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1 - El Santo - M. Robinson

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Vou lhe contar uma história. 
É escura. 
É brutal. 
É real pra caralho. 
Para entender meu presente, quem eu sou e o que eu me tornei... 
Você precisa entender meu passado. 
O mal nem sempre se esconde nas sombras, na escuridão. Na maioria 
das vezes, está fora ao ar livre, em plena vista. Possuindo o homem que 
menos esperaria. Sabe, eu nunca imaginei outra vida até eu fazer uma para 
mim. Naquele tempo, eu estava muito longe, engolfado em nada além de 
escuridão sombria. 
Exatamente como era para ser. 
Ninguém poderia me tocar. 
Ninguém fodia comigo. 
Eu. Era. Invencível. 
Nada mais… 
Nada menos. 
Quando eu sonhei com o amor verdadeiro - de almas gêmeas, minha 
outra metade dela - a crueldade da minha vida iria me levar de volta para a 
minha realidade, se tornando, apenas isso mesmo, um sonho. Um que 
poderia facilmente se transformar em um pesadelo. 
Meu pior pesadelo. 
Toda memória, o bom, o ruim, o meio termo. Todos o eu te amo, todos 
os últimos eu te odeio, seu coração e alma que eu quebrei, despedaçados e 
destruídos ao longo dos anos, pertenciam a mim. 
Seu prazer. 
Sua dor. 
Era tudo parte de mim, esculpida tão profundamente na minha pele 
onde ela ficaria gravada para sempre. Minha história vai fazer com que 
você me odeie tanto quanto ela, mas eu quero isso de você também. Não 
estou à procura do seu perdão. Eu não o mereço tal como não mereço o 
dela. 
Estou longe de ser o herói nesta história. 
Estou mais perto de ser o vilão. 
Exceto, que sou muito pior. 
Eu sou o maldito monstro. 
E, estou perfeitamente bem com isso. 
Eu desafio você a tentar me amar... 
Como ela fez e provavelmente ainda faz. 
Não diga que eu não te avisei. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Agarrei meu rifle 223 Remington, segurando-o firmemente na porra 
das minhas mãos. Sentindo a textura da madeira repousando com 
segurança na ponta dos meus dedos. Eu estava armado e fodidamente 
preparado, completamente focado no que eu tinha que fazer em seguida. 
Me desligando de tudo ao meu redor, aguardando o momento de dar meu 
tiro. Uma emoção poderosa, que eu não poderia começar a descrever, 
imediatamente me percorreu. Senti isso no fundo da minha essência. 
Eu era um homem. 
Um homem que lidera a maldita escolta. 
Exatamente como o nosso destemido ditador, Emilio Salazar, tinha 
feito há trinta e nove anos atrás. 
—Compañeros1, compañeros, queridos compañeros —, anunciou, tomando 
seu lugar atrás do pódio no palco. Silenciando o grande e aberto estádio ao 
ar livre, onde milhares e milhares de seus compatriotas socialistas estavam 
presentes. Incluindo meu pai - que era o braço direito de Salazar - e eu 
mesmo. 
A multidão encarou o palco improvisado, localizado em frente ao 
enorme prédio de concreto amarelo, manchado de buracos de balas e 
bandeiras Cubanas. Absorvendo cada palavra que saiu dos lábios do nosso 
estimado ditador com olhos largos, como sempre o fizeram. Ouvindo 
atentamente quando ele declarava este dia, 26 de julho de 1992, o trigésimo 
nono aniversário de seu primeiro ataque monumental na segunda maior 
instalação militar de Santiago de Cuba: o quartel de Moncada. A mesma 
estrutura amarela exata que se elevava atrás de nós agora. 
 
1 Companheiros 
Fiquei lá com orgulho e honra, vestindo um uniforme militar idêntico 
ao que Salazar vestiu naquele dia. Colocando estrategicamente minhas 
botas pretas de combate no mesmo ponto que ele colocou quando começou 
seu movimento revolucionário. Eu o conhecia na época, tanto quanto eu o 
conheço pelos meus últimos dezoito anos de vida. Eu queria tudo o que ele 
tinha. 
O respeito. 
O poder. 
O controle. 
Admirando o líder que há quase quatro décadas havia organizado seu 
próprio golpe militar ao lado de cento e trinta e cinco outros radicais. 
Tornando sua presença conhecida. 
Ao declarar a guerra. 
Mal o Presidente na época sabia que Emilio iria dedicar todo seu 
sangue, suor e lágrimas dos cinco anos e meio seguintes, para cumprir sua 
promessa única de uma vida melhor. Reivindicando mais cidades, tirando 
a vida de milhares que se meteram em seu caminho, e ficando mais 
poderoso até que ele finalmente não teve escolha senão abdicar para parar 
o derramamento de sangue. 
Cobarde. 
Emilio pode ter perdido a batalha nesse dia em 1953, mas o fracasso 
não teve nenhuma conseqüência para ele ou para nós. Tudo o que 
importava foi que, eventualmente, ganhou a maldita guerra. 
O resto é história. 
—Eu queria escrever este discurso para evitar a emoção decorrente 
desta ocasião—, professou Salazar em espanhol, olhando em todo o vasto 
espaço. Fazendo contato visual com pessoas da multidão, permitindo-lhes 
sentir-se como indivíduos em vez de um mar de corpos. Ele criou uma 
conexão profunda que ninguém poderia compreender, a menos que eles 
entendessem isso... 
Para o seu povo. 
Para seus homens. 
Especialmente para mim. 
Emilio Salazar era Deus. 
Não pude deixar de pensar na última vez que estive aqui, apenas 
algumas poucas semanas atrás. Uma lembrança que eu levaria para meu 
túmulo. 
O silêncio era ensurdecedor quando o carro acelerou na estrada vazia para 
onde quer que estivessemos indo naquele dia. Eu simplesmente me sentei no banco 
de trás ao lado de Salazar enquanto o motorista dirigia um de seus veículos 
pessoais e de prestígio. Sua equipe de segurança esboçou habilmente o perímetro, 
dirigindo na frente e atrás de nós, com alguns carros espalhados ao lado. Embora 
estivéssemos encaixotados com guardas armados, Pedro - um tijolo de um metro e 
noventa e cinco e duzentos quilos - ainda nos acompanhava no banco da frente do 
nosso veículo. 
Para não mencionar que eu também estava fodidamente armado. Eu estava 
carregando uma arma desde que eu era um chamaco2, um menino de doze anos, o 
que estava longe de ser normal em Cuba. Salazar se certificou disso. Sua primeira 
ordem de negócios após sua revolução foi tirar cada uma de suas armas de fogo. Era 
mais fácil controlar os dissidentes que ainda estavam contra ele, se não pudessem 
lutar. Eu era a exceção à regra, dada a alta posição que meu pai ocupava no regime 
de Salazar. Não tive escolha a não ser prosseguir. Ele era o capitão do exército de 
Emilio, o que o fazia como um maldito alvo tanto como o próprio Salazar. 
Meu pai sempre disse que entrei neste mundo chutando e gritando, fazendo 
com que minha presença fosse conhecida, uma força a ser comprovada. Um 
prodígio natural nascido pronto para lutar por um propósito. Embora houvesse um 
programa obrigatório dos dezessete aos vinte e oito, que a maioria dos homens 
 
2 guri, criança 
temia, eu me esfolei para garantir que me formace um ano antes. Me inscrevi 
voluntariamente para servir meu país no dia em que cheguei à idade. A maioria dos 
homens só serviu os dois anos necessários, mas eu deixei claro para meu pai que os 
militares eram minha carreira. Tornando-o um filho da puta orgulhoso. 
—Damien—, Salazar falou, rompendo o silêncio. 
—Sim, senhor—, respondi em espanhol, dando-lhe toda a minha atenção. 
—Relaxe, não há necessidade de formalidades agora. Há uma razão pela qual 
eu pedi que você viesse comigo, e não era para você beijar minha bunda. 
Eu expirei uma risada, balançando a cabeça. 
—Você percebe que eu conheço você desde o dia em que nasceu? A prostituta 
de sua mãe o tirou fora de sua boceta e abandonou você como se você não 
significasse nada. A boceta sem coração deixou você, assim, e saiu do hospital horas 
após o nascimento. Nunca mais voltou. Deixando você ser criado pelo seu pai, um 
dos poucos homens em quem eu posso realmente confiar. 
Eu apertei meus olhos para ele, tentando descobrir onde ele estava indo com 
isso. Meu pai não falava muito de minha mãe, e nunca perguntei sobre ela. Salazar 
era um modelo muito importante na minha vida assim como meu pai,homens 
honestos para se espelhar. Eu preferiria ser criado do jeito que eu era, do que pela 
mulher que todos alegavam ser uma puta. Mas eu ainda fiquei ouvindo 
atentamente como se suas palavras fossem um pedaço do puzzle que eu nunca 
conheci e que precisava ser montado. 
—O único papel que uma mulher precisa exercer na vida de um homem é no 
quarto. São os homens que fazem o mundo girar. Homens como nós, não somos 
seguidores, somos líderes da porra - nós pegamos, lutamos e matamos por nossa 
conta. Nós protegemos até nosso último suspiro, se necessário. É por isso que 
outras pessoas temem Cuba. Os merdas americanos imperialistas e suas besteiras 
liberais. Eu conheço o caminho certo da vida, e você também. Eu faço isso pelo meu 
povo, pelo meu país. Eu devo a você, a eles, a todos. A América, com a ganância e a 
falta de padrões sociais, não é um modo de vida. Eu pego dos ricos e dou aos pobres 
porque é meu dever de merda. Damien, um dia, um dia de merda, você vai ficar 
onde eu estou, e você vai mostrar ao mundo que o comunismo é o único meio de 
vida. 
Como se estivesse em sintonia, o carro parou em frente ao formidável edifício 
amarelo e branco. 
Os quartéis de Moncada. Seu guarda de segurança verificou o perímetro, 
abrindo as portas do nosso veículo, uma vez que era seguro sairmos. Segui logo 
atrás de Salazar, aguardando ansiosamente o que viria a seguir. 
—Você tem dezoito anos agora, é um homem.— Um maldito homem, ele 
disse. —Quanto mais velho você fica, Damien, mais eu me vejo refletido em você. É 
por isso que eu te trouxe aqui —, ele se dirigiu até o local onde ficamos de pé, 
balançando a cabeça. —Fiquei aqui há trinta e nove anos com apenas uma visão, 
um sonho com o que eu poderia fazer pelo meu país, e eu quero que você reencontre 
esse sonho. 
Eu estava congelado no lugar, olhando-o diretamente nos olhos. Nunca 
esperando as próximas palavras que saíram de sua boca. 
Ele manteve a cabeça erguida e falou com convicção. —Damien, eu quero que 
você seja eu. 
O som da voz de Salazar me trouxe de volta ao presente e afastei meus 
pensamentos, não querendo desrespeitar meu líder. 
—Nosso povo esperou este aniversário com amor, entusiasmo, alegria 
e fervor. Para mim e para aqueles companheiros que ainda estão vivos, é 
uma experiência muito especial reunir aqui o povo de Santiago de Cuba, 
tantos anos mais tarde. Para celebrar a ação em que nossa geração abriu o 
caminho para a libertação final de nossa pátria. Nenhum dos antecessores 
da longa luta do nosso povo por independência, liberdade e justiça tiveram 
esse privilégio. — Emilio fez uma pausa, respirando fundo. Permitindo que 
suas palavras mais uma vez afundassem nas profundezas de nossas almas. 
—É apropriado que prestemos homenagens respeitosas àqueles que 
nos mostraram o caminho. Para aqueles que desde 1868 até hoje mostraram 
ao nosso povo os caminhos da revolução, que tornaram isto possível com o 
custo de seu sacrifício e heroísmo. Muitas vezes experimentando apenas a 
amargura do fracasso e o sentimento incapaz de superar o fosso 
aparentemente infinito e inalcançável entre seus esforços e seus objetivos. 
Precisamos passar por esses anos primitivos de experiências 
enriquecedoras e inimagináveis para adquirir o conhecimento e a 
maturidade em que apenas a escola da revolução pode ensinar. Tudo era 
como um sonho, então. Muitos de nossos contemporâneos, ainda pouco 
convecidos de que o destino de nossa nação podia e precisava, 
inevitavelmente, de mudanças, chegaram a nos chamar de sonhadores, 
mas eu sabia melhor. Eu nos trouxe até este dia. Eu nos trouxe a esta 
liberdade! — Ele gritou, levantando o braço direito no ar. Fazendo a 
multidão ficar selvagem assim que as palavras de Salazar saíram através 
dos alto-falantes, ecoando nas paredes de concreto. Se infiltrando nos poros 
de cada homem, mulher e criança presentes. 
Eu assisti e ouvi, sentindo como se ele estivesse falando comigo. Ele 
me atraiu de uma maneira que apenas Emilio Salazar sempre fez. 
Eu queria mais. 
Eu queria tudo. 
Homens militares armados levantaram os rifles no ar, enquanto eu 
continuava esperando. Em breve seria meu tempo de provar que eu 
poderia calçar os sapatos do nosso líder. Ele pessoalmente me escolheu por 
uma razão e por uma única razão; ele sabia que eu poderia fazê-lo 
fodidamente orgulhoso. Enquanto Salazar continuava seu discurso e falava 
sobre os acontecimentos históricos daquele dia, as palavras que mais me 
chamaram a atenção, foram como um homem verdadeiro não olhava 
primeiro de que lado ele podia viver melhor, mas sim de que lado estão os 
seus deveres e isso foi o que definiu as leis do amanhã. 
Eu era aquele homem. 
Eu fui treinado para ser esse soldado. Esse guerreiro. Aquele que 
sangrou pela minha pátria. 
Morreu pela porra do meu líder. 
Meu dever era para com o meu país. 
Servindo a Emilio Salazar de qualquer maneira que eu pudesse. 
Exatamente como meu pai e os homens do Montero antes dele. 
—Pátria ou morte, nós venceremos!— Salazar gritou no microfone 
para que todos saboreassem, mas parecia que ele realmente falava 
verdadeiramente comigo. Suas últimas palavras foram minha sugestão 
para entrar em ação. 
Meus pés se moviam por vontade própria, levando a bunda para o 
prédio de Moncada, disparando meu rifle. 
Tiro após tiro disparados com meu exército firme atrás de mim, 
seguindo minha liderança. Apontávamos nossos rifles em direção ao 
quartel, lacando a estrutura com nossas balas, imitando os tiros de 1953 
que ainda estavam embutidos profundamente nas paredes de concreto. 
Tudo o que eu podia ouvir eram os sons de fogo aberto ecoando fora do 
prédio, enquanto a multidão continuava ficando selvagem. Meus irmãos 
das forças armadas juntaram-se à reconstituição, fazendo disparar seus 
rifles. Só aumentando o impulso que me envolvia. Minha adrenalina 
martelando tão malditamente quanto minhas botas batiam no pavimento, 
um passo logo após o outro. Não consegui subir as escadas e entrar no 
quartel rápido o suficiente. 
Meu coração estava batendo rapidamente, achei quase difícil respirar. 
Minha mente correu e meu peito pulou com cada movimento que passava, 
aumentando com cada tiro que saiu do meu rifle. Eu era um homem 
possuído em uma missão, e ninguém me faria parar. A maior parte disso 
era apenas uma reconstituição, mas para mim era muito mais. 
Foi a primeira vez na minha vida que já me senti... 
Malditamente importante. 
Faça chuva ou faça sol, ninguém poderia tirar isso de mim. Era meu. 
Junto com o futuro daquilo que eu me tornaria. 
El Santo... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
—Você fez bem, filho—, reconheceu meu pai, agarrando meu ombro 
após o desfile e as festividades começarem. Estávamos de pé ao lado do 
palco, observando os fogos de artifício. 
Eu assenti com a cabeça, tentando esconder o sorriso de satisfação no 
meu rosto. Meu pai era um militar, por completo. Eu só me lembro de 
algumas vezes que eu já o vi sorrir ou rir. Ele segurava suas emoções como 
um escudo, dizendo que era mais fácil para os inimigos identificar suas 
fraquezas se as demonstrasse. Você se tornaria um alvo no momento em 
que encontrassem um indício de sentimentos, recebendo uma bala de 
merda e ganhando um lugar a seis pés abaixo da terra. 
Até hoje, não sabia se eu era considerado uma das suas fraquezas ou 
apenas o filho dele. O carinho físico também foi um conceito perdido na 
minha casa. Quando eu era menino, uma vez perguntei por que nunca 
houve nenhum abraço ou amor em nossa casa. Sua resposta foi —Porque eu 
não estou criando um maldito cobarde. Estou criando um homem. 
Foi a primeira e a última vez que eu fiz essa pergunta. 
As únicas mulheres da minha vida foram as que trabalharam para nós. 
Eu tive um grande respeito por todas elas, especialmente nossa 
governanta, Rosarío. Ela era a coisa mais próxima de uma mãeque eu já 
tive. Quando eu era mais jovem, ela costumava estar ao redor o tempo 
todo, mas, com o passar dos anos, ela não era necessária em nossa casa com 
tanta frequência. 
Isso porém não afetou nossa relação, fiquei com ela todas as chances 
que eu consegui. Sua casa sempre me pareceu mais como minha própria do 
que a que vivi com meu pai. Era a minha parte favorita da semana, 
visitando-a para uma xícara de café e suas torticas de moron3 caseiras. O 
marido de Rosarío morreu em uma idade muito jovem, e ela nunca se 
casou novamente. Ela não tinha filhos, mas ela sempre me disse, apesar de 
Deus não a abençoar com seus próprios filhos, ele me deu a ela. O carinho 
que me faltou do meu pai, Rosarío multiplicou por dez vezes. Ela me 
conheceu toda minha vida. 
No que diz respeito às meninas, não tinha tempo para perder com 
elas. Nem dei importância à besteira que vinha com encontros e bocetas. As 
mulheres eram complicações desnecessárias. Um soldado não perde tempo 
com o amor ou o que isso implicava. 
No entanto, eu estava agradecido e apreciava a vida que me foi dada. 
O mundo em que nasci. Não havia outro modo de vida para mim. Isso era 
tudo que eu já conheci. Eu tinha frequentado as melhores escolas, recebido 
a melhor educação e sabia mais sobre o mundo do que a maioria dos 
homens da minha idade. Eu era fluente em cinco línguas, incluindo o 
inglês, a língua dos ianques4. 
Eu nunca quis nada. 
Meu coração estava endurecido para esconder qualquer emoção, como 
se nunca tivesse existido em meu corpo. Eu já estava condicionado para a 
batalha. Aprendi como disparar uma arma quando eu tinha cinco anos, 
treinei como lutar e matar com minhas mãos nuas antes mesmo de entrar 
no ensino médio. Mas apesar de tudo isso, nunca presenciei nenhum ato 
real de violência. 
Embora fosse só meu pai e eu, nos encontramos com centenas de 
homens nos meus dezoito anos de vida. Parcialmente sendo criado nas 
casas de Salazar, devido ao fato de meu pai quase nunca ter deixado seu 
 
3 Este cookie delicioso vem da cidade cubana de Moron, na costa norte da ilha. Cuba foi uma das primeiras ilhas 
que Colombo visitou em suas viagens ao Novo Mundo. Os navios do explorador espanhol levaram os ingredientes 
para este biscoito doce: trigo, porcos (por banha e açúcar). Talvez o espanhol tenha trazido a receita também, 
porque o biscoito tortica de Moron é muito parecido com o amanteigado espanhol ou o biscoito de polvilho 
 
4 Americanos 
lado. Era a norma ver Emilio Salazar às portas fechadas, o poder e o 
controle que ele segurava eram coisas que precisavam ser admiradas. 
Quando ele entrava em uma sala, todos paravam o que estavam fazendo e 
esperavam. Quando falava, eles ouviam. Quando se movia, eles 
observavam cada passo dele. 
Quando ele… 
Quando ele… 
Quando ele… 
Não era importante. 
Todos os olhos estavam sempre sobre ele, não importa o quê. 
A vida que vivi era uma vida para ser invejada. Não havia muitos 
homens que poderiam dizer que o líder do nosso país também era um 
segundo pai para eles. 
—Como você se sente?— Perguntou Salazar em espanhol, 
caminhando para meu pai e eu. —Deixe-me adivinhar, importante, certo?— 
Assenti com a cabeça, incapaz de formar palavras. Eu não estava surpreso 
que ele soubesse como eu me sentia, ele podia ler todos como a porra de 
um livro aberto. 
—Você é importante, Damien. É por isso que eu escolhi você, e é hora 
de você reconhecer isso. É o seu momento de provar o seu valor ao seu 
líder. Você me entende? 
—Emilio… 
Com um olhar, Salazar deixou meu pai sem palavras. Por uma fração 
de segundo, eu juro que vi o medo ultrapassar os olhos do meu pai, mas 
tão rápido quanto surgiu, já havia desaparecido. Rapidamente substituído 
por seu comportamento natural e solene. Imediatamente me fez pensar se 
eu apenas tinha imaginado. 
—Com todo o devido respeito, Emilio, Damien é meramente um... 
—Damien pode responder por si mesmo—, interrompi grosseiramente 
meu pai, falando sobre mim na terceira pessoa. De cabeça erguida e 
pisando na frente dele. Avançando em sua direção até o meu peito tocar o 
dele. Eu falei com convicção. —Eu não preciso que você responda por mim, 
nunca! Eu não sou criança —, afirmei, arremessando minha cabeça para o 
lado, não me segurando. Não pensei duas vezes em colocá-lo em seu lugar, 
repetindo as palavras de Emilio de volta para ele. —Você me entende? 
Salazar sorriu, estreitando os olhos para o meu pai. —Ele pode ser seu 
filho, Ramón, mas deixe-me lembrá-lo de que ele responde a mim, como 
você. Foda-se seu posto. Ele me provou esta noite que ele está mais do que 
pronto. Ele vem conosco, e isso é uma ordem. Vamos! 
Quando abrimos o caminho para a limusine, ainda estava agitado com 
meu pai. Eu não sabia o que mais me incomodava, o fato de ele não achar 
que eu era capaz de qualquer coisa que Salazar quisesse que eu 
participasse. Ou o fato de eu ainda sentir que ele estava preocupado 
comigo. Dirigimos por algumas ruas mal iluminadas, a tensão na limusine 
era tão espessa que você poderia cortá-la com uma faca. O silêncio era 
quase insuportável. Eu fiz o meu melhor para ignorá-la, olhando as janelas 
coloridas para passar o tempo, esperando para chegar ao nosso destino 
final. Havia outros três dos serviços de segurança nos acompanhando, 
incluindo Pedro. Não pude deixar de notar que meu pai ainda não fazia 
contato visual comigo. O seu olhar não se afastou das mãos juntas na frente 
dele. Atormentado por seus pensamentos que eu sabia não terem nada a 
ver com a minha explosão. 
Voltei minha atenção para a estrada, ainda sem saber para onde diabos 
estávamos indo. Passando árvore após árvore, tornando difícil ver nosso 
caminho. Indefinindo o fundo. Desaparecendo na distância. Eu ignorei 
meus pensamentos iminentes, me concentrando na adrenalina que 
bombeava minhas veias. Tentando o mais difícil mantê-los sob controle. A 
última coisa que eu queria era que eles confundissem minha ansiedade por 
medo, ou pior, provassem que eu não estava preparado para isso. 
Quando na realidade, isso foi tudo que eu sempre quis. 
Os únicos sons que eu podia ouvir eram os pneus seguindo a rota 
instável, os batimentos cardíacos e os pensamentos que passavam por 
minha mente. Nem uma pessoa moveu uma polegada por todo o trajeto, 
enquanto a limusine continuava por seu caminho instável. Ficou mais 
escuro, quanto mais nós dirigimos, misturando as preocupações se 
agitando nas minhas entranhas, me perguntando quando, porra, 
chegaríamos. Os bairros começaram a ficar mais rurais e isolados a cada 
minuto que passava. Embora eu estivesse aguardando isto desde meu 
décimo segundo aniversário, esta poderia ser a primeira vez que eu 
realmente teria que usar minha arma. Meus pensamentos mudavam 
incessantemente pelo que parecia a décima vez. 
Eu me obriguei a manter a minha merda escondida. O estranho 
silêncio não ajudava minha disposição. Senti meus nervos rastejando mais 
uma vez, aumentando as inúmeras perguntas pelas quais sabia que nunca 
obteria respostas. Os faróis da limusine deixaram a estrada obscura até que 
finalmente todas as árvores de repente se aclararam, e então percebi que 
estávamos em um rancho. Nós devíamos estar a pelo menos uma hora de 
distância da cidade, dirigindo para o que era considerado el campo - as 
favelas. Agora que a lua cheia não estava bloqueada por um monte de 
árvores, brilhava contra o céu escuro, iluminando um vasto lote de terra. 
Uma pequena casa de estilo finca5 que parecia que desmoronaria em um 
dia ventoso ficava no meio do campo. O tapume de madeira esfarrapada a 
beira de ruir com pedaços de tinta lascadas ao longo da varanda perigosa. 
Havia um celeiro nos fundos, nas mesmas condições, rodeado por mais 
árvores e acres de terra. 
Nós estávamos no meio do nada aqui. 
 
5 Típicacasa de fazenda. 
Assim que o motorista pisou nos freios em frente à casa, meu pai abriu 
a porta como se não pudesse sair da limusine rápido o suficiente. Salazar e 
seus homens não estavam muito atrás dele. Instintivamente coloquei 
minha mão na minha arma antes de sair no ar úmido. 
Esperando. 
Assistindo. 
Preparado. 
A equipe de segurança de Emilio formou uma barricada na porta da 
frente, meu pai no meio, protegendo Salazar logo atrás dele. Armas em 
punho visavam a entrada, antecipando o sinal do nosso líder. 
A sequência de eventos que ocorreram a seguir, aconteceu tão rápido, 
mas o resto da noite pareceu desenrolar-se em um momento lento de 
merda. 
Salazar, com sabedoria, acenou com a cabeça para o meu pai, o que 
não precisava ser dito duas vezes. Ele puxou suas armas de seus coldres, 
deu um passo para trás e empurrou o pé contra a porta. O som dos gritos 
de uma mulher chamou minha atenção primeiro, era impossível não ouvi-
los. Eles ecoaram durante a noite e atravessaram os acres de terra a céu 
aberto. 
Eu assisti com olhos escuros e dilatados enquanto os homens de 
Salazar, meu pai incluído, correram para a casa, sem dar a ninguém a 
chance de correr ou se esconder. Para procurar segurança. Nada. 
Naquele momento, fiquei plenamente consciente de que esta era uma 
emboscada habilidosa - uma que havia sido realizada muitas, muitas vezes 
antes daquela noite. Meu corpo se moveu voluntariamente como se 
estivesse sendo puxado por um fio, cruzando a soleira maltratada. Mais 
gritos estridentes soaram, me deixando paralisado. Fiquei ali parado no 
lugar, meus pés de repente colados ao maldito chão, esquecendo por um 
momento todos os anos de treinamento que tive. Rapidamente captei a 
confusão, lendo todos os detalhes como o soldado especialista que eu era. 
Havia fragmentos de madeira da porta da frente espalhados pelo vestíbulo. 
Uma mesa virada no meio de todo o resto. Vidro quebrado de um vaso de 
flores com gengibre branco e mariposa, pisotedas por todo o piso gasto. 
Imagens familiares que caíram das paredes após o impacto, casualmente 
colocadas ali com rostos sorridentes olhando para mim através de peças 
quebradas. 
Não perdi o sentido da ironia. 
Meu pai e seus homens não vacilaram, nem mesmo por um segundo 
porra, entrando em ação. Cada um deles agarrando o que parecia ser o 
membro de uma família amorosa. Meu pai agarrou vigorosamente os 
ombros de um homem mais velho, cruamente rasgando-o longe de quem 
eu assumi fossem sua esposa e sua filha. Ele implorou por suas vidas e elas 
pediram pela dele, lutando para libertar-se, debatendo-se nos braços 
entrelaçados e orando a Deus para não machucá-lo. Ele devia estar no final 
dos anos sessenta, a julgar pelos seus cabelos grisalhos e aparência frágil. 
Não havia necessidade do ataque severo que meu pai estava fazendo. O 
homem teria ido voluntariamente, feito qualquer coisa para salvar as vidas 
de seus entes amados. 
—Por favor! Te lo ruego! No las lastimes!6 —, Ele gritou,— Por favor! Eu 
lhe imploro! Não as machuque! —Em um tom que ressoou no fundo do 
meu núcleo enquanto meu pai bateu o punho no lado do tronco do 
homem. Fazendo-o se dobrar com dor. 
Pedro segurou a jovem que não poderia ser mais velha do que eu, 
enquanto ela berrou, —Papi! Papi! Papi! Por favor! Papi7! —O tremor em sua 
voz me deixou doente do estômago. 
Dois dos guardas estavam vigiando a porta quebrada, mais perto de 
mim. Sem sequer se perturbar pela vil cena que se desdobrava em frente a 
 
6 Por favor! Te rogo! Não as machuque. 
7 Papai 
eles, como se não fosse nada fora do comum, apenas uma outra noite de 
rotina no trabalho. Meus olhos se deslocaram para o último guarda que 
tinha um controle de morte sobre a mãe, segurando-a tão fodidamente 
apertado que eu pensei que seus braços iriam ser arrancados de seus 
ombros. Observando sua luta contra ele, desesperadamente querendo 
correr para a família dela. Ambos os guardas seguraram as fêmeas 
pequenas como se estivessem segurando dois homens de duzentos quilos, 
em vez de duas mulheres frágeis. As maltratando de propósito, por 
tentarem sair da situação fodida. 
—Por favor! Deixe elas irem! É a mim que você quer! Por favor! 
Apenas as deixe ir! —O homem mais velho implorou implacavelmente, 
respirando a agonia do que estava acontecendo perante ele. Ele tentou lutar 
contra meu pai com toda a força que ele conseguiu reunir, arranhando, 
empurrando, debatendo seu corpo. Recebendo cada pancada que meu pai 
lhe deu no lado da cabeça por cada palavra que saiu de seus lábios 
sangrando. Nunca silenciando suas súplicas por suas vidas. 
—NÃO! Não o machuque! Por favor! Não machuque meu marido! 
Nós lhe daremos o que quiser! Não o machuque! Por favor! Eu lhe imploro! 
Tenha piedade! — A mulher mais velha gritou enquanto lágrimas sem fim 
escorreram pelo rosto. Umas atrás da outra sem fim à vista, refletindo as 
expressões exatas no rosto da filha adolescente. 
—Te amo, Julio! Te amo con todo mi corazón! — Ela acrescentou:— Eu te 
amo, Julio! Eu amo você com todo o meu coração! — Lutando com todas as 
suas forças. 
—Feche a porra da boca!— Salazar rugiu em espanhol. —Feche-a, 
foda-se! AGORA! Chega de drama! 
Não perdendo tempo, meu pai arrastou o homem para uma cadeira 
próxima e deu um soco em seu rosto até que ele ficou quase inconsciente. 
Pendurado por um fio. Causando um rastro de sangue escorrer de seu 
rosto maltratado. Sua cabeça se inclinou para a frente enquanto seu corpo 
encurvava, entrando e saindo da consciência. Não aguentaria mais uma 
briga. Meu pai puxou cordas de seu bolso traseiro, usando-as para prender 
as mãos do velho atrás das costas e os tornozelos nas pernas da cadeira. 
Os dois guardas, que ainda seguravam as mulheres cativas, não se 
incomodaram em prendê-las. Sabendo que não precisavam porque as 
mulheres não eram um desafio para eles. Eles lhes deram uma bofetada 
algumas vezes, tornando seus corpos frágeis ainda mais fracos da força de 
seus golpes. Segurando seus cabelos, puxando a cabeça para trás antes de 
colocar os canos de suas armas nos lados de suas têmporas. Isso foi tudo 
que levou para as deixar sem palavras, quase não conseguindo se segurar 
por mais tempo. 
Eu engoli com dificuldade quando meu olhar em branco encontrou 
suas expressões sádicas. Eles estavam mostrando seu trabalho. Envergando 
seus punhos ensanguentados orgulhosamente. 
Nenhum remorso. 
Nenhuma culpa. 
Não consegui me impedir de olhar para trás para meu pai, o capitão 
do maldito exército de Emilio Salazar, o homem que sempre me ensinara 
que as mulheres eram diferentes. 
Elas não faziam parte da batalha. 
Não eram vítimas. 
Não eram prisioneiras de guerra. 
Nossos olhos trancaram a distância, tudo fazia sentido agora. Seu 
olhar me dizia tudo o que não podia ser falado. Sua preocupação, sua 
necessidade de falar por mim, sua vergonha e remorso atualmente 
comendo ele vivo. 
Eram tudo sobre as mentiras. 
—Damien—, gritou Emilio, trazendo meu olhar para ele. 
Foi a primeira vez que senti que estava realmente olhando para ele. O 
verdadeiro ele. Nosso ditador destemido inclinou-se contra a parede, os 
braços cruzados sobre o peito, uma perna por cima da outra. Nem um 
cabelo fora do lugar, seu uniforme militar intacto, e uma expressão 
presunçosa se espalhando por seu rosto de merda. Mas não foi isso que 
teve a minha atenção. Era o fogo nos seus olhos, ardendo na minha alma. 
Ele tinha prazer com isso tanto quanto os homens dele. 
O poder. 
O controle. 
A luta que ele trouxe para a casa desta família. 
—Eu sei o que você está pensando—, ele reconheceu, acenando com a 
cabeça para mim. —As coisas nem sempre são da maneira como elas 
parecem. Eu posso ver o julgamento em seus olhos, está irradiando de seu 
corpo. Você se atreve a me julgar, seu líder que não fez nada além de o 
transformar em um homem?Eu fiz do nosso país o que é hoje, e você ainda 
está parado e me questiona? Você está questionando sua lealdade por 
causa de algumas putas e um velho fodido? Hein? —Ele se afastou da 
parede, colocando as mãos nos bolsos das calças. Caminhando lentamente 
para onde meu pai estava com o homem mais velho que ainda estava 
lutando para ficar alerta. 
—Eu não disse uma palavra—, simplesmente falei, observando cada 
movimento dele. 
—Você não precisava. Você vê, Damien, eu fui uma vez como você. 
Eu pisquei, absorvendo suas palavras, ainda completamente 
consciente do ambiente. Como os guardas ainda fodiam com as mulheres, 
passando suas armas pelo peito, estômago e coxas. Fazendo suas camisolas 
de noite rasgadas e frágeis colarem na pele suada. Pressionando seus paus 
em suas bundas, propositadamente fazendo seus corpos aterrorizados se 
balançarem contra seus pênis. Os únicos sons que poderiam ser ouvidos 
eram seus gemidos baixos e sutis, sabendo que provavelmente não iriam 
sair daqui vivas. Os homens que estavam de pé junto às portas apenas 
esperavam sua maldita vez. 
Eu fiz a minha parte, agindo como se eu não percebesse os atos 
invasivos. Dando ao monstro parado na minha frente exatamente o que ele 
ansiava. 
Respeito. 
—Eu queria proteger meu país, queria liberdade para todo o meu 
povo, queria uma vida em que todos fossem iguais. EU… 
—Todos, exceto você—, eu interrompi, parando mais alto, sem recuar. 
Ele sorriu, me olhando de cima a baixo. —E você. O quê? Você acha 
que não é tratado diferente? Mantido em padrões mais elevados? 
Recebendo privilégios pelos quais a maioria morreria? Oh, vamos, 
Damien... olhe no maldito espelho. Você é tão fodido quanto eu. Sempre foi 
e sempre será. Você deveria agradecer-me, não duvidar de mim. O homem 
que lhe deu tudo! —Ele fervilhou, fazendo as mulheres gritarem em 
resposta. —Não há nada em sua mente pequena que não poderia estar 
mais errado. Você vê esse homem? — Ele agarrou os cabelos do pai, 
puxando-o para trás para que eu pudesse ver seu rosto mutilado. 
—Este homem é um maldito traidor! 
—O que ele fez? Não pagou seus fodidos impostos porque ele teve que 
alimentar sua família? —Eu vomitei a verdade, aquilo que eu estive 
escondendo a minha vida inteira. 
Emilio inclinou a cabeça para um lado, mais uma vez me olhando de 
cima a baixo com um olhar que eu nunca tinha visto antes. —Ele estava 
trabalhando com o inimigo para me derrubar. Ele e um monte de outros 
traidores estavam tendo reuniões nesta casa! Organizando minha morte 
para derrubar tudo o que eu trabalhei durante toda a minha vida! E você 
sabe o que fazemos aos traidores? —Ele fez uma pausa, empurrando o 
homem para longe, fazendo com que sua cadeira cambaleasse. 
Um estranho silêncio encheu a sala enquanto ele caminhava em 
direção às mulheres, sorrindo de orelha a orelha. Apreciando o efeito que 
ele provocou nas mulheres indefesas. Ambas tentaram se afastar 
fracamente dele, apenas afundando-se mais no aperto dominante dos 
guardas. Salazar não hesitou, afastando a adolescente de seus capangas. 
—NÃO!— A mãe soltou um grito penetrante que me perseguiria para 
sempre. 
Aquela noite e suas palavras mudariam quem eu era, e tudo em que 
eu acreditava, para o resto da minha vida. 
Tudo começou com... 
Quatro palavras simples. 
—Nós os fazemos pagar. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A menina imediatamente começou a gritar e se debater nos braços de 
Emilio. Seu longo cabelo castanho preso aos lados de suas bochechas 
inchadas. Lágrimas infinitas escorriam pelo rosto bonito e ferido enquanto 
lutava contra o monstro que invadiu sua casa no meio da noite. Salazar não 
lhe deu nenhuma importância, divertido pelo rumo dos acontecimentos. 
Eu não pensei duas vezes sobre isso, tirando minha arma e apontando para 
o ponto em branco no meio da testa do pai. Nunca rompendo meu olhar 
intenso com Salazar. 
Eu estreitei meus olhos para ele, falando com firmeza: —Eu vou puxar 
o fodido gatilho, assim que você deixar as mulheres sair com segurança. 
Emilio sorriu, grande e largo. Olhando para a garota que agora estava 
olhando para mim com uma nova sensação de esperança em seus olhos 
castanhos escuros. 
—Não tente ser o fodido herói nesta história, Damien. Há apenas uma 
coisa que você precisa aprender sobre esta noite. A única maneira de fazer 
um homem pagar pelos seus pecados... é sempre através dos que ele mais 
ama. 
Sua mãe começou a quebrar, gritar e tentar se libertar. Fazendo tudo 
em seu poder para salvar sua filha. Enquanto o pai veio também, 
implorando por suas vidas de sua cadeira. Suplicando com tudo dentro 
dele para deixar as meninas irem. 
Não hesitei, apontando minha arma para o ombro do homem e 
puxando o gatilho. 
—NÃOOOOOO!— As mulheres gritaram em uníssono, lutando com 
todas as últimas forças para conseguirem ir até ele. 
—A próxima bala é através de seu coração!— Eu gritei, precisando 
fazer entender meu ponto de vista. —Agora, deixe-as ir! 
—Abaixe a arma, soldado!— Ordenou Salazar, sabendo que eu não 
tinha outra escolha a não ser ouvir. 
Pela primeira vez na minha vida, lutei uma batalha interna entre o que 
era certo e errado. Abaixando minha arma, tentando não deixar o caos 
nublar meu julgamento. Salazar veio até mim em três passos com a filha ao 
reboque, arrancando a arma das minhas mãos. Arrastando-a para seus pés 
na frente dele, colocando o metal frio no lado de sua cabeça. Ele a colocou 
de forma segura entre nós, a poucos passos de distância de mim. Os olhos 
da menina revelaram muito, intensificando-se com cada segundo que 
passou como uma bomba-relógio. 
Medo. 
Dor. 
Morte. 
—É hora de você virar homem, porra, e me provar ao lado de quem 
você está. Onde seus deveres estão porque pela pátria ou morte, nós 
venceremos! —Com isso, ele a empurrou tão forte quanto pôde na minha 
direção, fazendo com que ela perdesse o equilíbrio. 
Ela choramingou quando eu a peguei em meus braços soltos. 
Apoiando seu pequeno corpo contra meu peito. Nossos rostos se 
afastaram, enquanto ela tentava instintivamente lutar contra mim. Não que 
eu pudesse culpá-la, eu era apenas outro vilão a seus olhos. 
—Controle-a! Mostre a ela o que fazemos a bandidos! Você me 
entende? —Emilio rugiu, tornando sua luta contra mim ainda mais dura. 
Não consegui fazê-lo, tomei todos os socos que ela deu. Permiti-lhe 
sentir algum consolo que eu pudesse fornecer, mesmo que fosse apenas por 
alguns segundos. Era o mínimo que eu podia fazer. Ela começou a me 
acertar cada vez mais forte quando percebeu que eu não a detinha, não 
estava lutando de volta. Eu estava deixando-a ter o seu momento. 
—Agora é a sua hora para realmente provar sua lealdade por mim! 
Mostre a ela a quem ela serve! 
Quando eu não fiz o que queria, Salazar a arrancou por seus cabelos 
com repulsa em seus olhos. Suas mãos instantaneamente foram a sua 
cabeça, onde ele tinha se apoderado dela, estremecendo de dor. Agarrando 
os dedos enquanto ele a puxava na direção dos guardas junto a porta. Suas 
pernas se dobraram atrás dela, tentando ganhar controle para se manter 
firme, mas falhando miseravelmente. 
Seu pai começou a explodir, tentando desesperadamente escapar da 
cadeira - mais duro, mais rápido, quase derrubando-a. O sangue jorrando 
do orifício da bala em seu ombro não o impedindo. Enquanto sua mãe 
fazia o mesmo com o fodido guarda. 
Foi então que eu tranquei os olhos com meu pai, seu olhar me 
implorando para o perdoar. Para ter piedade dele também. 
—Isto é o que fazemos aos homens que nos traíram, Julio—, Emilio 
falou o nome do pai em um tom ameaçador que fez meu corpo estremecer. 
Inclinando a cabeça para um dos guardas em vigilância na porta, a 
entregando para ele. Como se ele não quisesse colocar as mãos na sujeira, 
como se ela fosse apenas um pedaço de lixo. 
—Faça o seu melhor, puta. Ninguém pode te ouvir lá fora —, zombouo guarda, a puxando para o pequeno sofá-cama na sala de estar. —Eu 
adoro quando elas gritam—, acrescentou. 
—Não!— Ela gritou, balançando pateticamente todo o corpo, 
chutando e gritando no topo de seus pulmões enquanto repetia, —Por 
favor!— Repetidamente. Esperando acordar a qualquer momento desse 
horrível pesadelo. Deus a salvaria desse Inferno. —Não! Não! Não! —Ela 
continuou a gritar sem sucesso, fazendo com que todos rissem e eu ficasse 
nauseado. 
Emilio acenou com a cabeça para meu pai, ordenando silenciosamente 
que ele calasse o velho. Ele fez, batendo furiosamente o punho de sua arma 
na parte de trás do pescoço. Derrubando-o no chão com a cadeira. O 
guarda que segurava a mãe cobriu sua boca para abafar seus gritos, mas 
ela não parou de lutar contra ele até que ele a golpeou no estômago. 
Deixando-a de joelhos com a dor. 
Seus capangas arrancaram a calcinha da menina, a jogando no chão. 
Sua camisola já estava rasgada, deixando-a exposta e praticamente nua. Ele 
a empurrou para o braço do sofá, empurrando a cabeça para a almofada e 
segurando-a. Colocando o traseiro dela no ar. 
—Isso é o suficiente!— Eu rosnei, meu peito subindo e descendo. Eu 
não podia assistir isso por mais tempo. 
—O quê, Damien? Ela é uma menina linda, não é? Você não quer o seu 
primeiro gosto de boceta? Ela é uma meretriz, assim como sua mãe —, 
gritou Emilio. 
—Vá se foder!— Eu gaguejei, minhas mãos se fechando em punhos em 
meus lados. 
Antes de receber a última palavra, ele me bateu com a ponta da minha 
arma. Minha cabeça virou para o lado com impacto contundente de seu 
golpe. Foi a primeira vez que Salazar me atingiu. 
—Eu te dei tudo, garoto! Você vai deixar esse traidor tirar tudo o que 
você acredita?! Talvez eu devesse deixá-lo dobrar e foder você em vez 
disso! —Ele ameaçou, balançando a cabeça. —Não, não é assim que isso vai 
acontecer. Você mostra a esse filho da puta que não permitiremos traidores 
em nosso país! Ele tirou de nós, então agora chegou a hora de tirar dele! 
Você fode sua filha! Você a toma bem à sua frente e faz com que ele assista. 
Pague pelos seus pecados! Ninguém nos trai! 
Eu não me movi, cuspi um bocado de sangue no chão perto de meus 
pés, enquanto a jovem tirou a cabeça da almofada do sofá. Olhando nos 
meus olhos, me implorando para salvá-la. 
Salve-os. 
—Seja um maldito homem! Ela não é nada! Assuma o controle! Eu sei 
que está em você, assim como está em mim e em seu pai! —Não me 
permitindo responder, ele simplesmente levantou a arma e apontou para o 
centro da minha testa. Rosnando, ele acrescentou: —É por isso que eu 
escolhi você! Agora me faça orgulhoso! 
Eu não vacilei, gritando: —Então, puxe o gatilho! 
Ele se moveu para trás, completamente apanhado de surpresa com a 
minha resposta. Se esta noite provasse alguma coisa para ele, era o fato de 
que eu não queria que nada acontecesse às mulheres, e o filho da puta usou 
isso contra mim. Ele instantaneamente moveu minha arma, apontando 
para a mãe e puxou o gatilho. 
—NÃO!— Gritei, prestes a correr em sua ajuda enquanto sofria de 
agonia, mas Pedro me agarrou. 
Bloqueando meu corpo no lugar. 
—A próxima bala é através de seu coração—, disse Emilio, lançando 
minhas palavras de volta para mim. —Faça ou ela morre! Você quer ser 
responsável por tirar a mãe desta menina? Que tipo de monstro você é? — 
Ele zombou em um tom condescendente, sorrindo de forma desonesta. 
Meus olhos encontraram a garota olhando para mim por um segundo 
antes de os fechar, como se a machucasse olhar para mim. Virando o rosto 
em derrota. Pedro começou a avançar, levando-me com ele de bom grado. 
Não havia nenhum motivo para resistir, Emilio tinha-me exatamente onde 
ele me queria. 
Prisioneiro. 
Uma vez que estávamos perto o suficiente, ele me empurrou com força 
para a garota. Eu me segurei na parte de trás do sofá antes que meu peso 
caísse para frente, esmagando seu corpo. Ela tremia tão forte contra meu 
peito, soluçando. Toda a luta que ela tinha antes desapareceu, e resisti à 
vontade de lutar por ela. Nós dois sabíamos muito bem que se eu o fizesse, 
custaria a vida da sua mãe. E provavelmente a nossa também. 
—Shhh...— Eu sussurrei perto o suficiente do seu ouvido, de modo a 
que ninguém pudesse ouvir. Os gemidos de sua mãe devido ao tiro 
enchiam a sala, tornando mais fácil ser discreto. Tentei acalmar sua 
respiração, acalmá-la de qualquer maneira que eu pudesse. — Shhh...— Eu 
repeti várias vezes até sentir que ela começou a se acalmar. Ela virou a 
cabeça ligeiramente, nossos olhos presos um ao outro. 
Com os lábios trêmulos, ela murmurou: —Sou virgem. 
E com um brilho doloroso, eu respondi: —Eu também. 
Por apenas esse momento no tempo, nós encaramos um ao outro, 
ambos tentando nos arrastar para esse espaço vazio dentro de nossas 
mentes. 
Esconder. 
Procurarmos refúgio dentro de nós mesmos era a única maneira de 
sobreviver a isso. Abafar o tumulto em erupção ao nosso redor, 
amortecendo os gritos com nossos pensamentos assustadores. Os apelos 
desapareceram na distância enquanto vislumbramos visivelmente nossas 
emoções conflitantes. 
—Por favor, Deus—, ela rezou, não sei pelo quê. 
Depois desta noite, eu estava convencido de que não havia Deus. 
Pelo menos não... 
Para mim. 
—Como te llamas?— Eu perguntei com ternura, —Qual o seu nome? 
—Teresa—, ela expirou, olhando-me profundamente nos olhos, 
buscando atentamente por trás de meu olhar. 
—Perdóname, eu trataré de no herirté—, disse com sinceridade, —sinto 
muito, tentarei não machucá-la. 
Mirando seu olhar intenso, varri um fio de cabelo do seu rosto com a 
parte de trás da minha mão. Permitido que meus dedos permanecessem na 
sua pele macia e aveludada. 
Ela rapidamente se afastou, estreitando os olhos para mim. —Faça o 
seu pior, garoto. Ele tem razão. Você é como ele. A única diferença é que 
você é um monstro que ainda não sabe. Ele sabe disso e aceitou isso, e 
depois desta noite, você também. Apenas faça isso. Pare de fingir ser algo 
que você não é. 
Eu me afastei como se ela tivesse me atingido, me destruindo com a 
realidade de suas palavras. Os restos do homem que eu pensava ser 
morreriam depois dessa noite. Não restaria nada de mim. Eu tinha que 
desligar minha humanidade para ultrapassar isto ou não conseguiríamos 
sair vivos. O que aconteceu depois foi como se estivesse tendo uma 
experiência fora do meu corpo. 
Eu estava lá... mas eu não estava. 
Ouvi vagamente Salazar provocando: —Você viadinho! Você não 
pode nem ficar duro! Faça isso agora! Estou perdendo minha paciência! 
Outra bala voou para a mãe, errando por pouco sua cabeça, desta vez. 
Mais gritos. 
Mais risadas. 
Mais pecados que eu teria que pagar. 
Eu sabia que Teresa poderia sentir-me em todos os lugares, e eu quase 
não a tocava, revoltado pelo que estava fazendo. Com o que eu tinha que 
fazer. Eu podia sentir uma queimadura latejante irradiar por todo o seu 
corpo pela súbita perda de fôlego. O ar sendo roubado dela com o meu 
peso descansando nas suas costas. 
Chupei o ar que não estava disponível. Bile subiu por minha garganta. 
O controle, o poder, a sensação de sua boceta apertada em torno do meu 
pênis, lentamente se arrastaram, encontrando seu caminho dentro de mim. 
Fodendo minha mente. 
Eu tentei afogá-lo, disposto a não sentir nada além do ato cruel que 
estava cumprindo. 
De repente, percebi que lágrimas escorreram pelo meu rosto. Meus 
lábios tremiam, meus dentes batiam, e minha visão ficou preta, piscando 
com manchas brancas. Quando ela moveu os quadris, instintivamente 
agarrei-os com força, fazendo com que ela gemesse pela dor inesperada. 
—Não se mexa,— eu segurei um maxilar apertado, incapaz de 
controlar as sensações que ela estimulava, precisando controlar o ritmo de 
nosso ato pecaminoso. Odiando-me mais por isso. Foi demais para eu 
tomar, despertando uma besta, um lado escuro de mim que eu nunca 
soube que existia. 
Aprisionandomeu corpo, minha mente e minha alma. 
Eu podia sentir sua virtude, sua maldita inocência no meu pênis; isso 
só fez aumentar as emoções conflitantes mexendo com minha mente. Com 
cada impulso, senti os demônios que me perseguiriam eternamente. Me 
atormentando até o dia em que eu morresse, até eu tomar meu último 
suspiro. Não passei pelo vale da sombra da morte naquela noite... 
Eu viveria nele a partir de agora. 
Residindo permanentemente dentro de mim. 
De onde eu nunca conseguiria sair vivo. 
Era tudo demais - as vozes, os comandos, as fodidas sensações. Meus 
quadris começaram a se mover por vontade própria, como se eu fosse um 
maldito homem. 
O pecador assumiu o controle enquanto o santo estava sentado 
silenciosamente ao seu lado. 
Meus dedos apertaram, cavando minhas unhas em sua carne, pegando 
minha velocidade. Empurrando-a mais forte, mais rápido, mais forte. 
Minha visão se torceu, e eu juro que ouvi ela gemer sobre a loucura que 
vivia dentro e ao meu redor. Apenas tentando chutar o demônio mais 
longe, fazendo com que minha cabeça caísse para o seu pescoço. Fechei os 
olhos com força. Vendo flashes da cara de choro de Teresa, sangue... 
Tanto sangue, porra. 
Afastei as imagens tão rapidamente quanto elas se aproximaram, o 
santo derrotando o pecador, me puxando de volta à luz. Finalmente, 
tomando posse de minhas ações. O controle da minha vida. Eu tinha que 
pôr fim a isso, incapaz de continuar arrastando outra vida para o inferno 
junto com a minha. 
Mesmo quando eu estava prestes a terminar... 
Ouvi o grito do pai da menina: —Amira! NÃO! Corra! 
Instintivamente me virei para o guarda à minha direita, pegando a 
arma do seu coldre e apontando-a na direção da sombria figura ao meu 
lado. Ficando cara a cara com uma menina pequena, cujos enormes olhos 
cor de avelã agora permaneceriam na escuridão da minha vida. 
Sabendo que viu tudo. 
Olhei ao redor da sala, precisando ver tudo pelos olhos dela. Sua mãe 
deitada ali, sangrando, ainda tentando formar gritos que saíam como 
sussurros. Seu pai amarrado a uma cadeira, lhe implorando freneticamente 
para correr. Sua irmã inclinada sobre um sofá, chorando 
incontrolavelmente comigo ainda dentro dela. 
Com a arma ainda firmemente em minha mão, apontando para a 
cabeça dela, visando matá-la. 
Abaixei imediatamente minha arma, me sentindo como o monstro que 
eu sabia que era. Eu ajustei minha calça, olhando para cima ainda a tempo 
de ver Salazar levantar minha arma na frente dele. 
—Nãooooo!— gritei, correndo em sua direção. 
Ele não hesitou. — O acordo acabou!— Começando a abrir fogo ao 
redor da sala, matando Teresa primeiro. Querendo que seus pais a vissem 
morrer, não importa o quê. 
Eu a peguei antes de cair no chão com um baque duro, puxando-me 
com ela. Agarrando seu corpo sem vida em meus braços, apliquei pressão 
sobre a ferida da bala em seu peito. —O que diabos você fez?— Perguntei 
com franqueza, encarando o rosto sem vida de Teresa, a garota que acabei 
de conhecer. 
A agonia de seu pai voltou minha atenção para Salazar. Eu assisti 
aterrorizado quando ele assassinou sua mãe a seguir, fazendo o homem 
testemunhar sua família sendo abatida diante de seus olhos. 
—Pátria ou morte, nós venceremos—, foram as últimas palavras que 
ele ouviu antes de Salazar o matar à queima-roupa. Colocando o fim ao 
drama como ele chamou. 
Eu mais uma vez suguei um ar que não estava disponível, cada tiro 
ressoando profundamente no meu núcleo. 
O meu peito pesado em cada respiração, sufocando pelo massacre ao 
meu redor. Se afogando na devastação de toda vida brutalmente arrancada 
deste mundo. Olhei para a garota em meus braços novamente, seu sangue 
inocente em minhas mãos. 
Junto com os de sua família. 
Engolindo com força, olhei para Emilio com nada além de ódio e 
remorso em meus olhos. —Nós tínhamos um acordo—, eu balancei, 
tentando pateticamente juntar minhas palavras. 
Minhas emoções. 
O soldado já havia desaparecido. 
Desapareceu na noite como se ele nunca existisse para começar. 
Salazar riu, —Filho da puta, você nem gozou—, ele vomitou sádico. 
Inclinando a cabeça para a garotinha que ficou paralisada com a boneca 
bem apertada nas mãos. Como se estivesse segurando sua posse mais 
valiosa. Toda a cor tirada de seu corpo, entrando em choque. Seus olhos 
traumatizados se conectaram com os meus, procurando instantaneamente 
por respostas a perguntas que eu nunca conseguiria dar. 
Uma única lágrima escapou, caindo lentamente pelo lado do seu rosto, 
escorrendo do seu queixo e para o chão. 
Se misturando ao sangue de sua irmã. Eu juro que eu poderia provar... 
Sua dor. 
Sua perda. 
Seu futuro mudando para sempre. 
—Ela é sua agora—, acrescentou Emilio, jogando minha arma de volta 
para mim. Balançando a cabeça para a menina, ele falou com convicção. —
Ela pode ser o seu lembrete diário da família que você tirou dela e o que 
acontece quando você me trai. 
Foi só então que percebi que perdi mais do que a minha vida naquela 
noite. 
Perdi minha maldita alma. 
Tudo em nome do comunismo. E de um homem mais diabólico que o 
próprio Diabo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
—Amira! NÃO! Corra! — Papi gritou, mas mal podia ouvi-lo sobre a 
agitação. 
Não queria que ele ficasse bravo comigo. 
Eu não queria ser uma garotinha má. 
Eu não queria deixar minha família cair. 
Ouvindo os gritos e os grandes tiros. Observando a dor e a agonia que 
estavam passando. 
Doeu todo o meu corpo. 
Eu senti isso em cada última polegada da minha pele. 
Eu ouviria seus gritos toda vez que eu fechasse meus olhos. Vejo seus 
rostos ensanguentados a cada segundo do dia. 
Revivendo cada súplica, cada bala e cada marca em seus corpos 
maltratados. 
Eu senti tudo. 
Na minha mente, corpo e alma. 
Fiquei escondida pelo que pareceram horas, testemunhando tudo 
através do pequeno buraco no armário da cozinha. Sempre foi meu 
esconderijo favorito ao jogar esconde-esconde com Teresa. Ninguém me 
encontrava quando me escondia. Eu segurei a respiração para evitar dar 
um som. Olhando para a sala onde um monte de monstros torturavam 
minha família. Os homens desagradáveis que meu pai me disse dos quais 
me esconder, semanas antes. 
Eu queria fechar meus olhos como se estivesse assistindo algo 
assustador, e fazê-lo desaparecer. Como se fosse apenas um sonho ruim do 
qual eu logo iria acordar. Mas toda vez que meus olhos se esconderam na 
escuridão, só piorava meus pensamentos. Não sabendo o que aconteceria a 
seguir. Tornando mais difícil controlar minhas emoções e medo. Eu tinha 
que assistir, não importa o quê. Era a única maneira de manter minha 
promessa para Papi. 
Meu olhar aterrorizado voou para o homem entrando na sala de estar. 
O monstro, segurando minha família como refém, Damien. Eu não podia 
tirar os olhos do homem alto que estava a poucos metros de distância do 
meu lugar secreto. Ainda escondida atrás da porta do armário de madeira 
fina. Ele usava uniforme militar como os homens que vinham recolher 
nossa comida todos os meses. Eu notei sua atitude instantaneamente. Eu 
podia ver algo diferente em seu olhar cor de mel. Do jeito que ele estava 
olhando a minha família, como suas mãos se contraiam ligeiramente com 
sua expressão sincera. O jeito que ele ficou perto da porta, sem mover uma 
polegada. Observando tudo acontecendo na frente dele, exatamente como 
eu estava. 
Ele não era como eles. 
Eles eram monstros aos seus olhos também. 
Rezei silenciosamente para que ele fosse o salvador da minha família. 
Ele se tornaria o herói neste pesadelo. Quanto mais tempo eu assisti, mais 
eu percebi que ele era tão vítima quanto toda a minha família. Ele não 
queria fazer aquelas coisas horríveis. 
Ele estava lutando por suas vidas, enquanto eu lutava pela minha 
escondida. 
Mais gritos. 
Mais tiros. 
Mais… 
Mais… 
Mais… 
—A próxima bala é através do coração dela. Faça isso ou ela morre! 
Você quer ser responsável por tirar a mãedesta menina dela? Que tipo de 
monstro você é? 
Eu queria gritar: —Ele não é um monstro, você é!— Mas, em vez disso, 
escondi meu rosto no corpo da minha boneca Yuly8. Era muito difícil 
continuar observando sua dor. Meu coração quebrado estava agora na 
minha garganta com a bílis subindo, mas eu engoli de volta. Cobrindo 
meus ouvidos com as mãos, tentando abafar os lamentos de Mami e a voz 
do monstro. Recordando a última vez que fiquei feliz com Papi. 
—Amira, tenho um presente para você—, revelou Papi em espanhol, tocando 
a ponta do meu nariz com o dedo indicador. Um gesto que ele fez toda a minha 
vida. Ele brincaria que o meu nariz iria crescer como o de Pinóquio se eu dissesse 
mentiras. Era sua maneira de se certificar de que ele me mantinha honesta. 
Meu pai trabalhava dia sim, dia não em El Campo, na cidade e em qualquer outro 
lugar em que ele pudesse obter bens em troca de seu trabalho. O que quer que isso 
significasse. 
Não o vi em alguns dias, o que me deixou realmente triste. Parecia que toda vez 
que ele saía para ir à cidade para trabalhar, mais demorava a retornar. Eu odiava 
quando Papi partia, as coisas não eram as mesmas sem ele. 
Mami e Teresa também sentiam falta dele, mas não como eu. Mami tentava me 
animar cada vez que ele nos deixava, me deixando brincar com os pintinhos no 
celeiro. Ou me deixava correr livre pelo campo e escolher minhas flores favoritas, 
mariposas, para Papi. Uma delicada flor branca com pétalas que tinham a forma de 
uma borboleta. Quando ele estava em casa, abanava meus braços para cima e para 
baixo como se eu estivesse voando, e girava ao redor dele, fazendo-o rir e sorrir. 
Esses eram os melhores dias. 
Papi sabia que eu ficava infeliz quando ele nos deixava, então ele sempre 
tentava me trazer de volta um presente, para compensar sua ausência. Sabendo que 
era raro que recebêssemos presentes, a menos que fosse nosso aniversário ou um 
 
8 Bonecas feitas de pano ou feltro, totalmente artesanal 
feriado. Não importava quão grande ou pequeno fosse, amei tudo o que ele já me 
deu porque veio do seu bom coração. 
O mesmo coração que eu tinha no meu corpo. Papi era meu herói, e eu o 
amava muito. 
Com os olhos arregalados, observei enquanto ele se levantava e me mostrava o 
que ele estava escondendo atrás de suas costas durante todo esse tempo. 
—Papi—, eu ofeguei. —Você me trouxe uma!— Saltando para cima e para 
baixo, incapaz de controlar a emoção que atravessava meu corpo. 
Ele sorriu maliciosamente, me entregando a boneca. Eu nunca tive uma 
boneca antes. Eu estava pedindo uma desde que Claudia trouxe a dela para a escola 
há dois anos. Dizendo que o papi dela encontrou no ônibus. Desejei secretamente 
que o meu também encontrasse uma no ônibus. Ele sabia que era tudo o que eu 
sempre quis. 
Os brinquedos eram difíceis de encontrar. Eu quase nunca tive um, já que 
todos os bens de Cuba vinham da União Soviética, que não tinham muito para 
repartir. Além disso, os Estados Unidos não queriam nos ajudar mais. Pelo menos 
foi o que ouvi os amigos de Papi dizer quando vieram com todos os seus mapas e 
papéis. Passando horas e horas a falar sobre prisão política e corrupção. Três 
palavras cujos significados aprendi no único dicionário que tínhamos na escola no 
dia seguinte. 
Quando perguntei a Papi sobre isso alguns dias depois, ele me disse para não 
ficar chateada com a América. Eles estavam apenas fazendo o que podiam para 
fazer Emilio Salazar se render e demitir-se. Ele me fez prometer nunca ter ódio por 
alguém em meu coração; isso só levava a coisas ruins. Para amar todos do mesmo 
modo, especialmente aqueles que mais precisavam disso. Dizendo-me que às vezes 
havia pessoas em nosso mundo que eram apenas almas perdidas e precisavam da 
nossa ajuda para encontrar o caminho. 
Eu dei um enorme sorriso, abraçando instantaneamente a boneca o mais que 
pude. Mostrando a ela o quanto eu a amava. Trazendo o bebê até meu rosto quando 
terminei de dar uma boa olhada nela. A boneca de Claudia tinha um arranhão no 
rosto e faltava-lhe sapatos e fitas no cabelo. A minha era perfeita, seus longos 
cabelos castanhos escuros e olhos castanhos que pareciam exatamente como os 
meus. Ela estava usando um vestido branco que caía até seus pés, com sapatos 
pretos e brilhantes. Não havia uma marca nela, ela parecia nova. Imediatamente me 
perguntei de onde papi conseguiu, mas nunca perguntaria. 
Não aguentando minha felicidade, enfatizei: —Oh, Papi! Eu a amo! Eu a amo 
tanto! —Eu aplaudi, a abraçando junto ao meu coração novamente, precisando 
sentir que ela estava realmente lá. 
Ela era realmente minha. 
Antes de lhe dar outro pensamento, abracei as pernas de Papi. Espremi-as em 
um abraço grande e apertado. Esperando que ele pudesse sentir todo o meu amor e 
apreciação através de meu abraço. 
—Obrigada! Ela nunca vai deixar o meu lado! Agora eu não tenho que ficar 
triste quando você sair, Papi. Você sempre estará comigo através dela, —eu soltei, 
segurando minhas lágrimas. Eu estava tão emocionada. Eu não podia acreditar que 
ele tinha me trazido uma boneca. 
Ele não vacilou, agarrando meus braços e agachando à minha altura. Me 
colocando na frente dele para poder ver seu rosto. Ele tinha lágrimas em seus olhos, 
carregando uma expressão que eu nunca tinha visto antes. 
Meu coração caiu. —Papi— 
— Amira… — ele fez uma pausa como se estivesse tentando reunir forças 
para me dizer algo. Isso não parecia certo, meu papi era a pessoa mais forte que 
conhecia, ele nunca chorou. 
Afastei meu braço do alcance dele, colocando minha mão no lado de seu rosto. 
Acariciando sua bochecha, tentando dar-lhe a coragem que precisava para 
continuar. 
Funcionou. Ele continuou: — Eu preciso que você me prometa algo. 
Eu fervorosamente acenei com a cabeça, querendo fazer qualquer coisa para 
limpar a aparência do rosto. Estava doendo meu coração. 
— Eu preciso que você escute o que eu digo. Preciso que você seja minha boa 
garotinha e me escute, ok? 
— Papi, você está me assustan… 
— Se algum homem terrível e malvado entrar nesta casa, Amira, e você ouvir 
gritos e coisas ruins... — Ele hesitou novamente, fazendo meu coração bater mais 
rápido. Suas palavras não saíam tão rápido quanto os pensamentos que 
atravessavam sua mente. — Se você ouvir algo fora do comum, Mamita9, e você 
sentir medo... Preciso que você me prometa que você vai se esconder. 
Eu pisei em direção a ele. "Papi -" 
Ele me impediu de cair, agarrando-me no lugar, por precisar olhar nos meus 
olhos. 
—Você me entende, Amira? 
Por que eu esconderia se estivesse com medo? Nunca tive que fazer isso antes. 
Ele sempre expulsou os monstros dos meus sonhos maus. Talvez ele precisasse de 
mim para perseguir seus monstros também? 
—Você me entende? Você se esconde —, reafirmou, como se soubesse o que 
estava pensando. 
Assenti com a cabeça de novo, incapaz de dizer as palavras. 
—Amira, prometa-me... Me jure que você se esconderá dos homens maus. Não 
importa o quê, você se esconde. E você se esconde até não ouvir outra palavra ou 
gritos —, ele exigiu, apesar de sua boca estar tremendo. Seus olhos segurando 
tanta tristeza. 
— Mas, Papi, e se... 
—Nada! Você se esconde! —Ele ordenou com um tom áspero, fazendo-me 
saltar. Ele nunca me gritou antes. 
 
9 Expressão carinhosa, ficou no original 
—Não importa o que você ouça, nem o quanto dói você ouvir... você esconde, 
Mamita. Por favor... prometa-me que você vai se esconder, —ele implorou, sua voz 
quebrando. 
Eu mordi o lábio, segurando minhas lágrimas. Eu não queria que ele me visse 
chorar. Ele já estava triste o suficiente. Eu sempre escutei o que meu papi dizia 
porque eu era sua boa menina. Eu não queria decepcioná-lo ou deixá-lo triste. 
Me esforcei, querendo ser a brava Amira. Precisando ser forte por nós dois. 
—Eu prometo,Papi. Eu prometo que vou esconder. Me esconderei e não saio até 
que esteja segura, ok? Não vou sair até me dizer que é seguro, ok? Você vai me 
dizer para sair, certo, Papi? Você promete que você virá me buscar? Depois que os 
monstros se forem? —Eu perguntei com lábios tremendo, minha voz vacilando. 
Meu coração quebrando. 
Com lágrimas caindo de seus olhos, ele simplesmente declarou: —Eu te amo, 
minha pequena sombra. Não importa o quê, sempre estarei com você. —Ele colocou 
uma mão sobre meu coração e a outra na minha boneca. —Aqui. 
Não foi até aquela noite que eu percebi... ele nunca prometeu que viria 
me buscar. Eu não sei quanto tempo fiquei nas sombras do cubículo, mas 
me sentia como como se tivesse sido para sempre. Quando tirei as mãos 
dos meus ouvidos, tudo o que pude ouvir eram os homens rindo. As 
afastei de meu rosto, espiando pelo buraco do armário novamente. Tudo o 
que vi agora era Damien de volta. Ele estava atrás de Teresa, que estava 
dobrada na almofada do sofá na frente dela. Ele estava mexendo seus 
quadris como se estivessem fazendo algum tipo de jogo de dança. 
Quando Damien ordenou: —Não se mexa—, para Teresa, saí do 
esconderijo. 
Sai da segurança do pequeno espaço tão silenciosamente quanto pude, 
precisando conseguir ajuda. Apertando Yuly perto do meu peito, 
esperando que ela abrandasse as batidas rápidas de meu coração. 
Pensando que talvez eles pudessem ouvi-lo. Suspirei de alívio quando 
consegui sair da cozinha sem ser vista. Caminhei suavemente pelo 
corredor, onde eles não podiam me ver e eu não podia vê-los. Parando 
quando ouvi Teresa fazer um barulho que soou como um choro de dor, 
mas também de conforto. 
Eu ouvi Papi gritar meu nome, da cadeira em quem ele estava 
amarrado, antes mesmo de me dar conta do que fiz. Era tarde demais para 
voltar. A arma na mão de Damien agora estava apontada diretamente para 
mim. Eu nunca vi uma arma de perto. Eu instintivamente abracei Yuly 
mais forte. 
Os segundos se transformaram em minutos e os minutos pareciam 
horas enquanto eu ficava lá, antecipando o pior. 
Os momentos seguintes da minha vida aconteceram em câmera lenta. 
Caos explodiu em nossa casa uma vez amorosa, mas eu não ouvi uma 
palavra que saiu da boca de ninguém. Os sons do meu coração batendo no 
meu peito tomaram conta dos meus sentidos. Meus ouvidos estavam 
zumbindo, e minha visão se tornou turva. As palavras de Papi de algumas 
semanas atrás, misturadas com os gritos do meu nome, tocaram como um 
disco quebrado no meu subconsciente. 
 
—Amira, prometa-me... Você me jura que você vai se esconder. Não importa o quê, 
você se esconde. E você se esconde até não ouvir outra palavra ou grito. — 
Eu podia sentir meu corpo desligar e minha mente entrando em um lugar 
escuro dentro de mim, onde ninguém poderia me machucar. Tiros após 
tiros disparados, fazendo com que meu corpo se sacudisse com todos e 
cada um deles. Os invólucros de bala começaram a cair no chão, seguidos 
pelos seus corpos. Senti que estava sufocando com as emoções em cada 
fração de segundo. 
Arrependimento. 
Dor. 
Raiva. 
Esperança. 
Todos eles me atingiram de uma só vez, como se as almas de papi, mami e 
minha irmã estivessem segurando a minha preciosa vida. Eu não pensei 
que fosse capaz de sentir tanto e não morrer fisicamente junto com eles. 
Eu era. 
Eu tinha. 
Havia essa linha imaginária que estava penetrando profundamente em 
meus ossos. Eu senti isso da cabeça até meus dedos do pé. Foram os flashes 
da vida que já não era minha. Meu passado me provocava e me confortava 
simultaneamente. 
Minha visão de repente clareou quando eu levemente escutei, —Ela é 
sua agora. Ela pode ser sua lembrança diária da família que você tirou dela, e o que 
acontece quando você me trai. 
Todas as lembranças da noite caíram, me enterrando nos escombros 
do sangue deles. Não consegui respirar, olhando os olhos do homem que 
achei que ia nos salvar a todos. Estava aterrorizada de que, se eu desviasse 
o olhar, ele desapareceria. Uma grande parte de mim não queria que ele 
fosse embora. Eu sabia que se ele fosse, estaria sozinha com apenas meus 
pensamentos e sentimentos. A necessidade física de morrer com eles. 
Os pesadelos aos quais eu nunca sobreviveria. 
Quanto mais eu olhava para os olhos dele, mais alto ficavam os seus 
pensamentos. Repetindo... — Desculpe, desculpe. Me desculpe —, uma e outra 
vez sem nenhum fim à vista. 
Isto não foi um pesadelo. 
Esta era a minha realidade agora. 
O monstro da noite saiu da minha casa. Atravessando o limiar 
mutilado que derrubaram tão duramente, com dois de seus homens ao seu 
lado. A casa que ele destruiu com nada além de corrupção, violência e 
assassinato. Nunca olhando para trás, para a realidade que agora era a 
minha vida. 
Eu fui a primeira a quebrar o olhar intenso de Damien, deslocando 
meus olhos para minha irmã, meu pai e minha mãe... 
Eles não estavam sorrindo. 
Eles não estavam rindo. 
Eles não estavam se movendo. 
Não havia alma, nem vida, nem amor. 
Nada. 
Todos estavam mortos. 
O fio que me conectou com o homem chamado Damien quebrou... 
E eu corri. 
Corri por puro impulso em direção a meu pai, correndo tão rápido 
quanto as pernas me permitiram ir. Caindo de joelhos em todo o sangue 
saindo de seu rosto e corpo irreconhecível. 
—Papi! Você tem que acordar! —Eu persuadi, colocando minha mão 
trêmula em todos os lugares, sem saber onde parar o sangramento. —Por 
favor... Papi... você deve me ajudar a acordar Mami e Teresa... Eu não 
posso fazer isso sozinha... então, acorde agora, ok?— Eu joguei meus 
braços ao redor de seu corpo, protegendo-o de sangrar com Yuly entre nós. 
Fechando meus olhos tão apertado quanto pude. Chorei sobre seu corpo, 
agitando-o tão forte para ele acordar. —Lembre-se, você prometeu que 
você iria me levar para a cidade? Nós íamos ver o mundo? Lembra, Papi? 
Você prometeu… 
Ele não estava se movendo. 
Ele não estava acordando. 
Não havia nada que eu pudesse fazer. 
—Desculpe, Papi! Me desculpe, não fiquei escondida. Por favor... não 
fique bravo comigo... ainda sou sua boa menina, certo? 
—Ele está morto, sua idiota. A sua família está morta. Como é que se 
sente sendo uma órfã de merda? — um dos guardas gritou do outro lado 
da sala. 
Eu lentamente me sentei e me levantei, enraivecida no meu lugar, olhando 
os corpos sem vida. Recebendo as suas palavras. Havia tanto sangue sobre 
mim e Yuly, que eu nem conseguia ver minha pele. Baixei minha cabeça, 
tanta culpa e arrependimento me atingindo mais do que qualquer coisa 
que eu já havia experimentado antes. 
Talvez se eu estivesse escondida, eles ainda estariam vivos? 
Lágrimas frescas vazaram dos meus olhos, e levou tudo em mim para 
não continuar a implorar por seu perdão. 
—Eu fiz uma pergunta—, o homem vomitou, fazendo-me olhar para 
ele através das fendas dos meus olhos inchados. 
—Eu odeio você—, eu sussurrei tão baixo que ele não podia ouvir. 
—O que é que foi isso? Não consigo ouvir você sobre o som de seus 
patéticos gemidos. 
—Eu disse:— me endireitei com Yuly, com a mão apertada em um 
punho, —EU O ODEIO!— Eu fervia, correndo até os dois homens ao lado 
de Damien na sala. Batendo, atacando, empurrando-os o mais forte que 
pude. Fazendo com que eles rissem de mim. Apenas alimentando mais 
meu ódio. 
Eu lutei com cada grama de força que eu tinha deixado dentro da 
minha concha oca, ainda segurando Yuly. Precisando de seu conforto para 
continuar. Eu empurrei, esbofetei e golpeei os assassinos, querendo 
machucá-los. Martelei com meu punho em seus peitos duros como rocha, 
sem pensar na dor latejante que atravessava minha mão. Não era nada 
comparado à faca no meu coração. Eu só queria que eles também 
morressem. Dei uma joelhada entre as pernas do homem maior com tanta 
força que caí no vidro quebrado, estremecendo instantaneamente com a 
dor. 
Sua mão instintivamente subiu no ar prestes a me dar uma bofetadano 
rosto, mas um braço forte enrolado em meu estômago, me puxou para trás. 
Me levantando do chão, escapulindo por pouco da mão do homem 
grande que passou silvando por meu rosto. Assim que minhas costas 
colidiram com o sólido peito de alguém, eu me virei em seus braços e 
briguei. 
—Não! Não! Não! —Eu gritei, tentando grosseiramente lutar contra ele. 
Agitando minha cabeça para frente e para trás. 
—Calma!— Ele falou, me engolfando em nada além do sangue da 
minha irmã. Foi só então que eu sabia que era Damien. 
Não conseguia respirar. Não podia parar de lutar. Eu estava 
sufocando, me afogando mais fundo no meu desespero. Nas lembranças 
que me perseguiriam quando eu estivesse acordada e me aterrorizariam 
quando eu tentasse dormir. 
—Eu te odeio! Eu queria que vocês estivessem todos mortos! —Eu 
gritei histérica. Eu estava hiperventilando até o ponto em que minha visão 
estava ficando irregular. Sentia minhas cordas vocais como se estivessem 
em chamas. —Não me toque!— Eu gritava desesperada, continuando meu 
assalto. 
Golpeando todo seu rosto, seu peito, em qualquer lugar que eu 
pudesse, enquanto ele ainda segurava meu corpo agitado. Ele não me 
bloqueou, ele não me impediu. Ele me deixou dar cada golpe, exatamente 
como ele deixou Teresa. Sabendo que merecia isso e muito mais. 
—Isto é tudo culpa sua! Você fez isso! Assassino! —Eu rugi, o 
empurrando e batendo com mais força, mais rápido, deixando minha 
adrenalina entrar na força total. Meus olhos viram vermelho, e meu corpo 
enjoado de raiva e desejo de desmoronar. 
—Você é uma puta!— O homem que eu bati entre as pernas zombou. 
Agarrando Yuly, tentando arrancá-la do meu alcance mortal. 
—NÃO! POR FAVOR NÃO! —Eu implorei, agarrando-a tão apertado 
quanto pude. —Ela é tudo o que tenho! POR FAVOR! 
Seu vestido rasgou e o braço dela deslocou, fazendo com que os 
homens rissem mais quando lamentei outra vida que eles estavam prestes 
a tirar de mim. 
—POR FAVOR!— Eu gritei. 
Ele agora estava segurando Yuly enquanto ele me olhava nos olhos, 
tirando a cabeça de seu corpo. 
—NÃO!— Eu gritei alto, o suficiente para quebrar vidros, alcançando-
a antes dele jogá-la pela sala. 
Como se ela não fosse nada. 
Quando ela significava tudo para mim. 
—Eu te odeio! Eu te odeio! Eu odeio você tanto! —Eu solucei, lutando 
contra os braços de Damien. Colocando as mãos no seu pescoço, eu 
arranhei com as unhas até seu peito. Deixando um rastro de sangue pelo 
caminho. Eu precisava chegar a Yuly. 
Damien me jogou com força no chão como uma boneca de pano, 
batendo minha cabeça com um baque. Eu estremeci com o impacto de sua 
força. 
—Sua puta do caralho!— Damien ficou furioso, olhando para mim com 
ódio em seus olhos. Seu comportamento mudou rapidamente. —Deixe-nos, 
AGORA! Eu cuidarei dessa pequena puta! 
—Eu deveria foder essa desobediência fora dela—, um dos homens 
fumegou, saindo pela porta com o outro homem. Deixando-nos em paz. 
—Eu disse que a tenho! Agora saia daqui! — Antes de dar outro 
pensamento, Damien puxou a arma para fora da parte de trás de suas 
costas. Foi então que outra realidade brutal caiu sobre mim. 
Eu. Estava. Errada. 
Muito errada... 
O monstro não partiu, ele estava parado na minha frente. Puxando o 
gatilho. 
Terminando tudo... 
Para mim. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Não lhe dei um segundo pensamento. 
Peguei uma caixa de fósforos no fim da mesa, golpeando o palito, 
observando a faísca final. Tomando um segundo para cheirar o enxofre 
antes de jogar o fósforo no chão. Iluminando a casa abandonada por Deus. 
Eu estava certo, só demorou alguns segundos para a madeira seca e fina 
pegar fogo. Chamas laranja e vermelho se arrastaram sobre o massacre, 
acendendo o sangue, apagando aquela noite como se nunca tivesse 
acontecido. 
Dei um último olhar para o corpo pequeno e sem vida que estava no 
chão na minha frente. Lembrando o olhar em seus olhos quando minha 
arma foi direcionada diretamente em seu rosto, antes de tomar seu último 
suspiro. 
Não havia mais nada que eu pudesse fazer. 
O que foi feito, foi feito. 
Esta era a minha vida... 
Agora, para sempre, e todos os dias no meio. 
Saí da casa completamente entorpecido, quando as chamas entraram 
em erupção atrás de mim. Engolindo o barraco, queimando os corpos da 
família amorosa que já havia morado lá. 
Seu sangue eternamente nas minhas mãos. 
—O que diabos?— Perguntou Salazar, inclinando a cabeça para o lado. 
Ele estava apoiado em sua limusine com meu pai e Pedro ao seu lado. Os 
outros guardas já estavam esperando dentro do veículo. 
—Que?— respondi. —O quê? 
—La niña? ¿La mataste? —Ele perguntou:— A menina? Você a matou? 
— 
—Você disse que era minha responsabilidade. O que diabos eu faria com 
uma menina pequena? 
—Damien, ela era uma criança. Você não precisava... —meu pai 
começou. 
—Eu não precisava fazer o quê?— Eu intervi, pisando no seu rosto pela 
segunda vez naquela noite. — Desculpe, eu não sei como isso funciona. 
Meu pai deve ter esquecido de mencionar que ele é um assassino a sangue 
frio. Não era isso o que você queria? Treinando-me todos esses anos, 
preparando-me para me tornar um soldado? Eu fiz o que eu tinha que 
fazer. Em meus olhos, ela era uma maldita responsabilidade. Você quer 
que ela abra a boca para quem quiser ouvir? Porque eu tenho uma certeza 
de merda que não. Eu lhe fiz um favor, ela está com a família dela agora. É 
onde ela pertence. 
Salazar estreitou os olhos para mim, sorrindo. —Um santo em um 
minuto, um pecador no seguinte. Você vê, Damien, você e eu não somos 
tão diferentes. Você é um canhão solto, imprevisível. Sempre admirei isso 
em você. Nunca saber o que você vai fazer. Mantém as coisas interessantes. 
— 
Olhei para cima e para baixo, repetindo suas palavras: —Pátria ou morte, 
nós venceremos. 
—Você deveria ter visto como ele jogou a puta no chão,— riu Pedro. 
—Nós deixamos você ter sua primeira morte só para você, filho da puta, 
como sempre deve ser. Mas da próxima vez... nós iremos assistir. — 
Emilio sorriu, se afastando da limusine. —Isso fica mais fácil, basta 
perguntar ao seu pai, mas, ao contrário dele, você não pega vadios,— ele 
riu, caminhando até mim e resisti à vontade de perguntar o que ele queria 
dizer. 
—Eu sabia que não demoraria até que você visse as coisas do meu jeito. 
Você é um verdadeiro cubano. Um maldito soldado, e estou orgulhoso pra 
caralho por você ficar ao meu lado. —Jogando o braço sobre meu ombro, 
ele me puxou para o lado dele. —Este é apenas o começo. Esta noite não foi 
nada comparado ao que eu tenho guardado para você. Você conseguirá 
grandes coisas com minha orientação. Antes que se perceba, você será 
como eu. Tudo para o que você queria ser treinado, se tornou realidade 
esta noite, Damien, — afirmou, balançando a cabeça para seus homens. —
Agora, vamos fugir daqui e deixar esses traidores apodrecer no inferno, 
onde eles pertencem. 
Entrei no veículo, sentando-me no mesmo lugar em que eu estava 
quando chegamos. Afundando no couro preto e inclinando minha cabeça 
contra o apoio de cabeça. Eu notei o meu rosto entre as chamas, refletido 
no vidro fumê. Não mais reconhecendo o homem olhando para mim, 
enquanto assistia a casa queimando. 
—Como se sentiu tendo seu primeiro gosto de boceta? Seu sangue 
virgem no seu pau? Ela adorou. Não se deixe enganar, eu sei que você 
ouviu os gemidos da puta. Um pequeno conselho para a próxima, parece 
muito melhor quando você realmente goza, — Salazar zombou, fazendo 
com que todos rissem com ele. Exceto meu pai, ele estava perdido em seus 
pensamentos. Olhando pela janela fumê. 
Eu zombei: —Acho que, ao contrário de todos os homens nesta 
limusine, posso foder por mais de cinco minutos. 
Todos riram cada vez mais, jogando a cabeça para trás. Salazar me 
entregou uma garrafa de bourbon e, com avidez, a tomei, respirando a 
queimadura do

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