécies 42
3.2.1. O problema mente-corpo 42
3.2.2. A continuidade entre espécies 43
3.3. Conhecimento, Realidade e Critério de Verdade 44
4. UM PARALELO EPISTEMOLÓGICO ................................................................... 50
4.1. Incomensurabilidade? 51
4.2. Aproximações possíveis 55
4.3.Criticas da Psicanálise ao Behaviorismo Radical 65
4.4. Criticas do Behaviorismo Radical à Psicanálise 76
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 82
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 86
1. Introdução
A Psicanálise de Freud e o Behaviorismo Radical de Skinner são duas das linhas 
teóricas mais influentes da história da Psicologia e diversas pesquisas, artigos e livros 
são publicados todos os anos inspirados pelas descobertas que estas teorias 
promoveram. A Psicanálise e o Behaviorismo Radical são frequentemente colocadas 
como teorias opositoras uma à outra, conflitantes. Não são raras as críticas de 
psicanalistas ao Behaviorismo Radical e de behavioristas radicais à Psicanálise.
Porém, raramente este debate é aprofundado até chegar numa análise 
epistemológica. Um debate direto entre teorias que partem de pontos de vistas muito 
diferentes ou utilizam vocabulários muito diferentes, quase certamente será infrutífero. 
Iremos procurar investigar quais são as visões de ciência e de produção de 
conhecimento que cada uma destas linhas teóricas têm para poder rejeitar a outra.Em 
suma, qual a epistemologia que fundamenta a Psicanálise e o Behaviorismo Radical e 
quais as conseqüências dessa fundamentação epistemológica para a compreensão destas 
teorias?
Este trabalho pretende abordar esta questão, procurando descrever qual a 
epistemologia da Psicanálise e qual a epistemologia do Behaviorismo Radical (com o 
auxílio de autores que já fizeram esta descrição), para finalmente colocá-las lado a lado, 
traçando um paralelo epistemológico crítico que poderá ajudar-nos a compreender os 
pontos de encontro e os pontos de discordâncias epistemológicas entre ambas. Antes, é 
importante esclarecer o que é epistemologia.
A Epistemologia (por vezes referida apenas como teoria do conhecimento) 
estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento. Ela é tanto um 
ramo da Filosofia quanto a filosofia que embasa uma determinada forma de 
investigação, conhecimento e seu produto, já que sua problematização compreende 
questões referentes à possibilidade e à produção do conhecimento.
Alguns autores (como BUNGE, 1980) consideram que o período pré-
sistematização da epistemologia, que é extremamente amplo - indo de Platão a Russel – 
pode ser chamado de período clássico da epistemologia. Platão inaugurou a 
epistemologia ao opor opinião a conhecimento. A opinião é a crença a partir de um 
ponto de vista subjetivo, enquanto o conhecimento é a crença justificada.
Outro dos mais relevantes filósofos para a epistemologia seguiu-se 
imediatamente após Platão: Pirro de Élis, questionando-se sobre a problemática 
levantada por Platão, inaugurou o ceticismo. O ceticismo de Pirro de Élis, chamado de 
pirronismo, é diferente do que hoje concebemos como ceticismo, mas foi 
definitivamente o primeiro a alertar à impossibilidade do conhecimento. Pirro, 
influenciado pelo idealismo platônico, disse que não sabemos nada sobre como as 
coisas são, já que conhecemos apenas sua aparência, mas não sua substância íntima. A 
mesma coisa aparece diferentemente a diferentes pessoas, e assim é impossível saber 
qual opinião é a correta. A diversidade de opiniões entre os sábios, como entre os leigos, 
prova isso: a cada afirmação pode-se contrapor outra contraditória, mas com base 
igualmente boa, e qualquer que seja minha opinião, a opinião contrária é defendida por 
alguém que é tão inteligente e competente para julgar quanto eu (LANDESMAN, 
2006). Podemos ter opiniões, mas certeza e conhecimento seriam impossíveis.
Pirro de Élis frequentemente é ignorado pelos historiadores da epistemologia, 
por considerarem como inaugural da epistemologia justamente a superação, por Platão, 
do sofismo, e para muitos o ceticismo pirronista cai em um relativismo próximo do 
postulado sofista que engessaria qualquer busca por conhecimento: “o homem é a 
medida de todas as coisas” (FORQUIN, 2000), máxima expressa por Protágoras, que 
postula o relativismo do conhecimento por ter por intermédio o homem. Tanto no 
sofismo quando no pirronismo não deveria ambicionar-se buscar conhecimento de 
qualquer sorte e Pirro ilustra isso ao defender que o homem sábio deveria resguardar-se 
de debates, já que todos são debates sobre coisas imaginárias, e ter uma completa 
suspensão de julgamentos (LANDESMAN, 2006). Já Sócrates (obviamente através de 
Platão) buscou superar a improdutividade como conseqüência do relativismo. Ele não 
negava a existência de coisas relativas, mas buscava verdades universais e necessárias.
Desde então o relativismo é bem conhecido por filósofos e até, mais 
recentemente, pelos cientistas e filósofos da ciência. No entanto, o relativismo 
epistemológico, aquele que utiliza o relativismo de tudo como contra-argumentação – 
retomando a impossibilidade do conhecimento verdadeiro – apenas recentemente teve 
uma retomada, em parte como uma resposta à ciência. Estes filósofos são por vezes 
chamados de filósofos supracientíficos, mas o relativismo epistemológico que retomam 
por vezes também é chamado de filosofia pós-moderna. Esta retomada teve (e ainda 
têm) maior destaque na França e para muitos continua sendo tão obsoleta quanto era a 
mais de 2300 anos atrás. Pontes de Miranda, por exemplo, diz:
A filosofia pré-científica e a filosofia supracientífica, que é a persistência 
daquela à despeito da Ciência, comprazia-se aquela e compraz-se essa em 
formular perguntas irrespondíveis, como esta: “Existe, ou não, a coisa em sí, 
o mundo exterior?” “Quais as experiências que tenho da coisa em si, do 
mundo exterior como conceito diferente daquele conceito que é o meu, o teu, 
o de todos, para submete-lo a depuração de existir ou não,atribuindo ao 
conceito de existência valor acima ao conceito de existência que é aquele 
mesmo que fala de mundo exterior?” Em suma, “Que é existência, se o 
mundo exterior não existe, ou se o objeto não existisse?” (MIRANDA, 2005, 
p.240)
Dado isso, os primeiros pensadores modernos de grande estatura e influência 
que propugnaram pela adoção de métodos gerais para lograr avanços no conhecimento 
são Bacon e Descartes. 
Ambos eram contemporâneos, mas antes mesmo do racionalismo cartesiano 
Bacon fundamentou o empirismo e o método indutivo, principalmente em sua obra 
Novo Organum (BACON,1620/2000) de modo a ainda hoje ser considerado “o 
alvorecer do discurso epistemológico moderno” (TOMANIK, 1992, p.16). Já Descartes 
deu os contornos da razão (ou o processo racional) envolvido no conhecimento humano, 
de modo que em seu “Discurso do Método” (DESCARTES, 1632/2008) parte-se da 
autoridade da razão como única forma de adquirir conhecimento significativo.
As fundamentações do conhecimento empírico foram ainda muito refinadas por 
Hume. Ele abordou a problemática do conhecimento, o problema solipsista levantado 
por Descartes, a questão do ser humano como intermediário de todo processo 
cognoscível e vários outros problemas filosóficos até hoje em questão. Hume procurou 
responder, ainda no século XVIII, muitos dos problemas que voltaram a ser levantados 
pelos filósofos “supracientíficos” (vide a citação de MIRANDA, 2005, acima). Após 
analisar diversas formas de conhecimento - dentre elas a revelação religiosa, a 
inspiração e a metafísica -, Hume conclui:
Quando percorremos as bibliotecas, persuadidos destes princípios, que 
deduções deveríamos fazer? Se examinarmos, por exemplo, um volume de 
teologia ou de metafísica escolástica e indagarmos: Contém algum raciocínio 
abstrato acerca da quantidade ou do número? Não. Contém algum 
raciocínio experimental a respeito das questões de fato e de existência? Não. 
Portanto, lançai-o ao fogo, pois não contém senão sofismas e ilusões. 
(HUME, 1748/2010, p.85)
 O racionalismo cartesiano e o empirismo tomou a filosofia européia de tal 
forma que levou Kant a fazer uma verdadeira dissecação do que seria a razão, o que 
poderia e não poderia a razão e como conseqüência, o que seria cognoscível e por quê. 
A minuciosa análise kantiana levou a conceitos até hoje utilizados (ou ao menos 
frequentemente relembrados) tanto na ética quanto na epistemologia. Na epistemologia, 
as questões de partida do kantismo são o problema do conhecimento, e a ciência, tal 
como existe. A ciência se arranja de juízos que podem ser analíticos e sintéticos, sendo 
os analíticos aqueles que apontam um atributo contido no sujeito (tais juízos 
independem da experiência, sendo juízos a priori, universais e necessários) e os 
sintéticos são aqueles que resultam da experiência (sendo a posteriori, privados e 
incertos).
No contexto da história da ciência, ainda encontra-se o filósofo Auguste Comte, 
que propôs uma filosofia queservisse de método de investigação objetiva para estudar o 
social, propondo o que inicialmente ele chamou de Física Social, e que hoje é 
conhecido por Sociologia (LACERDA, 2009). Ele chamou essa filosofia de Positivismo 
e sua influência em todas as ciências foi enorme.
Existem vastas confusões com relação à filosofia positivista de Comte e dizer 
que algo é positivista hoje, é quase sinônimo de reducionista, no mínimo com uma 
pressuposição de que confia-se apenas em uma metodologia experimental rígida, antiga 
e que a ciência e o cientista são neutros e/ou imparciais (LACERDA, 2009). E isso não 
tem em absoluto a ver com o positivismo de Comte, que buscava um método fundado 
na observação e na imaginação, considerando a subjetividade tanto individual quanto 
coletiva em cada aspecto de seus fundamentos. O modelo de positivismo com referência 
à uma neutralidade teria mais a ver com um dos autores mais influentes que procuraram 
complementar a obra de Comte, Durkheim (GIDDENS, 1982, p.12-13). Existem 
diversos positivismos que nada têm a ver com Comte: dentre eles o Juspositivismo (de 
Hans Kelsen); o Neo-positivismo (do Círculo de Viena); a Psicologia Positivista do 
behaviorismo metodológico (de Watson e Pavlov); e o Positivismo-lógico (de Ernst 
Mach, muitas vezes tomado como sinônimo do Neo-positivismo, devido à enorme 
influência de Mach sobre o Círculo de Viena) (LACERDA, 2009).
Neste percurso, chegamos a Ernst Mach, um físico e filósofo da ciência do 
século XIX e começo do século XX que influenciará a filosofia e a ciência de sua 
época. Seu pensamento é até hoje pilar da contemporânea epistemologia científica e foi 
a maior influência epistemológica de Freud, conforme amplamente demonstrando por 
Assoun (1983). Assoun nos diz:
”Não tendo a boa sorte de possuir inquebrantáveis axiomas, o cientista se 
habituou a considerar como provisórias suas idéias e seus princípios os mais 
seguros e os mais bem fundados, e está sempre pronto a modificá-los após 
novas experiências”. É dessa última frase de Mach que parecem copiados 
todos os enunciados de Freud sobre o estatuto diferencial da ciência analítica 
relativamente ao saber filosófico. Tudo se passa como se Freud, após a leitura 
desse texto de Mach, tivesse encontrado nele a linguagem de sua posição 
metodológica. (ASSOUN, 1983, p.92)
Mach também foi assumidamente a principal influência de Skinner no começo 
de sua carreira, embora Skinner tenha modificado algumas de suas concepções e 
consequentemente afastado-se de Mach, formulando o Behaviorismo Radical como uma 
filosofia principalmente calcada no Pragmatismo, de James e Peirce, conforme afirmado 
por Tourinho (2003) em seu artigo “A Produção de Conhecimento em Psicologia: 
Análise do Comportamento”.
Feito o percurso histórico-epistemológico que leva aos dois autores-chave deste 
trabalho (Freud e Skinner), podemos dar início à análise epistemológica pormenorizada 
da Psicanálise e do Behaviorismo Radical.
Capítulo 2. Epistemologia da Psicanálise
Falar da epistemologia psicanalítica constitui tema controverso. Em muitos 
casos parece haver explícita contradição entre autores que buscam traçar esta 
epistemologia:
(...) o discurso da ciência, que exige no princípio mesmo de sua produção 
uma negação da Spaltung (encarnada pelo sujeito-da-ciência, o sujeito não-
dividido), não é de modo algum operatório para exprimir adequadamente 
alguma coisa do campo psicanalítico, o qual, por definição, sustenta-se nessa 
divisão. (DOR, 1993, p.19)
(...) [Freud] forja sua epistemologia pensando sua prática científica. Não é ele 
quem proclama incessantemente que a psicanálise é uma ciência e, dando 
nome aos bois, uma ciência-da-natureza (Naturwissenschaft)? (ASSOUN, 
1983, p.10)
Desde sua invenção por Freud, a psicanálise tomou diversos rumos, com 
diferentes escolas e consequentemente diferentes formas de abordar sua produção de 
conhecimento. Embora muitos (se não todos) fundadores de vertentes psicanalíticas se 
digam “freudianos” (como Lacan), é importante o cuidado de escolher uma, das 
múltiplas psicanálises, para focarmos nosso estudo.
Escolhemos a que julgamos a mais apropriada e abrangente, por ser, no mínimo, 
a base de todas as demais “psicanálises”: a psicanálise freudiana. Iremos, portanto, nos 
focar nos escritos de Freud e o que ele tem a dizer sobre sua própria teoria, auxiliados 
por autores complementares que procuraram igualmente buscar em Freud os 
fundamentos e nortes epistemológicos de sua teoria.
2.1 Psicanálise e Ciência
Um dos tópicos onde mais se justifica a separação da proposta freudiana de outras 
vertentes psicanalíticas é a relação da psicanálise com a ciência. Freud afirmou e 
reafirmou muitas vezes seu compromisso com a ciência e o modo de produção de 
conhecimento científico, chegando a dizer, mais de uma vez, que era uma ilusão 
acreditar que podemos conseguir algum conhecimento legítimo fora da ciência:
Os enigmas do universo só lentamente se revelam à nossa investigação; 
existem muitas questões a que a ciência atualmente não pode dar resposta. 
Mas o trabalho científico constitui a única estrada que nos pode levar a um 
conhecimento da realidade externa a nós mesmos. É, mais uma vez, 
simplesmente uma ilusão esperar qualquer coisa da intuição e da 
introspecção; elas nada nos podem dar, a não ser detalhes sobre nossa própria 
vida mental, detalhes difíceis de interpretar. (FREUD, 1927/1996, p.40)
Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a 
ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar. (FREUD, 
1927/1996, p.63)
Qualquer leitor familiarizado com a psicanálise contemporânea – em especial as 
vertentes lacanianas, famosas por suas críticas à ciência – perceberá de imediato este 
paradoxo. Este posicionamento de diversos psicanalistas contra a primazia da ciência é 
bem ilustrado por Dor:
O discurso pelo qual se enuncia a “não-cientificidade” da psicanálise 
pressupõe, como já mostrei, o discurso da ciência como o único discurso 
capaz de promulgar e simultaneamente garantir um conhecimento 
verdadeiro; e que pode apoiar-se, por sua vez, apenas em uma teoria do 
conhecimento. Em compensação, o discurso teórico pelo qual se enuncia a 
psicanálise instaura-se de saída como um discurso duplamente subversivo. 
Em primeiro lugar, parece subtrair-se as exigências epistemológicas 
estabelecidas pelo discurso de tipo científico. Em segundo, tem os meios para 
desmascarar e explicitar, no próprio lugar desse discurso, a ilusão inaugural 
que fundamenta seu processo, neste caso, o conceito de sujeito-do-
conhecimento (-da ciência) e o que garante da imaginária promoção de uma 
teoria do conhecimento. (DOR, 1993, p.31)
Em seguida, o autor diz que a ciência encontra a validade de suas idéias “em 
torno da miragem racional mantida por essa ilusão epistêmica” (DOR, 1993, p.31), 
posição claramente antagônica à posição de Freud anteriormente demonstrada.
Freud desde jovem empenhou-se em estudos e pesquisas científicas, ressaltando 
mais de uma vez que estas sempre lhe interessaram mais que a prática clínica da 
Medicina (FREUD, 1925/1996). Mais tarde ele iria revelar que nunca foi um entusiasta 
sequer da clínica psicanalítica, acreditando que o verdadeiro motivo pelo qual a 
psicanálise seria lembrada seria sua contribuição à ciência:
Talvez os senhores saibam que nunca fui um terapeuta entusiasta; (FREUD, 
1933/1976, p.185)
Disse-lhes que a psicanálise começou como um método de tratamento; mas 
não quis recomendá-lo ao interesse dos senhores como método de tratamento 
e sim por causa das verdades que ela contém, por causa das informações que 
nos dá a respeito daquilo quemais interessa aos seres humanos – sua própria 
natureza – e por causa das conexões que ela desvenda entre as mais diversas 
atividades. Como método de tratamento, é um método entre muitos, embora 
seja, para dizer a verdade, primus inter pares. Se não tivesse valor 
terapêutico, não teria sido descoberto, como o foi, em relação a pessoas 
doentes, e não teria continuado desenvolvendo-se por mais de trinta anos. 
(IBID, p.191)
O futuro provavelmente atribuirá muito maior importância à psicanálise 
como a ciência do inconsciente do que como um procedimento terapêutico. 
(FREUD, 1925/1996, 254-255)
Se a psicanálise nasceu não nos laboratórios de pesquisa, mas na prática clínica, 
isso para Freud não constitui uma vantagem, mas simplesmente um momento inicial 
que permitiu o desabrochar de uma série de descobertas que mais tarde, dizia, iriam sair 
da fase especulativa para serem constantemente aprimoradas (como Freud descreve, 
entre outros, no primeiro parágrafo de “O Instinto e suas Vicissitudes” [Freud, 
1915/1996, p.123]) até terem sua confirmação em laboratório, com o avanço da 
Química e da Biologia:
A psicanálise está firmemente alicerçada na observação dos fatos da vida 
mental e por essa mesma razão sua superestrutura teórica ainda está 
incompleta e sujeita a constante alteração. (FREUD, 1925/1996, p.256)
Realmente, é aqui o lugar onde está a esperança no futuro: na esperança de 
que nosso conhecimento da atuação dos hormônios (os senhores sabem o que 
eles são) nos possa fornecer os meios de combater com êxito os fatores 
quantitativos das doenças. Mas estamos longe disto, atualmente. Apercebo-
me de que, em todos esses assuntos, a incerteza é um estímulo constante para 
aperfeiçoar a análise e especialmente a transferência. (FREUD, 1933/1976, 
p.188-189)
Ou como explicita Assoun:
E Freud colocava seriamente todo o saber psicológico sob o rótulo do 
provisório, aguardando que o saber químico tome o seu lugar, fornecendo-lhe 
seu substrato. Uma química integral seria, pois, o futuro da psicanálise. Freud 
chega mesmo a acrescentar, considerando verossímil esse futuro: “É essa 
verossimilhança que levamos em consideração , substituindo as substâncias 
químicas particulares por forças psíquicas particulares”. A força psíquica não 
faz outra coisa, em última análise, senão indicar provisória e 
convencionalmente uma substância e um processo químicos correspondentes. 
(ASSOUN, 1983, p.65)
Os fundadores da Escola Fisicalista de Berlim foram professores e grandes 
ídolos de Freud, que jamais rompeu com o juramento da Escola Fisicalista: “(...) jamais 
pararemos enquanto não tivermos encontrado o determinante físico-químico!” 
(ASSOUN, 1983, p.65). Tudo o mais é provisório, e a construção metapsicológica seria 
apenas, em última instância, um caminho para esse determinante.
Embora Freud jamais tenha abandonado sua convicção científica, o modo como 
enxerga a produção de conhecimento científico – ou seja, o referencial de epistemologia 
científica – foi alterado. Tanto em seus escritos pré-psicanalíticos como em suas 
primeiras obras psicanalíticas, Freud parece ter como norte da produção de 
conhecimento o positivismo das pesquisas médicas do século XIX. Em “A Interpretação 
dos Sonhos” (1900) Freud menciona uma regra de Claude Bernard – provavelmente o 
maior representante do positivismo médico do século XIX – como o ideal a ser seguido 
por analistas na interpretação dos sonhos:
[Quem quer interpretar os sonhos] Deve manter em mente o conselho de 
Claude Bernard aos experimentadores de um laboratório de fisiologia: 
‘travailler comme une bête’ – isto é, trabalhar com tanta persistência quanto 
um animal e com a mesma indiferença pelo resultado. Se este for seguido, a 
tarefa não será mais uma tarefa difícil. (FREUD, 1900/1972, p.558)
Podemos observar neste pequeno trecho alguns dos aspectos centrais do 
positivismo de Bernard. A idéia de neutralidade, persistência e o observador separado 
do observado vão influenciar imensamente as primeiras obras de Freud, conforme o 
verbete sobre “neutralidade” do “Vocabulário de Psicanálise” (1967) denuncia:
Uma das qualidades que definem a atitude do analista no tratamento. O 
analista deve ser neutro quanto aos valores religiosos, morais e sociais. Isto é, 
não dirigir o tratamento em função de um ideal qualquer e abster-se de 
qualquer conselho; neutro quanto às manifestações transferenciais, o que se 
exprime habitualmente pela fórmula “não entrar no jogo do paciente”; por 
fim, neutro quanto ao discurso do analisando, isto é, não privilegiar a priori, 
em função de preconceitos teóricos, um determinado fragmento ou um 
determinado tipo de significações. (LAPLANCHE/PONTALIS, 1967, p.404)
 Bernard também tinha como critério de verdade de uma hipótese sua 
possibilidade de testagem empírica, mensuração, observação e controle, realizada por 
experimentadores imparciais. 
Novas concepções científicas surgiram no começo do século XX, impulsionadas 
principalmente por descobertas da Física, e rapidamente o positivismo de Bernard foi 
questionado. Freud também não tardou a perceber a incompatibilidade dos critérios 
dessa versão do positivismo com as descobertas de sua própria “jovem ciência” (como 
muitas vezes chamou a Psicanálise). A Psicanálise, tendo por objeto de estudo “o 
inconsciente e seus efeitos” (ALTHUSSER, 1984, p.62) e lidando com coisas internas e 
impossíveis de observação direta e consensual como pensamentos e emoções, não tinha 
perspectiva dentro deste modelo. E a ciência deveria simplesmente ignorar tudo isso 
apenas devido à dificuldade de uma mensuração exata e consensual?
Freud encontrou então, em Ernst Mach, o modelo epistemológico para sua 
jovem ciência. Como nos diz Assoun:
”Não tendo a boa sorte de possuir inquebrantáveis axiomas, o cientista se 
habituou a considerar como provisórias suas idéias e seus princípios os mais 
seguros e os mais bem fundados, e está sempre pronto a modificá-los após 
novas experiências”. É dessa última frase de Mach que parecem copiados 
todos os enunciados de Freud sobre o estatuto diferencial da ciência analítica 
relativamente ao saber filosófico. Tudo se passa como se Freud, após a leitura 
desse texto de Mach, tivesse encontrado nele a linguagem de sua posição 
metodológica. (ASSOUN, 1983, p.92)
Ernst Mach foi um físico e filósofo austríaco – embora ele próprio não se 
denominasse filósofo, mas apenas cientista – que influenciou profundamente a visão de 
ciência do século XX, sendo possivelmente o maior responsável pelo rompimento com 
modelos positivistas antigos. Foi a maior influência para a criação do Positivismo 
Lógico, do Círculo de Viena, além de ter sido ídolo intelectual de Einstein e muitos 
outros (ASSOUN, 1983, p.97-100). Sua critica à tradição física centrada na mecânica, a 
eliminação de conceitos metafísicos e sua visão de que o caráter de qualquer lei 
científica é apenas o descritivo, criaram o contexto que propiciou a revolução na física 
teórica e consequentemente na epistemologia científica.
Freud não apenas vai também tomar em Mach seu norte epistemológico como 
chega a assinar, em 1911, um manifesto escrito por Mach a favor da criação de uma 
sociedade para a difusão da filosofia positivista (ASSOUN, 1983, p.97). Retornaremos à 
filiação de Freud com Mach mais a frente (Capítulo 2.3. Conhecimento, Realidade e 
Critério de Verdade). Por ora, basta compreendermos o compromisso de Freud em fazer 
da psicanálise uma ciência.
É importante ressaltar, portanto, a improcedência de dois mitos bastante 
difundidos sobre a relação de Freud com a ciência: o de que Freud seria um grande 
crítico da ciência; e o de que Freud era mais “cientificista”em suas primeiras obras, mas 
que gradualmente foi abandonando suas convicções científicas.
O primeiro mito já pode ser posto em xeque pelo que já apresentamos até aqui. 
Freud não apenas não era um “grande crítico da ciência” como acreditava na soberania 
desta como poucos dos grandes teóricos da Psicologia. Foram muitos os momentos nos 
quais Freud corroborou sua visão de que acreditar que se pode obter conhecimento fora 
da ciência é uma ilusão (tal qual explicitada também acima, como no trecho supracitado 
de “O Futuro de Uma Ilusão” [FREUD, 1927/1996, p.63]) e reafirmou a ciência como 
estando em um patamar especial:
Do ponto de vista da ciência, não se pode evitar exercer, aqui, a faculdade de 
crítica e apresentar objeções e rejeições. Não é lícito declarar que a ciência é 
um campo da atividade mental humana, e que a religião e a filosofia são 
outros campos, de valor pelo menos igual, e que a ciência não tem por que 
interferir nelas: que todas elas têm iguais pretensões de serem verdadeiras e 
que toda pessoa tem a liberdade de escolher de qual delas irá derivar suas 
convicções e em qual delas depositará sua crença. Uma opinião como esta é 
vista como especialmente superior, tolerante, emancipada e livre de 
preconceitos incultos. Infelizmente, não é sustentável e compartilha de todos 
os aspectos perniciosos de uma Weltanschauung não-científica, e a esta 
equivale, na prática. É que a verdade simplesmente não pode ser tolerante, 
não admite conciliações ou limitações, e o fato é que a pesquisa considera 
como propriedade sua todas as esferas da atividade humana, e deve exercer 
uma crítica incessante se algum outro poder tenta arrebatar-lhe alguma parte. 
(FREUD, 1933/1976, p.195-196)
E volta a ressaltar a importância deste saber científico para a humanidade, 
filiando-se explicitamente – novamente – como um ativista e porta-voz de uma maior 
conscientização científica:
Pode-se imaginar como seria impossível existir a sociedade humana, se cada 
pessoa simplesmente tivesse sua tabuada particular para multiplicar e suas 
próprias medidas para aferir comprimento e peso. Nossa maior esperança 
para o futuro é que o intelecto – o espírito científico, a razão – possa, com o 
decorrer do tempo, estabelecer seu domínio sobre a vida mental do homem. 
(...) Tudo aquilo que, à semelhança das proibições da religião contra o 
pensamento, se opõe a uma evolução nesse sentido, é um perigo para o futuro 
da humanidade. ((FREUD, 1933/1976, p.208)
O que já nos leva de imediato para o segundo mito, que sugere que Freud foi 
gradualmente abandonando seu compromisso científico e que suas últimas obras 
rompiam com essa filiação. Pois basta observar que não é apenas em suas primeiras 
obras que ele formaliza seu caráter científico (tal qual o trecho supracitado de “A 
Interpretação dos Sonhos” [FREUD, 1900/1972, p.558]) mas que a grande maioria dos 
trechos utilizados até aqui são de sua fase final de produção (1927, 1933, 1935), e 
podemos até mesmo mencionar seu longo discurso sobre a produção de conhecimento 
científico em “Análise Terminável e Interminável” (FREUD, 1937/1976, p.225-226) e 
em “Algumas Lições Elementares de Psicanálise” (FREUD, 1940[1938]/1976, p.316-
317) – e em ambas reafirma o compromisso da psicanálise em ser uma ciência.
Os únicos posicionamentos de Freud que poderiam dar margem a uma 
interpretação de crítico da ciência é quando ele responde às críticas que fazem a ele e à 
Psicanálise. Em algumas destas respostas ele comenta que algumas críticas são 
excessivamente severas, dogmáticas, que provém de fatores emocionais e não de uma 
imparcial análise científica. Estão na vertente de críticas em que ele considera “grave 
injustiça que as pessoas se tenham recusado a tratar a psicanálise como qualquer outra 
ciência” (FREUD, 1925/1996,p.61), ou seja, o problema não está no critério de verdade 
da ciência, mas é um problema que diz respeito a resistências dos críticos, alguns deles, 
isso sim, cientistas. Isso é claro em seu texto “A resistência à psicanálise” (1924) onde 
ao mesmo tempo em que aponta que as críticas se devem a resistências injustificadas, 
endossa o ponto de vista científico:
Em assuntos científicos não deveria haver lugar para recuar-se ante a 
novidade. A ciência, em sua perpétua falta de compleição e insuficiência, é 
impelida a esperar sua salvação em novas descobertas e novas maneiras de 
olhar para as coisas. A fim de não ser enganada, ela procede bem em armar-
se de ceticismo e não aceitar nada novo, a menos que tenha sofrido o mais 
estrito exame. (FREUD, 1924/1996, p.239)
O fato de dizer que a ciência é sempre inacabada e sempre em busca de 
aprimoramentos não constitui, de modo algum, crítica à ciência. Esta é uma condição da 
ciência que é consensual entre cientistas e muitos, inclusive Freud, vê nisto um dos 
maiores méritos da ciência:
Existe, ademais, uma boa dose de exagero nessas críticas à ciência. Não é 
fato procedente que ela cambaleia, cega, de um a outro experimento, que 
substitui um erro por outro. Via de regra, trabalha como um escultor em seu 
modelo de argila, o qual, incansável, modifica o esboço primitivo, remove, 
acrescenta, até chegar àquilo que sente ser um satisfatório grau de 
semelhança com o objeto que vê ou imagina. Além do mais, ao menos nas 
ciências mais antigas e maduras, existe, ainda hoje em dia, um sólido 
fundamento que é somente modificado e aperfeiçoado, não mais demolido, 
contudo. As coisas não vão tão mal assim nos domínios da ciência.
E, afinal, qual é o objetivo dessas apaixonadas depreciações cometidas 
à ciência? Apesar de ser atualmente incompleta, apesar das dificuldades que 
isso representa, ela continua indispensável para nós e nada pode tomar o seu 
lugar. É capaz de melhoramentos jamais sonhados, ao passo que a 
Weltanschauung religiosa não o é. Esta está completa em todas as suas parte 
essenciais; se ela foi um erro, assim deve ser, para sempre. Nenhum 
menosprezo à ciência pode de algum modo alterar o fato de que ela está 
procurando levar em conta nossa dependência do mundo externo real, ao 
passo que a religião é uma ilusão e deriva sua força da sua presteza em 
ajustar-se aos nossos impulsos instintuais plenos de desejos. (FREUD, 
1933/1976,, 211-212)
Freud, portanto, não apenas não está criticando a ciência ao falar de sua perene 
incompletude, como faz mais uma declaração de sua reverência a ela. Acredito que a 
esta altura já não resta dúvidas que jamais decaiu o fascínio de Freud pela ciência e nem 
seu compromisso em fazer da Psicanálise um saber científico.
2.2. O problema mente-corpo e a continuidade entre espécies
É especialmente relevante posicionar tanto a teoria psicanalítica quanto a 
behaviorista radical com relação ao problema mente-corpo e a continuidade entre 
espécies. Não apenas porque ambas são questões relevantes num posicionamento 
epistemológico de correntes psicológicas, mas principalmente porque esclarecimentos 
deste ponto podem permitir diálogos ou acentuar diferenças entre ambas as linhas 
teóricas, além de ser complementar aos demais tópicos abordados neste estudo.
No Capítulo 4: Um Paralelo Epistemológico ficará especialmente evidente o 
objetivo de dar espaço ao posicionamento das linhas teóricas em questão diante de 
ambos os problemas.
2.2.1. O problema mente-corpo
É salutar, ao analisar a epistemologia de uma determinada teoria psicológica, 
posicioná-la com relação ao problema mente-corpo. Isto permite posicionar determinada 
corrente de pensamento como crente ou não da possibilidade de existência de algo 
imaterial, imanente, transcendente e igualmente na possibilidade de algo físico interagir 
com o não-físico. No caso de correntes psicológicas, torna-seespecialmente relevante 
por poder demonstrar se o seu próprio objeto de estudo é algo imaterial e 
cientificamente insondável ou não.
O problema mente-corpo diz respeito à crença (ou descrença) de que existem 
duas instâncias separadas e de propriedades diferentes que constituem o ser humano: a 
mente – que seria o aspecto imaterial responsável pelo pensamento, criatividade, 
emoções e personalidade (em muitos casos, a essência) do sujeito; e o corpo – que é a 
parte orgânica, responsável pelas funções biológicas e seria a parte material e física que 
a mente habita, e opera no mundo através dele.
Há dois posicionamentos filosóficos diante de tal problemática. Pode-se crer 
nesta divisão, que é o chamado dualismo. Ou acreditar que não existe esta divisão, que 
as coisas às quais o termo “mente” se refere acontecem no corpo e são indissociáveis 
dele. Esse posicionamento é chamado monismo. 
Não há uma posição explícita de Freud com relação a esse problema, ou seja, 
nunca se denominou “dualista” ou “monista”. No entanto é possível, através de seus 
escritos, traçar com razoável precisão onde se pode localizá-lo neste debate.
Freud não apenas colocava a Psicanálise como ciência, mas, mais do que isso, 
como uma ciência natural. Isto é ressaltado e defendido em vários momentos, até o final 
de sua obra (Freud, 1937; Freud 1940 [1938]). Segundo Assoun (1983) Freud colocava 
a psicanálise como “ciência da natureza” devido à demanda de posicionamento e 
posicionando-se frente à pergunta “quem eu sou?”, tendo a dicotomia emergente de sua 
época entre ciências da natureza x ciências do espírito. Neste contexto, ele opta pelo 
primeiro:
(...)[Freud] quer mostrar, praticamente, que a alternativa não existe, na 
medida em que, em fato de cientificidade, só pode tratar-se de ciência da 
natureza. Freud, na aparência, não conhece outra forma de ciência. 
(ASSOUN, 1983, p.48)
Ainda é pouco dizer que, para Freud, a psicanálise é uma Naturwissenchaft: 
na realidade não há, literalmente falando, ciência senão na natureza. 
Naturwissenchaft equivale, praticamente, a Wissenchaft. (...) se a psicanálise 
é uma ciência digna deste nome, então ela é uma Naturwissenchaft. (IBID, 
p.50-51)
Há em Freud uma rejeição a qualquer forma de imaterialidade, espiritualidade e 
indeterminação (o determinismo em Freud será melhor abordado mais a frente, Capítulo 
2.3 Conhecimento Realidade e Critério de Verdade). A idéia de que a psicanálise seria 
uma “ciência da alma” só poderia passar por aceitável enquanto metáfora, enquanto 
analogia. Algo como “ciência do espírito” (ou da alma) seria um contra-senso, pois 
simplesmente não seria ciência.
Da mesma forma, quando se refere à mente ou ao psiquismo, Freud não parece 
falar de algo imaterial ou sobrenatural, mas de uma série de processos que comumente 
denominam-se mentais ou psíquicos: “Ela [a psicanálise] define o que é mental, 
enquanto processos como sentir, o pensar e o querer” (FREUD, 1916/1996, p.31). E 
algo semelhante ocorre quando fala do psiquismo, denominando uma série de processos 
como psíquicos mas sem emitir juízo sobre sua natureza, considerando-o um conceito 
útil, tal qual o conceito de eletricidade cumpria na Física uma determinada função antes 
mesmo de compreenderem o que hoje entende-se por eletricidade:
Se alguém perguntar o que realmente significa “o psíquico”, será fácil 
responder pela enumeração de seus constituintes: nossas percepções, idéias, 
lembranças, sentimentos e atos volitivos – todos fazem parte do que é 
psíquico. Mas se o interrogador for mais longe e perguntar se não existe 
alguma qualidade comum, possuída por todos esses processos, que torne 
possível chegar mais perto da natureza, ou, como as pessoas às vezes dizem, 
da essência do psíquico, então será mais difícil fornecer uma resposta.
Se uma pergunta análoga tivesse sido feita a um físico (quanto à 
natureza da eletricidade, por exemplo), a resposta deste, até muito 
recentemente, teria sido: “Para o fim de explicar certos fenômenos, 
presumimos a existência de forças elétricas, que estão presentes nas coisas e 
que delas emanam. Estudamos esses fenômenos, descobrimos as leis que os 
governam e até mesmo colocamo-los em uso prático. Isso nos satisfaz 
provisoriamente. Não conhecemos a natureza da eletricidade. Talvez 
possamos descobri-la mais tarde, na medida em que nosso trabalho progrida. 
Há que admitir que aquilo que dela ignoramos é precisamente a parte mais 
importante e interessante de todo o assunto, mas, no momento, isso não nos 
preocupa. É simplesmente como as coisas acontecem nas ciências naturais”
Também a psicologia é uma ciência natural. O que mais pode ser? 
Mas seu caso é diferente. Nem todos são bastante audazes para emitirem 
julgamento sobre assuntos físicos, mas todos – tanto o filósofo quanto o 
homem da rua – tem sua opinião sobre questões psicológicas e se comportam 
como se fossem, pelo menos, psicólogos amateurs. (FREUD, 
1938/1975,p.316-317).
Assoun dedica todo um capítulo de seu “Introdução à Epistemologia Freudiana” 
(1983) ao monismo em Freud, concluindo que “Portanto vamos encontrar, na base da 
epistemologia freudiana, um monismo caracterizado e radical.” (ASSOUN, 1983, p.51). 
Essa posição inclusive já rendeu críticas a Freud mesmo entre admiradores da 
psicanálise, como Althusser, quando menciona, criticando ambos, que tanto Freud 
quanto Marx eram monistas (ALTHUSSER, 1984, p.76). 
O monismo parece ser de fato a conclusão inevitável que podemos chegar a 
partír dos escritos de Freud. Afinal, além de sua rejeição a qualquer forma de 
imaterialidade, ciências do espírito e sobrenaturalismo (o que também é evidenciado nos 
diversos momentos em que ataca a crença religiosa, destacadamente em “O Futuro de 
Uma Ilusão” [1927] ), já vimos que ele acreditava que todas as descobertas 
psicanalíticas tivessem um equivalente físico-químico-biológico. Ou seja, está no corpo, 
é o corpo, não algo transcendente a ele.
2.2.2. A continuidade entre espécies
Ao buscar como uma determinada epistemologia aborda a questão da 
continuidade entre espécies, é importante posicioná-la com relação a dois tópicos: 
primariamente, se ela respalda ou não a teoria da evolução e seleção natural de Darwin, 
considerando-a em sua teorização e produção de conhecimento e, em seguida, se 
acredita que haja uma ruptura/diferença suficiente entre o ser humano e os demais 
animais que impeça que se estudem aspectos também presentes no homem a partir de 
outros animais.
O primeiro tópico não gera muita margem para polêmica com relação ao 
posicionamento freudiano. Freud sempre foi confesso admirador de Darwin e sempre 
teve a teoria da evolução e seleção natural em alta conta. Não é inesperado, dado sua 
formação e seu compromisso com a ciência. Darwin é colocado por Freud junto com 
Copérnico como o responsável por uma das duas grandes revoluções de pensamento e 
“feridas narcísicas” na humanidade, antes da psicanálise, considerando inclusive seu 
trabalho (a psicanálise) como complementar ao de Darwin. Freud inclusive cita Darwin 
para embasar suas idéias (como em FREUD, 1937/1975, p.100). E em alguns momentos 
menciona mesmo a evolução do ser humano a partir de outras espécies (e, novamente, 
utilizando estes fatos para embasar suas idéias):
Essa teoria é confirmada pela investigação anatômica do crescimento dos 
órgãos genitais internos, ela nos leva a supor que a raça humana descende de 
uma espécie de animal que atingiu a maturidade sexual aos cinco anos e 
desperta a suspeita de que o adiamento sexual e seu desencadeamento 
difásico (em duas ondas) estão intimamente vinculados à funçãode 
hominização. (FREUD, 1937/1975, p.93-94)
Em “A Questão da Análise Leiga” (1926), Freud chega mesmo a incluir o estudo 
da evolução como vital numa futura formação de analistas: “Um esquema de formação 
para analistas ainda tem de ser criado. Deve ele abranger elementos das ciências 
mentais, da psicologia, da história e do estudo da evolução.” (FREUD, 1926/1996, 
p.242)
O que poderia sim ser tema polêmico é se todas as conceituações freudianas 
estão de acordo com a teoria darwinista. Em alguns momentos – notoriamente em 
“Totem e Tabu” (1913) – Freud constrói hipóteses que parecem ir contra alguns 
aspectos da teoria da evolução e seleção natural. Ele mesmo reconhece esse fato, mas 
não coloca em xeque o darwinismo (sequer aspectos dele), pelo contrário, ressalta que 
sua própria elaboração é que carece de embasamento, sendo uma hipótese e que teria de 
ser melhor investigada pela Biologia. Se o avanço da Biologia vir a confirmar que sua 
hipótese é improcedente, ela poderia – mais do que isso, deveria – ser abandonada:
Minha posição, sem dúvida, é tornada mais difícil pela atitude atual da 
ciência biológica, que se recusa a ouvir falar na herança dos caracteres 
adquiridos por gerações sucessivas. Devo, contudo, com toda modéstia, 
confessar que, todavia, não posso passar sem esse fator na evolução 
biológica.(...) Sendo certo que, atualmente, não temos provas mais fortes da 
presença de traços de memória na herança arcaica do que os fenômenos 
residuais do trabalho da análise que exigem uma derivação filogenética, 
ainda assim essas provas nos parecem suficientemente fortes para postular 
que esse é o fato. Se não for, não avançaremos um passo adiante ao longo do 
caminho em que ingressamos, quer na análise quer na psicologia de grupo. A 
audácia não pode ser evitada. (FREUD, 1938/1975, p. 121)
E mais a frente explicita sua confiança no avanço da Biologia para preencher ou 
não as lacunas de suas hipóteses: “Deixa-se para a ciência do futuro reunir numa nova 
compreensão esses dados ainda isolados. Não é na Psicologia, mas na Biologia, que há 
uma lacuna aqui.” (FREUD, 1938/1975, p.215)
De fato, o avanço da Biologia não respaldou a hipótese freudiana e a herança de 
caracteres adquiridos ainda é, ao menos para a grande maioria da comunidade científica, 
descartada. O estudo da genética e a descoberta do DNA confirmaram a explicação 
darwinista (DAWKINS, 2009), e hipóteses como a formulada por Freud são 
provavelmente resquícios de um raciocínio lamarckista, comuns principalmente no 
começo do século XX, quando a seleção natural ainda não era plenamente 
compreendida, um período de transição entre o lamarckismo e a assimilação plena do 
raciocínio da seleção natural. 
Entramos aqui com a pergunta do segundo tópico: Freud acredita que haja uma 
ruptura/diferença suficiente entre o ser humano e os demais animais que impeça que se 
estudem aspectos também presentes no homem a partir de outros animais, ou não?
Em “Uma dificuldade no caminho da Psicanálise” (1917) Freud é categórico, 
afirmando:
O homem não é um ser diferente dos animais, ou superior a eles; ele próprio 
tem ascendência animal, relacionando-se mais estreitamente com algumas 
espécies, e mais distanciadamente com outras. As conquistas que realizou 
posteriormente não conseguiram apagar as evidências, tanto na sua estrutura 
física quanto nas suas aptidões mentais, da analogia do homem com os 
animais. (FREUD, 1917/1996, p.150) – negrito nosso
Este posicionamento também vai do começo ao fim de sua obra. Em “O 
esclarecimento sexual das crianças” (1907) diz que “(...) o homem compartilha o 
essencial de sua organização com os animais superiores.” (FREUD, 1907/1996, p.128) e 
reafirma em “Por Quê a Guerra?” (FREUD, 1932/1976 , p.246). Além de tudo, esta 
questão é respondida também pela própria atitude de Freud de, com grande freqüência, 
procurar fundamentar suas teorizações com base no comportamento de outros animais 
(como por exemplo, o faz em FREUD, 1933/1976, 132, 133 e 142).
Portanto, podemos concluir que Freud colocava o homem como um animal, a 
espécie humana como descendente de outras espécies e que muito, “tanto na sua 
estrutura física quanto nas suas aptidões mentais” é compartilhado com outros animais, 
negando que haja uma ruptura radical do homem com os demais animais e que, 
consequentemente, é possível saber do ser humano observando outros animais. 
2.3. Conhecimento, Realidade e Critério de Verdade
A questão da possibilidade (ou impossibilidade) do conhecimento é um tema que 
em Psicanálise está mais associado aos debates promovidos por pós-freudianos, em 
especial por Lacan e seus seguidores. Joel Dor, por exemplo, em seu “A-cientificidade 
da Psicanálise” (1993) diz que ““ É para salvar a verdade que se lhe fecha a porta”. E 
oconhecimento (sic) avança inexoravelmente como “desconhecimento” onde a verdade 
jamais poderá senão se “meio-dizer”.” (DOR, 1993, p.32) e vai além, apontando que 
Freud faz da Psicanálise o instrumento que revela o conhecimento como impossível e, 
consequentemente, a Psicanálise como irredutível ao discurso cientifico: “Seguindo 
Freud, a reflexão teórica de Lacan propõe-se a elucidar essa irredutibilidade da 
psicanálise ao discurso da ciência” (IBID, p.34).
O que Dor (e Lacan) procura sustentar é oposto a tudo que já apresentamos até 
aqui sobre a relação da psicanálise com a ciência – e mais a frente demonstraremos 
Freud ainda mais contundente, explícito, com relação a isso. Logo, devido a isso e ao 
fato de não apresentar uma citação sequer de Freud que embase esta posição, damo-nos 
o direito de questionar e discordar destas colocações. No entanto, por ora, basta que nos 
foquemos no aspecto da “impossibilidade do conhecimento”.
Há um texto particularmente decisivo de Freud no que diz respeito a todo o 
posicionamento epistemológico da Psicanálise, chamado de “A Questão de Uma 
Weltanschauung” (1933). A palavra alemã Weltanschauung significa, numa tradução 
literal, algo como “visão de mundo”. Na época de Freud o debate epistemológico ainda 
não era comum, sendo que o termo “epistemologia” só passou a freqüentar os debates 
intelectuais e acadêmicos por volta da década de 1970, inclusive gerando certa 
banalização, tamanha a freqüência com que era utilizado (ALTHUSSER, 1984). Como 
Freud utiliza a palavra Weltanschauung para se referir a qual o posicionamento da 
Psicanálise diante da ciência, da realidade, de problemas do conhecimento, e dada a 
tradução do termo, é seguro dizer que Freud está o tempo todo se referindo à 
epistemologia psicanalítica neste texto. E vemos nesta obra um posicionamento 
explícito com relação à questão do conhecimento. Freud denomina quem defende a 
impossibilidade do conhecimento e o conseqüente relativismo do saber científico de 
“anarquistas intelectuais” e apresenta sua própria visão a respeito do tema:
Sinto-me na obrigação de prosseguir e tratar de outras Weltanschauung que 
estão em oposição à científica (...). Assim, convida-los-ei a que me 
acompanhem ao passarmos a considerar dois outros fenômenos que, 
mormente em nossos dias, é impossível negligenciar.
A primeira dessas Weltanschauungen é como se fosse um equivalente 
do anarquismo político, e talvez seja um derivado deste. Por certo houve 
niilistas intelectuais dessa espécie, no passado; mas, justamente agora, a 
teoria da relatividade da física moderna parece ter-lhes subido à cabeça. Eles 
partem da ciência, é um fato, mas se empenham em forçá-la à auto-anulação, 
ao suicídio; propõem-lhe a tarefa de ela própria abandonar seu caminho 
refutando, ela própria, as suas reinvidicações. Tem-se,amiúde, a impressão 
de que, a esse respeito, o niilismo é apenas uma atitude temporária, a ser 
mantida até que essa tarefa se tenha concretizado. (...) Segundo a teoria 
anarquista, a verdade não existe, não há conhecimento seguro do mundo 
externo. O que proclamamos como verdade científica é apenas produto de 
nossas próprias necessidades, tal como estas hão de se expressar sob 
condições externas mutáveis; ou seja, também são ilusões. 
Fundamentalmente, encontramos somente aquilo de que necessitamos e 
vemos apenas o que queremos ver. Não temos outra possibilidade. De vez 
que está ausente o critério de verdade – correspondência com o mundo 
externo -, não importa, em absoluto, que opiniões adotamos. Todas elas são 
igualmente verdadeiras e igualmente falsas. E ninguém tem o direito de 
acusar outrem de erro.
(...) Tudo quanto posso dizer é que a teoria anarquista soa como sendo 
maravilhosamente superior enquanto se refere a opiniões sobre coisas 
abstratas: desmorona ao primeiro passo que dá na vida prática. Ora, as ações 
do homem são governadas por suas opiniões, por seu conhecimento; e é o 
mesmo espírito científico que especula acerca da estrutura dos átomos, ou 
acerca da origem do homem, e que planeja a construção de uma ponte capaz 
de suportar uma carga. Se isso em que acreditamos fosse realmente coisa sem 
importância, se não houvesse aquilo que se chama conhecimento, e que se 
diferencia dentre nossas opiniões por corresponder à realidade, poderíamos 
construir pontes tanto com papelão, como com pedras, poderíamos injetar em 
nosso pacientes um decagrama de morfina, em vez de um centigrama, e 
poderíamos usar gás lacrimogêneo como anestésico, em lugar de éter. Mas os 
próprios anarquistas intelectuais rejeitaram tais aplicações práticas de sua 
teoria. (FREUD, 1933/1976, 212-214)
Então Freud questiona enfaticamente quem professa a impossibilidade do 
conhecimento e reafirma suas esperanças na ciência. Mas então o que dizer da 
“irredutibilidade da psicanálise ao discurso da ciência” que Dor busca em Lacan (e este, 
segundo Dor, busca em Freud)? Bem, Freud também é categórico a este respeito:
Senhoras e senhores: permitam-me que, para concluir, eu resuma o que tinha 
a dizer sobre a relação da psicanálise com a questão de uma Weltanschauung. 
Em minha opinião, a psicanálise é incapaz de criar uma Weltanschauung por 
si mesma. A psicanálise não precisa de uma Weltanschauung; faz parte da 
ciência e pode aderir à Weltanschauung científica. (...) Todo semelhante 
nosso que está insatisfeito com essa situação, que exige mais do que isso para 
seu consolo momentâneo, haverá de procurá-lo onde o possa encontrar. Não 
o levaremos a mal, não podemos ajudá-lo, mas nem podemos, por causa 
disso, pensar de modo diferente. (IBID, p.220).
Para Freud o propósito da Psicanálise é justamente sua contribuição à ciência, 
trazendo para o estudo científico um campo de estudo antes ignorado, que é toda a 
esfera mental (e por mental já sabemos que Freud rejeita o constructo imaterial “mente”, 
mas se refere aos pensamentos, sentimentos e outros processos internos) do homem e 
dos demais animais. 
Mas talvez se possam interpretar as considerações de Dor (e Lacan) como se 
referindo ao fato de que a Psicanálise pode até ter um referencial científico e pretender 
se adequar a este modelo, mas que suas concepções produzem inevitavelmente 
modificações na nossa concepção científica, sendo, de certa forma, cientificamente 
subversivo. 
Esta visão é defendida, por exemplo, por Linhares, em seu artigo “Observando o 
invisível: uma epistemologia psicanalítica” (1999). Nele, Linhares diz que “A tendência 
hegemônica com que se instituiu a ciência moderna pretendeu propor conhecimentos e 
uma metodologia idealmente esvaziada de toda subjetividade” (LINHARES, 1999, 
p.87), sendo a ciência moderna também ligada à idéia do “visível”, “universal” e 
“demonstrável”, enquanto a Psicanálise romperia com essas concepções. Ela 
demonstraria a impossibilidade de uma metodologia esvaziada de toda subjetividade, ao 
mesmo tempo em que a pulsão e os sonhos, por exemplo, representariam rompimentos 
com a ciência, já que o que está em jogo é o não-visto. Diz: “Poderíamos pensar que é 
precisamente neste ponto que a referência ao olhar em psicanálise se destaca 
radicalmente da idéia de objetivação, ligada ao ver, presente nas ciências modernas.” 
(IBID, p.90)
Se por “ciências modernas” a autora se refere a algumas modalidades de 
positivismo do século XIX, ela está correta. Mas não parece ser o caso e, se for, 
questiona-se a pertinência deste apontamento já que este referencial praticamente caiu 
em desuso desde o começo do século XX, não sendo de modo algum o modo de 
produção de conhecimento predominantemente aceito em quaisquer ciências do século 
XX e XXI.
O próprio Freud já aderia ao modelo predominante de ciência do começo do 
século XX, através de sua filiação epistemológica a Ernst Mach, e ele mesmo é 
novamente claro em apontar que a Psicanálise não modifica em nada o modo de 
produção de conhecimento científico, encerrando assim a questão que levantamos da 
“irredutibilidade da psicanálise ao discurso da ciência”:
A psicanálise tem um direito especial de falar de uma Weltanschauung 
científica nesse ponto, de vez que não pode ser acusada de ter negligenciado 
aquilo que é mental no quadro do universo. Sua contribuição à ciência 
consiste justamente em ter estendido a pesquisa à área mental. E, aliás, sem 
tal psicologia, a ciência estaria muito incompleta. Se, no entanto, as 
investigações das funções intelectuais e emocionais do homem (e do animal) 
é incluída na ciência, então se verá que nada é modificado na atitude da 
ciência como um todo, que nenhuma nova fonte de conhecimento ou novo 
método de pesquisa resultou daí. (FREUD, 1933/1976, p.194-195)
Acreditamos que, em outros pontos, as questões do conhecimento, realidade e 
critério de verdade estão diretamente relacionadas nos escritos freudianos e insistir em 
apresentá-las didaticamente de maneira separada, tópica, seria uma distinção demasiado 
artificial. Por isso mesmo a opção de uni-los todos em um sub-capítulo. Apenas mais a 
frente, na conclusão deste capítulo, sintetizaremos o que foi apresentado numa 
conclusão que distingue estes três elementos, amarrando assim estas concepções.
Embora Freud defendesse a possibilidade do conhecimento, mais precisamente 
através do método científico, o como obter algum conhecimento em Psicologia ainda 
constituía um problema. O estudo dos fenômenos ditos mentais ainda era bem 
rudimentar e Freud era extremamente insatisfeito com as tentativas anteriores, 
especialmente com o método introspectivo da psicologia da consciência. Os obstáculos 
com os quais a Psicanálise se defrontava, deviam-se ao fato de ser, ao menos em grande 
parte, pioneira. Freud via dois problemas fundamentais aí. 
O primeiro era uma questão de acessibilidade ao seu objeto de estudo, que é toda 
a área mental, recortada através da análise do inconsciente e seus efeitos. Como é 
possível algum grau de confiança em asserções acerca de algo apenas inferido através 
de observações indiretas? O que leva ao segundo problema, que é um problema 
vernacular. A Psicanálise, como pioneira, tinha dificuldade em encontrar as palavras 
certas para descrever os processos que inferia, já que ninguém nunca fizera isso antes 
(ao menos não de maneira tão sistemática). Era obrigada, portanto – também 
remetendo-nos ao primeiro problema – a criar novos conceitos e principalmente 
descrever através de analogias:
Enquanto que a psicologiada consciência nunca foi além das sequências 
rompidas que eram obviamente dependentes de algo mais, a outra visão, que 
sustenta que o psíquico é inconsciente em si mesmo, capacitou a Psicologia a 
assumir seu lugar entre as ciências naturais como uma ciência. (...) Isto não 
pode ser efetuado sem a estruturação de novas hipóteses e criação de novos 
conceitos, e estes não devem ser menosprezados com indício de embaraço de 
nossa parte, mas, pelo contrário, merecem ser apreciados como um 
enriquecimento da Ciência. Podem pretender, como aproximações, o mesmo 
valor dos andaimes intelectuais correspondentes encontrados em outras 
ciências naturais e esperamos que sejam modificados, corrigidos e mais 
precisamente determinados à medida que uma maior experiência for 
acumulada e filtrada. (FREUD, 1938/1975,p.183-184)
E Freud jamais se furtou a utilizar estes “andaimes intelectuais”, já que para ele 
era natural que uma ciência, especialmente uma ciência ainda muito jovem, utilizasse 
temporariamente estes recursos. Esta visão de produção de conhecimento era, 
novamente, herança de Ernst Mach. Para Mach o uso de analogias era prática comum 
em ciência, com uma clara utilidade: as analogias serviriam como modelos para 
apreender os fenômenos, explicar suas relações, tornando possível formular e resolver 
certos problemas empíricos por meio de uma ficção teórica. O seu propósito é, ao 
comparar algo conhecido com algo desconhecido, o de levar o cientista a descobrir 
relações não visíveis (FULGÊNCIO, 2006).
No entanto, para Mach, apesar das analogias serem usuais, eram também um 
tanto perigosas, pois 
têm apenas uma validade heurística, devendo, com o amadurecimento da 
ciência, “ser aniquiladas, pela crítica implacável, tendo em vista os fatos, 
antes que uma delas possa desenvolver-se e ter uma permanência mais longa” 
(Mach, 1905/1920, p. 113, apud FULGÊNCIO, 2006).
Esta é uma posição idêntica à de Freud. Boa parte da Psicanálise é construída 
desta forma, já que “em psicologia só podemos descrever as coisas com a ajuda de 
analogias” (FREUD, 1926/1996, p.191) e constructos que muitas vezes foram e ainda 
são tratados rigidamente, ao serem cunhados, na verdade não passavam de “ficções”, 
“andaimes intelectuais”, “modelos”, tais como aparelho psíquico, pulsão, recalque e 
muitos outros.
Em “Vocabulário de Psicanálise” (1967), por exemplo, Laplanche e Pontalis 
dizem sobre o aparelho psíquico que “estas breves observações indicam que o aparelho 
psíquico tem para Freud um valor de modelo, ou, como ele próprio dizia, de “ficção”” 
(LAPLANCHE/PONTALIS, 1967, p.65) e ainda, ao falar da metapsicologia, dizem:
Termo criado por Freud para designar a psicologia por ele fundada, 
considerada na sua dimensão mais teórica. A metapsicologia elabora um 
conjunto de modelos conceptuais mais ou menos distantes da experiência, 
tais como a ficção de um aparelho psíquico dividido em instâncias, a teoria 
das pulsões, o processo de recalcamento, etc. (LAPLANCHE/PONTALIS, 
1967, p.361-362)
Fulgêncio (2006) também destaca que para Freud muitos de seus conceitos – 
como os de pulsão, libido e aparelho psíquico – são “ficções teóricas de valor apenas 
heurístico” (FULGÊNCIO, 2006), que cumprem “uma função pedagógica ou 
intelectiva, tornando possível compreender determinada situação ou conjunto de 
relações” (ibid). O que não é inesperado, dado que Freud tinha “uma concepção 
naturalista da moção pulsional” (ASSOUN, 1983, p.60) e, mais do que isso, uma 
concepção naturalista de mundo, tema que abordamos extensamente anteriormente.
Mais claro ainda sobre esse tema é o próprio Freud. São quase inumeráveis os 
momentos em que ressaltou que suas especulações e analogias/andaimes 
intelectuais/ficções eram um “mal necessário” e, principalmente, temporário, devido aos 
obstáculos apresentados a quem ousava desbravar o campo da Psicologia. Em “Sobre o 
Narcisismo: Uma Introdução” (1914) diz:
Mas sou da opinião de que é exatamente nisso que consiste a diferença entre 
uma teoria especulativa e uma ciência erigida a partir da interpretação 
empírica. Esta última não invejará a especulação por seu privilégio de ter um 
fundamento suave, logicamente inatacável, contentando-se, de bom grado, 
com conceitos básicos nebulosos mal imagináveis, que espera apreender mais 
claramente no decorrer de seu desenvolvimento, ou que está até mesmo 
preparada para substituir por outros, pois essas idéias não são o fundamento 
da ciência, no qual tudo repousa: esse fundamento é tão-somente a 
observação. Não são a base, mas o topo de toda a estrutura, e podem ser 
substituídas e eliminadas sem prejudicá-la. Em nossos dias, a mesma coisa 
vem acontecendo com a ciência da física, cujas noções básicas no tocante à 
matéria, centros de força, atração, etc. são quase tão discutíveis quanto as 
noções correspondentes em psicanálise. (FREUD, 1914/1996, p.85)
E o que dizer sobre a colocação de Freud logo na introdução de seu “Além do 
Princípio do Prazer” (1920)?
O que se segue é especulação, amiúde especulação forçada, que o leitor 
tomará em consideração ou porá de lado, de acordo com sua predileção 
individual. É mais uma tentativa de acompanhar uma idéia sistematicamente, 
só por curiosidade de ver até onde ela levará. (FREUD, 1920, 1996, p.35)
Em “A Questão da Análise Leiga” (1926) Freud não apenas reafirma reconhecer 
as limitações das analogias como ainda dá outra pincelada sobre o fato do saber 
psicanalítico ter sido erigido sobre a prática clínica e não em laboratório, fato que, como 
já abordamos (vide 2.1. Psicanálise e Ciência), não constitui para Freud vantagem, mas 
por vezes até motivo de preocupação:
Reconheço que isso seja assim; admito-o. Só quero sentir-me seguro de que a 
terapia não destruirá a ciência. Infelizmente as analogias só nos levam até 
certa distância; logo se alcança um ponto no qual os assuntos da comparação 
seguem caminhos divergentes. (FREUD, 1926/1996, p.244)
E podemos observar que o reconhecimento da limitação de seu método de 
teorização é mantido até o final de sua vida:
A realidade sempre permanecerá “incognoscível”. O rendimento trazido á luz 
pelo trabalho científico de nossas percepções sensoriais primárias consistirá 
numa compreensão interna (insight) das lições e relações dependentes que 
estão presentes no mundo externo, que podem de alguma maneira ser 
fidedignamente reproduzidas ou refletidas no mundo interno de nosso 
pensamento, um conhecimento das quais nos capacita a “compreender” algo 
no mundo externo, prevê-lo e, possivelmente, alterá-lo. O nosso 
procedimento na Psicanálise é inteiramente semelhante. Descobrimos 
métodos técnicos de preencher as lacunas existentes nos fenômenos de nossa 
consciência e fazemos uso desses métodos exatamente como um físico faz 
uso da experiência. Dessa maneira, inferimos um certo número de processos 
que são em si mesmos “incognoscíveis”, e os interpolamos naqueles que são 
conscientes para nós. E se, por exemplo, dizemos: “Neste ponto, interveio 
uma lembrança inconsciente”, o que queremos dizer é: “Neste ponto, ocorreu 
algo de que nos achamos totalmente incapazes de formar uma concepção, 
mas que, se houvesse penetrado em nossa consciência, só poderia ter sido 
descrito de tal e qual maneira”.
Nossa justificação por fazer tais inferências e interpolações e o grau 
de certeza que a elas se liga naturalmente permanecem abertos à crítica em 
cada caso individual, e não se pode negar que com freqüência é 
extremamente difícil chegar a uma decisão – fato que encontra expressão na 
falta de concordância entre analistas. (FREUD, 1938/1976, p.225-226)
Além da admissão de Freud do caráter provisório de suas inferências, podemosobservar neste trecho que ele coloca o conhecimento como capacidade de compreender, 
prever e alterar o mundo externo, e define a realidade como “incognoscível”, embora 
diga que existe uma, externa e independente de nós. Essa visão de conhecimento é 
muito próxima do pragmatismo, e esta visão de realidade é conhecida como realismo e 
podemos confirmá-las em vários outros momentos de sua obra. Por exemplo, neste 
trecho de “O Futuro de Uma Ilusão” (1927), já anteriormente mencionado:
Acreditamos ser possível ao trabalho científico conseguir um certo 
conhecimento da realidade do mundo, conhecimento através do qual 
podemos aumentar nosso poder e de acordo com o qual podemos organizar 
nossa vida. Se essa crença for uma ilusão, então nos encontraremos na 
mesma posição que você. Mas a ciência, através de seus importantes e 
numerosos sucessos, já nos deu provas de não ser uma ilusão. (FREUD, 
1927/1996, p.62)
Observamos aí Freud falando ser possível um certo conhecimento da realidade 
do mundo, logo, acreditando que existe essa realidade independente do observador. No 
entanto, ao colocar o “certo” ali, mostra-se consciente da impossibilidade de saber 
exatamente sobre a realidade, devido à problemática de todo conhecimento sobre a 
realidade ter como intermediário nós mesmos. Neste trecho também podemos observar 
ele reafirmando a utilidade do conhecimento como meio pelo qual podemos aumentar 
nosso poder e organizar nossa vida. Novamente, portanto, realismo e pragmatismo.
Ao falar sobre o raciocínio científico, Freud demonstra mais sobre sua visão de 
realidade, assim como o que denomina “verdade”:
[o raciocínio científico] procura evitar, cuidadosamente, fatores individuais e 
influências afetivas; examina mais rigorosamente a credibilidade dos sensos 
de percepção nos quais baseia suas conclusões; equipa-se com novas 
percepções que não se podem obter pelos meios habituais, e isola os fatores 
determinantes dessas novas experiências em experimentações modificadas 
deliberadamente. Seu esforço é no sentido de chegar à correspondência com a 
realidade – ou seja, com aquilo que existe fora de nós e independentemente 
de nós, e, segundo nos ensinou a experiência, é decisivo para a satisfação ou 
decepção de nossos desejos. A essa correspondência com o mundo externo 
real chamamos de ‘verdade’. (FREUD, 1933/1976, p.207)
A hipótese do realismo é confirmada então: para Freud existe uma realidade 
externa e independente de nós, da qual buscamos nos aproximar e descrevê-la, buscando 
uma correspondência cada vez mais aprimorada entre nossa descrição da realidade e a 
realidade em si, através da ciência.
Se para Freud o conhecimento é nossa capacidade de compreender, prever e 
alterar o mundo externo a nós, isso é feito pela ciência através de aprimoramentos 
graduais, onde conceitos que demonstram-se equivocados são substituídos por conceitos 
que permitem ao cientista trabalhar melhor sobre seu objeto de estudo. É o mesmo 
raciocínio que justifica o uso de analogias e outros recursos pedagógicos, onde estes 
auxiliam o cientista precursor enquanto a ciência avança e espera por novos 
aprimoramentos:
As pessoas queixam-se da infidedignidade da ciência, do modo como ela 
anuncia como lei hoje o que a geração seguinte identifica como erro e 
substitui por uma nova lei cuja validade aceita não perdura por mais tempo. 
Mas isso é injusto e, em parte, inverídico. As transformações da opinião 
científica são desenvolvimentos, progressos, e não revoluções. Uma lei que 
foi tida por universalmente válida, mostra ser um caso especial de uma 
uniformidade mais abrangente ou é limitada por outra lei, só descoberta mais 
tarde; uma aproximação grosseira à verdade é substituída por outra mais 
cuidadosamente adaptada, a qual, por sua vez, fica à espera de novos 
aperfeiçoamentos. Existem diversos campos em que ainda não superamos 
uma fase de pesquisa na qual fazemos experiências com hipóteses que em 
breve têm de ser rejeitadas como inadequadas; em outros campos, porém, já 
possuímos um cerne de conhecimento seguro e quase inalterável. (FREUD, 
1927/1996, p.63)
Como já vimos, para Freud a própria Psicanálise, sua “jovem ciência”, está nesta 
fase inicial de hipóteses que esperam um avanço do conhecimento que as modifique ou 
descarte. O próprio Freud, reconhecendo este fato, incansavelmente buscou aprimorar a 
Psicanálise e sempre edificou como objetivo para futuros analistas que estes 
prosseguissem o trabalho científico de aprimoramento da Psicanálise, conforme 
explicitado, dentre outros, na Conferência XVI: Psicanálise e Psiquiatria (1917): “Não 
desejo suscitar convicção, desejo estimular o pensamento e derrubar preconceitos.” 
(FREUD, 1917/1996, p. 251). E, um pouco mais a frente:
Também posso declarar que, no transcorrer do meu trabalho, tenho 
modificado minhas opiniões em alguns pontos importantes, tenho-as alterado 
e substituído por outras, novas – e, em todas ocasiões naturalmente, tornei 
isto público. E o resultado dessa sinceridade? Algumas pessoas jamais 
tomaram conhecimento de quaisquer de minhas autocorreções, e continuam, 
até hoje, a criticar-me por hipóteses que, para mim, há muito cessaram de ter 
o mesmo significado. Outros me reprovam justamente por estas 
modificações, e, por causa delas, consideram-me indigno de confiança. 
Naturalmente! Uma pessoa que, vez por outra mudou de opinião, não merece 
absolutamente nenhum crédito, pois tornou tudo tão demasiadamente 
provável, que as últimas afirmações também podem ser equivocadas; mas 
uma pessoa que inflexivelmente manteve o que uma vez afirmou, ou que não 
pode de relance ser persuadida a abandoná-lo, deve naturalmente ser aferrada 
às idéias próprias, ou teimosa! Que se pode fazer frente a essas objeções 
contraditórias dos críticos, senão permanecer como se é, e conduzir-se de 
acordo com o julgamento próprio? Estou resolvido a agir assim, e não me 
impedirei de modificar ou retirar qualquer uma de minhas teorias sempre que 
a progressão da experiência possa exigi-lo. (IBID, p.253)
Importante ressaltar que o fato da Psicanálise (e as ciências de modo geral) estar 
sujeita a constante revisão e aprimoramento, assim como o fato de utilizar analogias e 
ficções didáticas, não permite, se seguirmos Freud, caracterizá-la como validando uma 
epistemologia interpretativa, hermenêutica. Como aponta Assoun:
Não há lugar para dicotomizarmos a démarche psicanalítica em uma parte 
explicativa (na linha das ciências da natureza) e em outra interpretativa (na 
linha de qualquer ciência humana). Isso significaria interiorizarmos a 
distinção. Não somente a psicanálise é inteiramente ciência da natureza, 
como não se prolonga, pelo menos se levarmos a sério a tese freudiana, de 
uma dimensão hermenêutica. (ASSOUN, 1983,p.48)
Assoun prossegue dizendo que o fato da psicanálise ter sua vertente 
interpretativa, calcada na prática clínica e frequentemente referente à Traumdeutung 
[interpretação dos sonhos], não muda, para Freud, a episteme psicanalítica, que deveria 
continuar a ser norteada pelas ciências da natureza. Na Deutung [interpretação] 
freudiana a interpretação é entendida como uma variante da explicação: “Determinar a 
significação (Bedeutung) não significa jamais, em Freud, desmantelar o esquema 
causal.” (IBID, p.50). O que Assoun evidencia é que mesmo nos aspectos teóricos da 
psicanálise que envolvem interpretação (como interpretação dos sonhos), isso jamais 
modifica seu referencial epistemológico, seu modo de enxergar o conhecimento, a 
realidade e a verdade. Até a interpretação, em Freud, procura seguir os moldes de uma 
ciência natural e é rigidamente determinada.

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