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1 Opinião jurídica A Associação de Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros nos solicitou opinião jurídica sobre a seguinte questão: “A criminalização da LGBTfobia, nos termos debatidos no Mandado de Injunção 4733 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, viola liberdade religiosa?” Respondemos, em parecer pro bono, a esta questão1. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 proposta pelo Partido Socialista Popular – PPS em face do Congresso Nacional e o Mandado de Injunção 4733 proposto pela Associação de Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros têm por fim obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima, por ser isto (a criminalização específica) decorrência da ordem constitucional de legislar relativa ao racismo (art. 5º, XLII) ou, subsidiariamente, às discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI) ou, ainda subsidiariamente, ao princípio da proporcionalidade na acepção de proibição de proteção deficiente (art. 5º, LIV, da CF/88). O julgamento destas ações, marcado para o próximo dia 13 de junho de 2019, constitui um momento histórico para corrigir uma das maiores lacunas legislativas de nossa história recente – com repercussões graves a direitos e garantias fundamentais da população LGBT+ - bem como oportunizará a essa Egrégia Corte definir os limites constitucionais das cláusulas de exceção religiosa para crimes de preconceito e discriminação contra população LGBT+. Com base em jurisprudência comparada de outras cortes constitucionais, bem como no direito internacional de direitos humanos, esta opinião jurídica argumenta que a criminalização da LGBTfobia não viola liberdade religiosa. Ademais, opina que medidas legislativas que permitam cláusulas genéricas de exceção religiosa para crimes de preconceito e discriminação contra população LGBT+ - atualmente discutidas no âmbito do legislativo brasileiro – contradizem o reconhecimento da LGBTfobia como crime de racismo, ora definido por essa Egrégia Corte, bem como caminha em sentido oposto ao do direito comparado e internacional a respeito. 1 Esta opinião jurídica pro bono foi feita com o apoio e participação de alunos da FGV Direito SP, que contribuíram imensamente com a pesquisa, a saber: Beatriz Stefani Castro, Guilherme Horta de Souza Lima, Juliana Reimberg, Roberta Bolognese de Almeida, Thiago Aloe de Macedo e Vítor Rodrigues Saddi. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 2 1. Mora Legislativa em Criminalizar a LGBTFobia e da Existência de PLs que buscam excluir templos e pessoas religiosas da obrigação de não-discriminação contra pessoas LGBTs É entendimento consolidado desta Corte que a existência de projetos de lei não afasta a mora legislativa. Corrobora com este entendimento a análise apresentada no Anexo desta opinião, no qual se pode vislumbrar a existência de 27 propostas legislativas referentes à discriminação LGBTfóbica, muitas delas arquivadas por decurso do tempo de tramitação. Tal levantamento evidencia a mora legislativa que esta corte está a enfrentar na presente ADO 26. Ademais, é motivo de preocupação constitucional o fato de que, em reação ao julgamento da presente Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão, o Congresso Nacional propôs nas últimas semanas medidas legislativas com vistas a afastar a aplicação de crimes de discriminação LGBTfóbica a condutas no contexto religioso. A exemplo disso, podemos ver: Proposta Legislativa Data e Autor Trecho da Cláusula de Exceção Religiosa EMENDA Nº 1 - CCJ SUBSTITUTIVO PROJETO DE LEI Nº 672, DE 2019 SENADO FEDERAL 22/05/2019 Senador Alessandro Vieira Art. 2º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos comerciais ou locais abertos ao público: Parágrafo único. Incide na mesma pena quem impedir ou restringir a manifestação razoável de afetividade de qualquer pessoa em local público ou privado aberto ao público, ressalvados os templos religiosos. ” (NR) EMENDA Nº 1 - CCJ SUBSTITUTIVO, PROJETO DE LEI Nº 672, DE 2019 SENADO FEDERAL Senador Marcos Rogério Dê-se ao art. 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, de que trata o art. 2º do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 672, de 2019, a seguinte redação: “Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a intolerância, discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero: § 5º Não constitui crime a manifestação de opinião de qualquer natureza e por quaisquer meios sobre questões relacionadas a orientação sexual ou identidade de gênero, sendo garantida a liberdade de consciência e de crença, de convicção filosófica ou política e as expressões intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação.” (NR) Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 3 PL 2672/20192 CÂMARA DOS DEPUTADOS 07/05/2019 Deputado Marco Feliciano Art. 2º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual. Parágrafo único. Não incorrem nos crimes previstos nesta lei aqueles que professarem visão discordante a determinado comportamento social, desde que a mesma se dê no contexto do uso regular dos direitos de liberdade de crença e de livre exercício dos cultos religiosos, e que não incite a prática de violência. (NR)” PL 3266/2019 CÂMARA DOS DEPUTADOS 04/06/2019 Deputado Márcio Labre Acrescenta Parágrafo Único - "Não se enquadra, nem de forma análoga, em qualquer hipótese e a qualquer tempo, nas tipificações de crime de preconceito de raça ou de cor, a homofobia ou outra forma de orientação sexual" ao Artigo 1º da Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989. Tais propostas violam o entendimento construído até o momento por este E. Tribunal no julgamento da ADO 26 e MI 4733, bem como a jurisprudência desta Egrégia Corte sobre discriminação e sobre liberdade religiosa, expostas a seguir. De formas distintas, tais propostas e outras que vierem a ser elaboradas pelo Legislativo em reação a este julgamento procuram instituir exclusão de ilicitude com base na religião a condutas discriminatórias lgbtfóbicas e não sanam, de nenhuma forma, a omissão inconstitucional. Sustenta esta opinião que tais medidas de exceção com base na religião não são necessárias para garantir liberdade religiosa, e tampouco são constitucionais. O Direito Brasileiro e a jurisprudência desta Corte já apresentam balizas jurídicas por meio das quais quaisquer violações à liberdade religiosa não serão constitucionalmente permitidas, ao mesmo tempo em que se pune, de maneira plenamente compatível com a liberdade religiosa, o intuito de ofender a outrem ou a um grupo todo, como a população LGBT. 2. Compatibilidade entre liberdade religiosa e criminalização da LGBTfobia, segundo jurisprudência desta Egrégia Corte. Direitos LGBTs e liberdade religiosa, muitas vezes, são colocados em lados opostos, como se conflitantes fossem. Esta opinião jurídica argumenta que criminalização da LGBTfobia é compatível com a liberdade religiosa. Em primeiro lugar, muitos LGBTs 2 Proposta retirada pelo autor. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98-6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 4 são religiosos. Dados da organização da sociedade civil Vote LGBT, tomados a partir de 2016, mostram que: “ao contrário do que estabelece o senso comum, que opõe cristãos a LGBTs, 40,2% dos participantes das paradas de SP e 47,5% em BH declararam possuir alguma religião cristã (entre católicos, evangélicos e kardecistas).”3 Em segundo lugar, muitas pessoas religiosas apoiam direitos LGBTs. De acordo com pesquisa Datafolha na Marcha para Jesus de São Paulo em 2018, “58,87% se dizem a favor do casamento entre pessoas do mesmo gênero”.4 Criminalização da LGBTfobia e liberdade religiosa são, ademais, juridicamente compatíveis. Nas presentes ações, essa Corte tem procurado estabelecer os parâmetros jurídicos a fim de compatibilizar a discriminação do preconceito e discriminação contra população LGBT no Brasil, de um lado, e a liberdade religiosa de outro. Nessa seara, votos já proferidos na ADO 26 e no MI 4733 indicam tais parâmetros jurídicos. Em primeiro lugar, o que configura ilícito, esclarece o Min. Relator Celso de Mello é o intuito de ofender a outrem ou a um grupo como um todo e não a exposição de crenças religiosas e, em todo modo, nunca será juridicamente cabível a censura. Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro – ao garantir ao mesmo tempo a liberdade religiosa e a proteção da honra alheia – não vê como conflitantes, mas sim como complementares a liberdade religiosa e criminalização da LGBTfobia. Assina o decano desta Egrégia Corte: “Não constitui demasia assinalar, neste ponto, que a divulgação objetiva de fatos ou de narrativas religiosas não basta, só por si, para configurar hipótese de ilicitude, civil e/ou penal, pois jamais se pode presumir o intuito doloso de ofender subjacente à exposição descritiva veiculada pelos líderes e pregadores religiosos com apoio no magistério contido nos Livros Sagrados. (...) O que não se revela lícito a qualquer pessoa, no entanto, além de não poder ofender a honra de terceiros em razão de sua preferência religiosa, é escarnecer de alguém, em público, por motivo de crença ou função religiosa, ou, então, de impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso ou, ainda, 3 VOTE LGBT, https://www.votelgbt.org/pesquisas, acessado em 10 de junho de 2019. 4 Folha de SP, https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/06/religiao-tem-pouca-influencia-no-voto-dos- eleitores-da-marcha-para-jesus.shtml, 4 de junho de 2018, acessado em 10 de junho de 2019. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 5 vilipendiar, publicamente, ato ou objeto de culto religioso. ” (STF, ADO 26, voto do Ministro relator Celso de Mello) Em segundo lugar, o ordenamento jurídico já possui garantias legais contra a discriminação religiosa e, portanto, o reconhecimento da criminalização da LGBTfobia apenas concederá a mesma proteção jurídica integral a LGBTs de que já desfrutam pessoas religiosas contra discriminação. Por meio da Lei nº 7.716/89 onde está tipificada a discriminação e preconceito contra religião, bem como por meio de outros tipos penais como o que preserva o bem jurídico do sentimento religioso (Art. 208, Código Penal), a religião já desfruta de proteção integral no ordenamento jurídico existente sendo, portanto, desnecessária e inconstitucional a inclusão de outras cláusulas de exceção – ou excludentes de ilicitude – como as propostas do Legislativo em reação a esta Corte. Em terceiro lugar, em diversas ocasiões, o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de oferecer concretude ao mandato constitucional da liberdade religiosa assegurado no Artigo 5º, VI, da Constituição Federal de 1988. Nestes momentos, Ministros dessa Corte interpretaram o direito à liberdade religiosa como um dever por parte do Estado de neutralidade consubstanciado pelo princípio da laicidade que consta do Artigo 19 da Constituição. Neste sentido, o Ministro Alexandre de Moraes, na Ação Direita de Inconstitucionalidade 4.439-DF – sobre ensino religioso nas escolas - expressou este dever: “O Estado deve respeitar todas as confissões religiosas, bem como a ausência delas, e seus seguidores, mas jamais sua legislação, suas condutas e políticas públicas devem ser pautadas por quaisquer dogmas ou crenças religiosas ou por concessões benéficas e privilegiadas a determinada religião. O Poder Público tem a obrigação constitucional de garantir a plena liberdade religiosa, mas, em face de sua laicidade, não pode ser subserviente, ou mesmo conivente com qualquer dogma ou princípio religioso que possa colocar em risco sua própria laicidade ou a efetividade dos demais direitos fundamentais, entre eles, o princípio isonômico no tratamento de todas as crenças e de seus adeptos, bem como dos agnósticos e ateus.” (STF, ADI 4.439, voto do ministro relator para acórdão Alexandre de Moraes) Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 6 Em outras palavras, a liberdade religiosa apenas será constitucionalmente garantida na medida em o Estado não revista dogmas ou crenças religiosas com força de lei, conduta estatal ou política pública, sob pena de excluir da proteção estatal outras crenças e seus adeptos, inclusive agnósticos e ateus. Em quarto lugar, esta Corte tem estabelecido sólida jurisprudência a favor de um constitucionalismo fraterno, por meio do qual seja reconhecido e respeitado o pluralismo de diversos grupos dentro da mesma ordem constitucional. Portanto, reconhece esta Corte que liberdade religiosa e de expressão devem ser exercidas em observância a demais direitos e garantias constitucionais. Neste sentido, expõe o Min. Edson Fachin no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 134.682/2016 – sobre discriminação religiosa: “Nos termos da jurisprudência do STF, ‘a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social’, de modo que o conceito jurídico associado ao racismo não pode ser delineado a partir de referências raciais ancoradas em compreensões científicas há muito superadas. Assim, a imprescritibilidade de práticas de racismo deve ser aferida segundo as características político-sociais consagradas na Lei 7.716/89, nas quais se inserem condutas exercitadas por razões de ordem religiosa e que se qualificam, em tese, como preconceituosas ou discriminatórias. A liberdade religiosa e a de expressão constituem elementos fundantes da ordem constitucional e devem ser exercidas com observância dos demais direitos e garantias fundamentais, não alcançando, nessa ótica, condutas reveladoras de discriminação. O discurso discriminatório criminoso somente se materializa após ultrapassadas três etapas indispensáveis. Uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos; outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles e, por fim; uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior.” (STF, HC 134.682, ministro relator Edson Fachin,) Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 7 Tendo em vista os parâmetros apresentados na decisão acima, fica claro que esta Egrégia Corte já teceu em casos anteriores as formas de compatibilização entre combate à discriminação e liberdade religiosa, sendo, portanto, desnecessário que o legislador adote excludentes de ilicitude que permitam que templos religiosos ou pessoas religiosas sejam isentos da observância das leis que punem discriminação e preconceito contra LGBTs. Isto porque a legislação penal, conforme Min. Edson Fachin já assinalou acima, pune nãoa crença religiosa, mas sim a perpetuação da desigualdade e dominação de um grupo sobre outro, o que o STF tem chamado na presente ADO de racismo social. Neste sentido, o Presidente desta Corte, Ministro Dias Toffoli já teve a oportunidade de assinalar a diferença entre discurso religioso e discurso sobre a crença alheia com intuito discriminatório. Em Recurso Ordinário em Habeas Corpus 146.303-RJ de 2016, assinalou o Ministro Presidente: “Nesse passo, há, em meu entender, que se fazer distinção entre o discurso religioso (que é centrado na própria crença e nas razões da crença) e o discurso sobre a crença alheia, especialmente quando se faça com intuito de atingi-la, rebaixá-la ou desmerecê-la (ou a seus seguidores). Um é tipicamente a representação do direito à liberdade de crença religiosa; outro, em sentido diametralmente oposto, é o ataque ao mesmo direito” (STF, HC 146.303, ministro relator Dias Toffoli) Por fim, permitir que o legislador estabelece excludentes de ilicitude para eximir templos religiosos ou indivíduos religiosos da obrigação legal de não-discriminação contra pessoas LGBTs é incorporar no Direito a desigualdade que a própria criminalização da LGBTfobia procura endereçar. Tal medida seria inconstitucional segundo o entendimento desta Corte a respeito, quando da constitucionalização da união homoafetiva. Na ADPF 132 e na ADI 4.277 ementa-se o seguinte entendimento nesta linha: “O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto- estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual.” (STF, ADPF 132 e ADI 4.277, Ministro relator Ayres Britto) Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 8 Conclui-se, portanto, este E. Tribunal em seu percurso decisório tem reconhecido que o ordenamento jurídico nacional prevê a plena compatibilidade entre liberdade religiosa e combate à discriminação contra pessoas LGBTs. 3. Direito internacional de direitos humanos e direito comparado reconhece limitações à liberdade de expressão e de religião, em razão do combate à discriminação e proteção da honra O direito internacional de direitos humanos há muito tempo reconhece limites à liberdade de expressão e religião, com o intuito de preservar os direitos de outrem. O Decreto nº 65.810 de 1969, que promulga no Brasil a promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial demanda que os Estados Partes da Convenção, entre eles o Brasil, criminalizem a propagação do ódio. Tendo em vista que esta Corte tem enquadrado LGBTfobia como forma de racismo social, é aplicável portanto o presente Artigo 4º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial à LGBTFobia: “Artigo 4º Os Estados partes condenam toda propaganda e todas as organizações que se inspirem em idéias ou teorias baseadas na superioridade de uma raça ou de um grupo de pessoas de uma certa cor ou de uma certa origem ética ou que pretendem justificar ou encorajar qualquer forma de ódio e de discriminação raciais e comprometem-se a adotar imediatamente medidas positivas destinadas a eliminar qualquer incitação a uma tal discriminação, ou quaisquer atos de discriminação com este objetivo tendo em vista os princípios formulados na Declaração universal dos direitos do homem e os direitos expressamente enunciados no artigo 5 da presente convenção, eles se comprometem principalmente: a) a declarar delitos puníveis por lei, qualquer difusão de ideias baseadas na superioridade ou ódio raciais, qualquer incitamento à discriminação racial, assim como quaisquer atos de violência ou provocação a tais atos, dirigidos contra qualquer raça ou qualquer grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem técnica, como também qualquer assistência prestada a atividades racistas, inclusive seu financiamento”. (Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, grifo nosso) Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 9 Nesta seara, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU estabelece que prevê o respeito aos direitos e honra de outrem e demanda punição por atos de discriminação. “Artigo 19 (...) 2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha. 3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas. Artigo 20. (...) 2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência. ” (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, grifo nosso) A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos avança neste debate ao garantir a liberdade religiosa com o respeito aos direitos de outrem, nos termos de seu artigo 12. Neste sentido, o Direito Internacional de Direitos Humanos já deixa clara a plena compatibilidade do combate à discriminação com liberdades religiosas. Ademais, direito comparado tem enfatizado a importância de se encontrar arranjos legais que compatibilizem os dois direitos. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 10 Em um caso sul-africano em que se discutia discriminação contra uma pastora lésbica, a Corte Constitucional sul-africana foi enfática – no caso De Lange de 20155 - ao não reconhecer a existência de uma zona de não aplicação da Constituição [constitution- free zone], adotada depois do período de apartheid racial e onde se garante o combate à discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero: “Parágrafo 76. Pode-se dizer que a Constituição não atinge nossas esferas religiosas e sociais privadas? Eu não estou convencido de que podemos. Não é verdade que a Constituição - como um conjunto de valores e direitos fundamentais protegidos - chega mesmo aos espaços mais íntimos; mas carrega consigo todos os direitos e valores que reconhece? Isso incluiria não apenas a igualdade e a não discriminação, que é de grande importância em nossa constelação constitucional, mas também a privacidade, a liberdade de associação e a autonomia de escolha que necessariamente acompanha o reconhecimento da dignidade humana. Todos estes foram violados durante o nosso passado antidemocrático. ” No caso decidido pela Suprema Corte dos EUA em 2018 referente exceção com base na religião, a Corte revelou ponderação e respeito aos direitos LGBTs. Segundo a Corte, embora não se possa ter hostilidade quanto a uma religião: “essas disputas [entre religião e direitos LGBT] devem ser resolvidas com tolerância, sem desrespeito indevido a sincera crenças religiosas e sem submeter os homossexuais a indignidades quando procuram bens e serviços de forma aberta mercado.”6 Exceções à legislação antidiscriminação com base na religião até o momento cogitadas pelos legisladores se mostram contrárias à Constituição. Em primeiro lugar, taispropostas impõem proteção menor [ou proteção insuficiente] à população LGBT em relação à proteção integral que a legislação brasileira – em particular a Lei nº 7.716/89 – concede à população negra e igualmente a religiosos contra discriminação com base na raça e religião. Tal disparidade em si já demonstra a inconstitucionalidade de tais 5 África do Sul, De Lange v Presiding Bishop of the Methodist Church of Southern Africa for the time being and Another (CCT223/14) [2015] ZACC 35; 2016 (1) BCLR 1 (CC); 2016 (2) SA 1 (CC) (24 Novembro de 2015), disponível em: http://www.saflii.org/za/cases/ZACC/2015/35.html. 6 Estados Unidos, Masterpiece Cakeshop, Ltd, et. al. V. Colorado Civil Rights Commission et al., 2018, disponível em: https://www.supremecourt.gov/opinions/17pdf/16-111_j4el.pdf. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 11 medidas, especialmente porque LGBTfobia é uma espécie de racismo social e, portanto, permitir exceções à punição da LGBTfobia é permitir exceções ao racismo social.7 Em segundo lugar, existe uma diferença juridicamente relevante entre exceção à religião institucional ou pessoal. Exceções de consciência como aquela garantida na Constituição Federal de 1988 “decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar” (Art. 143, parágrafo primeiro) são exceções a uma regra geral (serviço militar), com base em profundas convicções pessoais diante da divergência de um dever legal. No caso das propostas feitas pelo legislador brasileiro, procura-se criar uma exceção com base na religião de natureza institucional, ou seja, aplicável a todos os templos religiosos. Desta feita, permitir-se-ia zonas onde a proibição da LGBTfobia deixaria de existir, em evidente violação à proteção integral à população LGBT. A Corte Constitucional Colombiana e outras já decidiram pela limitação de tais objeções institucionais.8 Lembra-se aqui que o ordenamento jurídico brasileiro e a jurisprudência deste tribunal já garantem que não se criminaliza a crença religiosa, mas sim o intuito de ofender a outrem. Em contextos menos cosmopolitas, mais afastados dos grandes centros urbanos, permitir uma exceção generalizada à criminalização da LGBTfobia poderá significar esvaziar as garantias à população LGBT. Em terceiro lugar, permitir ofender com motivos LGBTfóbicos em alguns contextos religiosos impõem danos profundos à população LGBT. Conformem expõem os professores da Faculdade de Direito da Universidade de Yale, Reva Siegel e Douglas NeJaime:9 “reivindicações de consciência afirmadas em conflitos sobre (...) igualdade LGBT são propensas a infligir danos direcionados a outros cidadãos e, portanto, suscitam preocupações menos comumente apresentadas por reivindicações tradicionais de isenção religiosa - por exemplo, a pretensão de se participar de ritual religioso. Quando uma pessoa de fé busca uma isenção de deveres legais para com outro cidadão, na crença de que o cidadão que a lei protege está pecando, conceder a isenção religiosa pode infligir danos materiais e dignitários 7 MINOW, Martha. Should religious groups be exempt from civil rights laws. BCL Rev., v. 48, p. 781, 2007. 8 Colombia, Corte Constitucional, T-388/2009, disponível em: http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2009/t-388-09.htm. 9 SIEGEL, Reva e NEJAIME, Douglas NeJaime, Conscience Wars in Transnational Perspective: Religious Liberty, Third-Party Harm, and Pluralism. In: The Conscience Wars: Rethinking the Balance between Religion, Identity, and Equality (Susanna Mancini & MIchel Rosenfeld eds., Cambridge Univ. Press 2018, no prelo). Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2714017. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 12 àqueles que não compartilham as crenças do requerente” (grifo nosso). Ademais, os países cujas legislações criminalizam a discriminação LGBTfóbica não preveem exceções gerais com base na religião em suas legislações. Tanto na legislação penal do Reino Unido10 que garante agravante em caso de discriminação LGBTfóbica, quanto a legislação antidiscriminação da Colômbia11 tais exceções não estão presentes. Países tão diversos como Canadá, Chile, Espanha, França, Filândia, Suíça, e Austrália punem discriminação LGBTfóbica. Se o legislador brasileiro caminhar para garantir tal exceção genérica estará caminhando na direção oposta de outros parlamentos democráticos ao redor do mundo. 4. Conclusão Diante do ora argumentado, respondemos à pergunta: “A criminalização da LGBTfobia, nos termos debatidos no Mandado de Injunção 4733 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, viola liberdade religiosa? ” 1. Criminalização da LGBTfobia e liberdade religiosa são constitucionalmente compatíveis, uma vez que ao reconhecer como ilícita a discriminação contra LGBTs estar-se-á garantindo plena igualdade jurídica entre os diferentes fundamentos da lei brasileira antidiscriminação, respeitando, portanto, o princípio da proteção integral; 2. Ao estabelecer cláusulas genéricas de exceção com base na religião nesta seara, o Legislativo viola o princípio constitucional da laicidade ao incorporar no Direito preferência a uma crença religiosa; 3. Direito comparado e internacional caminham no sentido de não garantir cláusulas genéricas de exceção à lei antidiscriminação com base na religião, pois não é possível admitir “zonas-livres de Constituição”. Thiago de Souza Amparo Eloisa Machado de Almeida OAB/SP 272.768 OAB/SP 201.790 10 Reino Unido, Criminal Justice Act 2003, disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2003/44/section/146. 11 Colombia, Ley 1752/2015, disponível em: http://wp.presidencia.gov.co/sitios/normativa/leyes/Documents/LEY%201752%20DEL%2003%20DE%20JUNIO %20DE%202015.pdf. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 13 ANEXO – Propostas Legislativas Referentes à Criminalização da LGBTfobia e Liberdade Religiosa Projeto Casa Ementa e Informações Complementares Autor(a) Data Situação 5003/2001 Câmara dos Deputados Determina sanções às práticas discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. Iara Bernardi PT/SP 07/08/01 Arquivada 6077/2002 Câmara dos Deputados Introduz o Código de Ética da programação televisiva e dá outras providências. "Art. 25) A programação televisiva não incitará à homofobia e deve afirmar um compromisso com uma cultura que reconheça o direito à livre expressão das orientações sexuais, notadamente aquela vivida pelos homossexuais que se obrigam a enfrentar uma carga histórica de intolerância." Marcos Rolim PT/RS 20/02/02 Arquivada 5/2003 Câmara dos Deputados Altera os arts. 1º e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3º do art. 140 do Código Penal, para incluir a punição por discriminação ou preconceito de gênero e orientação sexual. Iara Bernardi PT/SP 18/02/03 Arquivada 1600/2003 Câmara dos Deputados Introduz o Código de Ética da programação televisiva e dá outras providências. "Art. 19 A programação televisiva não incitará a homofobia e deve afirmar um compromisso com uma cultura que reconheça o direito à livre expressão das orientações sexuais."" Orlando Fantazzini PT/SP 31/07/03 Arquivada 337/2003 Senado Define o crime de veiculação de informações que induzam ou incitem a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, na rede Internet, ou em outras redes destinadas ao acesso público. Senador Paulo Paim PT/RS19/08/03 Arquivada Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 14 2612/2007 Câmara dos Deputados Introduz o Código de Ética da programação televisiva e dá outras providências. "Art. 25) A programação televisiva não incitará à homofobia e deve afirmar um compromisso com uma cultura que reconheça o direito à livre expressão das orientações sexuais, notadamente aquela vivida pelos homossexuais que se obrigam a enfrentar uma carga histórica de intolerância." Pepe Vargas PT/RS 12/12/07 Arquivada 7382/2010 Câmara dos Deputados Penaliza a discriminação contra heterossexuais e determina que as medidas e políticas públicas antidiscriminatórias atentem para essa possibilidade. Eduardo Cunha PMDB/RJ 25/05/10 Arquivada 582/2011 Câmara dos Deputados Acresce dispositivos ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e à Lei no 4.898, de 9 de dezembro de 1965. Dados complementares: Institui como circunstância que agrava a pena e qualifica o crime de homicídio a de ter o agente cometido o crime em função da orientação sexual do ofendido. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado à livre orientação sexual da pessoa. Dalva Figueiredo PT/AL 23/02/11 Arquivada 457/2011 Senado Aumenta a pena dos crimes contra a honra, previstos nos arts. nº 138, 139 e 140, caput e § 2º; altera a redação do § 3º do art. 140, para incluir a orientação sexual e identidade de gênero como elementos para injúria qualificada e acrescenta a possibilidade de aumento de pena para dois terços no art. 141, todos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. Senador Pedro Tanques PDT/MT 09/08/11 Arquivada 236/2012 Senado Reforma do Código Penal Brasileiro. Acrescenta na forma qualificada do Art. 121 "preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e identidade de gênero..." Senador José Sarney MDB/AP 09/07/12 Em tramitação Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 15 6424/2013 Câmara dos Deputados Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, no caso de violência contra transexuais, travestis, lésbicas, bissexuais e gays que forem atendidos em serviços de saúde públicos ou privados. Paulão PT/AL 25/09/13 Arquivada 310/2014 Senado Altera e a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o § 3º, do art. 140, do Código Penal, para punir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de orientação sexual ou identidade de gênero. Senador Vital do Rêgo MDB/PB 11/04/14 Retirado pelo autor 622/2015 Câmara dos Deputados Dispõe sobre a proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que, em suas músicas, desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento, ou contenham manifestações de homofobia, discriminação racial ou apologia ao uso de drogas ilícitas Moema Gramacho PT/BA 06/03/15 Arquivada 1411/2015 Câmara dos Deputados Tipifica o crime de Assédio Ideológico e dá outras providências. Rogério Marinho PSDB/RN 06/05/15 Retirado pelo autor 2138/2015 Câmara dos Deputados Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para punir a discriminação ou preconceito quanto à identidade de gênero ou orientação sexual. Erika Kokay PT/DF 30/06/15 Apesando ao PL 1959/2011 5944/2016 Câmara dos Deputados Altera a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para incluir na referida legislação os crimes de discriminação ou preconceito de orientação sexual e/ou identidade de gênero. Laura Carneiro PMDB - RJ 09/08/16 Apensado ao PL 6418/2005 7292/2017 Câmara dos Deputados Altera o art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o LGBTcídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o LGBTcídio no rol dos crimes hediondos. Luizianne Lins PT/CE 04/04/17 Aguardando Parecer do Relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 16 7702/2017 Câmara dos Deputados Altera a Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para incluir na referida legislação os crimes de discriminação ou preconceito de orientação sexual e/ou identidade de gênero. Weverton Rocha PDT/MA 23/05/17 Apensado ao PL 5944/2017 191/2017 Senado Altera a redação do art. 2º da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha –, para assegurar à mulher as oportunidades e facilidades para viver sem violência, independentemente de sua identidade de gênero. Senador Jorge Viana PT/AC 13/06/17 Em tramitação 8540/2017 Câmara dos Deputados Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para dispor sobre a criminalização da intolerância, ódio, preconceito, exclusão e violência por meio da Internet, dispositivos eletrônicos e ambiente virtual. Assis Melo PCdoB/RS 09/12/17 Apensado ao PL 1749/2015 515/2017 Senado Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para punir a discriminação ou preconceito de origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativ a 19/12/17 Em tramitação 508/2019 Câmara dos Deputados Dispõe sobre a proibição do uso de recursos públicos para contratação de artistas que, em suas músicas, desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento, ou contenham manifestações de homofobia, discriminação racial ou apologia ao uso de drogas ilícitas. Marco Feliciano PODE/SP 06/02/19 Apensado ao PL5941/13 1051/2019 Câmara dos Deputados Altera a Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, para incluir a orientação sexual. Luiz Flávio Gomes PSB/SP 21/02/19 Retirado pelo autor Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 17 1650/2019 Câmara dos Deputados Dispõe sobre a proibição do uso de recursos públicos em produtos culturais que desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de constrangimento, ou contenham manifestações de homofobia, discriminação ou preconceito racial ou étnico, outras formas de discriminação ou preconceito, apologia ou incitação ao crime ou apologia ao criminoso. Marília Arraes PT/PE 20/03/19 Apensado ao PL 508/2019 2057/2019 Câmara dos Deputados Altera a Lei 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, identidade de gênero ou orientação sexual. Luiz Flávio Gomes PSB/SP 04/04/19 Apensado ao PL 7702/2017 2672/2019 Câmara dos Deputados Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, para dispor sobre os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual. Art. 2º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual. Parágrafo único. Não incorrem nos crimes previstos nesta lei aqueles que professarem visão discordante a determinado comportamento social, desde que a mesma se dê no contexto do uso regular dos direitos de liberdade de crença e de livre exercício dos cultos religiosos, e que não incite a práticade violência. (NR)” Marco Feliciano PODE/SP 07/05/19 Retirado pelo autor Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 18 3266/2019 Câmara dos Deputados Acrescenta Parágrafo Único - "Não se enquadra, nem de forma análoga, em qualquer hipótese e a qualquer tempo, nas tipificações de crime de preconceito de raça ou de cor, a homofobia ou outra forma de orientação sexual" ao Artigo 1º da Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989. Márcio Labre PSL/RJ 04/06/19 Aguardando Despacho do Presidente da Câmara dos Deputados Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 FERRER E VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS Alameda Campinas, n.º 433, cf. 141, São Paulo/SP, CEP 01404-901. E-mail: pauloriv71@gadvs.com.br 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR MINISTRO CELSO DE MELLO, DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADO n.º 26 e MI n.º 4733 PPS – Partido Popular Socialista e ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos, por seu advogado signatário, vêm, respeitosamente, à presença de Vossas Excelências, com fulcro em seu direito constitucional de petição, tendo em vista que a continuidade do julgamento está remarcada para quinta-feira, dia 23 de maio de 2019, contribuir para a formação da tese do julgamento, pelas razões que passa a expor: Desde a proximidade da continuidade do julgamento nesta próxima quinta-feira, há rumores de que o Congresso Nacional estaria interessado em aprovar uma lei que criminalize a homotransfobia, “resguardando” a liberdade religiosa, para impedir que o STF finalize o presente julgamento. Obviamente, tudo que se quer é a aprovação de uma lei que criminalize, sem hierarquização de opressões, a discriminação e os discursos de ódio contra a população LGBTI+ (condutas que não são criminalizadas pelo Código Penal, apenas pelo art. 20 da Lei Antirracismo), bem como se considere a homotransfobia como motivo torpe, agravante de penas relativamente a crimes praticados em razão da orientação sexual ou identidade de gênero, real ou atribuída, da vítima. Permita-se, contudo, apontar um certo ceticismo nessa seara, tendo em vista que não é a primeira vez que, nas vésperas de retomada de julgamento sobre omissão legislativa inconstitucional do Congresso Nacional, este solicita que o julgamento não se finalize (que alguém peça vista etc) porque ele “irá” aprovar uma lei, o que, de fato, na grande maioria das vezes, não ocorre. Temos uma tradição de blefes do Congresso Nacional nesse tema, data maxima venia. Por outro lado, decisão favorável do STF que considere a homotransfobia crime de racismo, nos termos dos quatro brilhantes votos já proferidos, além de evidentemente não impedir o Congresso Nacional de legislar, ao contrário, dará ao Legislativo um incentivo para que haja uma vontade real de aprovar uma lei sobre o tema. Ao passo que é irreal imaginar que algo será aprovado em curto espaço de tempo, ainda mais na retórica que tem sido corrido os corredores do Congresso, de que integrante de Bancada Religiosa [Fundamentalista], notoriamente opositora do tema, iria apresentar um novo projeto de lei sobre o tema. É fato notório que a tramitação em ambas as Casas Legislativas, na melhor das hipóteses, demoraria meses, e não podemos esperar indefinidamente o Legislativo se dignar a aprovar uma lei, ante a evidente mora inconstitucional sobre o tema, que tanto prejudica a população LGBTI – aliás, 99% da população LGBTI+ sente-se insegura no Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 mailto:pauloriv71@gadvs.com.br FERRER E VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS Alameda Campinas, n.º 433, cf. 141, São Paulo/SP, CEP 01404-901. E-mail: pauloriv71@gadvs.com.br 2 Brasil, consoante recente pesquisa da ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais (doc. anexo)1. Então, o término do julgamento, com a procedência das ações, seguindo os quatro brilhantes votos já proferidos, longe de inviabilizar o debate parlamentar ou se afigurar como “ingerência indevida” no Poder Legislativo, configurar-se-á como frutífero diálogo institucional desta Suprema Corte com o Congresso Nacional, fazendo este sair de sua inércia inconstitucional sobre o tema. Ao passo que, como bem destacou hoje (21.05.2019) a Deputada Federal Erika Kokay (PT/DF), em audiência pública sobre o PL 2.138/2015, que inclui a discriminação e os discursos de ódio motivados por orientação sexual e identidade de gênero entre os crimes da Lei Antirracismo, não se deve aprovar, de forma açodada, um projeto de lei apenas para que o Supremo Tribunal Federal não finalize seu julgamento. A busca do consenso não pode vir por imposições da vontade das Bancadas Conservadoras e Fundamentalistas do Congresso Nacional. E, seja como for, é notório que é inviável aprovar-se uma lei sobre tema tão polêmico em período curto de meses, sendo se se estimar que somente no fim do ano uma lei tal seria aprovada, na melhor das hipóteses. Mas a banalidade do mal homotransfóbico que assola a sociedade brasileira não pode esperar tanto. Para se ter ideia da dificuldade que haverá no Congresso, pegue-se o curioso caso do Deputado Federal Marco Feliciano, notório opositor do reconhecimento de direitos da população LGBTI+ - tanto que, quando se iniciou o julgamento deste tema por esta Suprema Corte, declarou que gostaria que o assunto “morresse”2. Ele apresentou o PL 2.672/2019, retirando-o (pedindo seu arquivamento) no dia seguinte (cf. tramitação anexa), no qual pleiteava a inclusão da expressão “orientação sexual” nos critérios de discriminação e discursos de ódio criminalizados pela Lei Antirracismo, incluindo uma ressalva de que manifestações regulares de liberdade de crença e consciência não seriam crimes, exceto quando incitassem a violência. Seria um projeto que poderia gerar um bom debate, mas veja que não se incluiu identidade de gênero, pela verdadeira demonização que o termo gênero sofre pelos setores conservadores e fundamentalistas, donde se for aprovado um projeto tal, a omissão inconstitucional persistirá relativamente à transfobia, ou seja, à discriminação e aos discursos de ódio contra travestis, transexuais e intersexos (estes últimos sofrem discriminação por identidade de gênero, ao vivenciarem um gênero distinto daquele que lhes foi imposto, ao nascer, mediante cirurgia genital). Veja-se a dificuldade do debate que há no Congresso Nacional, portanto, que foi a mesma que fez com que, no Rio de Janeiro, fosse aprovada a Lei Estadual n.º 7.041/2015, punindo administrativamente a discriminação por orientação sexual, mas não por identidade de gênero. 1 Cf. <https://antrabrasil.org/2019/05/21/99-da-populacao-lgbti-nao-se-sente-segura-no-brasil/>. Acesso em 21.05.2019. 2 Cf. <https://exame.abril.com.br/brasil/queria-que-o-assunto-morresse-diz-feliciano-sobre-criminalizar- homofobia/>. Matéria de 13.02.2019. Último acesso em 21.05.2019. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 mailto:pauloriv71@gadvs.com.br https://antrabrasil.org/2019/05/21/99-da-populacao-lgbti-nao-se-sente-segura-no-brasil/ https://exame.abril.com.br/brasil/queria-que-o-assunto-morresse-diz-feliciano-sobre-criminalizar-homofobia/ https://exame.abril.com.br/brasil/queria-que-o-assunto-morresse-diz-feliciano-sobre-criminalizar-homofobia/ FERRER E VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS Alameda Campinas, n.º 433, cf. 141, São Paulo/SP, CEP 01404-901. E-mail: pauloriv71@gadvs.com.br 3 Entenda-se, Excelência(s), obviamente deseja-se construir um texto de consenso no Congresso Nacional, ocorre que isso é notoriamente impossível no curtíssimo prazo, daí a importância paradigmáticae fundamental desta Suprema Corte finalizar o julgamento da ADO 26 e do MI 4733, porque isto dará ao Congresso Nacional motivação real para aprovar uma lei sobre o tema. Do contrário, provavelmente tudo continuará em berço esplêndido, algo verossímil de ocorrer (nada se decidir e aprovar se o STF não finalizar o julgamento), visto que do dia 20 de fevereiro para cá nada andou no Congresso Nacional até a semana passada. Algo que torna compreensível a desconfiança da sinceridade destes rumores que correm os corredores do Congresso Nacional, de que uma lei será, de fato, aprovada no curto prazo. O que fazer com os graves casos de homotransfobia que não configuram crime até lá? As discriminações e discursos de ódio serão “toleradas” até lá? Com todas as venias, não parece a melhor solução... Lembre-se, ainda, que o julgamento já está suspenso há meses, em situação inédita nesta Suprema Corte, de julgamento não continuar na sessão seguinte quando não há pedido de vista, em situação, data maxima venia, que equivale a verdadeiro pedido de vista antecipado pelo Eminente Ministro Dias Toffoli. Então, já houve tempo mais que necessário para que os(as) Ministros(as) restantes pudessem terminar de formar sua convicção sobre o tema, dado seu notável saber jurídico e a notoriedade do caso, além dos riquíssimos votos já proferidos e disponibilizados para todas e todos (pelo menos, relativamente aos dois Eminentes Relatores, Ministros Celso de Mello e Edson Fachin). Entrando no tema desta petição, ou seja, a construção de uma TESE que criminalize a discriminação e os discursos de ódio motivados na orientação sexual e na identidade de gênero da vítima, aponte-se, preliminarmente, que, em tese, afigurar-se-ia desnecessária qualquer ressalva sobre liberdade religiosa e de expressão sobre o tema, ante o notório conceito de tipicidade material, pacífica na doutrina e jurisprudência penal, pela qual se um fato se enquadra no silogismo do tipo penal, mas, ao mesmo tempo, configura-se como exercício regular de direito (ou em ausência de ofensa a bem jurídico penal), então, materialmente/substantivamente, o fato não é considerado crime. Entendam, Excelências, inclusive porque o próprio advogado signatário, da Tribuna, em sua sustentação oral, aduziu que ninguém quer prender padres ou pastores por dizerem que a homossexualidade seria “pecado”, donde não se quer prejudicar a liberdade religiosa, apenas se coibir os discursos de ódio. Ninguém no Movimento LGBTI+ quer interferir nas crenças religiosas alheias, querendo-se apenas coibir discursos de ódio, reitere-se. O temor de uma ressalva sobre liberdade religiosa encontra-se no receio de que, por mais que a redação concreta isto não permita, muitas pessoas homotransfóbicas passem a acreditar que, se invocarem sua liberdade de expressão, religião ou crença, poderiam discriminar e proferir discursos de ódio contra pessoas LGBTI+. Se pelo conceito de tipicidade material a ressalva é desnecessária, então não se entende o motivo de se cria-la. Mas se sabe que, para fins de composição e demonstração de boa- fé, talvez seja necessário deixar isso expresso na lei. Contudo, se religiosos querem acalmar suas consciências com a colocação de uma ressalva Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 mailto:pauloriv71@gadvs.com.br FERRER E VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS Alameda Campinas, n.º 433, cf. 141, São Paulo/SP, CEP 01404-901. E-mail: pauloriv71@gadvs.com.br 4 desnecessária, então, por dever de coerência, precisam aceitar que haja uma ressalva na ressalva, no sentido de ficar expresso que discursos de ódio, entendidos como a incitação ao ódio, ao preconceito, à discriminação, à segregação e à violência, não estão abarcados na ressalva que pretendem criar. Ou seja, ninguém será punido criminalmente por dizer que “isto” ou “aquilo” configuraria pecado, mas deverá sê-lo se, ainda que a pretexto de “liberdade religiosa”, incitar ao ódio, ao preconceito, à discriminação, à segregação ou à violência. Esse o princípio que se entende, aqui, tornar possível uma “composição” entre os setores em questão: da mesma forma que ninguém pode seriamente dizer que a liberdade religiosa “permitiria” alguém apedrejar mulheres ou defender a segregação de negros em escolas distintas das de brancos (como pessoas negrofóbicas defendiam no passado, muitas vezes invocando a liberdade religiosa), então, da mesma forma, não se pode seriamente dizer que a liberdade religiosa daria o “direito” de se incitar ao preconceito, à discriminação, à segregação ou à violência contra pessoas LGBTI+. Ressalte-se que se fala, aqui, em criminalização da discriminação e dos discursos de ódio homotransfóbicos, porque são as condutas não criminalizadas pelo Código Penal (o crime de constrangimento ilegal supõe violência ou grave ameaça, não é qualquer discriminação que é por ele punida; e bem se sabe que os crimes de injúria e difamação supõem pessoa individualizada, não ofensas a coletividades – ambas condutas punidas pelo art. 20 da Lei 7.716/89). Ademais, como mencionado pelo signatário no fim de sua sustentação oral e acolhido pelo Ministro Roberto Barroso, importante que se declare que a agravante genérica de motivo torpe abarca a homotransfobia. Assim, punindo-se a discriminação e os discursos de ódio homotransfóbicos e aumentando-se a pena da homotransfobia pela agravante genérica do motivo torpe, criminalizada estará a homotransfobia de maneira eficiente. Ante o exposto, pedindo-se máximas vênias pela ousadia, para fins de contribuir com a formação da cognição desta Suprema Corte e para mostrar boa-fé, no sentido de se mostrar que não se quer criminalizar a liberdade religiosa de ninguém quando não usada para oprimir, ofender, discriminar, agredir, matar ou induzir ou incitar tais condutas, sugere-se, como PARTE DISPOSITIVA e TESE fruto do julgamento da ADO 26 e do MI 4733, o seguinte enunciado: PARTE DISPOSITIVA. Julga(m)-se procedente(s) a(s) ação(ões), para que o crime de discriminação por raça, previsto no art. 20 da Lei 7716/89, bem como o crime de injúria racial (art. 140, §3º, do Código Penal) e os demais delitos raciais recebam interpretação conforme a Constituição, para entender a discriminação e os discursos de ódio homofóbicos e transfóbicos como crime de racismo e de injúria racial, por força da acepção político-social de raça e racismo já afirmadas pelo STF (HC 82.424/RS). Igualmente, julgam-se procedentes as ações para que a motivação homofóbica ou transfóbica gere a incidência da agravante genérica relativa ao motivo torpe (art. 61, II, “a”, do Código Penal). Nada nesta decisão deve ser interpretado como proibindo manifestações de liberdade religiosa e proselitismo Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 mailto:pauloriv71@gadvs.com.br FERRER E VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS Alameda Campinas, n.º 433, cf. 141, São Paulo/SP, CEP 01404-901. E-mail: pauloriv71@gadvs.com.br 5 religioso que não se configurem como discursos de ódio, entendidos como a incitação ao ódio, à intolerância, à discriminação, à segregação e/ou à violência. TESE. O crime de discriminação por raça, previsto no art. 20 da Lei 7.716/89, bem como o crime de injúria racial (art. 140, §3º, do Código Penal) e demais delitos raciais, abarcam os discursos de ódio, injúrias e discriminações caracterizados como homofóbicos ou transfóbicos, por interpretação conforme a Constituição decorrente do conceito constitucional, político-social, de raça e racismo, já afirmado pelo STF (HC 82.424/RS). Igualmente, a motivação homofóbica ou transfóbica deve gerar a incidência da agravante genérica relativa ao motivo torpe (art. 61, II, “a”, do Código Penal). Nada nesta decisão deve ser interpretado como proibindo manifestações de liberdade religiosa e proselitismo religiosoque não se configurem como discursos de ódio, entendidos como a incitação ao ódio, à intolerância, à discriminação, à segregação e/ou à violência". Termos em que, Pede e Espera Deferimento. Brasília, 21 de maio de 2019. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti OAB/SP n.º 242.668 Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 mailto:pauloriv71@gadvs.com.br Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 UMA RESPOSTA Racismo homotransfóbico e a população LGBTI como um grupo racializado Advogado propositor das ações que levaram a tese do racismo abarcar a homotransfobia ao STF responde críticas PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI 28/05/2019 15:36 Foto: Leo Pinheiro/Fotos Públicas Foi publicado, no JOTA, artigo de Wallace Corbo, no qual ele questiona a maioria formada pelo STF pelo reconhecimento da homotransfobia como crime de racismo (ADO 26/MI 4733). Aduz que o conceito de racismo social seria problemático, por supostamente criar a �gura do “racismo sem raça”. Entende que isso implicaria “apagar o negro da Constituição”, “apagando” a história das “vidas perdidas e sangue preto derramado pela liberdade e pelo reconhecimento constitucional” de suas lutas e reivindicações. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 https://www.jota.info/autor/paulo-roberto-iotti-vecchiatti-2 https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/racismo-sem-raca-criminalizacao-da-homotransfobia-e-a-invisibilizacao-da-negritude-27052019 https://www.jota.info/ Diz, ainda, que o conceito de “racismo social” seria “desnecessário”, porque se confundiria com o de “discriminação institucional”, que “signi�ca precisamente a existência de estruturas que geram opressão, dominação e negação de direitos de grupos marginalizados em uma sociedade”. Cita, ainda, tradicionais acusações contra as ações, de que o STF estaria ilegitimamente “tipi�cando crimes” ou “julgando por analogia” (a�rmações que ou não leram os votos proferidos ou os deturparam, como se verá adiante). Como advogado propositor das ações que levaram a tese do racismo abarcar a homotransfobia ao STF, cabe-me responder às críticas do articulista. +JOTA: Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque! Primeiramente, considero extremante injusta e arbitrária (por não fundamentada) a a�rmação de que considerar a homotransfobia como crime de racismo “apagaria” a pessoa negra da Constituição. Quando o STF a�rmou o antissemitismo como crime de racismo (HC 82.424/RS), a partir do conceito de racismo social que embasa este julgamento, não se “apagou” a pessoa negra da Constituição, o que também não ocorreu quando a Lei Antirracismo (Lei 7.716/89) passou a considerar como racistas, além das opressões por “raça” e “cor”, aquelas por “etnia, religião ou procedência nacional” (v.g., art. 20). Logo, a grave acusação vem destituída de fundamentação que lhe torne defensável para além de um intuicionismo que não pode servir ao debate acadêmico (muito menos, judicial). Lembre-se, ainda, o relato do Min. Nelson Jobim (que foi deputado constituinte), no HC 82.424/RS: aduziu que não se pretendeu limitar a repressão constitucional ao racismo apenas à pessoa negra, sendo esta a razão de se separarem os conceitos de “raça” e “cor” no texto constitucional, precisamente para permitir que racismos não percebidos em 1988 pudessem sê-lo futuramente 1 . Em segundo lugar, o autor citou um conceito particular (de sua doutrina) sobre “discriminação institucional”, mesclando-a com o elemento estrutural. Mas são coisas distintas, como nos mostra a doutrina de Silvio Almeida, que, tratando do racismo, divide a discriminação estrutural da institucional. A opressão estrutural é aquela que forma um “elemento que integra a organização econômica e política da sociedade”, enquanto “manifestação normal de uma sociedade, e não um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade”, de sorte que “fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para as formas de desigualdades e violência que moldam a vida social contemporânea”, sendo, em suma, “uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 https://www.jota.info/assine relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional” 2 . Já a opressão institucional, no contexto do racismo, “signi�ca que, de algum modo, a imposição de regras e padrões racistas por parte da instituição é de alguma maneira vinculada à ordem social que ela visa resguardar”. Como se vê, embora próximos e muitas vezes interligados, os conceitos não se confundem: pode haver discriminação institucional a determinada pessoa sem que ela integre um grupo estruturalmente discriminado pela sociedade. Em terceiro lugar, o conceito de racismo social não foi inventado pelo STF, ao aduzir que o racismo é a inferiorização de um grupo social relativamente a outro (HC 82.424/RS), a partir da constatação de que a Constituição Federal (art. 3º, IV) e a Lei Antirracismo falam em “raça” e “cor” em palavras diferentes (aplicando-se a máxima hermenêutica pela qual “a lei não possui palavras inúteis”, de sorte que “raça” não pode signi�car apenas “cor”) e pelo fato de o Projeto Genoma ter acabado com a crença de que a humanidade seria formada por “raças biologicamente distintas entre si”. De sorte que, para o racismo não virar crime impossível, pela unicidade biológica da humanidade, foi necessário adotar o conceito político-social, motivado em elementos históricos, antropológicos e sociológicos, em detrimento dos biológicos. A literatura negra antirracismo referenda esse conceito, ainda que com importantes nuances, aduzindo que o racismo não é um conceito vinculado a elementos biológicos (como o senso comum ainda acredita), mas é um elemento político- social. Na síntese de Djamila Ribeiro, o racismo é um sistema de opressão social que supõe relações de poder 3 entre um grupo dominante, detentor de privilégios sociais, e um grupo dominado, socialmente inferiorizado, e não uma mera discriminação isolada (por isso, não existe “racismo reverso”). Para Silvio Almeida, a “raça é um elemento essencialmente político, sem qualquer sentido fora do âmbito socioantropológico, de sorte que a noção de raça visa naturalizar desigualdades e justi�car a segregação de grupos socialmente minoritários, razão pela qual o racismo é uma forma sistemática de discriminação que se manifesta por meio de práticas conscientes e inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo social a que pertencem. O mesmo autor a�rma, assim, que o preconceito racial é baseado em estereótipos, tendo a discriminação racial como requisito fundamental o poder, ou seja, a efetiva possibilidade de uso da força para manutenção de privilégios de um grupo dominante sobre um grupo dominado 4 . Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 Ademais, Achille Mbembe a�rma que raça e racismo revelam-se na prática do alterocídio, isto é, a constituição do “Outro” não como “semelhante” a si mesmo, mas como “objeto ameaçador”, que caberia destruir ou controlar, sendo que a raça foi sempre utilizada como um dispositivo de poder criado para designar um ser inferior, como um re�exo despauterado do “homem ideal”, sendo a lógica da raça, na produção de sujeitos raciais, a bestialização de grupos considerados “inferiores”, tendo a cultura e a religião assumido o lugar da biologia no tema do racismo. Aduz-se, assim, que o racismo consiste na obstinação de dividir, classi�car, diferenciar e hierarquizar, a partir de uma categoria essencial da diferença, de sorte que o racismo consiste em processos de diferenciação, classi�cação e hierarquização,para �ns de exclusão, expulsão e erradicação. Assim, aduz que a raça não tem nenhuma essência, mas caracteriza-se por um processo perpétuo de poder, movediço em seu conteúdo, visando o racismo substituir aquilo que “é” por uma realidade “diferente”, de forma necessariamente inferiorizante. Dessa forma, aduz que a raça é, portanto, aquilo que permite situar, em meio a categorias abstratas, aqueles que procura estigmatizar, desquali�car moralmente e, eventualmente, internar ou expulsar 5 . Nesse sentido, lembre-se que pessoas LGBTI em geral sempre foram desumanizadas, consideradas degeneradas, bem como animalizadas/bestializadas, como supostamente não aptas a controlar seus instintos, tidas como “perigosas” e que precisariam ser “controladas”, consideradas assim longo do modelo de pessoa ideal (heterossexual e cisgênera) que a ideologia de gênero heteronormativa e cisnormativa dominante nos padrões e estereótipos culturais e religiosos dominantes na sociedade (a não-heterossexualidade e não-cisgeneridade já foram consideradas crimes de lesa-majestade e, até hoje, internam-se pessoas LGBTI em hospitais psiquiátricos para deixarem de sê-lo, perseguição mais comum no passado). Para, com isso, serem inferiorizadas relativamente a pessoas heterossexuais cisgêneras, como uma forma de se fabricar uma diferença relativamente a estas maiorias sexuais e de gênero, usada para “justi�car” a discriminação estrutural, sistemática, institucional e histórica voltada a estigmatizar, desquali�car moralmente, expulsar do convívio familiar ou até internar em hospitais psiquiátricos as minorias sexuais e de gênero (a população LGBTI), em prol de ideologias normalizadoras do heterossexismo e do cissexismo dominantes. E, até quando mais toleradas, direcionadas a determinadas pro�ssões ou presumidas como detentoras de determinados comportamentos, também por estereótipos culturais. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 Como se vê, a homotransfobia se enquadra nas categorias-chave do conceito de racismo, em sua acepção político-social, enquadram-se no gênero de racismo e, assim, no crime de discriminação por raça do art. 20 da Lei n.º 7.716/89. E isso não por “analogia”, mas por se enquadrarem no próprio conceito político-social de raça e de racismo, logo, por interpretação literal/declarativa do termo legal “raça” e do termo constitucional “racismo”, ainda que “evolutiva”, caso se entenda que a compreensão biológica teria sido a “original” do tema. Uma interpretação que se enquadra no limite do teor literal (Roxin) da moldura normativa (Kelsen) respectiva, portanto. Entenda-se, não se trata de “analogia”, porque não se argumenta por “equivalência”, de situações “diferentes, mas idênticas no essencial”. Argumenta-se que nesse conceito político-social de raça e racismo, a população LGBTI e a homotransfobia se enquadram. Então, que �que claro: as ações negam, os pareceres da PGR negam 6 e os votos já proferidos negam estarem realizando “analogia”. Criminalizar por analogia implicaria um especí�co raciocínio, que dissesse que a homotransfobia “é tão grave quanto o racismo” e, por isso, deveria ser punida da mesma forma, mas não é isso que as ações, os pareceres da PGR e os votos já proferidos fazem. Em todos os casos, o fundamento utilizado é que a homotransfobia se enquadra no conceito político-social e constitucional de racismo, já a�rmado pelo STF no célebre caso Ellwanger (HC 82.424/RS), de sorte a se enquadrar no crime de praticar, induzir ou incitar o preconceito ou discriminação por raça (art. 20 da Lei 7.716/89), dentro da moldura normativa do limite de seu teor literal, como mencionado. E não por um “ato arbitrário de vontade”, mas por um conceito já a�rmado em precedente histórico do STF e referendado pela literatura antirracismo, donde não pode ser considerado como de “intolerável vagueza” e violador do princípio da taxatividade (lembrando-se que as leis penais desde sempre criminalizarm condutas por conceitos valorativos, carentes de concretização interpretativa, e isso sempre foi aceito, quando não intoleravelmente vagos). Portanto, no citado conceito de racismo social (HC 82.424/RS) enquadram-se inequivocamente a homofobia e a transfobia (ou seja, a opressão motivada na orientação sexual ou identidade de gênero da vítima). A�nal, a homofobia decorre do heterossexismo e a transfobia do cissexismo, ideologias que pregam, respectivamente, que a heterossexualidade seria a única sexualidade “digna”/“válida” de ser vivida e que a cisgeneridade (a autoidenti�cação com o gênero socialmente atribuído ao seu corpo, a pessoas de determinado genital/sexo biológico), seria a única identidade de gênero “aceitável” (“digna”, “válida” Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 etc) na vida em sociedade. Logo, são ideologias ontologicamente racistas, são espécies do gênero racismo, enquanto racismo social. A�nal, na doutrina de Daniel Borrillo 7 , pela qual a homofobia é a atitude de hostilidade contra homossexuais que prega a supremacia da heterossexualidade sobre a homossexualidade, de forma idêntica ao que o antissemitismo faz contra judeus e a xenofobia contra estrangeiros, de sorte que os comportamentos heterossexuais são (ideologicamente e na prática) a�rmados como os únicos merecedores a quali�cação de modelo social e (acrescente-se) de merecedores de respeito e consideração social, de sorte que o heterossexismo é entendido e a�rmado como a crença de uma hierarquia da heterossexualidade sobre as demais orientações sexuais (com imposições heteronormativas, acrescente-se). E, continua Borrillo, mais do que uma dimensão pessoal (afetiva, intencional), a homofobia tem uma dimensão cultural (social, cognitiva), em que não se considera o homossexual como indivíduo, mas a homossexualidade como categoria (inferior à heterossexualidade). Daí que, segundo a doutrina de Roger Raupp Rios 8 , heterossexismo é “um sistema onde a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica, não importa se de modo explícito ou implícito”, sendo “homofobia é a modalidade de preconceito e de discriminação direcionada contra homossexuais” quali�cando os não-heterossexuais como uma categoria inferior a heterossexuais. O mesmo se diga, acrescente-se, relativamente à transfobia e ao cissexismo relativamente à opressão de pessoas transgênero relativamente às pessoas cisgênero decorrente da cisnormatividade. Tudo a demonstrar a correção da conclusão da homotransfobia se enquadrar no conceito de racismo. Esclareça-se, por honestidade intelectual, que obviamente se sabe que as doutrinas negras supra citadas falam do racismo a partir da perspectiva da pessoa negra, que historicamente foi vítima concreta de racismos mesmo antes de sua teorização. Ocorre que se entende que os conceitos trazidos pelos autores e pela autora supra, por sua amplitude e expressa desvinculação da biologia reforçam o entendimento aqui defendido, da homotransfobia como espécie do crime de discriminação por raça do art. 20 da Lei n.º 7.716/89. Não se pode incorrer em originalismo conceitual, impassível de evoluções. O STF fala desde o HC 82.424/RS que o racismo é um conceito que precisa ser interpretado à luz do princípio da igualdade, para �ns de garantia de sua racionalidade. Então, cabe indagar (e aos críticos da tese, responder): por que o racismo seria uma opressão desumanizante apenas contra a população negra e não Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 a outras também submetidas a opressões estruturais, sistemáticas, institucionais e históricas geradoras de inferiorização social e desumanização? Por que o racismo é uma forma mais grave de discriminação que as discriminações em geral? Qual a �nalidade pretendida pelo conceito de racismo, cuja teleologia justi�ca ele ser tratado como forma especial (mais grave, punido maisduramente) que as demais formas de discriminação? Como sair da lógica biologizante do conceito de racismo (negada pela própria literatura negra antirracismo, acima exposta) se este é vinculado “ontologicamente” apenas ao aspecto biológico do fenótipo, da cor de pele? (características físicas). Em quarto lugar, o elemento que aparentemente causa maior estranhamento, mas é uma decorrência lógica do exposto. Equivoca-se o autor ao dizer que o julgamento do STF na AD 26 e no MI 4733 implicaria no reconhecimento de “racismo sem raças”. Ora, se o racismo é um conceito político-social, também o é a raça, como mostram as doutrinas supra citadas. Nesse sentido, para Adilson José Moreira, “A racialização seria uma forma de construção e de diferenciação de pessoas, o que possui um objetivo especí�co: a raça é uma marca que representa as relações de poder presentes em uma dada sociedade”, de sorte que “o processo de racialização de grupos humanos é um exercício de poder que proporciona os instrumentos para a dominação de certas populações, pois elas são criadas como diferentes e inferiores”. Embora o autor também fale a partir da população negra e, em outros momentos, vincule o racismo a elementos fenotípicos ou características físicas, esses seus conceitos de raça e processo de racialização de grupos humanos abarcam aquilo que, de fato, ocorre com a população LGBTI, de sorte que esta se con�gura, sim, como grupo racial, na acepção político-social do termo. Cabendo lembrar, aqui, parafraseando, a fala do ministro Maurício Correa, do STF, no julgamento do HC 82.424/RS: não importa o que o STF ou o grupo social pensa a respeito (sobre ser ou não uma “raça”), importa como esse grupo é socialmente tratado, donde se é tratado como uma “raça apartada” pela opressão social que lhe assola, o STF não pode fechar os olhos a essa realidade objetiva. Não somos nós, pessoas LGBTI, que nos consideramos uma raça apartada, são neonazistas e homotransfóbicos em geral que nos consideram uma “raça do demônio”, ou uma “raça maldita” a ser exterminada (neonazista, em 2014, em entrevista ao SBT, chamou homossexuais de “raça do demônio”, por exemplo). Esse dado da realidade objetiva não pode ser desconsiderado. Em suma, a tese defendida com sucesso perante o STF aduz que só será racismo a inferiorização desumanizante de grupos sociais, em processos de relações de poder, Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 geradores de inferiorização de um grupo social relativamente a outro, de forma estrutural, sistemática, institucional e histórica, geradora da quali�cação de um grupo como “dominante”, imputando-lhe ideologicamente as condições de “natural, neutro, bondoso e modelo de pessoa ideal”, bem como a quali�cação de outro grupo como “dominado”, imputando-lhe ideologicamente as condições de “antinatural, ideológico, perigoso e pessoa degenerada” (pessoas LGBTI também já o foram, pela “teoria da degeneração sexual”). Tudo que se enquadrar nesse conceito geral e abstrato de racismo merecerá esse quali�cativo. Longe disso permitir que “qualquer coisa” seja considerada como racismo, isso aumenta a dignidade constitucional do conceito de racismo para que não seja qualquer discriminação assim considerada, mesmo por lei. Então, o conceito deve ser celebrado, por não prejudicar o combate à opressão contra pessoas negras e, ao mesmo tempo, possibilitar a proteção de outros grupos vulneráveis pela repressão constitucional ao racismo, quando se enquadrem nesses taxativos requisitos. ———————————– 1� STF, HC n.º 82.424-2/RS, con�rmação de voto do Ministro Nelson Jobim, p. 04. Vide Réplica ao Senado na ADO 26 (petição eletrônica n.º 47), p. 10. 2� ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural, Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2018, pp. 15-16 e 38-39. 3� RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do Feminismo Negro? São Paulo: Ed. Letramento, 2018, p. 41. 4� ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural, Belo Horizonte: Grupo Editorial Letramento, 2018, pp. 19-22. 5� MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Tradução de Sebastião Nascimento, N1-Edições, 2018, pp. 20-22, 27-28, 42, 53-54, 62 e 72-74. 6� Para íntegra do parecer da PGR na ADO 26, que trata especi�camente do tema (de inexistência de analogia in malam partem), vide: <https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI222328,11049- PGR+defende+que+homofobia+seja+julgada+como+crime+de+racismo>. Último acesso: 26.05.2019. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI222328,11049-PGR+defende+que+homofobia+seja+julgada+como+crime+de+racismo 7� BORRILLO, Daniel. Homofobia. História e crítica de um preconceito. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira, Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000, pp. 13- 14, 15-16, 22, 31-32 e 106. 8� Nesse sentido, RIOS, Roger Raupp. O conceito de homofobia na perspectiva dos direitos humanos e no contexto dos estudos sobre preconceito e discriminação. In RIOS, Roger Raupp (org.). Em defesa dos Direitos Sexuais, Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, pp. 113, 114, 118, 119, 120, 122, 128-129 e 131-134. PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI – Doutor em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. Diretor-Presidente do GADvS - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero. Os artigos publicados pelo JOTA não re�etem necessariamente a opinião do site. Os textos buscam estimular o debate sobre temas importantes para o País, sempre prestigiando a pluralidade de ideias. Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 12/06/2019 A LGBTIfobia saiu do armário e diariamente assina nosso atestado de óbito. – Associação Nacional de Travestis e Transexuais https://antrabrasil.org/2019/06/05/lgbtifobiasaiudoarmarioeassinanossoatestadodeobito/ 1/3 Associação Nacional de Travestis e Transexuais A Maior Rede de Pessoas Trans do Brasil A LGBTIfobia saiu do armário e diariamente assina nosso atestado de óbito. Direitos e Política, Violência A violência LGBTIfóbica no Brasil em uma semana (27/05 a 03/06/2019): – 5 Travestis Assassinadas (tiros, pauladas, espancamento, corpo incendiado) – Lésbica encontrada morta com sinais de espancamento e violência sexual – Homem gay encontrado morto em matagal com sinais de espancamento – Homem trans vitima de estupro corretivo – Mulher trans internada compulsoriamente pela família – Homem trans se suicida (assassinato social). – Diversos ataques homofóbicos – Psicólogos a favor da ”Cura‑gay” lançam candidatura no CFP Estes são apenas os casos que chegam através das redes sociais. Estimamos que sejam muito mais diante pelo agravamento da violência cotidiana que identificamos nos relatos e casos que conseguem ser trazidos ao público, e pela inexistência de dados e estatísticas oficiais. O serviço Disque 100, do governo federal, registrou 4,6 denúncias por dia contra a comunidade LGBT durante o ano de 2018. Há dificuldade de levantar dados de violência LGBTIfobica nos atendimentos de saúde, assim como nas delegacias e IML que muitas vezes não identificam a orientação sexual Im pr es so p or : 1 33 .4 90 .7 98 -6 5 AD O 2 6 Em : 0 6/ 05 /2 02 0 - 1 7: 57 :3 2 https://antrabrasil.org/ https://antrabrasil.org/category/direitos-e-politica/ https://antrabrasil.org/category/violencia/ 12/06/2019 A LGBTIfobia saiu do armário e diariamente assina nosso atestado de óbito. – Associação Nacional de Travestis e Transexuais https://antrabrasil.org/2019/06/05/lgbtifobiasaiudoarmarioeassinanossoatestadodeobito/ 2/3 assim como nas delegacias e IML que muitas vezes não identificam a orientação sexual ou identidade de gênero das vitimas – apesar de haver campo para tal, assim como não constam os motivos presumidos, visto que não há um qualificador ou a tipificação de crimes específicos contra a nossa população. E os dados acabam se perdendo
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