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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ ESCOLA DE DIREITO CURSO DE DIREITO MARIELE CRISTINA DE ABREU ZORATTO DOS CONTRATOS PARITÁRIOS: BUILT TO SUIT LONDRINA 2015 MARIELE CRISTINA DE ABREU ZORATTO DOS CONTRATOS PARITÁRIOS: BUILT TO SUIT Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito. Orientadora: Profa. Dra. Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador LONDRINA 2015 Dados da Catalogação na Publicação Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central Zoratto, Mariele Cristina de Abreu Z88d Dos contratos paritários : built to suit / Mariele Cristina de Abreu Zoratto ; 2015 orientadora, Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador. – 2015. 54 f. ; 30 cm TCC (Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Londrina, 2015 Bibliografia: f. 52-54 1. Direito. 2. Contratos. I. Espolador, Rita de Cássia Resqueti Tarifa. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Escola de Direito. III. Título. Doris 4. ed. – 340 MARIELE CRISTINA DE ABREU ZORATTO DOS CONTRATOS PARITÁRIOS: BUILT TO SUIT Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito. COMISSÃO EXAMINADORA _____________________________________ Profa. Dra. Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador _____________________________________ Prof. Dr. Roberto Wagner Marquesi _____________________________________ Prof. Ms. Demétrius de Souza Coelho Londrina, 24 de junho de 2015. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me permitido chegar até aqui, e de antemão angredeço permitir que eu chegue muito mais longe. Também agradeço a todos que, a sua maneira, contribuíram, não só com este trabalho, mas com a minha formação. Meu agradecimento especial a minha tia Fátima Zorato, minha segunda mãe, e a minha orientadora Profa. Rita. “Portanto, procurai com zelo os melhores dons, e Eu vos mostrarei um caminho ainda mais excelente”. (I Coríntios, 12,31) RESUMO Contrato é a denominação jurídica para uma prática milenar e inerente a natureza do homem: o acordo de vontades a fim de realizar algo. O homem é um ser em permanente evolução, e ao passo que este muda ou descobre novas necessidades, o efeito se estende a sociedade e ao mundo jurídico. Quando o homem estabelece novos horizontes e novos negócios, o Direito tem a função social de acompanha-lo e dar suporte a nova realidade. Por isso, o universo contratual é dinâmico. É sempre possível criar uma nova modalidade contratual pra um novo tipo de negócio lícito que não encontre correspondência com os modelos já tipificados pelo Direito. Nesses termos, o Brasil importou o contrato Built to Suit, originário dos Estados Unidos. Esta pesquisa objetiva, principalmente, estudar tal modalidade contratual em seus aspectos legais, sob a luz da Teoria Geral dos Contratos, além de apontar casos concretos em que houve sua utilização. Palavras-chave: Contrato. Teoria Geral dos Contratos. Built to Suit. ABSTRACT Contract is the legal term for a millennial and human like practice: the will agreement in order to achieve something. The mankind is in permanent evolution, and while they change or discover new needs, the effects of that process extend to society and to Law. When man set up new horizons and new business, Law has the social duty to follow it and to support the new reality. For that reason, the contractual world is dynamic. It is always possible to create a new contract type for a new sort of lawful business when there is not any other alike between the typified models. In these terms, Brazil imported the Built to Suit contract that came from United States of America. This research aims mainly to study that sort of contract in its legal features, inside the general theory of contracts, besides pointing cases in which Built to Suit has been used. Key-words: Contract. Contracts General Theory. Built to Suit. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BTS Built to Suit STJ Superior Tribunal de Justiça SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10 2 CONTRATO BUILT TO SUIT ................................................................. ......14 2.1 CONTRATO COMO INSTRUMENTO DE REALIZAÇÃO DA ECONOMIA E A LIBERDADE CONTRATUAL ..................................................................................... 16 2.2 NATUREZA JURÍDICA..................................................................................25 2.3 CLASSIFICAÇÃO A LUZ DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS ........ ....28 2.4 COMPLEXO OBRIGACIONAL ................................................................ .....30 2.5 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS CONTEMPORÂNEOS APLICADOS AO BUILT TO SUIT..........................................................................................................40 2.6 BUILT TO SUIT E A LEI N° 8.245/1991.........................................................42 3 CASOS CONCRETOS ........................................................... ......................47 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. .......49 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... ....52 10 1 INTRODUÇÃO Em um Estado Democrático de Direito, todas as condutas as quais se pretenda dar validade devem estar de acordo com o ordenamento jurídico. Para tanto, o Direito brasileiro é composto de um extenso número de normas cogentes, de ordem pública, cujo conteúdo deve ser observado inexoravelmente pelos seus destinatários. Essa categoria de normas visa a promover a supremacia dos interesses coletivos sobre os particulares, e é também o instrumento por excelência de realização dos anseios constitucionais. Tal categoria de normas também atinge o universo privado do Direito, em virtude do que surgiu a expressão constitucionalização do direito privado. Embora fundado na autonomia privada, o Direito Civil, e seus desdobramentos, hoje se sujeitam a princípios e normas que visam mais ao coletivo que ao particular, como forma de proteger o todo de possível ação prejudicial de alguns. É perfeitamente possível, em um primeiro momento, pensar em um engessamento, ou limitação, da vontade das partes. E de fato o é. O indivíduo não pode mais agir, na realização de seus interesses, de forma alienada em relação a outra parte no negócio ou a sociedade como um todo. Isso se deve ao perfil do Estado brasileiro, que exterioriza os princípios e fundamentos adotados pela Constituição Federal de 1988, reflexo, ao menos em tese, do que a população almeja: uma maior intervenção do Estado em todos os assuntos, a fim de promover o bem estar social e amparar as partes menos favorecidas nas relações jurídicas. Pois bem, é bastante desconfortável pensar em tamanho controle do Estado sobre a vida dos indivíduos, especialmenteem suas relações mais particulares. Entretanto, tal interferência tem um lado extremamente positivo para o Direito Civil, que é a institucionalização da boa-fé objetiva e da função social como princípios basilares. Restrições a parte, o indivíduo ainda encontra certo poder de criação, ou seja, o fôlego necessário para não travar as relações privadas, em especial no âmbito econômico. 11 Dentro do vasto ramo do Direito Civil, o Direito das Obrigações, onde se insere o Contrato, e o Direito Empresarial ainda possuem uma margem interessante de liberdade na atuação das partes. O objeto dessa pesquisa se insere nessa seara, especificamente no universo contratual. O contrato é uma figura mais abrangente do que geralmente se imagina. Ele é mais que um documento formal, e não se consubstancia apenas nessa forma: ele é todo e qualquer ajuste de livres vontades. Assim é possível crer que a figura contratual surgiu no momento em que o homem passou a conviver em sociedade e negociar com seus semelhantes. A fim de dar maior respaldo a abordagem histórica desta pesquisa, regressemos ao sistema jurídico liberalista. O direito reflete o perfil da sociedade em determinado tempo e lugar. No século XVIII, deu-se a ascensão da burguesia ao poder, em diversos países, o que conferiu uma nova base ao direito: a liberdade. Não mais o Estado detinha o poder de mando e direção inquestionável sobre os indivíduos, como em épocas passadas (Regime Absolutista). Ele foi recolhido a uma posição que lhe conferia apenas os poderes mínimos para manter a integridade das nações. A burguesia apoderou-se e instituiu um regime aparentemente perfeito: o Liberalismo. A filosofia liberalista por certo que afetou também o direito, não se adstringindo a economia. A vontade dos indivíduos tornou-se imune, absoluta, inafastável. Tal vontade transmitida por meio de um acordo (um contrato) deu origem a um dos princípios mais marcantes do direito contratual: o pacta sunt servanda. Ou seja, uma vez manifestada a vontade, não havia quem ou o que teria força suficiente para afastar seus efeitos. É importante ressaltar que tal radicalismo representou um resposta a muitos séculos de repressão ao indivíduo, que após muito tempo conseguiu se ver livre das garras de um Estado autoritário ao extremo. Pois bem, tal regime, embora tenha durado muitas décadas, não conseguiu durar para sempre. Seu fim esteve atrelado tanto a ineficiências em seu mecanismo como a situações apocalípticas pela qual o mundo passou no século XX, como guerras e crises econômicas. 12 Tornou-se impossível manter o Estado afastado do comando quando a população sofria dos mais diversos males que a Mão Invisível não mais dava conta de sanar. No pós-guerra, o Estado reassumiu suas clássicas funções, respeitadas as conquistas individuais de épocas passadas, a fim de dar o respaldo que a população tanto precisava, instituindo a política de welfare state. Hoje cogita-se uma nova e tímida onda de liberalismo nos governos pelo mundo (neoliberalismo), abordagem que não cabe a esta pesquisa. De qualquer forma, o Estado está presente em tudo que concerne a Nação, especialmente no Direito, de forma que as normas de ordem pública se estendem por todo o ordenamento. Pois bem, nesse plano de fundo, passemos a análise do contrato hoje. O contrato no regime jurídico liberalista era pessoal, especialmente elaborado de acordo com as vontades e as necessidades dos contratantes. Porém, isso acontecia em uma economia em expansão. E a expansão extrapolou os limites imagináveis e controláveis. Chegou-se a massificação das relações econômicas. Isso tornou impossível manter o sistema quase que artesanal da elaboração de contratos, eis que este sempre foi e continuará sendo o instrumento de viabilização da economia. Resultado disso foi a criação dos chamados contratos de adesão ou contratos de massa. Essa modalidade contratual, feita para agilizar a conclusão de negócios, como a contratação de serviços, deu origem ao hipossuficiente das relações contratuais, que pode ser conceituado como a parte que possui uma necessidade real a ser suprida pelo outra, que apenas busca o lucro. A necessidade gera uma forma de dependência, que ocasiona abusos por parte do contratante provedor do bem da vida que se busca, tendo então o Estado o dever de equilibrar essa balança, como, por exemplo, através da proteção promovida pelo Código de Defesa do Consumidor. Tal espécie contratual é a que está em voga nas discussões jurídicas, em razão de sua recorrência e dos efeitos maléficos que pode trazer a parte vulnerável, restando um pouco excluída de estudos mais profundos a figura do contrato paritário. Os contratos paritários podem ser entendidos como remanescentes dos contratos pessoais antigamente concebidos, em que os contratantes encontram-se 13 em pé de igualdade e desejam disciplinar particularidades dos negócios que pretendem tratar. Essa espécie contratual é pertinente ao Direito Civil e ao Direito Empresarial. Embora o Código Civil tenha elencado algumas modalidades contratuais paritárias, ao passo que a sociedade muda e evolui, novos negócios surgem, e novos contratos dessa espécie também. Por isso, seu artigo 425 estabelece que: “Art. 425. É lícito as partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.” Este simples dispositivo abre uma janela imensa as partes, que, respeitando as normas cogentes, poderão elaborar disposições contratuais que melhor se adequam a seus interesses, ainda não abordados pelo legislador. É por meio dessa janela que novos contratos são criados e importados. Há uma modalidade contratual relativamente nova no Brasil, que o empresário brasileiro importou há alguns anos, e o ordenamento jurídico englobou em apenas em 2012: o contrato Built to Suit. 14 2 O CONTRATO BUILT TO SUIT A possibilidade de trabalhar com contratos atípicos torna o Direito contratual uma área de constante inovação. Nesse contexto entramos em contato com o Built to Suit. Modalidade contratual relativamente nova no Brasil, sua nomenclatura significa: O verbo to build designa o tempo presente e significa ‘construir’, enquanto o vocábulo built designa o tempo passado, cuja tradução é ‘construído’. Já o termo to suit significa, em sua tradução, ‘servir’, ‘acomodar’. Significa, assim, construir ou construído para servir, sob medida, conforme encomenda, personalizada de acordo com os interesses do destinatário. (CASAGRANDE; HASEGAWA, 2009, p. 243). Built to Suit é a denominação de uma relação econômica, e não somente de uma modalidade contratual, isso porque existem muitos outros fatores, e até mesmo contratos, envolvidos na consecução da obrigação principal, quando não seus próprios viabilizadores, que não se confundem com o contrato cerne. BENEMOND (2013) aponta que a importação do contrato Built to Suit foi possível no Brasil devido ao surgimento do Sistema Financeiro Imobiliário em 1997, através da Lei n° 9.514/1997. Isso proximou o mercado imobiliário do financeiro, dando origem a financiamentos imobiliários, ou alienação fiduciária imobiliária, além da criação de títulos de crédito pertinentes a esse novo mercado financeiro. Tal inovação abriu as portas para aquela modalidade contratual pelos seguintes motivos. Conceituando-se em linhas gerais o negócio Built to Suit, um dos contratantes é a empresa interessada ou locatária, que precisa de estrutura física para seu empreendimento, mas não está disposta a imobilizar ativos para a construção. Assim, ela busca um parceiro, também denominado empreendedor, investidor ou locatário (BENEMOND, 2013), para viabilizar a empreitada, nos termos de suas especificações. Em troca, ela se compromete, com a conclusão da obra, a alugá-la, por um prazo razoavelmente longo, a fim de restituiro montante investido pelo parceiro e lhe remunerar pelo uso do imóvel. É possível que o parceiro não seja uma construtora, e sim um simples investidor, que vê nisso a possibilidade de um bom retorno, ou que, sendo o construtor, simplesmente não tenha recursos para arcar com a construção, mas nem por isso desistirá do negócio. 15 Nessa última hipótese, ele poderá buscar recursos no mercado financeiro imobiliário, firmando um contrato a parte com um financiador, que pelos mecanismos fornecidos pelo Sistema Financeiro Imobiliário, verá seu crédito devidamente garantido. Entretanto, os termos de tal operação estão fora do objeto de estudos desse trabalho. Já no primeiro caso, é possível que ele subcontrate um agente especializado para construir, firmando outro acordo independente, mas que viabiliza a execução do negócio principal. Além dessas figuras, consultores poderem ser contratados para auxiliar na operação. O consultor imobiliário tem a função de gerenciar a realização do empreendimento, e o consultor jurídico, a de prezar pelo equilíbrio da negociação e da formalização do acordo. O Built to Suit ainda é dividido em fases, uma que concerne a formatação do empreendimento, no âmbito interno da parte interessada, em que será definido o projeto e feito o planejamento financeiro para a obra, e outra a sua implementação, com a busca por parceiros e celebração do contrato, se estendendo até o término da locação (BENEMOND, 2013). BENEMOND (2013) aponta outras operações que podem estar atreladas ao negócio, como a constituição de uma sociedade de propósito específico; a instrumentalização da aquisição do terreno ou de concessão do direito de superfície por meio de escritura pública; contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto do empreendimento; contrato de empreitada; financiamento para aquisição do terreno ou para a reforma; cessão de crédito do contrato BTS; securitização dos créditos do contrato BTS; seguro performance, dentre outros. Devido ao número de agentes envolvidos, as fases de realização do negócio, aos demais contratos que podem vir a ser realizados paralelamente e ao que tange ao Sistema Financeiro Imobiliário, é possível concluir que o Built to Suit é muito mais complexo que esta brevíssima síntese pode apontar. Cada uma dessas facetas rende material suficiente para estudos mais aprofundados. Sob o enfoque jurídico, a pesquisa tem por objeto o contrato Built to Suit cerne, celebrado entre a empresa locatária e o parceiro empreendedor, como instrumento jurídico principal de formalização do negócio, visando a ofertar uma contribuição, ainda que pequena, ao estudo de modalidade contratual tão interessante e ainda tão pouco explorada pela doutrina brasileira. 16 Para tanto é preciso partir de uma premissa maior: o Contrato. 2.1 CONTRATO COMO INSTRUMENTO DE REALIZAÇÃO DA ECONOMIA E A LIBERDADE CONTRATUAL É impossível pensar em uma realidade econômica dissociada do contrato. Muito mais do que possibilitar a realização daquela, ambos refletem o perfil da sociedade em que estão inseridos, em determinado tempo e lugar. Nesso sentido, ROPPO (2009) afirma que o contrato é entendido como símbolo de uma determinada ordem social, transmitindo toda sua complexidade. E ele não poderia estar mais correto. O autor italiano aponta a famosa doutrina de Henry Sumner Maine, estudioso inglês do século XIX, que constatou que o processo de desenvolvimento das sociedades humanas pode descrever-se, de forma sintética, como o processo de transição do status ao contrato. Essa ideia contrapõe a realidade das sociedades antigas, em que as relações entre os homens eram determinadas predominantemente pela pertença de cada um a um grupo social e sua posição no seio da sociedade, derivando de modo mecânico e passivo o seu status. Já na sociedade moderna, esse mesmo status passa a ser fruto da livre escolha dos indivíduos, da sua iniciativa individual e de sua vontade autônoma, que encontra no contrato o seu maior símbolo e instrumento de concretização. Tal teoria é em sua totalidade corroborada pela História. O Contrato, da forma como o conhecemos hoje, tem suas origens nas conquistas das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, que instituíram o Estado Liberal, que, nas palavras de LÔBO (2011, p. 39), significou a antítese do Estado Absolutista, no qual as relações privadas, especialmente as atividades econômicas, dependiam da vontade e concessão do soberano. Institucionalizou-se a liberdade. Com isso, promulgaram-se Constituições liberais, notadamente a partir das revoluções francesa e norte americana, as quais incorporaram o ideal burguês, que prezava a autodeterminação individual em oposição ao controle do Estado. Isso trouxe o fim do controle sobre a atividade econômica a fim de garantir plena liberdade contratual. O lema era: minimização do Estado, maximização da liberdade 17 individual e contratual (LÔBO, 2011). De fato, a conquista revolucionária consolidou-se, e a cúpula mais forte e dominante da burguesia lançou as sementes de seu império. Entretanto, essa mesma conquista deixou o pequeno comerciante e os trabalhadores em situação extremamente desfavorável, por se encontrarem a mercê do contratante mais forte, detentor do poder econômico, e sem amparo legal. A liberdade de contratar e a vontade do indivíduo passaram a ser soberanas e inatingíveis, e essa realidade se manteve por todo o século XIX: A reação do liberalismo individualista do século XIX contra as limitações impostas pelo Estado, durante a Idade Média, consagrou, assim, o postulado da liberdade dos homens no plano contratual. Dentro desse espírito dominante, admitia-se a onipotência do cidadão na administração e na disponibilidade de todos os bens, garantindo amplamente o direito de propriedade e faculdade de contratar com todas as pessoas nas condições e de acordo com as cláusulas que as partes determinassem. (WALD, 2013, p. 231). Fruto dessa nova realidade é a teoria clássica de Contrato, o qual deveria ser baseado na soberania individual de juízo e escolha. Dentro da ideologia novecentista, ao passo que se conferia ao indivíduo ampla liberdade de contratar, tendencialmente ilimitada, a isso correspondia, também, uma ilimitada responsabilidade pelo acordo feito, isso traduzido no brocardo pacta sunt servanda. (ROPPO, 2009). Eis ai o nascimento de um dos princípios jurídicos mais importantes de que se tem notícia – o pacta sunt servanda: Um princípio que, além da indiscutível substância ética, apresenta também um relevante significado econômico: o respeito rigoroso pelos compromissos assumidos é, de fato, condição para que as trocas e as outras operações de circulação da riqueza se desenvolvam de modo correto e eficiente segundo a lógica que lhes é própria, para que se não frustrem as previsões e os cálculos dos operadores. (ROPPO, 2009, página 34). Dessa forma, tinha-se um direito baseado na liberdade plena de contratar, fundado na pretensa igualdade (formal) entre os indivíduos, cuja consequência era uma responsabilidade ilimitada pelo que se acordava. Assim, dada a palavra, ela deveria ser cumprida a qualquer custo. Mesmo que sobreviesse ao contratante mudança no estado de coisas em que se encontrava quando da contratação, ainda que alheia a sua vontade, e que o impossibilitasse de cumprir sua obrigação, não havia mecanismo disponível capaz de equilibrar novamente os pratos da balança. 18 Sem surpresa alguma, tal situação de coisas não conseguiu superar as dificuldades trazidas pelo século XX. A condição socioeconômica viabilizada pelo Estado Liberal tornou-se insustentável com o passar do tempo. Não era mais saudável para a sociedade, principalmente após as guerras do início do século XX, viver subjugada pelas incertezas da “mão invisível” e pelos arbítrios dos grandesempresários (LÔBO, 2011). CARVALHO e PEREIRA JUNIOR (2014, p. 10) também explicam essa situação: O abstencionismo do Estado em relação à atividade econômica privada, ideal do Liberalismo Econômico, se por um lado permitiu criatividade e desenvolvimento econômico, por outro facilitou a prática de abusos por parte da minoria detentora do capital, nem sempre afeita a práticas econômicas socialmente sustentáveis. O acúmulo de desordens neste último sentido colaborou para a eclosão de crises que ultrapassaram a estrita esfera econômica dos Estados que adotaram esse modelo, para atingir igualmente o aspecto político e social. As necessidades da população menos favorecida (e majoritária) fomentaram a criação do Estado Social, antagônico ao modelo liberal, o qual foi instituído no Brasil com a Constituição de 1934, tendo por ápice a atual Constituição. O objetivo de uma Constituição desse tipo de Estado é promover a justiça social. Um dos mecanismos adotados para tanto foi a constitucionalização dos sistemas de controle da atividade privada, mediante, principalmente, a defesa da ordem econômica e social. Tal controle afeta principalmente o contrato e a propriedade (LÔBO, 2011). Assim surgiu a figura do Direito Civil Constitucional: O direito civil constitucional salienta a centralidade da pessoa e dos valores a ela imanentes, que a Constituição brasileira elevou como fundamento da organização social e do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III), ao lado da solidariedade social, o que conduz a uma concepção do contrato que não se exaure na autoregulação dos interesses privados. A igualdade meramente formal é substituída pela equivalência ou equilíbrio material do contrato, principalmente nos contratos massificados. (LÔBO, 2011, p. 44). A esse controle do Estado sobre as relações privadas deu-se o nome de dirigismo econômico, que COELHO (2012, p. 25) bem explica: Certamente, o chamado dirigismo econômico importou a restrição da margem de livre atuação de vontade particular. A anarquia do mercado, se não podia ser de todo eliminada, como pretendido pelo fracassado ideal socialista de planificação estatal da economia, devia ser pelo menos controlada, e isto, no plano jurídico, representou o aumento da regulação dos interesses econômicos pela interferência da ordem positivada, externa a vontade das pessoas diretamente envolvidas. 19 Os efeitos dessa mudança atingiram mais especificamente a função e alcance da autonomia privada, isso feito por meio de normas cogentes e novos princípios, buscando casar os interesses particulares com os da sociedade. Porém, o contrato não perdeu sua função essencial de instrumento de circulação de riquezas e viabilização da economia, nem sua essência deixou de emanar da liberdade. Houve apenas adaptação. Quanto a essas mudanças, PEREIRA (2013) aponta que a acepção moderna de contrato é no sentido de que ele tem repercussão na sociedade, quer em seus efeitos positivos ou negativos, exorbitando, assim, a esfera dos indivíduos contratantes egoisticamente considerados. Quando da elaboração e do cumprimento do contrato, em sua órbita devem figurar, da maneira mais harmônica possível, os princípios clássicos e os modernos, quais sejam: autonomia privada, força executória, relatividade, função social, equilíbrio e boa-fé. A Constituição Federal de 1988 promoveu, assim, a chamada despatrimonialização do Direito Civil, em que se retirou o patrimônio do centro do ordenamento jurídico, e em seu lugar colocou-se o ser humano, como destinatário primeiro da proteção do Direito. LÔBO (2011, p. 45 e 46) condensa muito bem esse novo paradigma: Uma das maiores características do contrato, na atualidade, é a necessidade de equivalência material das prestações, que perpassa todos os fundamentos constitucionais a ele aplicáveis. Esse princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes. É possível afirmar, então, que a primeira grande conquista do Direito Contratual foi a igualdade jurídica formal, que permitiu aos particulares contratarem em termos, em tese, justos e alheios a privilégios. A segunda conquista se reflete na superação desse mesmo caráter formal da igualdade, pelo reconhecimento da indubitável desigualdade, tanto econômica, quanto jurídica, que há na sociedade, a partir do que se deu nova cara ao Direito Civil e as relações por ele reguladas, a fim de efetivar os novos princípios de ordem social. Nesse sentido, COELHO (2012, p. 27) afirma: O princípio da igualdade, para fins de disciplina das relações entre pessoas privadas, significou no passado a proibição de privilégios. Atualmente, significa o amparo jurídico ao economicamente mais fraco, para atenuar os efeitos da desigualdade econômica. 20 Feitas as considerações históricas, parte-se para o conceito de contrato, que mantém traços da teoria clássica, mas com ajustes promovidos pela nova realidade social e jurídica em que se insere. Os conceitos jurídicos sempre refletem uma realidade exterior a eles próprios, ou seja, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais. Com o conceito de contrato não seria diferente. Ele acompanha as mudanças históricas. Isso recebe o nome de relatividade do contrato, que não se confunde com o princípio contemporâneo contratual, ao passo que significa que o contrato muda a sua disciplina, as suas funções, a sua própria estrutura segundo o contexto econômico-social em que está inserido. Assim, está atrelado, principalmente, à realidade econômica no qual ele está inserido e também aos interesses tutelados pelo direito (ROPPO, 2009). Mesmo entendimento tem CARVALHO e PEREIRA JUNIOR (2014, p. 3): A hodierna concepção de contrato não se identifica com aquela que predominou por quase todo o século XX, a qual, por sua vez, difere da compreensão refletida na história da Idade Média ou da Antiguidade acerca da temática, o que se observa em razão da diferença dos valores priorizados pelas sociedades de cada época. Dito de outro modo, a concepção de contrato aperfeiçoou-se gradativamente ao longo dos anos, conforme os avanços registrados na história socioeconômica e política. Partindo então do que se entende por contrato contemporaneamente, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2008, p. 11) elaboraram um conceito bastante completo: Entendemos que o contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades. E ainda acrescentam: Em uma perspectiva civil-constitucional, devemos ter em conta que o contrato, espécie mais importante de negócio jurídico, apenas se afirma socialmente se entendido como um instrumento de conciliação de interesses contrapostos, manejado com vistas à pacificação social e ao desenvolvimento econômico. Não podemos, dessa forma, considera-lo como um instrumento de opressão, mas sim de realização. (2008, p. 12). WALD (2013, p. 230) em seu conceito enfatiza o acordo de vontades: o contrato é um negócio jurídico bilateral, pois depende de no mínimo duas declarações de vontade, visando criar, modificar ou extinguir obrigações (direitos relativos de conteúdo patrimonial). 21 Nessa mesma linha, PEREIRA (2013) ainda acrescenta dois requisitos essenciais a sua existência e validade: o consenso e a conformidade com a lei, a fim de que se produzam os efeitos desejados. Em apertada síntese, contrato é a relação jurídica em que se dá a composição de interesses convergentes, de cunho patrimonial. Ou seja, o contrato é um instrumento jurídico que reflete acordos de vontade, de cunho econômico, dentro daquilo que permite, e respeitandoo que veda o ordenamento jurídico, balizado por novos princípios, como a eticidade, a socialidade e a operabilidade. É possível ainda afirmar que a legislação contratual reflete objetivos político- econômicos. Não há como pensar em contrato sem falar em liberdade contratual. Esta é conditio sine qua non daquele. Sem a possibilidade de livremente estipular com quem e quando se quer contratar (liberdade de contratar) e o que se quer contratar (liberdade contratual) o instrumento jurídico contrato perde sua essência e sua razão de ser. A liberdade contratual se confunde com a autonomia privada: A autonomia da vontade apresenta-se sobre duas formas distintas, na lição dos dogmatistas modernos, podendo revestir o aspecto de liberdade de contratar e da liberdade contratual. Liberdade de contratar é a faculdade de realizar ou não determinado contrato, enquanto a liberdade contratual é a possibilidade de estabelecer o conteúdo do contrato. A primeira se refere à possibilidade de realizar ou não um negócio, enquanto a segunda na fixação das modalidades de sua realização. (WALD, 2013, p. 232). O aspecto mais importante da liberdade contratual, em relação ao objeto dessa pesquisa, é a possibilidade que ela confere de criação de contratos atípicos, ou seja, novos contratos, ainda não inseridos formalmente no ordenamento jurídico: A liberdade contratual permite a criação de contratos atípicos, ou seja, não especificamente regulamentados pelo direito vigente, importando na possibilidade para as partes contratantes de derrogar as normas supletivas ou dispositivas, dando um conteúdo próprio e autônomo ao instrumento lavrado. (WALD, 2013, p. 232). Antes da Lei n° 12.744/2012, que alterou a Lei de Locação (Lei n° 8.245/1991), a fim de inserir nela um artigo pertinente ao Built to Suit, o mesmo era utilizado pelo empresário brasileiro na forma de contrato atípico, fazendo pleno exercício, então, de sua autonomia privada, questão que será abordada mais adiante. 22 LÔBO (2011) aponta que a liberdade contratual, ou autonomia privada, não está abrangida pela Constituição Federal de 1988, sendo que esta apenas abordou a livre iniciativa como um de seus princípios e um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, além de inexistir também previsão em legislação infraconstitucional. Contudo, com ou sem previsão constitucional e legal, a autonomia privada continuará sendo a essência do contrato, eis que sua origem, a liberdade, está na própria natureza do ser humano, como um de seus anseios mais importantes e ao qual não se pretende renunciar. Esclareça-se, a tipificação ou não de tal figura é irrelevante para sua continuidade no tempo e aplicação nas relações privadas, e sequer para sua importância, eis que ostenta a qualidade de princípio, e apesar de um tanto abalada pelo atual cenário, se mantém firme em suas raízes seculares. Dentro desse panorama, ROPPO (2009, p. 8) faz uma série de apontamentos acerca da importância do contrato para a economia: as situações, as relações, os interesses que constituem a substância de qualquer contrato podem ser resumidos na ideia de operação econômica. Para o autor, o contrato é a veste jurídico-formal de operações econômicas, do que é possível concluir que onde não há operação econômica, não pode haver também contrato. Ou seja, o contrato opera exclusivamente na esfera do econômico (ROPPO, 2009). De forma brilhante, o jurista italiano sintetiza o que é contrato nessa perspectiva: e contrato é, precisamente, o conceito que vem a resumir esta realidade complexa, não linear, de progressiva ‘captura’ das operações econômicas por parte do direito (ROPPO, 2009, p. 15). Há uma ressalva a ser feita em relação a suposta exclusividade dos contratos na realização de operações econômicas. Existem outros mecanismos que possibilitam a circulação de riquezas, como a sucessão causa mortis e o recolhimento da tributação. Por isso, é possível dizer que não há contrato sem operação econômica, mas há operação econômica sem contrato. Essas formas não-contratuais de se fazer circularem riquezas deram origem a uma figura e teoria denominada relação contratual de fato (ROPPO, 2009). Mas ainda sim o contrato é o principal instrumento jurídico de circulação de riquezas. 23 Ao se imaginar as proporções da economia globalizada, é certo que, junto dela, o contrato também se popularizou: Com o passar do tempo, entretanto, e com o desenvolvimento das atividades sociais, a função do contrato ampliou-se. Generalizou-se. Qualquer indivíduo – sem distinção de classe, de padrão econômico, de grau de instrução – contrata. O mundo moderno é o mundo do contrato. E a vida moderna o é também, e em tão alta escala que, se se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a consequência seria a estagnação da vida social. O homus economicus estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência de toda a gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos movimentos primários (PEREIRA, 2013, p. 10). Com tamanha aplicação, tornou-se impossível manter a forma quase artesal com que os contratos eram feitos antigamente. A expansão da economia veio acompanhada de velocidade, e em um mundo que “tempo é dinheiro”, as contratações também tiveram que se adaptar. Nesse sentido, NALIM (2011, p. 111) traz breve síntese dos motivos dessa nova mudança do universo contratual: Vale frisar que a concepção moderna de justiça contratual encontrava seu ápice no livre exercício da vontade individual, única fonte legítima, conforme se viu, de produção de justiça [...]. Na sequencia, já estável o poder econômico e político burguês, serve o Code novamente a classe dominadora [...]. Passa do momento de consolidação do direito a liberdade contratual para o momento de sua exploração, necessidade preeminente após a Revolução Industrial [...]. A exploração desacerbada, pelo liberalismo clássico, do exercício da autonomia da vontade (liberdade contratual), entra em processo autofágico. O homem contratante acabou no final do século passado e início do presente, por se deparar com uma situação inusitada, qual seja, a da despersonalização das relações contratuais, em função de uma preponderante massificação, voltada ao escoamento em larga escala do que se produzia nas recém-criadas indústrias (grifo nosso). A massificação das relações econômicas ocasionou a massificação também dos contratos. Mudou-se a forma de contratar, que passou a se realizar de maneira mais genérica e impessoal, tudo em nome do tempo e da redução de custos. Surgiu o contrato de adesão. A concepção clássica de contrato não conseguia explicar esse fenômeno, eis que antigamente a pessoalidade (liberdade de contratar) e a liberdade contratual eram o cerne do contrato. Dessa forma, um dos três pressupostos contratuais clássicos, quando não os três, não está presente - liberdade contratual, obrigatoriedade do contrato e relatividade de seus efeitos (NALIM, 2008). O contrato de adesão reflete toda a mudança ocorrida na economia desde o século XX, e expõe a situação em que a sociedade de consumo se encontra. 24 BERTOLDI e RIBEIRO (2014, p. 756) afirmam que a predisposição de cláusulas contratuais é condição indispensável para a consecução de diversas atividades empresariais. Também apontam que a cláusula predisposta é fator de recionalização e otimização da empresa, ao passo que hoje não há como defender uma total liberdade de contratar sem incorrer na inviabilização por completo do sistema financeiro, entendimento que parece ser o mais acertado. Muito se estuda a respeito dessa nova modalidade contratual, sendo alvo de debates e estudos aprofundados, principalmente no que tange a figura do contratante vulnerável e sua proteção. Nesse contexto, a figura diamentralmenteoposta, o contrato paritário, acaba perdendo o brilho no âmbito acadêmico. Mas o mesmo não ocorre no correr dos dias das relações econômicas. Apenas pode se dizer paritário o contrato em que as partes estão em pé de igualdade material, e isso, nos dias de hoje, tem se mostrado cada vez mais raro. NALIM aponta com maestria a posição que tal modalidade contratual ocupa hoje no cenário econômico e jurídico: Relevante dizer que a decadência da clássica definição do contrato não se aplica a todas as modalidades contratuais, por esta razão de fazendo, presente, ainda, o contrato paritário. Por outro lado, é inegável a afirmação de que o contrato paritário, neste tempo de relações de mercado, é a exceção, a partir do qual não se pode pretender seja ele a âncora epistemológica de todo o entendimento sobre o instituto (NALIM, 2008, p. 113). De fato a figura paritária restou adstrita ao âmbito empresarial e aos contratos tipificados no rol do Código Civil de 2002. Nesses termos, COSTA afirma: O Código Civil de 2002, no que concerne as relações jurídicas obrigacionais tem por fito regulamentar as avenças celebradas entre as partes que ocupam o mesmo patamar, isto é, que se encontram em condição de igualdade, configurando-se, pois, relações jurídicas paritárias, não havendo, portanto, em um dos polos da relação jurídica obrigacional vulnerabilidade ou hipossuficiência. (2013, p. 16) Ele é a exceção, como aponta NALIM (2008), e não mais a regra, conforme pregava a teoria clássica. Porém, sua importância e força se mantêm incólume na esfera empresarial. Hoje, o Direito Civil, naquilo que tange ao conteúdo dos Livro I (Direito das Obrigações) e II (Direito Empresarial) de sua Parte Especial, aproveitam o máximo 25 que a autonomia privada pode dar, sendo somente o contrato paritário compatível com tal realidade. É também em suas bases a maioria dos contratos atípicos é estabelecida. O mesmo se deu com o objeto dessa pesquisa: o contrato Built to Suit, inicialmente atípico, e posteriormente incluído no ordenamento, sempre foi, e continua sendo, iminentemente paritário. Resta saber se o mesmo, já definido como paritário, se encaixa no Direito Civil puro ou no Direito Empresarial, dúvida que apenas pode ser esclarecida com a elucidação de sua natureza jurídica. 2.2 NATUREZA JURÍDICA O contrato Built to Suit é celebrado predominantemente no âmbito privado, nas relações entre particulares, especialmente empresas, no exercício de seus direitos individuais. Como já exposto no tópico anterior, é essencialmente paritário, eis que parte do pressuposto de igualdade ou equivalência econômica entre as partes quando da firmação do compromisso. Entretanto, ser regido pelo direito privado e ostentar a qualidade de paritário não exaurem a delimitação de sua natureza jurídica. Isso porque o Direito Privado se subdivide em duas categorias – direito civil e direito empresarial – que possuem autonomia uma em relação a outra e ambos comportam a figura do contrato paritário. Resta saber em qual dela o Built to Suit se encaixa. Muito embora o Código Civil de 2002 faça presumir-se uma unificação formal do direito privado, a condensação dessas duas categorias em apenas um diploma legislativo não foi suficiente para afastar suas diferentes abordagens, sendo que o direito civil se ocupa de situações que recaem sobre o indivíduo, enquanto o direito empresarial tem por objeto relações jurídicas oriundas da atividade de empresa. Ao manterem-se autônomos, ainda sim atuam em conjunto no âmbito negocial, em que cabe ao direito civil dispor sobre Direito das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, e ao direito empresarial dedicar-se ao estudo de seus contratos específicos, partindo do que foi estabelecido no âmbito cível. 26 Existem, portanto, na seara privada, contratos de direito civil e outros de direito empresarial, e BULGARELLI vai além ao listar os de consumo: Há, portanto, sobre tal aspecto, de se distinguir hoje entre os contratos comuns, firmados entre particulares, de igual ou equivalente posição econômica, dos contratos entre empresas, e dos contratos dos particulares com as empresas, sendo estes últimos o alvo do chamado direito do consumidor. (2000, p. 26). Contratos de direito civil e empresarial diferem em relação a seus sujeitos: Assim, uma diferença que se pode estabelecer entre contratos civis e comerciais é que estes serão sempre os praticados pelos comerciantes no exercício de sua profissão, enquanto aqueles são os que qualquer pessoa capaz poderá praticar. (MARTINS, 2011, p. 62). Também diferem quanto a destinação do objeto do contrato, sendo que, para o direito civil, o objeto se destina a fruição do indivíduo contratante, e, se de direito empresarial, se destina a realização do objetivo da atividade de empresa: Além dos contratos mercantis, que são aqueles firmados entre os empresários para a consecução de suas atividades profissionais, encontramos também os contratos civis, no qual não se verificam as características de profissionalidade. (BERTOLDI; RIBEIRO, 2014, p. 753). Ante essa elucidação, é possível concluir que o contrato Built to Suit é de direito empresarial, mas não somente. Rege-se, de fato, pelo direito empresarial ao passo que pode, e geralmente o é, ser firmado entre empresas (a interessada e a realizadora), tendo por objeto prestações que se destinam ao cumprimento do objeto social de cada uma, seja pela utilização de uma nova estrutura para desempenho das atividades, seja viabilizando uma obra em busca de lucro. Entretanto, não somente empresas tem o privilégio de figurar nos polos da relação jurídica. Muito embora a parte que dá o impulso ao negócio seja predominantemente uma empresa, eis que dela parte a necessidade que motiva o Built to Suit, o parceiro não necessariamente o será. Isso fica mais claro com um exemplo. Supondo que a referida empresa tenha elegido um determinado terreno ou imóvel para se instalar, e a propriedade recaia sobre um indivíduo, o contrato será celebrado entre empresa e particular, afastando-se do universo empresarial e se encaixando no civil. É importante ressaltar que tal arranjo não implica em vulnerabilidade do particular em relação a empresa, como em um primeiro momento se poderia cogitar. Isso porque a estrutura do negócio é bastante segura para ambas as partes. A 27 propriedade da nova obra ou do imóvel reformado não deixa de ser do parceiro viabilizador do negócio, e, além disso, sua garantia de reembolso pelo investimento feito está na promessa de locação e em seu longo prazo de duração, extenso o suficiente para que o parceiro readquira o montante que investiu. Não sendo isso suficiente, há ainda a possibilidade de estipular cláusulas penais para determinadas obrigações do contrato, como forma de compelir a outra parte, seja pela boa-fé, seja pela pena pecuniária, a adimplir o pactuado. O que resta claro é que, nesses casos excepcionais de contratação ente empresa e particular, o negócio apresenta várias alternativas para manter o equilíbrio e a segurança contratual, a fim de evitar que o contrato seja condenado a título de contrato de adesão genérico. Quanto ao tipo contratual, considerando que hoje o Built to Suit é um contrato tipificado, é errôneo qualifica-lo simplesmente como uma modalidade especial de locação. O Built to Suit é um corpo contratual individualizado e independente, e embora os tipos contratuais bastante comuns façam parte de sua estrutura – espreitada e locação, os mesmo são apenas fases de uma contratação uma, em que cada qual tem o mesmo peso e importância. Também é incorreto pensar que o Built to Suit se confunde com o direito de superfície. Não podendo ser mais divergentes, este representa um desmembramento do direito de propriedade, conferida a um terceiro, por determinado espaço de tempo,para que este construa ou utilize a superfício do imóvel. Já aquele confere apenas posse do bem, construído ou reformado pelo proprietário, mediante locação do mesmo ao agente que manifestou a necessidade originária de todo o negócio. Assim, conclui-se que o contrato Built to Suit tem natureza híbrida de direito privado, eis que pode ser regido tanto pelo direito civil como pelo direito empresarial, tudo dependendo da qualidade – pessoa física ou jurídica - das partes contratantes, e que constitui modalidade independente de contrato, pois embora se utilize de elementos de outros contratos típicos, forma um todo uniforme e individualizado. 28 2.3 CLASSIFICAÇÃO A LUZ DA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS Feitas as considerações introdutórias e delimitada a natureza jurídica do contrato Built to Suit, antes dele ser esmiuçado em suas particularidades, é necessário classifica-lo nos termos da Teoria Geral dos Contratos, elaborada pelos estudiosos do direito civil, a qual, como visto acima, se aplica a todo tipo de contrato. Para tanto, parte-se do esquema de categorias apresentado por PEREIRA (2013), a partir do que é possível concluir que o contrato Built to Suit é: a) Típico. Tal modalidade contratual foi importada pelo empresário brasileiro, que não se viu inibido de usá-la ante a inexistência de tipificação legal para o tema, ou seja, ela era utilizada na forma de contrato atípico. De fato, as inovações aparecem, e então o Direito tem a função e o dever de incorporá-las, o que, nesse caso, aconteceu somente em 2012, com a Lei n° 12.744, cujas impropriedades serão comentadas em tópico próprio, mas que, a sua maneira, tornou o contrato Built to Suit típico, nos moldes do entendimento de PEREIRA (2013, p. 54): diz-se que um contrato é típico (ou nominado) quando as regras disciplinares são reduzidas de maneira precisa nos Códigos ou nas leis; b) Misto. Contratos mistos são os que fundem diversos contratos típicos , ou contratos típicos com contratos atípicos, formando uma unidade autônoma. Não há justaposição de contratos diversos, mas sim fusão desses contratos formando outro distinto (LÔBO, 2011, p. 108). É exatamente o que acontece no contrato Built to Suit. Ele é típico, oriundo da fusão de dois outros contratos típicos muito comuns: empreitada e locação. Entretanto, esses dois tipos autônomos se fundem numa nova figura independente, cuja finalidade engloba, condensa e personaliza as prestações de ambos; c) Consensual. Por consensualismo entende-se a ideia de que o simples consentimento basta para formar o contrato (GOMES, 2009). Logo, percebe-se que o que gera o contrato é o acordo de vontades, e não o instrumento, eis que ele é, em sua gênese, abstrato e imaterial; d) Oneroso. Tal característica se dá em razão dos encargos recíprocos e da busca pelo lucro por ambas as partes contratantes; 29 e) Comutativo. Os contratantes sabem, desde o início do pacto, quais obrigações lhe cabem e quais direitos lhe estão garantidos; f) De execução diferida e de trato sucessivo. O Built to Suit possui essas duas classificações porque cada contratante cumpre seu encargo de forma temporal distinta. Vejamos. O contrato de execução diferida é aquele em que a prestação de uma das partes não se dá de um só jato, porém a termo, não ocorrendo a extinção da obrigação enquanto não se completar a solutio (PEREIRA, 2013). É o exemplo do imóvel a ser construído, de acordo com as especificações feitas, o que leva certo tempo, mas que alcançará um resultado específico e pontual. Por outro lado, o futuro locatário renovará sua obrigação a cada mês de aluguel pago, pelo prazo de duração do negócio pactuado, o que caracteriza o contrato de execução continuada, o qual sobrevive, com a reiteração da obrigação, embora ocorram adimplementos periódicos, até que, pelo implemento de uma condição, ou decurso de um prazo, cessa o trato (PEREIRA, 2013); g) Individual. No que se refere ao consentimento necessário, que, no caso em tela, é de pessoa individualmente considerada, e de não de um grupo organicamente considerado; h) Sinalagmático. Existem obrigações recíprocas entre os contratantes, sem o que o negócio não se perfaz, as quais, embora distintas, devem possuir valor equivalente, de modo a garantir equilíbrio econômico entre as partes (GOMES, 2009). Quanto aos princípios que regem essa modalidade contratual, não existem ressalvas a fazer quanto a aplicação dos princípios clássicos – autonomia da vontade, força obrigatória do pacto e relatividade de seus efeitos – ou dos contemporâneos, ou sociais – boa-fé, função social e equilíbrio econômico. Há apenas que se fazer um apontamento do que ensina NALIM (2008, p. 252) ao confrontar a boa-fé e os contratos paritários: Mesmo nas relações ditas paritárias, a vontade deve ser reservado espaço residual do contrato, não mais sendo permitido suplantar a boa-fé, sempre materializadora do núcleo contratual contemporâneo – solidariedade constitucional – em relativização do papel da vontade do contratante. Ao lado dos princípios de direito civil, também incidem os de direito empresarial na hipótese de celebração do Built to Suit entre empresas. 30 Dentre eles, merece ressalva o da liberdade de iniciativa, previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, o qual COELHO (2012) eleva a elemento essencial do capitalismo, sendo inerente a sua ideologia e modo de produção. Além desse, também se aplica o princípio da inerência do risco, que reconhece que a atividade empresarial sempre está sujeita ao fator alea, ou seja, ainda que todos os fatores controláveis estejam sendo bem conduzidos, não há como evitar crises oriunda dos fatores incontroláveis, motivo pelo qual se concede ao empresário auxílios como a recuperação judicial (COELHO, 2012). Abordada a natureza jurídica do contrato Built to Suit, e o tendo qualificado nos termos da Teoria Geral dos Contratos, é possível partir para a análise de sua estrutura obrigacional. 2.4 O COMPLEXO OBRIGACIONAL A Lei n° 9.514, de 1997, criou o Sistema Financeiro Imobiliário, e instituiu a alienação fiduciária de imóveis, através da securitização de créditos imobiliários, mediante títulos de crédito específicos daquele novo sistema financeiro. Assim, construtoras, incorporadoras e instituições financeiras originadoras de financiamentos imobiliários passaram a ter acesso aos benefícios de um mercado de capitais a disposição de seus negócios. Houve, dessa forma, uma aproximação entre a indústria imobiliária e o mercado financeiro. BENEMOND (2013) defende a ideia de que foi essa inovação econômica que possibilitou a importação do negócio Built to Suit para o Brasil, tendo em vista que, considerando-se que na maior parte dos casos tal negócio envolve grandes cifras, as partes buscam recursos no mercado financeiro imobiliário. O Built to Suit tem sido utilizado nos Estados Unidos desde a década de 50, posteriormente se difundindo para Europa e Ásia. Não é possível precisar a época em que chegou ao Brasil, mas ainda é, sem dúvidas, uma inovação na economia brasileira, ainda pouco difundida, tanto no universo econômico como no jurídico. Esse tipo negocial foi importado pelo empresário brasileiro, que não se intimidou ante a ausência de legislação nacional sobre o tema, e continuou seguindo as diretrizes estrangeiras para regulamentação do negócio. Tal prática foi se difundindo, ainda que de forma tímida, podendo ser qualificada como costume. 31 FURTADO (2013, p. 05) aborda tal fenômeno nos seguintes termos: Esse processo de adoção de contratos não previstos em lei com reiterado uso no mercado e ampla aceitação da sociedade é denominada tipificação social dos contratos. Recentemente o tema foi abordado pelo Legislador, através da Lei n° 12.744 de 2012, assunto que será melhor abordado mais adiante. Assim, cabeapresentar como se forma o complexo obrigacional – a relação jurídica - do Built to Suit, não sem antes conceitua-lo. Em termos de conceito, TAGLIARI (2012, p. 09) define que: Esse novo modelo de negócio jurídico é aquele pelo qual o locatário, interessado em se instalar em um imóvel com características específicas à sua atividade empresarial, contrata um locador que adquire o terreno, constrói um imóvel e transfere a posse àquele, mediante pagamento de alugueres superiores aos praticados no mercado, bem como por longo período de tempo, normalmente acima de 10 anos, a fim de recuperar o investimento. Todavia, o imóvel não precisa ser totalmente construído para servir ao locatário, mas pode ser um imóvel já existente no mercado imobiliário e que seja reformado de acordo com as necessidades do negócio que ali se quer instituir. As definições de Built to Suit não variam muito entre os autores, como se percebe pela definição de CASAGRANDE e HASEGAWA (2009, p. 245): Como conceito, temos que o contrato built to suit é uma modalidade de negócio jurídico, realizado pela necessidade e interesse do destinatário em determinado bem, com características específicas e peculiares, não encontrado ou indisponível no mercado, viabilizado por terceira pessoa, que se compromete a construir ou a empreender o objeto desejado, por si ou por outrem, mediante remuneração convencionada. Ainda nesse sentido, FRANCIOZI (2013, p. 15) dá sua contribuição para a sedimentação do conceito de Built to Suit na linha dos autores supracitados: Nas locações BTS, imóveis determinados pela parte interessada m ocupa- los são adquirido, construídos ou reformados por terceiros (Locador ou outros por este indicados), sob medida, para atender as necessidades específicas ao desenvolvimento de ativifades das empresas ocupantes, que participam da operação na qualidade de Locatários. Estes se comprometem, em contrapartida, a remunerar o Locador, estando vinculados por um contrato de locação de longo prazo. Em síntese, Built to Suit é o negócio jurídico bilateral, oneroso, sinalagmático, em que uma das partes identifica a necessidade de imóvel sob medida para concecussão de suas atividades, e que, para evitar a imobilização de ativos, encontra parceiro disposto a viabilizar a empreitada, seja construindo o imóvel ou reformando um já existente, tendo como garantia de seu investimento a locação, que seguirá a conclusão da obra, por prazo dilatado e mediante pagamento de aluguel 32 diferenciado, que em seu valor abranja o uso do imóvel e o retorno do investimento feito. A partir do conceito, é possível perceber certos elementos essenciais a caracterização do negócio Built to Suit. O primeiro deles se refere as partes. De um lado, invariavelmente, encontramos uma Empresa, não raro de grande porte, que tem necessidade de instalações personalizadas, totalmente adaptadas a sua atividade-fim. Não é de se duvidar que tal obra demande um grande investimento. Seria desvantajoso para a empresa imobilizar ativos de seu capital na construção da estrutura, eis que oneroso e alheio ao seu core business. Para sanar tal impasse, essa Empresa pode optar por encontrar um Parceiro, disposto e muito mais habilitado para promover a execução da obra, que seguirá estritamente suas especificações. Em contrapartida, a Empresa se compromete não necessariamente a comprar o imóvel finalizado, mas tão somente a alugá-lo, por um prazo extenso, a fim de garantir ao parceiro o retorno do investimento feito, além de remunerá-lo pelo uso do imóvel. TAGLIARI (2012, p. 09) comenta as vantagens do Built to Suit para a Empresa, futura locatária: Do ponto de vista econômico, é vantajoso para o locatário porque este não irá disponibilizar seus recursos financeiros para a construção de imóvel, mas, ao contrário, poderá investir o montante em seu ramo de negócios, ou seja, utilizar esse valor como capital de giro e não como ativo imbolizado. Tais vantagens – não imobilização de ativos e imóvel sob medida - saltam aos olhos. Além delas, é possível destacar a postergação dos custos, tendo em vista que a Empresa, ao invés de arcar com eles num curto período de tempo, para viabilizar a obra, diluirá aos mesmos ao longo dos anos de contrato de locação. Já BENEMOND (2013) aponta interessante vantagem tributária na realização do Built to Suit. Ao passo que um imóvel entraria como ativo no balanço empresarial, sendo assim alvo de forte carga tributária, o aluguel é tido como despesa, podendo ser abatido do valor base do imposto de renda e da contribuição sobre lucro líquido da Empresa. A autora condensa essas duas ideias: O locatário prescinde de um alto investimento e da imobilizar seus ativos, preservando seu capital de giro e o foco em suas atividades-fim. Dilui ao longo do contrato, a partir do início da locação, e não a partir da aquisição e construção, o desembolso que então seria necessário. Em termos fiscais, o valor da ‘locação’ pode ser caracterizado como despesa operacional, o que permite reduzir o lucro operacional do locatário e, portanto, a tributação correspondente. E, ainda, ao fim do contrato, pode se mudar para outro 33 imóvel, caso naquele futuro momento lhe seja mais conveniente. [...] Dessa forma, além da vantagem tributária para a contratante, o built to suit permite a diluição do valor devido ao empreendedor a título de remuneração ao longo do contrato, iniciando-se, normalmente, a partir do início do uso e fruição do imóvel por parte da contratante (BENEMOND, 2013, P. 22). Parte contrária, o já mencionado Parceiro, que também pode ser chamado Investidor, é quem se incumbe de sanar a necessidade levantada pela Empresa, por ver nisso um negócio vantajoso, nos seguintes termos. Não raro nos deparamos com imóveis construídos por investidores na esperança de serem alugados no futuro. No Built to Suit o construtor não sofre tais incertezas: ele emprega recursos em uma obra que certamente será alugada assim que finalizada, ocasião em que o Investidor se tornará Locador. CASAGRANDE e HASEGAWA (20-, p. 246) denominam tal vantagem de “destinatário ou usuário pré- determinado”. O investimento feito tem garantia contratual de que será reavido – por meio da locação, corroborada tal segurança pela própria necessidade da Empresa em alugar o imóvel para continuar desempenhando suas atividades, como aponta TAGLIARI (2012, p. 09): Para o locador também é vantajoso o negócio estabelecido na modalidade built to suit, vez que o locatário permanecerá no imóvel por um longo período de tempo, de forma a permitir o retorno do investimento feito com o imóvel e o lucro que foi calculado em cima de cada parcela dos alugueres. A vantagem mais interessante para o Investidor é a atuação no Mercado Financeiro Imobiliário e os benefícios que isso lhe traz. Através da securitização dos futuros créditos locatícios, o Investidor pode captar recursos no mercado financeiro, a juros menores, mediante emissão de Certificados de Recebíveis Imobiliários, a fim de conseguir viabilizar a obra. Além disso, pode comercializar sua obra no mercado antes mesmo de ser iniciada (BENEMOND, 2013). Para os compradores de tais créditos, a vantagem está na possibilidade de maiores retornos que os percebidos em investimentos padrão, além de maior certeza, ante a segurança e estabilidade da futura locação. Nesse sentido, FURTADO (2013, p. 28): É comum, ainda, que os contratos de Built to Suit prevejam a possibilidade de utilização do terreno e da edificação como objetos de garantia em operações de capitação de investimentos no mercado imobiliário por parte do locador. Assim, ao gerar Certificados de Recebíveis Imobiliários, nos termos da Lei n° 9.514/1997, o locador oferece seus créditos futuros, os alugueres, em troca de financiamento para construção do prédio. Essas 34 operações estão previstas, geralmente,em cláusulas de securitização, não sendo, obviamente, um elemento essencial para o negócio jurídico. FRANCIOZI (2013, p. 07) acrescenta: A securitização de recebíveis mostra-se como interessante fonte de funding no mercado de real state ou como forma de alavancagem. Ainda no que se refere a possibilidade de securitização de recebíveis, nas operações BTS é possível estabelecer um fluxo de alugueis mais homogêneo, o que facilita a estruturação segura de uma operação de securitização de recebíveis. Interessante ressaltar que na primeira fase do negócio – empreitada – a Empresa figura como credora, e o Parceiro como devedor, situação que se inverte na fase seguinte – locação, configurando assim uma relação jurídica sinalagmática entre Empresa e Parceiro. Segundo elemento de destaque, o Imóvel deve ser específico, personalizado, sob medida. O imóvel é o elemento central da primeira fase de concretização do negócio: a empreitada. Não é requisito indispensável a caracterização do negócio que o imóvel seja uma acessão inédita. Reformas substanciais também se amoldam perfeitamente a essência do Built to Suit. É possível que o Investidor não tenha o know-how para a empreitada, e em razão disso pode se valer de subcontratações (contratos derivados) para viabilizar o cumprimento de sua obrigação. Importante ressaltar que o vínculo desses possíveis contratos derivados obriga apenas ao Investidor, como compete a natureza de tais modalidades. A Empresa resta alheia a essa nova contratação, e em nada pode ser demanada pelo subcontratado ou por terceiros prejudicados pela obra, pois apenas se vinculou ao contrato Built to Suit cerne, ou contrato-base da subcontratação. As disposições legais acerca da responsabilidade civil do empreiteiro contidas no Código Civil se aplicam integralmente na primeira fase do Built to Suit, em relação apenas ao Investidor, porque ele, embora muitas vezes não seja o empreiteiro, em todos os casos é dono da obra: a titularidade do imóvel, em uma negociação Built to Suit, não se transfere a Empresa em nenhum momento, e possível aquisição configura negócio jurídico diverso. Ou seja, na primeira fase do Built to Suit – em que se realiza a construção ou reforma do imóvel - a Empresa levanta uma necessidade e busca um Parceiro 35 interessando em saná-la. Nessa etapa seu dever jurídico se limita a honrar o compromisso de alugar o imóvel no futuro, nada mais. Reforçando o caráter específico da obra – indispensável ao Built to Suit, o Superior Tribunal de Justiça, em 2008, proferiu decisão exemplar condenando a parte investidora do Built to Suit em razão da insatisfatoriedade da obra quando consideradas as exigências da parte contrária que levaram a celebração do contrato: Civil. Processo civil. Recurso especial. Ação de indenização. Contrato de incorporação no modelo 'build to suit'. Construção de imóvel sob medida para utilização e no interesse de terceiros pré- determinados. Contrato posterior de empreitada. Obra que foge aos padrões determinados, de forma a ter sua utilidade reduzida. Reparação dos danos pleiteada, em valores a serem parcialmente estabelecidos em liquidação de sentença, de acordo com perícia ainda a ser realizada. Culpa caracterizada pela má execução do serviço. Condenação a reparar os gastos verificáveis para dar à obra a utilidade desejada, assim como para indenizar os prejuízos sofridos pela limitação de uso. Alegação de condicionalidade e de julgamento para além do pedido. Honorários. - A inicial não tratou, especificamente, de valores a serem ressarcidos; nesse ponto, o levantamento total dos prejuízos foi relegado à prova pericial, pois, ao lado dos reparos já realizados, constatou-se a necessidade de novas obras. - Porém, apesar de não ter havido menção a valores na inicial, a autora admitiu que a perícia havia superestimado os custos das obras já realizadas em memoriais apresentados antes da sentença. Em que pese ser bastante peculiar a situação, e nos limites em que devolvida a matéria em recurso especial, deve-se considerar tal conduta como sendo equivalente a uma individuação tardia do pedido, que nem por ter sido postergada pode ser desconsiderada. Nas circunstâncias, a referência a valores feita só no memorial deve ser equiparada àquela que deveria ter constado na própria inicial, tendo o efeito de limitar a condenação possível. - Há, portanto, julgamento 'ultra petita' quando o juiz considera o valor superior constatado pelo perito, em desprezo à manifestação da própria parte interessada, ainda que esta tenha sido praticada posteriormente à inicial. A solução, na hipótese, encontra-se no simples afastamento do excesso, sendo totalmente descabida a alegada obrigatoriedade de anulação de todo o processo - providência que viria, inclusive, em desfavor das próprias partes. - Quanto às alegações de condicionalidade, em recentes precedentes, a 3ª Turma tem entendido que, em casos de dúvida a respeito do alcance e da precisão do dispositivo da sentença, este não pode ser lido em total isolamento, como se não fosse decorrência lógica do processo obrigatório de argumentação jurídica que o precede. O suposto vício no dispositivo, na verdade, deixa de ter plausibilidade quando a frase citada pela recorrente é traduzida com base na motivação do ato judicial. Assim, a sentença, consignou-se a obrigatoriedade de novas reformas, muito embora não fosse possível, ainda, precisar quanto elas custariam; em tal provimento não há qualquer vício, pois se trata-se de típico caso no qual se fixa o 'an debeatur', mas relega-se à execução o 'quantum'. 36 - No modelo de construção 'build to suit', há um contrato inicial entre a incorporadora e os terceiros que utilizarão efetivamente o bem. Na presente hipótese, tal relação originária já previa a responsabilidade da ora recorrente, que ficara incumbida de escolher o empreiteiro, por eventual má prestação de serviços deste. A sentença, já reconhecendo o dever de ressarcimento da incorporadora em face de terceiros que não são parte neste processo - os locatários - condenou a ré nos mesmos termos, aplicando assim uma espécie de cadeia de responsabilidades contratuais. - Ainda nessa situação não há condicionalidade, pois se há responsabilidade contratual - questão que não pode mais ser discutida - a parte sobre a qual recai tal obrigação não é obrigada a ser demandada em juízo para que se sinta no dever de cumpri-la. Portanto, o dever escalonado de ressarcimento é certo; apenas a liquidação e a execução desta obrigação é que podem estar condicionadas a evento futuro e incerto, que é o pagamento dos prejuízos, por parte da incorporadora, aos locatários. - Pontos definidos pelo Tribunal de Justiça com base no exame das provas dos autos não podem ser alterados em sede extraordinária, em face do óbice da Súmula nº 7/STJ. - A constatação de que houve sucumbência recíproca, e não sucumbência mínima como determinara a sentença, pode ter seus efeitos respeitados pela simples redução, em metade, do valor inicialmente fixado a título de honorários, na medida em que estes devem ser compensados nos termos da Súmula nº 306/STJ, passível de aplicação nesta instância caso ocorra, aqui, o redimensionamento das verbas de sucumbência. Não haveria, portanto, efeito prático na alteração do acórdão. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 885.910/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/04/2008, DJe 05/08/2008). (grifo nosso) 1 O julgado reforça a ideia de que cada especificação que a Empresa faz é elemento essencial, necessário e vinculante do contrato, caso contrário, alugaria qualquer outro imóvel disponível. Estando o imóvel em termos, inicia-se a segunda fase do Built to Suit: a locação. A essência da locação Built to Suit está em sua longa duração. Tal realidade faz surgir deveres anexos de conduta – oriundos da boa-féobjetiva - diferentes daqueles exigidos em uma contratação de curto prazo, eis que as partes precisarão de maior comprometimento e cooperação para viabilizar a execução do contrato ao longo do tempo: _______________ 1 BRASÍLIA, Superior Tribunal de Justiça, REsp 885.910/SP, Relator: Ministra Nancy Andrighi, 2008. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/790513/recurso-especial-resp-885910-sp- 2006-0144180-0/inteiro-teor-13708010>. Acesso em 04 fev 2015. http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/790513/recurso-especial-resp-885910-sp-2006-0144180-0/inteiro-teor-13708010 http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/790513/recurso-especial-resp-885910-sp-2006-0144180-0/inteiro-teor-13708010 37 Nesse sentido, a contratação de determinado serviço ou produto com um nível enorme de especificidade acaba exigindo parcerias sólidas e duradouras entre empresas, na meida em que comprador não encontrará no mercado qualquer um que lhe ofereça o que pretende adquirir, e o vendedor tampouco poderá comercializar seu produto a qualquer um, já que, dada a especialidade, poucos (ou até mesmo nenhuma outra parte) terão interesse pelo seu produto ou serviço, na forma então ofertada. (SCHUNK, 2013, p. 07). Adaptando o texto ao Built to Suit, locador e locatária estão atralados por um imóvel sob medida, que seria difícil de achar pronto e também difícil de alugar a qualquer um, razão pela qual estão vinculados de forma especial e mais profunda do que estariam em outros negócios jurídicos. Essa situação de maior dependência entre os contratantes originou na doutrina o conceito de contrato relacional. Nele as partes estão envolvidas por vínculos mais dinâmicos e duradouros, abertos e sujeitos as mudanças advindas da prolongação do contrato. Tal característica inside sobre contratos clássicos, como o de seguro, dando- lhe uma nova roupagem e relevância. Nessa nova forma de contratar, em que as partes experimentam vínculo diferenciado e duradouro, a postura dos contratantes deve estar à altura, balizada em todos os momentos pela confiança e pela boa-fé. Uma maior cooperação é necessária não só em razão da moral ou do solidarismo, mas principalmente para que o objeto do contrato seja executado da melhor forma possível (SHUNK, 2013). Ou seja, considerando que as condições do contrato invariavelmente mudarão ao longo do tempo, uma maior cooperação gera e garante maiores lucros. Embora com campo de atuação predominantemente no direito do consumidor - em contratos como o de seguro de vida, conta corrente e previdência privada - o Built to Suit também pode ser classificado como contrato relacional. Isso porque está em sua essência a longa duração, o que gera a necessidade de adaptação das prestações, como, por exemplo, o ajuste do preço pelo uso do imóvel conforme a valorização, ou não, do mesmo, e a dependência entre locadora e investidor, no que tange ao imóvel ideal e ao reembolso do investimento feito. Não se trata, portanto, de forma alguma, de uma locação normal. Pelos seguintes motivos: a) Ser precedida de construção ou reforma substancial de um imóvel; 38 b) Valor de aluguel diferenciado: o Parceiro faz o investimento confiando que a futura locação será rentável o suficiente para garantir seu reembolso e lucro. Por esse motivo, no cálculo do valor do alguel deve-se computar o uso do imóvel e mais uma parcela de amortização do investimento; c) Prazo extenso: tendo em vista os altos custos da obra, e que o aluguel será a forma de ressarcir esses custos, é necessário um prazo dilatado de locação para não onerar excessivamente a Empresa. Por esse motivo, o prazo-base de uma locação Built to Suit supera os de locações não residenciais padrão. Importante deixar claro que, após vencido o prazo-base de locação, suficiente para que o Parceiro retome o investimento, o Built to Suit encontra seu objeto realizado, e a recondução da locação será considerada locação não residencial normal, tema que será melhor abordado no tópico seguinte. Em síntese, o complexo obrigacional do contrato Built to Suit consiste em Empresa e Parceiro vinculados um pela obrigação de entregar um imóvel sob medida, e o outro a locá-lo por longo prazo e aluguel diferenciado, obrigações que se realizam em fases distintas do negócio. Quanto aos demais aspectos legais dos contratos em geral – formação, contrato preliminar, extinção, dentre outros – pouco há que se ressaltar. No tocante a revisão contratual, não há como as disposições do Código Civil serem afastadas, visto que constituem normas cogentes. Ainda que o fosse, ao se deparar com flagrante desequilíbrio contratual, que cause onerosidade excessiva para um das partes, seria atentatório a todos os princípios contratuais contemporêneos impedir que a parte prejudicada buscasse justiça contratual. Nesse sentido está o entendimento de TARTUCE (2013, p. 167), que invoca, inclusive, a milenar cláusula rebus sic stantibus: Como regra geral, portanto, os contratos devem ser cumpridos enquanto as condições externas vigentes no momento da celebração se conservarem imutáveis. Caso haja alterações, modificando-se a execução, deverá ser aplicada a regra rebus sic stantibus, restabelecendo-se o status quo ante. O autor ainda aponta que se deve entender que o fato onerosidade, a fundamentar a revisão ou até mesmo a resolução do contrato, não necessita de prova de que uma das partes auferiu vantagens, bastando a constatação do prejuízo e do desequilíbrio (TARTUCE, 2013). 39 Entretanto, tal solução deve ser usada com cautela quando se tratar de contrato Built to Suit disciplinado pelo Direito Empresarial – nos termos da distinção feita no tópico Natureza Jurídica – conforme aponta o Enunciado n° 25 da I Jornada de Direito Comercial: A revisão do contrato por onerosidade excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza e o objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes e observar a alocação de riscos por eles acordada. Nada mais sensato que dar tratamento diferenciado as relações empresariais, que comportam o máximo que a autonomia privada por dar, através do estabelecimento de relações paritárias, no que o contrato Built to Suit se almolda em regra. Em termos de extinção contratual, a única ressalva a ser feita se refere a impossibilidade, temporária, de denúncia vazia por uma das partes. O artigo 473 do Código Civil prevê a extinção do contrato por resilição unilateral. Em seguida, seu parágrafo único faz importante ressalva, que vem de encontro a essência do Built to Suit: Art. 473. [...] Parágrafo Único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. No Built to Suit, portanto, apenas caberá resilição unilateral após ter transcorrido prazo suficiente de locação que permita o reembolso do investimento feito pelo Parceiro – geralmente o prazo-base préfixado no contrato. Após esse período, o Built to Suit converte-se em uma locação normal, sendo então cabível a denúncia vazia, mediante notificação da outra parte, nos exatos termos do caput do artigo 473. Como discorrido acima, o Built to Suit é contratação de longo prazo, o que exige uma postura diferenciada por parte dos contratantes, o que também afeta os parâmetros de responsabilidade civil – “dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário” (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 333). Nesses casos, o respeito aos deveres anexos de conduta – desmembramentos da boa-fé objetiva, como o dever de informação, de veracidade e de cooperação – encontra-se especialmente mais indispensável do que nas contratações
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