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Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional

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Representações sobre 
a docência: a construção 
da identidade profissional
Maria Heloísa Aguiar da Silva
Os professores vivem tempos difíceis e paradoxais. 
Apesar das críticas e das desconfianças em relação 
 às suas competências profissionais, exige-se-lhes quase tudo. 
Temos de ser capazes de pensar nossa profissão.
Antonio Nóvoa
Começando o diálogo
Refletir sobre a docência no Ensino Superior é um desafio que acompanha 
a expansão quantitativa desse nível de escolaridade. Assistimos, na última 
década do século XX, a um crescimento vertiginoso das vagas nas univer-
sidades. O sonho de se graduar em um curso universitário tornou-se uma 
realidade para um número cada vez maior de pessoas.
Essa nova realidade gerou um aumento da demanda para o Ensino Su-
perior que o levou a profissionalizar o seu corpo docente quanto ao aspecto 
pedagógico.
Aqui pretendemos apresentar algumas questões para a reflexão sobre 
esse desafio profissional que se apresenta a um pós-graduado, ou seja, pre-
parar-se para a docência universitária.
Há uma representação muito negativa em relação à atividade profis-
sional do professor, gerando inclusive uma rejeição à docência. Por que isso 
acontece?
O que caracteriza a docência no Ensino Superior? O que a diferencia da 
docência na educação básica? Responder a essas questões iniciais é o objeti-
vo central dessa aula. Para tanto, será necessário trilhar alguns caminhos.
Docência no Ensino Superior 
10
Ser professor universitário: 
ambiguidades e conflitos
O que é ser professor? 
Se buscarmos uma definição objetiva, encontraremos descrições como 
“professor é aquele que ensina”. No dicionário, é possível obter a seguinte de-
finição: “aquele que professa ou ensina uma ciência, uma arte, uma técnica, 
uma disciplina, um mestre” (HOUAISS, 2008). Segundo uma definição legal, 
professor é o profissional habilitado a lecionar.
Contudo, se fizermos a mesma pergunta a alguns professores a partir da 
mesma questão, obteremos outros tipos de respostas tais como: “professor é 
aquele que prepara o amanhã”, “um eterno sofredor”, “um abnegado”, “um ser 
paciente”, entre outras.
Se indagarmos os alunos, é possível obter respostas como: “aquele que se 
compraz em nos reprovar”, “aquele que nos prepara para a vida”, “aquele que 
trabalha muito e ganha pouco”.
Cabe fazer aqui uma primeira distinção: temos diferentes respostas para 
uma única questão. Por que isso acontece? Em primeiro lugar, é preciso dis-
tinguir definição e representação. 
No dicionário, encontramos definições para diversos tipos de palavras, ou 
seja, encontramos o significado dos termos, “aquilo que são”. Por isso, os si-
nônimos da palavra professor indicam um caminho, uma compreensão do 
significado da profissão docente.
Porém, a discussão ficará limitada se nos ativermos apenas a essa defini-
ção. Para avançarmos um pouco mais nessa discussão, devemos compreen-
der o sentido das representações, isto é, “modos de ver” a profissão docente, 
que são baseados em interpretações de vivências e experiências. Isso signi-
fica dizer que a maneira como eu compreendo uma determinada questão 
depende das experiências que tive, do lugar que ocupo na sociedade, das 
influências que recebo. Por isso encontramos representações diversas sobre 
a docência, tanto positivas como negativas. O cuidado a ser tomado é não 
substituir a representação pela definição e compreender a representação 
no seu contexto de produção. A docência possui uma definição objetiva e 
clara que explica o sentido da ação docente. Mas é necessário compreender 
também os diferentes modos de ver essa profissão e entender como isso in-
terfere na sua imagem social.
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
11
Segundo Arroyo (2000), a profissão docente se constitui também como 
um ofício construído artesanalmente, a partir de experiências concretas. 
Tornamo-nos professores no exercício cotidiano da docência. Não nascemos 
prontos para o exercício do magistério, nem predestinados a sermos profes-
sores, como muitos já acreditaram. 
No curso superior, recebemos as primeiras orientações para o exercício 
profissional, mas essa formação se complementa no cotidiano da sala de 
aula. Ao exercemos o nosso ofício, construímo-nos como profissionais. A 
ação docente ultrapassa os limites da sala de aula e interfere na nossa con-
dição humana, marcando-nos profundamente como pessoas e profissionais 
porque
Somos professores, somos professoras. Somos, não apenas exercemos a função docente. 
Poucos trabalhos e posições sociais podem usar o verbo ser de maneira tão apropriada. 
Poucos trabalhos se identificam tanto com a totalidade da vida pessoal. Os tempos de 
escola invadem todos os outros tempos. (ARROYO, 2000, p. 27)
Contudo, isso também gera um desconforto, pois há que se buscar um 
equilíbrio que permita construir o distanciamento necessário. Há, hoje, uma 
vasta literatura (ARROYO, 2000; NÓVOA, 1995b; ESTEVE, 1999) que aponta 
para a existência de uma crise de identidade entre os professores. O que ca-
racteriza essa crise? É facilmente identificado um quadro atual de insatisfação 
profissional, gerado pelos baixos salários, a violência, a indisciplina e o este-
reótipo depreciativo em relação à docência.
Segundo Nóvoa (1995b), essa crise está associada à sobrecarga de traba-
lho que, atribuída ao professor, ultrapassa a ação pedagógica de sala de aula, 
a relação de ensino e aprendizagem e passa a exigir o desempenho de tarefas 
burocráticas tais como o preenchimento de fichas, relatórios, entre outras. 
Isso leva o professor a um afastamento do cerne do seu trabalho (que deve 
ser essencialmente criativo e autônomo), conduzindo-o a uma situação para-
doxal, uma vez que seu trabalho se torna alienado. Assim sendo, ele fica im-
possibilitado de refletir sobre sua ação, que se torna mecânica e repetitiva.
A crise de identidade dos professores, objeto de inúmeros debates ao longo dos últimos 
vinte anos, não é alheia a esta evolução que foi impondo uma separação entre o eu 
pessoal e o eu profissional. A transposição dessa atitude do plano científico para o plano 
institucional contribui para intensificar o controle sobre os professores, favorecendo o seu 
processo de desprofissionalização. (NÓVOA, 1995b, p. 15)
A profissionalização docente continua como um processo a ser conquis-
tado, pois essas situações transformam o docente em um mero executor, de-
sempenhando uma ação técnica e não reflexiva. Contudo, o autor nos indica 
uma saída ao buscar no próprio significado do termo crise uma possibilidade 
de superação. Devemos entendê-la “na sua acepção original (krisis = decisão), 
Docência no Ensino Superior 
12
assumindo-a como um espaço para tomar decisões sobre os percursos de 
futuro dos professores” (NÓVOA, 1995a, p. 23).
Seria este um momento de reflexão sobre os rumos dessa profissão nesse 
início de século, em que tantos desafios se colocam à sociedade. É comum 
ouvirmos afirmações que caracterizam este momento, o da virada do milênio, 
como a “era do conhecimento”, a “sociedade da informação”. Essas afirmações 
baseiam-se, antes de tudo, no acesso que temos a uma quantidade sem fim 
de informações com uma velocidade sem comparações em qualquer outro 
período do desenvolvimento da humanidade. Isso gera uma nova demanda 
para a escola como a instituição reconhecida socialmente como aquela que 
tem por finalidade educar e, por consequência, também há uma nova de-
manda para o professor, que viabiliza essa missão da escola.
Contudo, a competência desse profissional está sempre em cheque. Por 
muitas vezes, o professor é visto como o bode expiatório de todos os proble-
mas educacionais. Isso destaca sua importância, porém por vias tortas. Ao 
mesmo tempo em que encontramos imagens idealizadas desse profissional 
como um “salvador da humanidade”, também nos deparamos com imagens 
que o depreciam. 
Apresenta-se então mais um elemento dessa crise de identidade: quem 
somos nós?
Voltoà pergunta que nos persegue: quem somos? Dominando competências mudaremos 
a imagem? Um ponto de partida para responder estas perguntas poderia ser este: 
somos a imagem que fazem do nosso papel social, não o que teimamos ser. Teríamos de 
conseguir que os outros acreditem no que somos. Um processo social complicado, lento, 
de desencontros entre o que somos para nós e o que somos para fora. Entre imagens e 
autoimagens. É frequente lamentar que não somos socialmente reconhecidos. Mas como 
se constrói o reconhecimento social de uma profissão? Repito, seria um bom ponto de 
partida: somos a imagem social que foi construída sobre o ofício de mestre, somos as 
formas diversas de exercer esse ofício. Sabemos pouco sobre nossa história. Nem nos 
cursos normais, de licenciatura e pedagogia nos contaram quanto fomos e quanto não 
fomos. O que somos? (ARROYO, 2000, p. 29)
Segundo Arroyo, responder a essa questão seria um bom ponto de par-
tida para entendermos os rumos dessa profissão. Para isso, o autor faz uma 
distinção entre imagens e autoimagens, ou seja, o que somos para os outros 
(imagens) e o que somos para nós (autoimagens).
As representações (imagens) acerca da profissão são diversas e históri-
cas, são modelos construídos nos mais diferentes espaços, são heranças que 
carregamos.
O professor é obrigado, muitas vezes, a conviver com imagens negativas 
acerca da sua profissão e isso tem gerado um sentimento de rejeição à do-
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
13
cência. Pesquisas apontam para uma crescente tendência de abandono da 
profissão e diminuição do ingresso dos jovens nos cursos de licenciatura, que 
correspondem à formação inicial para a docência.
Vejamos a reportagem abaixo, resultado de uma pesquisa realizada pelo 
Ministério da Educação (MEC) em 2003:
Apagão na educação – 
professor foge da sala de aula
(ARCE, 2003)
MEC identifica falta de 250 mil profissionais nas escolas do país. Baixos 
salários e más condições de trabalho são apontados como causas.
Sem merenda, sem infraestrutura e sem o ingrediente principal: pro-
fessor. Um levantamento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas 
Educacionais do Ministério da Educação (Inep/MEC) identificou a falta de 
250 mil professores de 5.ª a 8.ª séries e de Ensino Médio nas escolas de 
todo o país, prejudicando cerca de 23 milhões de estudantes. As áreas 
mais carentes são física e química, que daqui a dez anos ainda terão um 
déficit de 40 mil profissionais. Em muitas disciplinas, como matemática, 
não faltam vagas no Ensino Superior para formar professores habilitados, 
porém os recém-formados aposentam o diploma e preferem outros em-
pregos. Baixos salários e condições de trabalho desestimulantes são os 
problemas que afugentam os mestres. Estamos à beira de um apagão nas 
escolas, classifica o secretário de Educação Média e Tecnológica do MEC, 
Antônio Ibañez, comparando a situação do ensino à crise de fornecimen-
to de energia elétrica que assolou o país em 2001.
De acordo com o estudo, para atender a demanda atual são necessários 
235 mil professores no Ensino Médio e 476 mil nas turmas de 5.ª a 8.ª séries, 
num total de 711 mil docentes. Mas nos últimos anos formaram-se 457 mil 
profissionais nos cursos de licenciatura, que habilitam professores para o 
magistério. Com isso, o déficit é de cerca de 254 mil professores, quase 90 
mil deles apenas para língua portuguesa. As vagas têm sido preenchidas 
de forma precária, com professores não habilitados para a função e proce-
dentes de outras áreas, sem a formação necessária para ensinar, como os 
engenheiros que assumem as aulas de física, matemática e química sem 
conhecimentos de didática. Além disso, os professores chegam a trabalhar 
nos três turnos para suprir a demanda.
Docência no Ensino Superior 
14
Podemos observar que em 2003 se desenhava um quadro caótico em re-
lação ao futuro da docência em nosso país. Como reverter esse quadro? As 
políticas públicas se ocupam de ações de formação docente para suprir essa 
demanda, tais como cursos a distância, contratação emergencial de profis-
sionais de outras áreas, entre outras. Porém, é necessário pensar sobre os mo-
tivos que geram essa crise e não se ater a situações que visam atingir apenas 
as consequências.
O professor universitário goza de um status profissional um pouco di-
ferenciado, uma vez que, em geral, essa seria a sua segunda profissão. Na 
graduação, ele obtém um título profissional – dentista, advogado, engenhei-
ro – e, após concluir uma pós-graduação, torna-se também um professor 
universitário.
Em uma sociedade em que a educação ainda é tratada como um privilé-
gio, ter mais de um título profissional, obtido no ensino superior, confere ao 
seu portador um respeito intelectual, gerando assim o status profissional di-
ferenciado em relação ao professor da Educação Básica. Contudo, o professor 
universitário não está imune à desvalorização profissional do docente, assim 
passando a viver, uma ambiguidade. Ele está sujeito a todas as dificuldades e 
angústias dessa profissão e acrescenta-se ainda o fato de, muitas vezes, não 
se sentir preparado para o exercício da docência universitária.
Cinema e literatura: 
desvelando o estereótipo depreciativo
Precisamos compreender o que tem levado a esse processo de rejeição 
da docência. A história da profissão docente está associada a diferentes ima-
gens, que oscilam entre a grandiosidade e a mitificação, de um lado, e o des-
prezo e depreciação de outro.
Essas imagens são de diferentes maneiras, construídas a partir das expe-
riências e vivências que se colocam diante de nós pelas mais diversas vias. 
São modelos construídos socialmente que passam a configurar nosso modo 
de ver a profissão.
Muitas vezes, ouvir de um aluno expressões como: “Nossa, você não parece 
uma professora!”, remetemo-nos a uma reflexão sobre qual parâmetro esse 
aluno usou para chegar à conclusão de que alguém parece ou não uma pro-
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
15
fessora. Ele partiu de um modelo, uma representação. Essas representações 
estão presentes na música, nas novelas, nos comerciais de TV, na literatura, 
no cinema, entre outros.
O cinema e a literatura serão aqui usados como exemplos de construção e 
divulgação de imagens acerca da profissão docente. Quantos personagens de 
filmes ou livros que conhecemos são professores? Inúmeros. Podemos lem-
brar com facilidade da melodia que tocava ao fundo no filme Ao Mestre com 
Carinho, que influenciou gerações inteiras e ainda é uma referência presente.
Em geral, no cinema e na literatura as imagens de professores são ma-
niqueístas: ora é o carrasco, autoritário, sarcástico, que se compraz das difi-
culdades de seus alunos; ora é o herói, salvador da humanidade, abnegado, 
totalmente dedicado.
Esses filmes e livros contribuíram para que nós construíssemos imagens 
acerca do que é ser um bom ou um mau professor. Como professores, nosso 
imaginário é perpassado de imagens metafóricas,
[...] funcionando como elementos de adesão ou de rejeição, que configuram distintos 
modelos profissionais. A linguagem metafórica está impregnada de projetos educativos, 
sendo utilizada para demarcar posições e para definir atitudes face à profissão. Desde as 
metáforas mais agressivas do domesticador ou do escultor, até as metáforas mais doces do 
companheiro ou do jardineiro, eis um imenso universo de imagens que nos permite contar 
todo o passado e todo o presente dos professores. (NÓVOA, 1995b, p.13)
O uso dessas metáforas contribui para a fixação de modelos a serem re-
produzidos, sendo comum ainda hoje se referir ao professor como “escultor”, 
“jardineiro”, entre outras. Dom, sacerdócio, abnegação e vocação são caracte-
rísticas muito associadas à imagem do professor, sendo reforçadas pela litera-
tura e pelo cinema. Vamos observar alguns exemplos dessas manifestações.
Cecília Meireles, educadora, jornalista e poeta formou-se pela EscolaNormal, no Rio de Janeiro em 1917. Em 1923, ela escreve Criança Meu Amor1, 
em que demonstra sua preocupação com a infância. Porém, em um dos seus 
“Mandamentos”, destaca-se a figura da professora:
I – Devo amar a escola como se fosse meu lar.
II – Devo amar e respeitar a professora, como se fosse minha mãe.
III – Devo fazer dos meus colegas meus irmãos.
[...]
1 Criança Meu Amor é um livro de literatura infantil publicado em 1924, quando a autora tinha apenas 23 anos. O livro foi adotado nas escolas 
do Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais nas décadas de 1920 e 1930.
Docência no Ensino Superior 
16
II – Durante o dia todo, a professora pensa em mim, pensa no que sou, pensa no que hei 
de ser.
Ela deseja ver-me instruído e bom; e para isso trabalha. Não conhece cansaço, porque não 
tem tempo de descansar. Não conhece doenças, porque não pode adoecer. Quem zelaria 
por nós?
Não conhece diversões. Que tempo de se divertir, se ela vive pensando em nós, se ela vive 
para nós, unicamente para nós!
A professora é a minha proteção e o meu guia. Devo amá-la e respeitá-la como se fosse 
também minha mãe. (MEIRELES, 1924, p. 68)
A professora apresentada neste trecho é abnegada, não tem vida própria, 
é quase um ser superior, afastada das situações terrenas. Essa professora, to-
talmente entregue aos seus alunos, era cultuada nos “Mandamentos”. 
Em seu livro Coração: diário de um aluno, Edmundo de Amicis (1997) des-
creve seus professores. Observemos a diferença ressaltada entre o professor 
e a professora:
[...] o nosso professor é alto, sem barba, com os cabelos grisalhos e compridos, tem uma 
ruga na testa; tem a voz grossa, e olha-nos fixamente, um depois do outro, como para ler- 
-nos no íntimo; e nunca ri [...] É sempre a mesma, pequena, com o seu véu verde em volta 
do chapéu, vestida modestamente, com um penteado simples, pois não lhe sobra muito 
tempo para adornar-se; está um tanto mais descorada do que no ano passado, com alguns 
cabelos brancos, e uma tosse que não a deixa nunca [...]. (AMICIS, 1997, p. 10, 17)
O professor é descrito como uma figura severa, sisuda, forte, enquanto a 
professora aparece como pessoa frágil, de vestes modestas, além de adoen-
tada. São muitos os exemplos desta oposição de gêneros na construção de 
imagens de professores.
Assim, as noções de sacerdócio, dom e abnegação anunciadas anterior-
mente estão presentes em uma memória sobre a profissão docente. Em 
grande medida, isso pode ser explicado pelo viés religioso, pois a própria 
terminologia advém da Igreja. Contudo, isso adquire um sentido ainda mais 
forte quando se refere fundamentalmente às mulheres. Como explica o estu-
dioso da área:
A partir de então passam a ser associadas ao magistério características tidas como 
“tipicamente femininas”: paciência, minuciosidade, afetividade, doação. Características 
que, por sua vez, vão se articular à tradição religiosa da atividade docente, reforçando 
ainda a ideia de que a docência deve ser percebida mais como um “sacerdócio” do que uma 
profissão. Tudo foi muito conveniente para que se constituísse a imagem das professoras 
como “trabalhadoras dóceis, dedicadas e pouco reivindicadoras”, o que serviria futuramente 
para lhes dificultar a discussão de questões ligadas a salário, carreira, condições de trabalho 
etc. (LOURO, 1997b, p. 450)
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
17
Ainda hoje, o magistério é uma profissão majoritariamente ocupada por 
mulheres, quadro que se reflete no cinema e na literatura que contam as his-
tórias de normalistas e mestres. 
No cinema, observamos a ênfase do mito do professor-herói. Há alguns filmes, 
em geral hollywoodianos, em que se narra a história de um professor chegando 
a uma escola, em geral localizada em um gueto norte-americano, em que con-
vivem todos os estereótipos de exclusão social, tais como indivíduos negros e 
hispânicos, a violência, a gravidez na adolescência, dentre outros. Ao longo 
da narrativa, esses filmes mostram que a força e a determinação dos profes-
sores – que muitas vezes são rígidos – “salva” a todos, dando um novo rumo à 
vida dos alunos. Cabe ressaltar que, se o filme retratar uma professora, muitas 
vezes ela conquista a classe com a ternura. Ao final, depois de vencer todos os 
contratempos, o professor sai vitorioso, um verdadeiro herói.
Contudo, ao sairmos das salas de cinema e nos depararmos com a reali-
dade, percebemos que as mudanças não ocorrem de forma mágica, como se 
fosse apenas uma questão de determinação. O mito do professor-herói tem 
colaborado para a construção de uma onipotência entre os professores, fa-
zendo-os acreditarem que são responsáveis por todas as mudanças da socie-
dade. Ao não conseguirem realizá-las, por causa das condições reais impostas 
pelo exercício de sua própria profissão, eles desenvolvem um sentimento de 
impotência e frustração.
O que é o burnout
A crise de identidade vivida atualmente pelos professores tem sido levada 
a situações extremas, tal como o desenvolvimento da síndrome de burnout, 
cada vez mais comum entre esses profissionais. Esse distúrbio se caracteriza 
pela desmotivação, ou melhor, pela “perda do brilho” e pela desistência pro-
fissional, como veremos a seguir.
A síndrome do burnout
(CANTONE, 2006)
O termo burnout é uma composição de burn = “queima” e out = “exte-
rior”, sugerindo assim que a pessoa com esse tipo de estresse consome- 
-se física e emocionalmente, passando a apresentar um comportamento 
agressivo e irritadiço.
Docência no Ensino Superior 
18
Tal síndrome se refere a um tipo de estresse ocupacional e institucional 
com predileção para profissionais que mantêm uma relação constante e 
direta com outras pessoas, principalmente quando esta atividade é con-
siderada de ajuda (médicos, enfermeiros, professores). 
A síndrome de burnout é definida como uma reação à tensão emocio-
nal crônica gerada a partir do contato direto, excessivo e estressante com 
o trabalho. É caracterizada pela ausência de motivação ou desinteresse; 
mal-estar interno ou insatisfação ocupacional que parece prejudicar, em 
maior ou menor grau, a atuação profissional de alguma categoria ou 
grupo profissional.
É apresentada como formas de condutas negativas, como por exem-
plo, a deterioração do rendimento, a perda de responsabilidade, atitudes 
passivo-agressivas com os outros e perda da motivação, onde se relacio-
nariam tanto fatores internos, na forma de valores individuais e traços de 
personalidade, como fatores externos, na forma das estruturas organiza-
cionais, ocupacionais e grupais. Podemos dizer que é uma resposta ao es-
tresse ocupacional crônico. A síndrome de burnout pode trazer sérias con-
sequências não só do ponto de vista pessoal bem como institucional; é o 
caso do absenteísmo, da diminuição do nível de satisfação profissional, 
aumento das condutas de risco, inconstância de empregos e repercussões 
na esfera familiar.
Alguns autores a definem como uma das consequências mais marcan-
tes do estresse profissional, onde se destacam a exaustão emocional, ava-
liação negativa de si mesmo, depressão e insensibilidade com relação a 
quase tudo e todos (até como defesa emocional).
Inicialmente, a síndrome foi observada em profissionais que estavam 
predominantemente em contato interpessoal mais exigente, tais como 
médicos, psicanalistas, carcereiros, assistentes sociais, comerciários, 
professores, atendentes públicos, enfermeiros, funcionários de departa-
mento pessoal, telemarketing e bombeiros. Atualmente as observações 
já se estendem a todos profissionais que interagem de forma ativa com 
pessoas, que cuidam e/ou solucionam problemas de outras pessoas, que 
obedecem técnicas e métodos mais exigentes, fazendo parte de organi-
zações de trabalho submetidas a avaliações.
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
19
Entre os fatores aparentemente associados ao desenvolvimento da sín-
drome de burnout está a pouca autonomia nodesempenho profissional, 
problemas de relacionamento com as chefias, problemas de relaciona-
mento com colegas ou clientes, conflito entre trabalho e família, senti-
mento de desqualificação e falta de cooperação da equipe.
A síndrome de burnout se difere do estresse; envolve atitudes e condu-
tas negativas com relação aos usuários, clientes, organização e trabalho, 
enquanto o estresse apareceria mais como um esgotamento pessoal com 
interferência na vida do sujeito e não necessariamente na sua relação 
com o trabalho.
Ao longo do desenvolvimento da história da profissão, temos convivido 
com inúmeros paradoxos. De um lado, discursos que glorificam a profissão, 
sempre bem representados no cinema. Em contrapartida, encontramos ima-
gens depreciativas que apresentam o professor como o bode expiatório de 
todos os problemas educacionais. Esse excesso de missão, aliado às inúmeras 
desconfianças em relação ao docente, leva muitos professores a desenvolve-
rem essa doença profissional. Isso exige do docente um momento de refle-
xão sobre o seu futuro profissional.
Memória, autobiografia 
e histórias de vida
Como uma possibilidade concreta de pensar sobre a profissão docente, 
alguns teóricos têm desenvolvido o método autobiográfico de formação con-
tinuada que consiste em refletir sobre o processo pelo qual ele se tornou pro-
fessor, ou seja, sobre o desenvolvimento de seu próprio processo identitário.
O professor é estimulado a pensar sobre a sua trajetória escolar como 
aluno e posteriormente como professor, buscando suas influências, identi-
ficando suas escolhas e refletindo sobre elas. A questão fundadora deve ser 
“Como eu me tornei o professor que eu sou hoje?”. Essa questão o remete a 
outra, anterior: “Que professor eu sou?” 
Para responder a tais questões, ele deve refletir sobre suas práticas, a in-
tencionalidade do ato educativo, seus valores, suas crenças, ou seja: o seu de-
senvolvimento profissional está associado ao seu desenvolvimento pessoal.
Docência no Ensino Superior 
20
Esse movimento ganhou força no Brasil a partir dos anos de 1990, muito 
influenciado por produções europeias como a do destacado educador portu-
guês Antonio Nóvoa (1995b). O uso que esse autor faz de algumas narrativas 
de professores e de certos relatos autobiográficos permite que se compreen-
da como o professor pode construir sua autoimagem influenciado pelos anos 
de exercício de magistério. Como afirma este autor, essa espécie de balan-
ço deve ser feita por todos os professores para que compreendam sob uma 
perspectiva mais ampla a lógica que há subentendida em todo seu processo 
de formação. 
Portanto, em sua obra, Nóvoa (1995b) nos convida a pensar sobre as nossas 
próprias questões e propõe a construção de um profissional reflexivo, que 
rejeita as metáforas identitárias a que muitos docentes se submetem. Para 
descobrirem quem realmente são, os professores não devem buscar amparo 
em um discurso de valorização profissional de outras épocas. De acordo com 
as palavras do educador português:
A defesa de uma maior autonomia do professorado não se baseia numa qualquer visão 
nostálgica da profissão docente, isto é, numa tentativa de reconquista de um qualquer 
“paraíso perdido”. Bem pelo contrário, esta defesa é uma aposta de futuro, que anuncia o 
fim de um ciclo na história da profissão docente, um ciclo marcado pela subordinação do 
professorado a outras instâncias e a outros grupos sociais. (NÓVOA, 1991, p. 528)
De acordo com essa passagem, nota-se que para a construção da identi-
dade docente não basta ir em busca do suposto “paraíso perdido”, mas sim 
identificar em um passado recente um momento de valorização profissional. 
Para o autor, não devemos separar o eu pessoal do eu profissional. Devemos 
sim observar como eles se influenciam mutuamente: “diz-me como ensinas, 
dir-te-ei quem és”. E vice-versa.
Podemos dizer então que o método autobiográfico é:
 instrumento de reconstrução da identidade individual;
 lugar de lutas e conflitos;
 maneira de ser e estar na profissão;
 construção da memória social da categoria;
 instrumento de análise e reflexão;
 proposta de intervenção para rever a prática docente.
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
21
Ao trabalharmos com relatos pessoais escritos por professores ao pensa-
rem sobre sua trajetória escolar e refletir sobre as influências recebidas, en-
contramos alguns traços em comum. Vejamos abaixo.
Aspectos positivos: 
 leva a compreender a matéria;
 amizade;
 extrapola o ensinar conteúdos;
 confiança;
 exemplo;
 influência no curso universitário.
Aspectos negativos:
 traumas;
 humilhações;
 não ensina bem;
 gosta ou não gosta da disciplina.
Observamos assim que nossas experiências escolares nos marcam profun-
damente como pessoas e como profissionais. Pensar sobre essas questões 
pode ser um bom caminho para a superação da tão propalada crise de iden-
tidade docente.
Para finalizar, vamos apreciar a leitura de uma reflexão tão pessoal escrita 
por Paulo Freire, renomado educador brasileiro, que tão bem ilustra o método 
autobiográfico aqui discutido. O texto faz parte de uma coletânea de peque-
nos textos do autor, escritos no decorrer de 1992 ou proferidos em palestras 
e publicados sob a forma de livro, cujo título é Política e Educação (FREIRE, 
2001). São textos reflexivos, que retratam a experiência política-pedagógica 
do autor.
Docência no Ensino Superior 
22
 
Texto complementar
Ninguém nasce feito: é experimentando-nos 
no mundo que nós nos fazemos
Ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, 
na prática social de que tomamos parte
(FREIRE, 2001, p. 79)
Não nasci professor ou marcado para sê-lo, embora minha infância e 
adolescência tenham estado sempre cheias de “sonhos” em que rara vez 
me vi encarnando figura que não fosse a de professor.
“Brinquei” tanto de professor na adolescência que, ao dar as primeiras 
aulas no curso então chamado de admissão no Colégio Osvaldo Cruz do 
Recife, nos anos 1940, não me era fácil distinguir o professor do imaginário 
do professor do mundo real. E era feliz em ambos os mundos. Feliz quando 
puramente sonhava dando aula e feliz quando, de fato, ensinava.
Eu tinha, na verdade, desde menino, um certo gosto docente, que 
jamais se desfez em mim. Um gosto de ensinar e de aprender que me 
empurrava à prática de ensinar que, por sua vez, veio dando forma e sen-
tido àquele gosto. Umas dúvidas, umas inquietações, uma certeza de que 
as coisas estão sempre se fazendo e se refazendo e, em lugar de inseguro, 
me sentia firme na compreensão que, em mim, crescia de que a gente 
não é, de que a gente está sendo.
Às vezes, ou quase sempre, lamentavelmente, quando pensamos ou 
nos perguntamos sobre a nossa trajetória profissional, o centro exclusivo 
das referências está nos cursos realizados, na formação acadêmica e na 
experiência vivida na área da profissão. Fica de fora como algo sem im-
portância a nossa presença no mundo.
É como se a atividade profissional dos homens e das mulheres não ti-
vesse nada que ver com suas experiências de menino, de jovem, com 
seus desejos, com seus sonhos, com seu bem-querer ao mundo ou com 
seu desamor à vida. Com sua alegria ou com seu mal-estar na passagem 
dos dias e dos anos.
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
23
Na verdade, não me é possível separar o que há em mim de profissional 
do que venho sendo como homem. Do que estive sendo como menino 
do Recife, nascido na década de 1920, em família de classe média, acos-
sada pela crise de 1929. Menino cedo desafiado pelas injustiças sociais 
como cedo tomando-se de raiva contra preconceitos raciais e de classe a 
que juntaria mais tarde outra raiva, a raiva dos preconceitos em torno do 
sexo e da mulher.
Como não perceber, por exemplo, que de minha formação profis sional 
faz parte bom tempo de minha adolescência em Jaboatão, perto do 
Recife, em que não apenas joguei futebol com meninosde córregos e de 
morros, meninos das chamadas classes menos afortunadas, mas também 
com eles aprendi o que significava comer pouco ou nada comer.
Atividades
1. Segundo Antonio Nóvoa (1995b), os professores vivem uma crise de 
identidade. Explique essa afirmação.
2. O que caracteriza um professor universitário? Por que ele goza de um 
status profissional diferenciado em relação ao professor da educação 
básica? Pense sobre estas questões e elabore uma breve reflexão so-
bre o assunto.
Docência no Ensino Superior 
24
3. Relato autobiográfico: Pense no percurso de sua escolaridade. Pense em 
um professor marcante, positiva ou negativamente, e escreva sobre ele.
 Nesta atividade, você deve escrever um breve relato sobre sua traje-
tória escolar e refletir sobre as influências que recebeu e as marcas 
deixadas na sua vida pessoal e profissional.
 
Dicas de estudo
Esses três filmes narram histórias docentes, a partir dos quais você poderá 
compreender melhor o mito do professor-herói abordado nesta aula.
 SOCIEDADE dos Poetas Mortos. Direção de Peter Weir. Abril Vídeo. EUA, 
1989. (129min.).
 MENTES perigosas. Direção de John N. Smith. EUA, 1995. (99min.).
 O PREÇO de um desafio. Direção de Ramon Menendez. EUA, 1988. 
(102min.).
Representações sobre a docência: a construção da identidade profissional
25
Docência no 
Ensino Superior
Maria Heloísa Aguiar da Silva
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças 
que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende 
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. 
Por isso é que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo-relativo. 
Verbo que pede um objeto direto – alguma coisa – e um objeto indireto – a alguém. 
Paulo Freire
Ação docente e a 
construção de competências
Independentemente de todas as representações sobre a profissão docente, 
podemos afirmar que uma competência fundamental para o professor é saber 
ensinar. Logo, isto é algo que se aprende e esse aprendizado se dá nos cursos 
de formação docente e também no exercício profissional. Saímos dos cursos 
universitários com a certificação de estarmos qualificados profissionalmente. 
Contudo, é no exercício da docência, na prática da sala de aula, que nos torna-
mos professores. Estamos constantemente nos fazendo e refazendo.
Torna-se imperioso, portanto, pensar sobre esse processo. Refletir sobre 
as competências que precisamos desenvolver para tornar a nossa ação pe-
dagógica mais eficiente, assim possibilitando aos nossos alunos um ensino 
de qualidade.
A epígrafe desta aula nos apresenta importantes elementos para uma re-
flexão inicial. “Não há docência sem discência”, ensinou-nos Paulo Freire. A 
relação entre ensino e aprendizagem é estabelecida sempre entre sujeitos, 
ou seja, pessoas dotadas de vontade, que interagem e participam ativamen-
te do processo. Quando eu ensino, também aprendo; e quando aprendo, 
também ensino. O aluno não é um objeto, não é um ser passivo no qual o 
Docência no Ensino Superior 
28
professor deposita todo seu conhecimento: ele é um sujeito que quer ou não 
quer aprender. 
Assim sendo, temos de aprender a conviver, desde o início, com o sen-
timento de insucesso, tanto nosso como o de nossos alunos. Freud costu-
mava dizer que o magistério é uma profissão impossível, pois se exprime 
na influência de um sujeito sobre outra pessoa. Perrenoud (1997) nos leva 
a refletir sobre a complexidade dessa profissão, uma vez que “nas profissões 
que trabalham com pessoas o sucesso nunca está assegurado, e é necessário, 
pelo contrário, aceitar uma fração importante de semifracassos ou fracassos 
graves” (PERRENOUD, 1997, p. 176).
Portanto, podemos perceber o grau de exigência do magistério para com 
aquele que opte por exercê-lo – exigente de uma formação rigorosa e contí-
nua e de um compromisso ético, visto que essa é uma profissão cujo objeto 
de trabalho é um ser humano em desenvolvimento.
A formação de professores deve assumir esses desafios e desenvolver um 
processo formativo atualizado, flexível, que forneça ferramentas para que o 
futuro profissional saiba lidar com situações complexas e imprevistas:
Ensinar significa, por vezes, reagir “com grande precisão” perante situações imprevistas e 
“sair delas” sem muitos prejuízos. Significa no melhor dos casos tirar partido do imprevisto 
para atingir o fim desejado. Ensinar significa agir rapidamente, com urgência, face a uma 
situação complexa, mal conhecida. (PERRENOUD, 1997, p. 107)
Competências para ensinar: 
desafios profissionais
Se a educação dos seres humanos pouco a pouco tornou-se mais complexa, o mesmo 
deverá acontecer à profissão docente. 
Francisco Imbernón
Ao findar o século XX, alguns desafios se colocaram para a escola. Falava- 
-se em novas maneiras de ensinar e aprender, exigindo-se uma reconfigura-
ção do papel da escola e, por consequência, do professor.
O século XXI herdou esse desafio e o aprofundou. Esse movimento é pro-
vocado pelo acelerado desenvolvimento tecnológico que nos coloca diante 
de um volume de informações nunca visto antes. Não há mais espaço para a 
antiga imagem do professor como dono do saber.
Docência no Ensino Superior
29
É nesse novo cenário que emerge a importante discussão sobre a cons-
trução de competências: “afinal, vai-se à escola para adquirir conhecimentos, 
ou para desenvolver competências?” (PERRENOUD, 1999, p. 7). Para ambas 
as coisas. Para desenvolver competências, ancoramo-nos em conhecimentos. 
Então, o que muda, afinal?
A construção de competências exige uma nova postura diante do conhe-
cimento, assim modificando a prática educativa. Da questão “que aluno quero 
formar?”, chegamos à questão “que professor forma esse aluno?”.
O conceito de competência adquire força e importância no Brasil a partir 
da década de 1990, no bojo das reformas educacionais. Há uma vasta litera-
tura a esse respeito, não se limitando apenas à área educacional, pois esse 
debate está presente também nas empresas. Desse modo, devemos enten-
der o significado desse conceito:
São múltiplos os significados da noção de competência. Eu a definirei aqui como sendo 
uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em 
conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. Para enfrentar uma situação da melhor maneira 
possível, deve-se, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos 
complementares, entre os quais estão os conhecimentos. (PERRENOUD, 1999, p.7)
Ao agirmos eficazmente na solução de uma situação complexa, mobiliza-
mos uma série de competências. Para tanto, recorremos a diversos recursos, 
tais como conhecimentos, saberes e experiências anteriores. A vida nos de-
safia a agir dessa maneira. Não podemos interromper nossos afazeres a todo 
instante para buscar respostas nos livros, por exemplo. 
Abordagem por competência
De uma forma geral, a escola ensina de maneira fragmentária e nós absor-
vemos os conteúdos também desse modo, visto que muitas disciplinas não 
dialogam entre si. A proposta pedagógica da abordagem por competências 
questiona o modo tradicional de ensinar, pois caso a escola ensine seu aluno 
apenas a memorizar e repetir conhecimentos, esse jovem não conseguirá 
apresentar respostas novas diante de situações não previstas no modelo, ou 
seja, o conhecimento escolar corre o risco de ser necessário apenas na escola, 
na realização das avaliações.
Portanto, podemos dizer de uma maneira geral que a abordagem por 
competências pretende favorecer o desenvolvimento de uma aprendi-
zagem significativa que tenha uma correspondência com a realidade, 
e para isso exige o desenvolvimento da capacidade de resolução de
Docência no Ensino Superior 
30
problemas, de invenção, pois “toda normalização da resposta provoca um 
enfraquecimento da capacidade de ação e reação em uma situação com-
plexa” (PERRENOUD, 2002, p. 11).
Competênciasdocente
Todo esse processo de inovação pedagógica acaba por se refletir na ativi-
dade do professor, pois desse profissional será exigido o papel que vai além 
do mero transmissor de conhecimentos: ele precisará dar subsídios aos seus 
alunos para que desenvolvam suas respectivas competências.
Já é sabido pelos professores que, para que possam bem desempenhar 
sua função, é necessário que possuam, pelo menos, três competências:
 domínio dos saberes a serem ensinados; 
 domínio teórico e prático dos processos de ensino e aprendizagem;
 capacidade para gerir situações complexas.
No entanto, Perrenoud (1996) nos apresenta um referencial com dez novas 
competências que devem contribuir para redesenhar a ação docente. O autor 
tomou como base um referencial adotado em Genebra para a formação de 
professores no ano de 1996. Esse trabalho transformou-se no livro Dez Novas 
Competências para Ensinar: convite à viagem. Nessa obra, Perrenoud dedica 
um capítulo a cada competência, explicando-as em profundidade. São elas:
 organizar e dirigir situações de aprendizagem;
 administrar a progressão das aprendizagens;
 conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;
 envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho;
 trabalhar em equipe;
 participar da administração da escola;
 informar e envolver os pais;
 utilizar novas tecnologias;
 enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;
 administrar sua própria formação continuada.
Docência no Ensino Superior
31
Cada competência aqui apresentada se desdobra em outras, ampliando 
esse quadro. Devemos entender esse esforço de Perrenoud (1999) como uma 
proposta de reorientação da formação de professores, de forma a sempre 
inovarem sua ação pedagógica, formando alunos com cabeças bem-feitas e 
não simplesmente com cabeças bem cheias de conteúdo, sem saberem refle-
tir acerca do mundo ao redor.
Para compreendermos melhor as novas competências docentes (PER-
RENOUD, 1999), nesta aula optamos por dividi-las em três categorias:
 competências relativas ao cotidiano da sala de aula (do 1.o ao 4.o item 
da lista);
 competências relativas à gestão (do 5.o ao 7.o item);
 competências relativas à formação continuada do professor (do 8.o ao 
10.o item).
Competências relativas ao cotidiano 
da sala de aula
No primeiro bloco, o autor apresenta novos sentidos para as ações coti-
dianas do professor, mostrando toda a complexidade do processo de ensino 
e aprendizagem. Segundo o autor, a aula deve extrapolar os limites físicos 
da sala e o professor deve ser capaz de gerir situações de aprendizagem, uma 
vez que a aula só se concretiza na sua relação com a aprendizagem. Isso sig-
nifica dizer que ser professor não é “dar aulas”, mas sim propiciar situações de 
aprendizagem aos alunos.
A avaliação também é vista de outra maneira por Perrenoud (1997) na 
medida em que vai acontecer de maneira processual, cabendo ao professor 
administrar a progressão das aprendizagens e não medir a quantidade de co-
nhecimento que o aluno acumulou.
A ação pedagógica deve ocorrer em um ambiente bastante heterogêneo. A 
sala de aula é um espaço marcado pela diversidade. Nesse sentido, a postura 
do professor deve ser inclusiva, favorecendo a convivência e o respeito mútuo.
Como decorrência dessas questões, deve-se buscar a formação do aluno 
para a autonomia, possibilitando-lhe o desenvolvimento de projetos pes-
soais. Para tanto, é necessário tratá-lo como sujeito da sua aprendizagem.
Docência no Ensino Superior 
32
Competências relativas à gestão
A partir desse grupo de competências, pode-se observar a ênfase de Per- 
renoud (1997) no papel do docente como gestor, indicando a necessidade 
desse profissional desenvolver competências que vão além da sala de aula, mas 
que, no entanto, repercutem diretamente nas atividades ali desenvolvidas. 
O trabalho docente deve ser sempre coletivo, agrupando professores e 
demais participantes da equipe escolar, assim como a comunidade que é ser-
vida pela escola. Portanto, devemos desenvolver competências de organiza-
ção, coordenação, mediação e mobilização, entre outras.
Competências relativas 
à formação continuada do professor
Dessas competências, é importante destacar aqui a necessidade de o do-
cente refletir continuamente sobre os desafios postos ao seu exercício pro-
fissional. Essas competências passam pelas questões das novas tecnologias 
como ferramenta fundamental do trabalho pedagógico; pelos dilemas éticos 
da profissão, visto que trabalhamos com seres humanos em formação; e 
chegam à necessidade e à responsabilidade de professor administrar a sua 
própria formação continuada.
Formação inicial e continuada: 
a busca da autonomia intelectual
Não basta que uma peça de vestuário esteja bem cortada, que tenha cores bonitas e um 
tecido agradável. É necessário que resista à lavagem!
A primeira aula pode “lavar” o professor recentemente saído da escola normal de todas 
as suas ilusões e ambições. Isso significa que a sua formação não teve em conta as condições 
efetivas da prática, que lhe falamos de uma escola que não existe.
Philippe Perrenoud 
As inovações educativas deste início de século exigem a formação de um 
profissional consciente de seu papel, capaz de gerir situações complexas. Isto 
significa dizer que a formação de professores é hoje um grande desafio para 
a educação de qualidade.
Docência no Ensino Superior
33
Para compreendermos melhor o tema de formação de professores, traba-
lharemos com dois conceitos que se complementam: formação inicial e for-
mação continuada.
A formação inicial é aquela realizada no Ensino Superior, fornecendo ao 
aluno – futuro professor – as bases para o seu exercício profissional. Trata-se 
de um momento importante do desenvolvimento desses futuros profes sores, 
pois é nesse tempo em que adquirem os primeiros conhecimentos que cons-
tituirão a base para o exercício da docência. 
Um equívoco facilmente cometido nos cursos de formação inicial dos pro-
fessores é a tentativa de passar ao aluno todo o conhecimento considerado 
necessário para o bom desempenho da docência. Contudo, isso é impossível, 
pois uma parcela desse conhecimento só será desenvolvida na prática, no 
exercício cotidiano da docência, na sala de aula real, com alunos reais.
Devemos então pensar com cuidado na frase de Perrenoud (1997) que 
afirma que o primeiro dia de aula pode “nos lavar” de todos nossos sonhos e 
expectativas. Sendo um momento crucial no desenvolvimento profis sional do 
docente, a formação inicial deve ser pensada com cautela, deve ser organizada 
de modo mais realista, articulando teoria e prática – que são indissociáveis.
Uma vez que a formação inicial não é absoluta, completa, ela deve se or-
ganizar a partir de escolhas conscientes, definindo prioridades na formação 
dos professores. Deve basear-se em situações cotidianas e refletir sobre as 
angústias e anseios comuns ao professor iniciante.
A formação de professores tem recebido um grande destaque entre os 
estudiosos da educação e planejadores das políticas públicas em educação. 
Boa parte dos problemas educacionais é interpretada como resultado da má 
qualidade na formação docente, fato destacado por Perrenoud:
Aparentemente, quase todas as críticas do sistema escolar são concentradas no mesmo 
bode expiatório: a formação de professores, que é considerada curta, inadequada, 
inadaptada, insuficiente, antiquada. Mas ela não merece nem este excesso de honra, nem 
esta indignidade! (PERRENOUD, 1997, p. 94 [grifo do autor])
Devemos considerar a importância do debate em torno da formação de pro-
fessores, contudo sem identificá-lo como a solução para todos os problemas 
educacionais. A formação deve ser repensada e reorientada à sua medida.
Docência no Ensino Superior 
34
No Ensino Superior, esse problema torna-se mais candente na medida em 
que o professor universitário pertence a, no mínimo, duas categorias profis-
sionais. Por exemplo: ele pode ser um engenheiro e um professoruniversitá-
rio do curso de engenharia. 
No entanto, a formação técnica e a experiência como engenheiro não são os 
únicos elementos que tornam o dito profissional um professor universitário. Ele 
também precisa contar com uma formação pedagógica que lhe permita ensi-
nar de uma maneira eficaz, sem prejudicar a aprendizagem dos seus alunos. 
É comum, por parte dos alunos, críticas evidenciando a deficitária forma-
ção pedagógica do professor universitário. Frases como: “ele é um ótimo ad-
ministrador, mas não sabe ensinar” – são ouvidas quando se busca conhecer 
as principais queixas dos alunos universitários.
Isso nos coloca diante de um grande desafio que é a formação continuada 
dos professores, incluindo os universitários, que geralmente começam a le-
cionar após terem passado pela pós-graduação. Sabe-se que pouco chega a 
ser ensinado sobre a ação docente a esse profissional, que acaba de se tornar 
um pós-graduado e que está em vias de encarar pela primeira vez o ambiente 
de sala de aula como professor acadêmico. 
A formação pedagógica tardia desse profissional decorre de que o próprio 
foco da pós-graduação – e, muitas vezes, de todo o seu curso de formação – 
não está voltado para a ação educativo-formativa. Ele não visa formar outros 
professores que possam transmitir o conhecimento da área. O foco de cursos 
que não propriamente o das licenciaturas é o de, transmitir o conteúdo para 
que seja aplicado na prática. 
Como uma alternativa àqueles que fizeram tais cursos e desejam lecionar 
o conhecimento que apreenderam ao longo de sua trajetória acadêmica, há 
a formação continuada de docentes, um importante estágio de desenvolvi-
mento profissional. 
Permite aos diferentes professores articularem os conhecimentos básicos 
advindos da sua formação inicial com o exercício da docência. Por isso, não 
basta ser um excelente cardiologista: é preciso saber ensinar esses conheci-
mentos aos seus alunos, futuros cardiologistas. 
Devemos entender que a formação continuada se dá a partir do exercício 
profissional, refletindo sobre ele. Está baseada essencialmente nos seguin-
tes pressupostos:
Docência no Ensino Superior
35
 reflexão sobre a prática;
 análise das práticas, gestos cotidianos da profissão;
 relação entre teoria e prática;
 pensar em um saber que emerge da prática docente;
 aprender com os pares de modo colaborativo.
Prática reflexiva 
e a profissionalização docente
Se queremos um aluno crítico reflexivo, é preciso um professor crítico reflexivo. 
José Carlos Libâneo
Muito se tem falado sobre os desafios da educação para o século XXI. Em 
transformação acelerada, a sociedade exige um indivíduo capaz de refletir 
sobre suas ações, deixando de agir mecanicamente, como um autômato. Es-
pera-se que essa capacidade para a reflexão seja desenvolvida na escola, de 
modo que forme indivíduos autônomos. 
No Ensino Superior, esse desafio é apresentado como a necessidade de 
formar profissionais competentes, capazes de gerir situações complexas e 
apresentar respostas inovadoras. Assim sendo, o desafio de formar esse novo 
profissional implica a reorganização dos procedimentos de ensino e apren-
dizagem, bem como um repensar da formação docente, pois – como nos 
alertou Libâneo – um professor que não reflete sobre sua ação tampouco 
formará um aluno capaz de refletir.
Formar professores para a reflexão significa questionar modelos de forma-
ção docente ancorados no treinamento ou na simples assimilação de conhe-
cimentos novos, pois isso desvaloriza a experiência docente uma vez que não 
concebe o mestre como um produtor de conhecimento. Ele constrói novos co-
nhecimentos cotidianamente, sendo seu trabalho intelectual e criativo. Assim, 
para que o professor possa contribuir para o desenvolvimento da autonomia 
intelectual de seus alunos, é necessário que seja reconhecido como tal.
Ademais, os cursos tradicionais de formação de professores desconside-
ravam a continuidade do processo formativo, não valorizando a experiência 
docente. O conhecimento acumulado pelos profissionais deveria ser apenas 
renovado ou substituído.
Docência no Ensino Superior 
36
A prática reflexiva é uma postura a ser desenvolvida, alçando os profes-
sores ao papel de produtores de conhecimento e não de meros executores:
A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e 
reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias 
e práticas que lhe são exteriores. É central, nesta conceitualização, a noção do profissional 
como uma pessoa que nas situações profissionais, tantas vezes incertas e imprevistas, atua 
de forma inteligente e flexível, situada e reativa. (ALARCÃO, 2004, p. 41)
Somente o professor capaz de refletir sobre suas ações poderá formar 
um aluno reflexivo. Esse processo valoriza a prática de sala de aula como 
um espaço de construção de conhecimento – sem, contudo, desmerecer 
a teoria.
Vale notar que a atividade de reflexão deve ser desenvolvida desde a for-
mação inicial do docente – a qual deve, portanto, fornecer instrumentos ao 
indivíduo para que continue sua aprendizagem mesmo após ter terminado 
seus cursos na universidade.
É necessário pensar em outras maneiras de formação continuada, que não 
se restrinjam a cursos. A realização de grupos de estudo nos locais de traba-
lho, o desenvolvimento de projetos, as reuniões pedagógicas, entre outros 
exemplos, demonstram que é possível formar-se continuamente refletindo 
sobre a própria prática profissional.
Por isso, faz-se necessário que a escola propicie um ambiente reflexivo e 
pense sobre si mesma e sobre sua missão, tornando-se também uma institui-
ção que reflita sobre seu papel e função:
O professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local de trabalho, 
que ele, com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Mas se a vida 
dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo 
a criar condições de reflexividade individuais e coletivas. A escola tem de se pensar a si 
própria, na sua missão e no modo como se organiza para a cumprir. Tem, também ela, de 
ser reflexiva. (ALARCÃO, 2004, p. 44)
Assim, podemos afirmar que a prática reflexiva não deve ser episódica e 
nem casual, mas um método permanente que valorize os saberes emergidos 
da prática pedagógica.
Observa-se então um caminho a ser trilhado para que se alcance uma for-
mação de excelência para o aluno. O aluno reflexivo será formado por um 
professor reflexivo em uma escola reflexiva. Esta é, portanto, uma formação 
que busca a coerência ao ser expressa em ações conjuntas e coordenadas. 
O resultado final de tal processo deve ser uma mudança na aprendizagem 
do aluno, mas para que isso ocorra é fundamental que todos os envolvidos 
Docência no Ensino Superior
37
pensem sobre sua missão. Segundo Isabel Alarcão (2004, p. 79), ou a “escola é 
uma comunidade reflexiva, ou então, é um edifício sem alma”. Assim, o papel 
da instituição educativa é colocado em evidência: é ela que vai propiciar ou 
não espaços para a reflexão.
 
Texto complementar
A prática reflexiva 
como domínio da complexidade
(PERRENOUD, 2007)
O conceito é conhecido desde as obras de Schön. Entretanto, apesar 
dos trabalhos mais centrados na formação de professores, persiste uma 
confusão entre:
 por um lado, a prática reflexiva espontânea de todo ser humano 
que enfrenta um obstáculo, um problema, uma decisão a tomar, 
um fracasso ou qualquer resistência do real ao seu pensamento ou 
a sua ação; 
 por outro lado, prática reflexiva metódica e coletiva que os profissionais 
usam durante o tempo em que os objetivos postos não são atingidos.
Um sentimento de fracasso, de impotência, de desconforto, de sofri-
mento desencadeia uma reflexão espontânea para todo ser humano e 
também para o profissional. Mas este último também reflete quando 
está bem, uma vez que haver-se com situações desconfortáveis não é seu 
único motor; suareflexão é alimentada também pela vontade de fazer 
seu trabalho de modo mais eficaz e ao mesmo tempo o mais próximo 
possível de sua ética.
Num “ofício impossível”, os objetivos raramente são atingidos. É pouco 
frequente que todos os alunos de uma classe ou de um estabelecimento 
dominem perfeitamente os saberes e as competências visados. Por isso, 
no ensino, a prática reflexiva sem ser permanente não poderia se limi-
tar à resolução das crises, de problemas ou de dilemas atrozes. É melhor 
imaginá-la como um funcionamento estável, necessário em “velocidade 
de cruzeiro” e vital em casos de “turbulência”.
Docência no Ensino Superior 
38
Outra diferença muito importante: um profissional reflexivo aceita fazer 
parte do problema. Reflete sobre sua própria relação com o saber, com 
as pessoas, o poder, as instituições, as tecnologias, o tempo que passa, a 
cooperação, tanto quanto sobre o modo de superar as limitações ou de 
tornar seus gestos técnicos mais eficazes.
Enfim, uma prática reflexiva metódica inscreve-se no tempo de traba-
lho, como uma rotina. Não uma rotina sonífera; uma rotina paradoxal, um 
estado de alerta permanente. Por isso, ela tem necessidade de disciplina 
e de métodos para observar, memorizar, escrever, analisar após compre-
ender, escolher opções novas.
Pode-se acrescentar que uma prática reflexiva profissional jamais é inteira-
mente solitária. Ela se apoia em conversas informais, momentos organizados 
de profissionalização interativa em práticas de feedback metódico, de análi-
se do trabalho, de reflexão sobre sua qualidade, de avaliação do que se faz. A 
prática reflexiva até pode ser solitária, mas ela passa também pelos grupos, 
apela para especialistas externos, insere-se em redes, isto é, apoia-se sobre 
formações, oferecendo os instrumentos ou as bases teóricas para melhor 
compreender os processos em jogo e melhor compreender a si mesmo.
Por que seria necessário inscrever a atitude reflexiva na identidade pro-
fissional dos professores? Responderei inicialmente: para liberar os pro-
fissionais do trabalho prescrito, para convidá-los a construir suas próprias 
iniciativas, em função dos alunos, do campo, do meio ambiente, das par-
cerias e cooperações possíveis, dos recursos e das limitações próprias do 
estabelecimento, dos obstáculos encontrados ou previsíveis.
Admite-se, certamente, que a parte do trabalho prescrito decresce, em 
princípio, num processo de profissionalização. Resta compreender por que 
essa parte deveria decrescer no ofício do professor. Uma parte dos sistemas 
educativos ainda aposta numa forma de proletarização do ofício do profes-
sor classificando os professores no que a Organização para a Cooperação e 
Desenvolvimento Econômico (OCDE) chamou de “prestação de serviços”.
Podem-se enunciar três argumentos em favor da profissionalização.
 As condições e os contextos de ensino evoluem cada vez mais de-
pressa, fazendo com que seja impossível viver com as aquisições 
de uma formação inicial que rapidamente se torna obsoleta e que 
Docência no Ensino Superior
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seja mais realista imaginar que uma formação contínua bem pensa-
da dará novas receitas quando as antigas “não funcionarem mais”; 
o professor deve tornar-se alguém que concebe sua própria prática 
para enfrentar eficazmente a variabilidade e a transformação de suas 
condições de trabalho.
 Se se quer que todos alcancem os objetivos, não basta mais ensinar, é 
preciso fazer com que cada um aprenda encontrando o processo apro-
priado. Esse ensino “sob medida” está além de todas as prescrições.
 As competências profissionais são cada vez mais coletivas no âmbito de 
uma equipe ou de um estabelecimento, o que requer sólidas compe-
tências de comunicação e de conciliação, logo, de regulação reflexiva.
A atitude e a competência reflexivas apresentam várias facetas.
Na ação, a reflexão permite desvincular-se da planificação inicial, corrigi-
la constantemente, compreender o que acarreta problemas, descentrali-
zar-se, regular o processo em curso sem se sentir ligado a procedimentos 
prontos, por exemplo, para apreciar um erro ou punir uma indisciplina. 
A posteriori, a reflexão permite analisar mais tranquilamente os acon-
tecimentos, construir saberes que cobrem situações comparáveis que 
podem ocorrer.
Num ofício em que os problemas são recorrentes, a reflexão se desen-
volve também antes da ação, não somente para planificar e construir os 
cenários, mas também para preparar o professor para acolher os impre-
vistos e guardar maior lucidez.
Talvez caiba sublinhar a forte independência desses diversos momen-
tos. A “reflexão na ação” tem claramente por função:
 construir a memória das observações, questões e problemas que são 
impossíveis de serem examinados em campo;
 preparar uma reflexão mais distanciada, do profissional, sobre o seu 
próprio sistema de ação e seu habitus.
Sem entrar aqui na questão dos processos de formação pela prática re-
flexiva (estudo de caso, análise de práticas, discussões, escrita clínica, por 
exemplo), cabe sublinhar que ela exige vários tipos de capitais:
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 de saberes metodológicos e teóricos; 
 de atitudes e de uma relação autêntica com o ofício e com o real; 
 competências que se apoiam sobre esses saberes e atitudes, permi-
tindo mobilizá-los em situação de trabalho e aliá-los à intuição e à 
improvisação, como na própria prática pedagógica.
Os saberes metodológicos incluem a observação, a interpretação, a aná-
lise, a antecipação, mas também a memorização, a comunicação oral e 
escrita e até mesmo o vídeo, uma vez que a reflexão nem sempre se de-
senvolve em circuito fechado nem no imediato. Insistirei sobre os saberes 
teóricos: o bom senso apoiado sobre capacidades de observação e de ra-
ciocínio permite um primeiro nível de reflexão. Para ir mais longe, importa 
sempre dispor de uma cultura em ciências humanas, tanto didática como 
transversal. Em certos casos, o domínio dos saberes a ensinar é crucial, se 
este falha, alguns problemas não podem ser colocados. Por exemplo, a 
interpretação de alguns erros de compreensão é esclarecida pela história 
e pela epistemologia da disciplina.
Atividades
1. Realize uma entrevista com um professor universitário guiando-se 
pelo roteiro abaixo. Analise as respostas obtidas tendo em vista as 
discussões desenvolvidas durante essa aula sobre formação docente. 
Essa atividade pode ser realizada em grupo ou individualmente, a cri-
tério dos alunos. Depois, recomenda-se que os alunos tenham tempo 
suficiente para discutirem entre si as conclusões a que chegaram rea-
lizando tal atividade.
Roteiro para entrevista
1. Dados pessoais (nome, idade, grau de formação, ano de conclu-
são, série e disciplina que leciona).
2. Questões:
a) O que o levou a escolher esta profissão? Que influências recebeu?
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b) Fale sobre sua formação inicial. 
c) Você sente necessidade de continuar estudando? Comente.
d) A escola pode ser um espaço de formação continuada para os 
professores? Comente.
e) Por que muitos professores não continuam seus estudos, não 
buscam aperfeiçoamento?
Docência no Ensino Superior 
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Docência no Ensino Superior
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2. Leia atentamente o texto abaixo e reflita sobre o seu significado abor-
dando as dificuldades do professor iniciante.
Não basta que uma peça de vestuário esteja bem cortada, que tenha 
cores bonitas e um tecido agradável. É necessário que resista à lavagem! 
A primeira aula pode “lavar” o professor recentemente saído da universi-
dade de todas as suas ilusões e ambições. (PERRENOUD, 1997, p. 100)
3. Comente o texto abaixo e reflita sobre o equívoco da separação entre 
pensar e executar na prática pedagógica do professor.
A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade 
de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e 
não como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores. É 
central, nessa conceitualização, a noçãodo profissional como uma pessoa 
que nas situações profissionais, tantas vezes incertas e imprevistas, atua 
de forma inteligente e flexível, situada e reativa. (ALARCÃO, 2004, p. 41)
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4. Elabore uma reflexão pessoal (que pode incluir menção a alguma ex-
periência vivida) sobre os seus principais anseios e suas expectativas 
em relação à docência universitária. Reflita sobre como a formação 
continuada pode auxiliá-lo na superação das dificuldades iniciais.
Dica de estudo
 Em sua obra Vidas de Professores, Antonio Nóvoa (1995b) nos mostra 
com profundidade o modo como a docência toma um espaço signifi-
cativo na vida do professor. A presente obra pretende chamar a aten-
ção para as vidas dos professores, que constituíram, durante muitos 
anos, uma espécie de “paradigma perdido” da investigação educacio-
nal. Hoje sabemos que não é pos sível separar o eu pessoal do eu pro-
fissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores 
e de ideais e muito exigente do ponto de vista do empenhamento e da 
relação humana. Como descreve Jennifer Nias: “O professor é a pessoa; 
e uma parte importante da pessoa é o professor”.
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Avaliação de aprendizagem: 
representações e concepções
Isilda Louzano Perez
O saber referente ao ato de avaliar é suscetível 
de contribuir para afastar representações inadequadas.
Charles Hadji
A avaliação é um tema cuja abordagem é de fundamental importância no 
contexto do ensino-aprendizagem. Portanto, não se pode pensar em avalia-
ção sem contextualizá-la nas dimensões da instituição, do projeto de ensino, 
das relações entre professor e aluno, das formas de ensinar ou dos modelos 
de aprender. 
A avaliação de aprendizagem tem uma existência concreta e está em 
 diálogo com todos os demais componentes do processo educativo, sendo 
por eles definida e os influenciando, concomitantemente.
Os processos referentes à avaliação não podem ser entendidos apenas 
como instrumentos que fornecem resultados por meio de uma escala de 
notas ou de conceitos. Tais processos devem ser entendidos a partir da lógica 
dos processos de ensino-aprendizagem. Desse modo, avaliar é sempre um 
compromisso com a aprendizagem do aluno. Ou em outras palavras, “no 
espaço escolar, não deveria a atividade de avaliação ser construída, antes de 
tudo, como uma prática pedagógica a serviço das aprendizagens?” (HADJI, 
2001, p. 9).
Para entendermos o que significa avaliar, é necessário que se respondam 
as seguintes perguntas:
 Para que se ensina? 
 Como se aprende? 
 Em que contextos são realizados o ato de ensinar e o ato de aprender?
Docência no Ensino Superior 
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 Como criamos convicções sobre a avaliação? 
 Por que nos pautamos em determinados modelos? 
 Por que os validamos na prática cotidiana da sala de aula? 
 De onde procedem as nossas crenças sobre o significado da avaliação 
da aprendizagem?
Objetivamente, o que se quer perguntar é:
Como construímos nossas representações sobre o ato de avaliar?
Entendamos representações como as imagens mentais a que somos re-
metidos quando pensamos sobre a avaliação e seus processos: imagens que 
povoam e desenham o nosso imaginário pedagógico.
É importante que tenhamos clareza sobre os elementos que se fazem 
presentes na construção das nossas representações sobre a avaliação para 
que possamos aprender a lidar com eles. Como diz Hadji (2001), é necessário 
compreender para agir. 
Convicções sobre a avaliação: 
representações e concepções
No tocante à avaliação, o desenho de nosso imaginário pedagógico se 
constitui a partir de nossas experiências como alunos que já fomos ou que 
ainda somos, como profissionais que praticam a avaliação a partir da nossa 
vivência social cotidiana.
Como alunos, somos submetidos à lógica avaliativa de nossos professores. 
As concepções e representações de nossos professores em relação ao ato de 
avaliar determinam o processo de avaliação a que eles nos submetem.
Se a lógica for a da avaliação-resultado, a importância recai sobre uma nota 
final, garantidora de uma classificação. Se a lógica for a da avaliação a serviço da 
aprendizagem, a importância recai sobre o desenvolvimento do processo, com 
as intervenções e adequações necessárias para a sua correção rumo ao sucesso.
Em qualquer dos casos, tendemos a enxergar a avaliação a partir da histó-
ria que construímos ao longo de nossas vidas.
Avaliação de aprendizagem: representações e concepções 
49
E, quando falamos da construção das representações, não aludimos – ex-
clusivamente – à avaliação no sentido estrito da “realização de provas”, mas 
ao julgamento que vem antes disso. 
Além disso, é comum que os professores sejam influenciados por co-
legas em relação ao desempenho de uma turma ou de alguns alunos, 
particularmente: 
– O Fulano está em sua turma neste ano? Nossa! Você vai sofrer um bocado. 
Ele é indisciplinado, desinteressado, não completa as tarefas, não estuda, 
parece que quer apenas o diploma...
Muitas vezes, observações dessa natureza são suficientes para que o pro-
fessor que ainda não conhece a turma se influencie e, antes até de ter contato 
com seus alunos, já tenha construído uma imagem sobre eles.
A profecia autorrealizadora
(OLIVEIRA, 2007)
Acreditando ser fruto da sua experiência profissional, já no primeiro dia 
de aula, o professor se diz capaz de fazer previsões individuais para cada 
um de seus alunos. E como se estivesse munido de uma bola de cristal, 
determina quase sempre sem errar, o futuro escolar daquelas crianças. 
Começa aí uma das práticas mais perigosas – e mais comuns – que se 
desenvolvem na escola: a da chamada profecia autorrealizadora.
Por meio do prognóstico do professor, a profecia se realizará sem que 
a criança possa intervir, pois o desejo do professor se manifestará no re-
lacionamento desigual com seus alunos, de forma que seu julgamento 
inicial se caracterize no final do ano letivo.
O fenômeno da profecia autorrealizadora foi revelado e estudado por 
dois pesquisadores norte-americanos, Robert Rosenthal e Lenore Jacob-
son, em 1964, quando foi concluído que as expectativas do professor tem 
um efeito poderoso sobre o desempenho escolar de uma criança.
Aos alunos considerados “capazes”, será oferecido maior atenção, maior 
oportunidade de participação, maiores estímulos. Os outros, os “incapa-
zes”, desestimulados vão inevitavelmente participar cada vez menos das 
aulas, mostrando-se alheios ou passando a chamar a atenção por sua 
indisciplina ou falta de interesse.
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Originada pelos preconceitos do professor, a profecia, portanto, é an-
terior ao contato com a criança. O meio social imputou imagens de um 
aluno idealizado e que o professor procura dentre alguns sinais historica-
mente valorizados pela escola, tais como: os mais limpinhos, mais bem-
vestidos, mais branquinhos... Todo esse conjunto de informações pautará 
o trabalho e o envolvimento individual do professor com seus alunos.
Na verdade, as profecias autorrealizadoras reforçam a ideia de que os 
alunos tendem a nos dar como resposta o que esperamos deles. Sem que 
disso tenhamos clareza, favorecemos a produção do fracasso escolar por 
meio de um pré-julgamento destituído de qualquer análise ou acompanha-
mento lógico.
Tais profecias são elaboradas não apenas devido à influência que recebe-
mos externamente: nós mesmos nos predispomos a atitudes preconceituo-
sas quando julgamos nossos alunos pela forma como se vestem, pela classe 
social de que provêm ou pela forma como falam. 
Um professor pode, por exemplo, criar a imagem mental de que alunos 
carentes, vindos de famílias socialmente desfavorecidas, sem boa aparência 
ou sem boa condição material, não podem aprender bem. É a sinalização 
para o fracasso.
Em relação a isso, Philippe Perrenoud (2000, p. 22) adverte que:
O fracasso escolar não é a simples tradução “lógica” de desigualdades tão reais quanto 
naturais. Não se pode, pura e simplesmente,compará-lo a uma falta de cultura, de 
conhecimento ou de competências. Essa falta é sempre relativa a uma classificação, ela 
própria ligada a formas e a normas de excelência escolar, a programas, a níveis de exigência, 
a procedimentos de avaliação. 
No processo de construção de representações, o cognitivo – entendido 
como a “capacidade para aprender” – confunde-se com a produção das de-
sigualdades e das diferenças existentes na sociedade. Via de regra, aquele 
que não aprende é o pobre, o excluído, o que não “se iguala” à maioria do 
grupo. 
Novamente é Perrenoud (2000, p. 22) que nos auxilia nessas reflexões 
quando diz que
[...] a explicação dá um passo decisivo, quando se percebe que as diferenças e as 
desigualdades extraescolares – biológicas, psicológicas, econômicas, sociais e culturais 
Avaliação de aprendizagem: representações e concepções 
51
– não se transformam em desigualdades de aprendizagem e de êxito escolar, a não ser 
ao sabor de um fundamento particular do sistema de ensino, de sua maneira de tratar 
as diferenças.
Temos, portanto, que em si mesmas as diferenças e desigualdades não 
devem ser vistas como elementos de distinção cognitiva: será assim se o 
próprio sistema escolar e seus agentes fizerem com que isso efetivamen-
te, ocorra.
Perrenoud (1999) cita o que a socióloga Viviane Isambert-Jamati afirma 
sobre o aluno fracassado: “O aluno que fracassa é aquele que não adquiriu no 
prazo previsto os novos conhecimentos e as novas competências que a ins-
tituição, conforme o programa, previa que ele adquirisse” (ISAMBERT-JAMATI 
apud PERRENOUD, 1999, p. 25).
Voltamos, então, à ideia das profecias autorrealizadas: o professor pode 
produzir fracasso ou êxito dependendo do foco de seu olhar e das expectati-
vas que elabora acerca de seus alunos.
Um desdobramento dessas atitudes de pré-julgamento são os encami-
nhamentos que a escola propõe aos alunos que não revelam o rendimento 
esperado. É possível que em determinadas situações esses encaminhamen-
tos sejam necessários; mas, de maneira geral, o que ocorre é a inquestiona-
bilidade da prática pedagógica, da compreensão do que é ensinar e do que 
é aprender.
Não se discute o fato de que as intenções podem ser as melhores, 
mas não proporcionam os resultados almejados. Como pergunta Phili-
ppe Perrenoud (2007, p. 73), “Por que intenções louváveis não operam os 
milagres esperados?”.
O sucesso na aprendizagem precisa ser visto pela ótica da gestão peda-
gógica, sem que descuidemos, no entanto, da dimensão antropológica, isto 
é: das relações que os sujeitos estabelecem na escola, seja a partir de grupos, 
das aulas e/ou das relações entre professor e aluno. 
Assim, olhando para o quadro descrito, fica claro que a avaliação do de-
sempenho do aluno é muito mais do que aplicação de instrumentos, aferição 
de conteúdos e atribuição de notas. 
Partindo do principio de que os estudantes são seres distintos, que apre-
sentam modelos particulares de aprendizagem e que percorrem caminhos 
Docência no Ensino Superior 
52
individuais de construção do conhecimento, é oportuno dizer que a docência 
exige do professor muito mais do que o simples respeito às diferenças de 
seus alunos. Estas não podem ser vistas sob o prisma da tolerância ingênua. 
Vamos explicar melhor com as palavras de Perrenoud:
As diferenças entre alunos? Não as respeito, considero-as”: essa fórmula pode chocar 
aqueles que confundem respeito às pessoas e não-intervenção. “Respeitar”, diz o dicionário 
[...], é “não atacar, considerar como digno de ser conservado, preservado; não destruir, não 
modificar”. O simples respeito às diferenças, por mais humano que seja, poderia levar aos 
mesmos impasses da desigualdade, da indiferença às diferenças, e transformá-los em 
desigualdade de aprendizagem e de êxito escolares. (PERRENOUD, 2000, p. 118) 
Abordagem da avaliação 
no contexto da aprendizagem
Para entendermos onde se insere a avaliação no contexto da aprendiza-
gem, vamos retomar o seguinte questionamento: 
“No espaço escolar, não deveria a atividade da avaliação ser construída, 
antes de tudo, como uma prática a serviço das aprendizagens?” (HADJI, 
2001, p. 9).
Trata-se de abordar a avaliação como a possibilidade de localizar o aluno 
no seu aprendizado; de fazer com que ele – não por recriminações e sim por 
meio de ferramentas de êxito – desenvolva-se, aprimorando cada vez mais o 
seu desempenho; ainda, de levá-lo a reconhecer seu próprio erro como uma 
forma de aprendizagem e de informação, medida capaz de direcionar o pro-
cesso educativo para o sucesso. 
Esse posicionamento pode ser compreendido por muitos como um 
modelo ideal, difícil de ser atingido. Ainda que os professores se esforcem 
para direcionar o processo de avaliação nesse sentido, há um longo caminho 
a ser percorrido para o estabelecimento de uma verdadeira cultura da avalia-
ção. Segundo Dolors Quinquer (2003, p. 15), “para incorporar novas concep-
ções, é muito importante a influência que pode exercer a equipe educativa 
que avalia, assim como a ‘cultura’ criada na escola”.
De fato, a tarefa não é fácil mesmo se consideramos os entraves impostos 
pelas convicções que se cristalizam, como se abordou na primeira parte deste 
texto: a forte presença das representações construídas ao longo da história 
Avaliação de aprendizagem: representações e concepções 
53
pessoal e profissional dos professores e as interferências do próprio sistema 
educacional dificultam a aplicação de uma cultura da avaliação em prol da 
aprendizagem. 
Há, ainda, fortes marcas da avaliação tradicional que se realiza como um 
confronto, como exercício de poder, como instrumento de seleção, consti-
tuindo-se em um entrave no processo de construção de saberes e competên-
cias dos alunos.
Para Charles Hadji (2001, p. 15), “a avaliação em um contexto de ensino 
tem o objetivo legítimo de contribuir para o êxito do ensino, isto é, para a 
construção de saberes e competências pelos alunos”. Por outro lado, sobre a 
avaliação como prática de poder, Juan Miguel Batalloso (2003, p. 49) reforça 
que “as práticas rotineiras da avaliação não são unicamente ações orientadas 
por conceitos de valor, mas, sobretudo, atos fundamentados no uso e abuso 
do poder”.
Porém, considerar a avaliação como parte do processo de aprendiza-
gem não pode se reduzir a um ideal perseguido por alguns: é preciso buscar 
uma prática avaliativa que, efetivamente, encaminhe-se para o sucesso da 
aprendizagem.
Nesse sentido, faz-se necessária uma revisão que passe por um debate 
mais amplo, refletindo sobre: 
 O que ensinar? 
 Como selecionar os conteúdos de ensino? 
 Como buscar possibilidades de constatar o que os alunos não estão 
aprendendo satisfatoriamente? 
 Como enfrentar os descaminhos que se estabelecem no percurso de 
ensinar e aprender? 
São questões que se dirigem, sobretudo, para o caráter multidimensional 
da avaliação, isto é, para suas relações com os demais elementos que consti-
tuem o processo educativo – do projeto educacional à prática da sala de aula.
Pensar e realizar a avaliação comprometida com a aprendizagem implica 
rever e compreender as próprias convicções, buscar novos modelos explica-
tivos e, principalmente, ter disposição para a mudança da prática – tanto pe-
Docência no Ensino Superior 
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dagógica quanto avaliativa. A cultura da avaliação requer, portanto, o conhe-
cimento e a compreensão de diferentes lógicas de avaliação por parte dos 
docentes. A seguir, apresentamos uma dessas lógicas, sustentada na ideia da 
avaliação normativa.
Avaliação normativa: 
características da avaliação classificatória
Antes de iniciar a discussão sobre a avaliação normativa, é importante que 
se analise o quadro abaixo e se observe o ensino e suas dimensões: 
ENSINO
COMO, 
QUANDO E O 
QUE AVALIAR
COMO 
ENSINAR
O QUE 
ENSINAR
QUANDO 
ENSINAR
 As formas como se estabelecem as relações entre o que, como e quando 
avaliar são definidas pelas concepções que se tem sobre a avaliação. Para

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