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BAD PRINCE - (LIVRO UNICO)

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Prévia do material em texto

Copyright © 2022 Zoe X
 
BAD PRINCE
1ª Edição
 
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida
ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem
consentimento e autorização por escrito do autor/editor.
 
Capa: Gialui Design
Revisão: Bárbara Pinheiro
Diagramação: April Kroes
Ilustração: Daniel Caetano
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou
reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem
prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.
 
TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA
PORTUGUESA.
 
 
sumário
aviso
antes de ler
playlist
nota da autora
epígrafe
prólogo
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 9
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20
capítulo 21
capítulo 22
capítulo 23
capítulo 24
capítulo 25
capítulo 26
capítulo 27
capítulo 28
capítulo 29
capítulo 30
capítulo 31
capítulo 32
capítulo 33
capítulo 34
capítulo 35
capítulo 36
capítulo 37
capítulo 38
capítulo 39
capítulo 40
capítulo 41
capítulo 42
capítulo 43
capítulo 44
capítulo 45
capítulo 46
capítulo 47
capítulo 48
capítulo 49
capítulo 50
capítulo 51
capítulo 52
capítulo 53
capítulo 54
capítulo 55
capítulo 56
capítulo 57
capítulo 58
capítulo 59
capítulo 60
capítulo 61
capítulo 62
capítulo 63
capítulo 64
capítulo 65
capítulo 66
capítulo 67
capítulo 68
capítulo 69
capítulo 70
capítulo 71
capítulo 72
capítulo 73
epílogo
agradecimentos
 
 
Este é um romance bully. Aqui você encontra o extremo do
enemies to lovers, em que os personagens não têm uma relação
saudável entre si e, como já se denomina o gênero, fazem bullying
um com o outro. Ele pode causar desconforto, contendo, além do
bullying, agressão física, psicológica e sexual. Abuso de drogas
lícitas e ilícitas. Suicídio, depressão, pânico.
Esta é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos. A
autora não apoia e nem tolera esse tipo de comportamento. Não leia
se não se sente confortável com isso.
 
 há um filtro no Instagram chamado Bad Prince Zoex, feito pela
@_lerporamor. Use-o para filmar suas reações e seus trechos
favoritos, marcando a autora.
 ouça a playlist e a música feita especialmente no livro
 siga a autora no Instagram, acesso o linktree e entre no canal
do telegram e não perca nenhuma novidade.
 Esse livro custa menos de 10 reais na Amazon e está disponível
na assinatura do Kindle Unlimited. A autora é nacional,
independente (sem editora ou investidores) e precisa receber por
seu trabalho. Se você recebeu esse arquivo de sites ou grupos de
pirataria, saiba que você está cometendo um crime.
 
instagram
filtro de bad prince
linktree
newsletter
https://www.instagram.com/_mynameiszoex/
https://www.instagram.com/ar/269455311960590
https://linktr.ee/_mynameiszoex
https://www.zoe-x.com.br/
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ouça caos
 
música feita exclusivamente para o livro
 
 
https://open.spotify.com/track/4s5bBVcHaMmDYnvh9usP9R?si=xvr4LkgLT-qRJLrgnAmUlA&utm_source=whatsapp
 
spotify
 
 
 
 
 
 
https://open.spotify.com/playlist/1xmU8E3w9pueakvKfuNgVN?si=38811ba6a92f447b&pt=c8b40900fac343bfa602d25e94c83f5e
 
Eu jurei que tiraria férias depois de cinco anos presa a uma
série.
A Dark Hand me trouxe absolutamente tudo o que tenho hoje.
Praticamente 99% das minhas leitoras vieram através dela e
eu tinha um medo do caralho de nunca mais escrever algo que eu
olhasse e sentisse tanto orgulho.
Três dias depois de lançar Invulnerável, Conrad me pegou, e
quando digo pegar, o negócio foi quase físico. Acredite você ou não
em outras vidas, Conrad era algo meu, uma memória passada, e ele
foi exigente da primeira até a última letra.
Eu o sentia andando pelo meu escritório tarde da noite. Em
uma dessas vezes, ele me expulsou por não fazer como ele queria,
e eu precisei me reconectar e descobrir que toda aquela braveza
vinha de uma frase que escrevi e ele tinha odiado.
Nenhum personagem meu mandou tanto em mim.
Ele não me deixou planejar. Ele me acordou várias vezes no
meio da madrugada quando o meu corpo estava pronto para a
batalha nesses últimos três meses. Ele também me mandou dormir
e se debateu tanto dentro da minha cabeça, que joguei quinhentas
cenas fora e reescrevi centenas de diálogos, porque se não fizesse,
parecia que ia vomitar.
Conrad Prince trouxe o caos.
Ele me jogou de cara na parede para enxergar coisas que a
Zoe da vida privada precisava mexer com urgência e, depois dos
três meses mais intensos, dormindo duas horas por noite,
escrevendo até a exaustão, com uma refeição no dia, alguns packs
de monster de chá e maçã verde, nós nos curamos.
Eu nunca senti um alívio tão grande ao digitar a palavra FIM
em um texto.
Eu nunca senti tanta paz e orgulho por saber que, aqui, eu
entrego para vocês o que eu tinha de melhor até agora.
Eu nunca me senti tão segura para entender que: o medo de
ser só a Zoe da Dark Hand é infundado. Eu sou a Zoe da Dark
Hand, para muitas das minhas leitoras, eu sempre serei. Mas
também sou a Zoe de Singular, de Bailando no Inferno, de Azhara,
de Não Seja Uma Boa Menina, de Mirrors e de Mar aberto. Eu sou
todas essas Zoe’s de antes, mas agora, também, serei a Zoe de
Bad Prince.
Espero que vocês gostem dessa minha versão. Que vocês
também a abracem.
Ela é um pouquinho diferente das anteriores, mas ainda
acredita fielmente que o coração é rei dentro das decisões.
Se você não conseguir fazer nada disso e não gostar do que
entrego aqui, está tudo bem. Só não fecha a porta para conhecer
outro lado meu depois, ok?
Sendo assim, espero que você chegue ao final desta história
com a sorte de ter algumas feridas curadas. Eu tive.
Com muito amor e respeito,
Zoe X.
 
 
 
 
 
 
 
Para H.
Ninguém nunca conseguiu me quebrar mais do que
você, e talvez eu nunca tenha amado tanto alguém
quanto te amei, até que acabou.
Quando colocar o fim nesta história, encerro nossa
ligação.
Finalmente, eu te liberto, mas melhor ainda: estou
livre.
 
Fisicamente, habitamos um espaço, mas,
sentimentalmente, somos habitados por uma
memória. o que a memória ama fica eterno. O
passado não reconhece seu lugar: está sempre
presente.
 
josé saramago, adélia prado, mario quintana.
 
Os olhos dela faiscaram.
Fogo e fumaça.
Uma única lágrima rolou marcando o caminho úmido na
fuligem em sua bochecha.
Foi então que eu soube: Scarlet me odiava.
Me odiaria para sempre.
E não havia nada que eu pudesse fazer a não ser odiá-la de
volta.
 
s c a r l e t
 
então me olhe nos olhos, diga-me o que você vê. paraíso perfeito se
desfazendo. eu queria poder escapar. eu não quero fingir. eu queria
poder apagar, fazer seu coração acreditar, mas eu sou um péssimo
mentiroso.
b a d l i a r, i m a g i n e d r a g o n s .
 
Eu nunca mais havia chorado, mas naquela manhã, quando o
despertador tocou, eu tive vontade de fazê-lo. Fechei os olhos,
respirei fundo e prendi a respiração enquanto o cansaço se
apossava das lágrimas que queriam descer, drenando cada uma
delas.
Cinco segundos depois de soltar o ar preso nos pulmões, foi
como se nunca tivesse tido aquele pensamento.
Encarei o teto com os traços pintados de preto e vermelho, me
sentindo mais refém do que nunca daquela vida e brinquei com a
língua no céu da boca antes de criar coragem para começar o dia.
Se eu tinha conseguido dormir três horas naquela noite, era
muito, mas de um jeito ruim, meu corpo já parecia adaptado para
dar o seu máximo mesmo com o mínimo de energia.
Aquele ciclo durava dias até que, finalmente, eu cairia na cama
e nada conseguiria me acordar. Eu preferia assim,pois, quando
exausta, eu quase nunca sonhava. 
E se sonhava, não me lembrava. Mas nas raras vezes em que
meu subconsciente falhava em me proteger, eu sabia que o veria.
Era um tormento saber que na minha mente eu ficaria presa
com ele, e há anos eu vinha fugindo disso, mesmo que vez ou outra
fosse obrigada a voltar lá: no dia em que perdi tudo, no dia em que
ele arrancou o resto de vida de mim.
Meu primeiro horário de aula era às nove e eu poderia
facilmente enrolar um pouco mais nos lençóis, mas tinha combinado
de tomar café com Isaac. Eu precisava ir para recompensá-lo, uma
vez que ele não forçou quando ouviu minha milésima desculpa para
evitar assistir a mais um dos seus jogos de futebol. 
Joguei as pernas para fora da cama, desistindo da ideia de
ficar e ter pena de mim mesma, vasculhei com a mão sobre a mesa
de cabeceira, conferindo que meu maço de cigarros já estava pela
metade e, sacudindo para que um pulasse do pacote, o prendi entre
os lábios. Acendi e traguei em um movimento natural, prendendo a
fumaça nos pulmões, conforme ajeitava o cabelo no alto da cabeça
e me levantava para ir ao banheiro.
Quando pronta, de banho tomado, dentes escovados e
vestida, conferi a escolha do dia no espelho de corpo inteiro preso à
porta do closet. Minhas botas pesadas por cima da calça jeans preta
com rasgo no joelho me faziam parecer uma rebelde. O
complemento não ajudava, já que por baixo da jaqueta de couro dos
Fierce Lions, a camisa xadrez vermelha e a regata branca não
ficavam tão à vista, mas era o bastante para enfrentar aquele
começo de outubro mais gelado do que o esperado.
Passando a mochila pelos braços, ensaiei o melhor sorriso que
podia em frente à porta, ajeitei o piercing de argola no nariz, girei a
maçaneta e deixei o único lugar seguro dentro daqueles muros para
encontrar meu namorado.
Eu era uma mentirosa de merda, ainda bem que ele não
percebia isso.
 
 
A Prince University era antiga, renomada e cara, muito cara.
Eu não era pertencente, mas fazia o meu melhor para honrar a
chance de estar ali. Suas escadas largas, seus corredores escuros,
seus vitrais góticos, torres altas e salas esquisitas, de algum jeito
sombrio e torto, se transformaram no meu lar.
Minha cafeteria favorita, a única que servia um café
colombiano decente, ficava no quarto andar. E com um cigarro na
boca, fones nos ouvidos, na melhor tentativa de passar
completamente invisível enquanto descia as escadas até lá, quase
esbocei uma reação que não deveria quando, finalmente, cheguei
ao meu destino e abri a porta.
Meu ego havia sido extinto há alguns anos. Ou talvez nunca
tenha existido, porque no momento em que notaram minha
presença, o jeito como Isaac deslizou para fora do banco das líderes
de torcida poderia ter me feito chorar.
Fingi estar distraída, fingi não o ver, e arranjei o que fazer para
que ele tivesse tempo de vir até mim. Arranquei os fones, procurei
por tempo demais o lugar onde o lixo estava para poder jogar a
bituca do cigarro fora e, finalmente, senti seu toque no meu ombro.
Eu não era baixa, no alto dos meus 1,76, quando me virei para
encará-lo, o sorriso de Isaac estava bem na altura dos meus olhos.
Ele parecia perfeito, como sempre, e ninguém diria que estava
fazendo algo de errado, minutos atrás, nem mesmo eu.
— Por um minuto… — Seus dedos vieram para o meu rosto.
Apesar de manter meu cabelo preso em um rabo de cavalo alto, as
mechas descoloridas da franja estavam soltas e ele afastou uma
delas para trás da minha orelha. A plateia suspirou por ele, não por
nós. — Achei que precisaria levar seu café no quarto.
Inclinando-se para mim, o garoto de cabelos claros e olhos
verdes me beijou.
— Eu… — me afastei e lambi os lábios, tentando pensar com
clareza, sabendo que tinha gente demais prestando atenção na
nossa interação —... não perco o café.
— É, eu sei. — Pegando na minha mão, o loiro atlético, de
sorriso divertido e olhos que brilhavam como mil estrelas, me guiou
para uma mesa distante e vazia.
Foi inevitável encarar o restante da cafeteria ao me sentar, e
eu só olhei para o meu parceiro quando ele soltou um riso baixo.
— Você ainda não se acostumou, não é? — Ele sabia que eu
odiava aquela sensação de ser observada.
— Nunca vou — admiti.
— Eles são só curiosos. — Ao contrário de mim, Isaac amava
ser o centro das atenções.
Acostumado com isso desde que nasceu, sendo quem era,
aquilo era natural para ele.
— Mas já faz quase dois anos… — Suspirei e me ajeitei
quando a garçonete veio tirar os pedidos. — Achei que uma hora ia
melhorar.
Era uma confissão inocente, idiota, mas real.
Na frente dele, todo mundo me tratava bem, mas quando Isaac
virava as costas e não tinha nenhuma testemunha, eu podia ouvir os
comentários.
“Aproveitadora.”
“Tenho certeza que morando naquela casa, ela deu para o pai
e para o filho.”
“O que ela tem demais? Vagabunda.”
E dali era ladeira abaixo.
Quando começou, jurei que aguentaria, que seria passageiro
até que algo maior acontecesse e nós saíssemos dos holofotes,
mas Isaac Prince nunca saía dos holofotes.
Ele os amava e os atraía feito a lua e os vagalumes.
Consequentemente, eu acabava estando lá, e nós nunca nos
tornamos irrelevantes.
— Isso te faz repensar sobre nós? — A pergunta era sutil, mas
feita com tanta constância que eu precisava me controlar muito para
não gritar com Isaac.
— Não. Mas e você? — Ergui os olhos para os dele e sua
expressão séria era a mesma que havia conquistado minha
confiança.
— Jamais. Você sempre será minha. — De novo, sua mão
buscou meu rosto e eu deixei que ele acariciasse minha bochecha.
— Então estamos resolvidos. — Sorri, tentando relaxar um
pouco antes do café ser servido, me afastando do contato físico que
às vezes era incômodo pra caramba. — E como foi o jogo ontem?
Soube que os Fierce Lions acabaram com os Birds of Prey.
— Soube como? — Ele ficou levemente tenso e eu não
entendi o motivo.
— Os fogos pela minha janela eram laranjas, além de que, os
gritos pelos corredores do pessoal voltando não me deixavam
cochilar.
— Ah, isso. — Isaac relaxou. — Acabamos com eles, é
verdade. E com isso, vamos ter uma boa festa no campo em
comemoração amanhã, o que acha? Meu pai disse que é ano de
anunciar o Torneio das Espadas, então...
— Torneio das Espadas? — Quis rir do nome ridículo. —
Vocês vão mesmo duelar?
— Não, baby. — Ele riu da minha expressão. — Hoje em dia o
torneio é entre as fraternidades e com todos os esportes possíveis.
— Hm… em quantos você vai disputar?
— Futebol, basquete, nado, corrida e o que mais aparecer…
Mas e você?
— Eu? — Juntei as sobrancelhas e franzi os lábios, negando
com a cabeça. — Você sabe que tenho dois pés esquerdos.
— É, mas você mata qualquer um no videogame. É melhor do
que eu. — Nosso café foi servido. O meu era um copo grande de
viagem, o dele um prato completo e um belo suco de laranja. —
Quero que você participe da competição.
— Amor, eu… — Tentei fugir, mas Isaac me encarou do modo
mais pidão e irresistível.
Meu namorado era lindo, meu único amigo naquela merda de
lugar, e ele sabia muito bem como arrancar as coisas de mim, já que
eu odiava desapontá-lo.
— Por mim, por favor. — Ele era profissional em fazer cara de
cachorrinho que caiu da mudança. — Preciso exibir minha
namorada superinteligente e rainha dos controles.
— Eu não sei… — Minha voz saiu baixa, um sopro, e tentei
encarar a janela, vendo o gramado vazio naquela manhã.
— Por favor, Scarlet. — A mão dele veio para as minhas e eu
suspirei. — Prometa que vai pensar.
— Certo. — Voltei minha atenção para nossas mãos e
perguntei, encarando-o: — Quando as inscrições abrem?
— Amanhã. — Conseguindo o que queria, o toque foi
interrompido. — Parece que hoje à noite tem alguma coisa
acontecendo com os Vipers. — O desprezo no meio-sorriso que ele
abriu quando mexeu nos ovos com o garfo me deu um frio na
espinha.
Era para eu ser uma Viper, mas escolhi os Lions porque não
tinha estômago para ver adesaprovação nos olhares de Isaac e do
senhor Prince. Não quando todos os Prince eram Lions e tinham
orgulho disso.
— Alguma coisa, tipo? — A curiosidade atiçou dentro de mim.
— Não faço ideia, mas seria bom você me prometer não sair
do seu quarto. Sabe que aqueles idiotas não têm limite, e não quero
nenhum deles podre de bêbado ou sabe mais lá o que esses idiotas
usam, pegando você fora do seu quarto depois do toque de
recolher…
— Não vou sair. — Mordisquei o lábio depois do primeiro gole
de café. — Eu tenho muito trabalho a fazer.
Mesmo que nenhum deles fossem meus.
A verdade era que, se alguém desconfiasse, eu estava na
merda, mas havia um servidor onde eu era contratada de forma
anônima para fazer trabalhos da graduação. O pagamento era feito
na entrega, dentro do horário do toque de recolher, e era com
aquele dinheiro que eu planejava ter um futuro em outro país, do
outro lado do oceano.
A América me esperava. Eu seria uma enfermeira das boas.
— Sempre tão responsável… Você é um anjo, Scarlet. —
Isaac sorriu com os olhos e colocou uma das pernas entre as
minhas. — Mas ainda quero saber quando terei minha namorada
em uma noite dessas… — O suspiro era uma chamada de atenção.
Eu o amava, mesmo.
Não via a possibilidade da vida com outra pessoa que não ele.
Isaac era meu parceiro.
Ele me protegia como podia e, de longe, era meu único amigo,
mesmo que o tempo entre nós fosse escasso.
— Acho que esta semana… Pós-festa? — Era uma merda
aquele clima de fugir do contato íntimo. Mesmo que nós já
tivéssemos feito coisas, minha virgindade estava intacta. 
Nunca parecia a hora certa.
— Perfeito. — O rosto dele se iluminou.
— Certo. — Olhei para o relógio do visor do celular, notando
que eu tinha quinze minutos para atravessar o prédio e suspirei,
afastando a cadeira da mesa, puxando o maço de cigarros do bolso
da jaqueta.
— Você não diminuiu, não é?
Como era atlético e todo geração saúde, Isaac odiava me ver
fumando.
— Claro que diminui — menti, segurando o maço nas mãos. —
Antes, eu fumava dois desse, hoje em dia um anda bastando. —
Querendo evitar mais uma discussão, ainda mais em uma manhã
tão proveitosa, me levantei carregando o café na mão livre e me
curvei sobre ele.
O cabelo loiro bem-penteado e modelado com o gel tinha um
cheiro bom, e eu o aspirei ao máximo quando beijei sua testa. Desta
vez, Isaac não foi tão rápido, ou discreto. Suas mãos me puxaram
pela bunda contra si e eu quis rir, mas não tive tempo porque seu
rosto se ergueu, sua língua forçou a entrada na minha boca e
suavemente fez com que minha respiração acelerasse. Eu não era
imune ao charme dele, nem sobre sua habilidade.
Quando meu corpo todo esquentou a ponto de eu querer me
livrar da jaqueta, soube que era hora de me afastar.
— Eu te amo — sussurrei entre o beijo.
— Eu também. — A correspondência me fez sorrir, e quando
ele selou os lábios sobre os meus, precisei de muito esforço para
soltar meus braços que estavam em volta do seu pescoço e
caminhar para fora da cafeteria sem olhar para trás, sabendo que a
plateia animada agora me xingava mentalmente.
Foda-se. Nós seríamos para sempre.
Isaac era o único que merecia o meu amor.
 
 
O som estrondoso do lado de fora quase meia-noite me fez
colocar o travesseiro sobre o rosto e gritar. Eu queria muito dormir.
Já havia acabado com meu maço de cigarros, tomado um dos
comprimidos que o último médico com quem me consultei mandou,
mas o sono não vinha de jeito nenhum. A única coisa que eu sentia
era uma vontade incontrolável de fumar e uma fome que parecia ter
grudado meu estômago nas costas.
Mais um grito do lado de fora e eu desisti de ser uma boa
menina.
Se fosse pega nos corredores, ganharia uma advertência, mas
justificar a fome junto da minha média global não mancharia em
nada meu histórico. Para minha desculpa ser ainda mais crível, nem
tirei a calça de moletom cinza. Enfiei os pés com meia nos chinelos,
coloquei a jaqueta sobre os ombros, soltei o cabelo, e com o
dinheiro no bolso, saí.
O único lugar para comer àquela hora era o refeitório.
Eu já o tinha enfrentado mais cedo, mas com tanto trabalho
para fazer, mal comi e agora pagava por isso. Desci todos os lances
de escada brincando com o zíper da minha jaqueta, morrendo de
medo de ser pega e, finalmente, cheguei ao térreo.
A porta de entrada do prédio, com mais de três metros de
altura, estava aberta.
Estranhando, me aproximei e encarei o gramado pouco
iluminado sendo castigado pela chuva. A vontade de ir lá para fora
me mordeu os calcanhares, mas parei antes de descer o primeiro
degrau quando ouvi o som de uma trombeta.
Era de dentro que vinha aquele barulho todo?
— Não pode ser… — soprei, indignada.
Aquele som era ouvido apenas no primeiro dia de aula, quando
o encerramento das divisões das fraternidades acontecia. Era algo
que só ocorria em setembro, no começo do ano letivo, não fazia
sentido estar tocando quase um mês depois.
A trombeta tocou de novo e vinha das portas do grande salão
fechadas às minhas costas.
Eu tinha que entrar lá de qualquer jeito, precisava comer, mas
algo me dizia para não fazer.
“Suba as escadas, volte para sua cama, beba água da torneira
para tapear a fome”, o instinto soprou nos meus ouvidos, mas
ignorei. A curiosidade era grande demais para voltar pelo caminho
que havia feito.
Eu não tinha andado tanto por nada.
Atravessei a curta distância de um portal ao outro, pousei a
mão na porta, e então a cabeça, tentando ouvir algo de lá de dentro.
Era uma bagunça sem fim, mas por quê? Festas ali eram proibidas
quando não oficiais. E se eram oficiais, por que não era aberta para
todo mundo da faculdade?
Empurrei um pouquinho a porta gigantesca para espiar lá
dentro, mas no segundo seguinte em que a forcei, alguém do lado
de dentro a puxou.
A madeira rangeu, a porta se escancarou e fui atingida em
cheio por toda a informação que meus olhos enxergaram. Eu
deveria ter corrido quando vi o primeiro desenho de serpente, mas
minha única reação foi congelar no lugar.
Havia fogo lá dentro e não era pouco.
Eu quase me mijei tentando entender o que acontecia.
Havia alunos por todo lado, vestidos de verde, prata e preto.
Capuzes na cabeça, a serpente envolta no crânio por todo
lado.
Um aro de fogo no meio de tudo, e o meu pior pesadelo
acontecendo.
Era ele, sozinho, parado no meio da sala.
Os olhos pretos como carvão me aprisionaram no lugar.
Minha boca se encheu do gosto amargo do ódio.
Meu coração martelou nos ouvidos e minhas veias arderam no
segundo em que ele me reconheceu. Eu o vi atravessar o fogo,
vitorioso, sem sorrir. Pior ainda, enquanto sua nova turma vibrava,
ele continuou a andar na minha direção.
Ele não estava saindo deliberadamente, estava vindo para
mim.
No último segundo, piscando, sabendo que aquilo era real,
minha reação foi uma só: 
Eu corri.
Corri como se minha vida dependesse da maior distância que
conseguisse manter dele, e só parei com os pulmões explodindo,
dentro do meu quarto, com a porta muito bem trancada.
Curvei-me sobre os joelhos, escorregando para o chão, sem
saber se chorava ou se gritava e, conforme tentava me acalmar e
me convencer de que aquilo era uma alucinação causada pela fome
e o medicamento, meu celular vibrou no meu bolso.
 
Eu voltei,
Red.
 
Tapei a boca, segurando o grito, mas não tive tempo de fazer
mais nada antes de ver outra mensagem pular vinda do mesmo
número.
 
E vou fazer da
sua vida um
inferno.
 
Eu não tinha dúvidas de que ele conseguiria.
Na verdade, ele já tinha feito.
 
C o n r a d
 
nada é divertido, não como antes. você não me deixa bem, não
mais. costumava tomar um, agora é preciso quatro. você não me
deixa bem, não mais.
y o u d o n ’ t g e t m e h i g h a n y m o r e , t h r e e
d a y s g r a c e .
 
Era ela.
Soube no instante em que vi as chamas refletidas nos olhos
verdes assustados me encarando, em choque. Inevitavelmente, a
segui como um caçador que reconhece suapresa, que está pronto
para acertá-la. Mas Scarlet se recuperou mais rápido do que deveria
e fiquei parado na porta, vendo sua corrida desengonçada para
longe.
Quis rir.
— Não adianta correr quando não há onde se esconder,
desgraçada — falei tão baixo quanto um murmúrio e fiquei
encarando o final do corredor por onde ela havia sumido.
— Ei, o que tá fazendo? — Thomaz colocou um dos braços
sobre o meu ombro e olhou na mesma direção que eu. — Quem
era?
— Quem você acha? — Meu meio-sorriso o fez abrir a boca.
— O que Scarlet faria aqui, tão tarde? Ela odeia ser notada.
— Ela sabia que eu vinha? — perguntei para ele, voltando
para dentro.
— Não. — Meu melhor amigo negou com a cabeça. — Fiz
questão de guardar esse segredo de todos, até de Bella. Inclusive,
você vai ficar puto comigo se eu disser que fodi com ela algumas
vezes durante esses anos que esteve longe?
Meus olhos foram do garoto de cabelos escuros para a morena
de cabelos curtos, maquiagem pesada e corpo esculpido.
— Nenhum pouco. — Eu não poderia me importar menos.
Roubei um cigarro do bolso de Thomaz, o acendi, traguei, e
ainda olhando para o escuro, soltei a fumaça para cima, tombando
um pouco a cabeça.
— Que bom, porque tenho certeza de que ela tem algo para te
dar de boas-vindas, e isso vai além de uma boa chupada.
Ele se afastou para comandar a mudança de lugar da festa
para a sala da fraternidade, e aproveitei o momento sozinho para
mandar duas pequenas mensagens no número que eu havia
conseguido fuçando a agenda do meu pai quando decidimos que eu
viria para essa merda de lugar.
 
 
A sala verde, prata e preta, revestida de pedras escuras era
maior do que eu me lembrava na infância, nas raras visitas que fiz
até ali. Agora, em uma noite de festa, o lugar estava lotado, o som
no último, e eu era um deus.
O primeiro Prince a escolher os Dangerous Vipers.
Meu pai já tinha me xingado ao telefone mais cedo, quando
avisei para onde as minhas malas iam, mas não me importei. Na
verdade, foi até divertido irritar o velho.
Naquele minuto, eu tinha Bella dançando à minha frente,
esfregando a bunda no meu pau, Thomaz ao meu lado, fumando um
baseado e rindo de algo que eu não tinha entendido, e várias
pessoas vindo me cumprimentar.
— É verdade que você veio para cá porque matou um cara? —
uma garota chapada demais perguntou e eu não respondi. Aquela
era só mais uma suposição idiota do porquê eu havia sido expulso
da faculdade francesa.
Eu não me importava. Adorava os boatos e quanto piores,
melhor para mim.
Os únicos que sabiam a verdade eram Thomaz e Bella.
Os dois estavam comigo há anos, e mesmo que não
soubessem tudo de mim, eram os mais próximos de amigos que eu
tinha.
Depois de um tempo naquela barulheira, com meu amigo se
divertindo com a garota chapada, resolvi que era minha vez. O
tempo foi gentil com Bella. Ela era ainda mais gostosa do que na
adolescência e como eu tinha tirado sua virgindade, meio que nunca
houve uma pausa nas vezes em que queríamos transar. Ela nunca
teve um compromisso, eu também não. Quando a virei para mim,
prendi seu corpo no meu, tendo seu olhar preso ao meu rosto, vi o
sorriso surgir quando abaixei a cabeça na direção dela. 
O beijo de Bella tinha gosto de menta, cigarro e o pequeno
amargor do MD que vi ser compartilhado entre algumas garotas. O
ritmo era acelerado, seu corpo pulsava contra o meu. Seus peitos
grandes e macios contra mim denunciavam que ela não negaria
partir logo para os finalmentes, mas em um momento de completa
insanidade minha, como não acontecia há muito tempo, abri os
olhos e, olhando para Bella, eu não a enxerguei.
De repente, eu vi cabelos ruivos, olhos verdes, mais sardas do
que poderia contar e, meu pau que já começava a pesar na calça,
perdeu toda e qualquer vontade de continuar.
Não. Você não vai me infernizar assim — pensei, fechando os
olhos para beijar Bella ainda mais profundamente. Ainda assim, a
visão de Scarlet de anos atrás brilhou na minha mente.
Desgraçada, filha de uma puta.
— Preciso de um minuto — pedi, empurrando a morena para
longe.
Visivelmente em transe, com a respiração descoordenada e os
lábios inchados, Bella concordou sem entender, mas era tarde
demais para ela tentar discutir qualquer coisa porque, em meio
segundo, eu já tinha me enfiado no meio da multidão.
 
O ódio mais uma vez me consumiu. A sala da fraternidade
dava acesso a um pequeno corredor numa porta que se abria para
os quartos, e fui nessa direção. O meu era o último, privado,
discreto e com um diferencial especial. Quando abri a porta, com o
isqueiro na mão, brincando com fogo mais uma vez, tentando
relaxar ao tilintar do som do abre e fecha da tampa de metal, sabia
que não conseguiria dormir.
Coloquei um cigarro na boca, ergui as mangas da camiseta até
os cotovelos e arranquei o fundo falso do armário, indo para minha
sala secreta. As caixas que eu havia deixado ali mais cedo para
meu pequeno laboratório ainda não haviam sido mexidas.
Aquela porra me faria rico. Independentemente do que meu
sobrenome poderia me proporcionar, se é que até o final daquele
ano letivo meu pai ainda me consideraria seu filho, seria minha
dedicação e inteligência que me levaria longe. Era mérito meu.
E tentando distrair a cabeça, sabendo que o dia seguinte seria
cheio, comecei a organizar minha pequena fábrica de diversão.
 
 
— Você está atrasado. — Meu pai nem mesmo ergueu o rosto
para me cumprimentar naquela manhã. E eu sabia que um dos
motivos disso era que, agora, eu exibia a jaqueta de couro com o
desenho dos Viper de maneira orgulhosa.
— Nem notei — comentei, me jogando no sofá, colocando as
botas sobre a mesa de madeira cara à minha frente.
Eu sabia que estava atrasado. Na verdade, fiz questão de
começar a me arrumar na hora que ele disse para estar em sua
sala. A consequência disso era o prazer de ter empacado seus
compromissos da manhã, uma vez que ele lia uma pilha de papéis e
assinava compulsivamente.
— Conrad — ele parou por um minuto, tirou os óculos e me
encarou como se eu fosse um marginal —, sei que você não está
acostumado com regras, mas aqui elas valem para você tanto
quanto em qualquer outro lugar.
— Qual é, pai? Me chamou até aqui para fazer coisa errada e
quer que eu seja o bom moço na luz do dia?
Quis gargalhar.
John Prince, o reitor, o dono do mundo, sabia que eu tinha sido
um erro.
Mas ele me devia. Devia muito. E seu modo de lidar com isso
era me tratar como a porra de um sociopata que eu não era. O
odiava, mas nem sempre foi assim.
Eu tinha uma mágoa absurda dele, mas um dia tive esperança
de dias melhores e carinho pela figura que acreditei que pudesse
me proteger. Eu não era um monstro, tentasse ele fazer eu acreditar
nisso ou não. No fundo, ele devia saber que o monstro era ele, e
agora que eu estava de volta, com certeza o faria enxergar.
— Não falei disso aqui. — O tom nervoso era o ponto alto. —
E, sim, vai seguir as regras durante o dia, além do mais, você não
deveria exibir essa droga de símbolo com tanto orgulho. — Ele
quase cuspiu.
— Só porque não sou um maldito leão, vai me deserdar? —
provoquei sorrindo, mas não com os olhos.
— Você sabe da fama dos Vipers, e ninguém dessa família
escolheu ir para lá, nunca.
— Não sei qual a sua surpresa, pai. — Pesei o tom de voz,
entediado. — Eu não sou da sua família, e é uma honra ser
diferente do restante de vocês.
— Eu já disse, moleque, aqui você precisa andar na linha,
ou… — ele me ameaçou, apontando com os óculos na minha
direção.
Aquilo me irritou. Me sentei na beirada do sofá e endireitei a
coluna, encarando-o de igual para igual. Meu pai sabia muito bem o
motivo de eu ter voltado e, mais do que isso, ele me queria ali e
precisava de mim. Sua capa de homem honrado na sociedade era
um disfarce que eu poderia arruinar a qualquer minuto.
— Ou o que, John? — Minha ameaça foi recebida em um
silêncio mortal.
Ele não queria admitir em voz alta a podridão que ele mesmo
havia deixadose instalar dentro daqueles muros. E, pior ainda, não
queria enxergar que havia colocado o próprio filho para cuidar de
algo tão perigoso e sujo por puro abuso de poder. — Você não me
assusta mais, então eu te aconselho a cuidar da própria vida e não
me provocar.
Meu pai parou, me analisando friamente, não entendendo
quem eu era.
Fazia cinco anos desde que nós tínhamos nos visto antes da
minha volta, e eu não era mais o garoto assustado e medroso que
ele mandou para longe.
O som de batidas na porta foi o que fez nosso contato visual
quebrar, e quando eu vi quem entrava, senti meus dedos coçando
pelo meu isqueiro ou por um cigarro.
Isaac congelou quando me viu.
Covarde do caralho — pensei.
— Conrad — ele cuspiu meu nome quando se recuperou, mais
rápido do que sua namoradinha de merda. — O que faz aqui?
— Não é da sua conta — respondi, mas meu pai falou por
cima:
— Conrad está aqui para estudar.
— E ninguém me avisou? — Isaac impôs ao meu pai e, tendo
o mesmo poder da vadia da sua mãe, nosso pai não o respondeu.
— Eu não sabia que você precisava de um memorando —
provoquei.
Meu irmão se aproximou cauteloso, com as mãos nos bolsos
da calça de moletom, me analisou de cima a baixo.
— É melhor fazermos isso direito. Agora é um Viper, não?
Podemos nos dar uma trégua antes que as coisas saiam de
controle. — Meu pai não se intrometeu. Desde que ninguém saísse
morto, a universidade contava com o bom senso dos alunos e suas
castas para a ordem tomar conta daqueles corredores.
Sabendo que a preocupação de Isaac era o que eu poderia
causar a ele e sua namorada, respirei fundo e me ergui, encarando-
o de cima, eu era bons vinte centímetros mais alto do que seu um
metro e oitenta e quatro.
— Tem mais alguma coisa com que eu possa ajudar, John? —
perguntei ao meu pai, sem tirar os olhos de Isaac.
— Não. Pode ir. Se precisar, mando chamar.
— Certo.
Dei o primeiro passo, mas meu irmão não se conformou. Ficou
no meu caminho e ergueu a mão.
— Nossa trégua, o que diz? — Ele ia mesmo se humilhar tão
cedo?
Encarei sua mão, o meio-sorriso surgindo involuntariamente no
meu rosto.
Ali tive plena certeza de que o ódio que sentia por cada um
dos Prince era o mais genuíno possível.
— Cara… nem se você chupar meu pau tão bem quanto sua
namorada vai fazer.
E dando uma boa ombrada nele, tirando-o do caminho, eu saí
do escritório do meu pai, sabendo que lá dentro Isaac começava a
pirar só pela ameaça da minha presença.
Talvez, contudo, voltar não tenha sido uma má ideia — pensei.
O sabor de perturbar e foder quem fez de mim miserável a vida
toda era saboroso demais para deixar passar tão rápido assim, e
sabendo disso, fui atrás do alvo que me interessava no momento. 
Scarlet ia querer deixar o próprio corpo para fugir se
dependesse de mim. 
 
s c a r l e t
 
minhas lágrimas estão sempre congeladas. eu posso ver o ar que
respiro. tenho meus dedos desenhando imagens no vidro em minha
frente. deite-me junto ao rio congelado onde os barcos passaram
por mim. tudo que eu preciso é me lembrar de como era me sentir
viva. dias silenciosos, perseguição violenta. nós estamos dançando
novamente em um sonho, à beira do lago.
w i n t e r b i r d , a u r o r a 
 
cinco anos atrás
 
— Finalmente, só falta uma semana para as férias. — Ouvi
minha irmã declarar sobre o banco onde eu estava com as costas
apoiadas. — Você acha que o vovô vai me deixar viajar com a
família da Emily?
Eu sabia a resposta, mas era uma que Susan não gostaria de
ouvir, então respondi em um sussurro:
— Não sei…
A reação explosiva dela não poderia ser outra.
— Você nunca sabe de nada. — O tom amargo e agudo foi a
última coisa que ouvi antes dela levantar e se afastar.
Não reclamei. Queria ficar sozinha. Queria continuar a
observá-lo secretamente sobre as páginas do exemplar de O morro
dos ventos uivantes que eu lia.
Conrad Prince não me notou.
Qualquer um raramente notava e aproveitei daquela condição
para observá-lo atentamente.
Eu tinha quatorze anos, ele tinha dezesseis.
Eu era invisível. Ele era o garoto mais popular do colégio,
talvez mais popular que o próprio meio-irmão.
Mas mesmo parecendo ter a vida perfeita e não ligar para
nada ao redor, eu sabia que havia algo de errado com o príncipe
bastardo.
Seu cabelo preto como petróleo tinha um corte rebelde que
combinava muito com ele. Sua pele, o que era exposto, era tão
branco quanto a camisa que usava. E ao contrário de todos os
outros que erguiam as mangas na primeira oportunidade, notei que
Conrad nunca exibia os braços.
Nunca.
Não importava o calor que fizesse, ele sempre se mantinha
coberto.
Com o tempo, isso e outras coisas me fizeram gastar tempo
demais procurando-o em segredo. Ele era uma boa distração, e
enquanto aquilo fosse algo sigiloso e discreto, eu não teria
problemas. Vi Conrad mais vezes do que poderia contar com seu
isqueiro prateado nas mãos, brincando com os dedos sobre a
chama, ou colocando fogo em alguma coisa deliberadamente.
Lixeiras eram seus alvos favoritos pelo que eu tinha notado.
E enquanto ele assistia ao fogo dançando, eu contemplava sua
beleza como se fosse proibida, errada, até um pouco sombria. As
mãos de Conrad eram minha perdição. Os dedos simétricos e a
forma como eles manipulavam o pequeno objeto de metal me
deixavam absorta por horas, tanto que, mesmo depois de olhá-las
por várias vezes durante o dia, eu chegava em casa e as desenhava
no caderno de desenhos que mantinha sob minha cama.
E eu focava tanto assim em suas mãos porque, de uma forma
ridícula e imatura, eu não aguentava olhar em seus olhos.
Tentei uma única vez, mas ele notou que era observado e
quando me achou, mesmo com mais um romance que eu havia
alugado na biblioteca entre nós, mesmo que tenha sido por menos
de cinco segundos, foi como ser pega por um buraco negro.
Eu não consegui desviar o olhar, mesmo querendo muito.
Conrad me atraía me puxando direto para sua órbita. Era
assustador. Ainda mais quando aqueles olhos tão escuros faziam
parecer que ele podia ler minha mente.
Depois daquele dia, eu os evitei a todo custo, e dessa vez eu
não fiz diferente.
Olhava para ele todo, mas escapava dos olhos que tudo viam
e tudo sabiam.
— Droga — minha irmã bufou, voltando para o banco sabe lá
Deus quanto tempo depois. — Acho que não vou ter alternativa,
além de passar as férias toda trancafiada com você.
Eu não entendia o desprezo na voz de Susan.
Queria acreditar muito que era apenas uma reação passageira
por todo o nosso histórico, mas começava a duvidar que tivesse
estômago para aguentar mais um ano todo daquilo.
Minha irmã parecia me odiar cada vez mais desde a morte dos
nossos pais.
Há três anos, em um acidente envolvendo moto, ponte e água,
mamãe e papai deixaram o mundo dos vivos sem ninguém estar
preparado para lidar. Nem nós, as filhas deixadas para trás, nem
meu velho avô paterno, o militar de coração mais mole que eu já
havia conhecido.
Susan e eu saímos de uma casa confortável no interior da
Inglaterra direto para Edimburgo, para a casinha do número treze na
rua das samambaias, onde passamos a dividir o banheiro com
nosso avô e entender que a dinâmica familiar seria completamente
diferente.
Papai era muito bom em controlar o gênio de Susan, mamãe
era melhor me encorajando a colocar os sentimentos para fora, mas
nosso avô não tinha nenhuma experiência com meninas
adolescentes e estávamos nós duas de novo em nossas bolhas.
Ela na dela, cheia de ressentimentos e ódio; e eu na minha,
onde falar em voz alta qualquer pensamento era sinônimo de
confronto.
E o ódio e a frustração da minha irmã foi numa escala
crescente naquela semana.
No penúltimo dia de aula, depois de chegarmos em casa e
darmos conta das tarefas, vovô chegou para o jantar e foi recebido
com mais lamentos de Susan.
Era estranhamente confortável assistir àquela cena como se
não fizesse parte dela, e escapando de Susan, sabendo que
precisaria de boas distrações no verão, aproveiteio horário do
intervalo do dia seguinte e fui até a biblioteca.
— Olá — cumprimentei a mulher atrás do balcão. — Qual a
quantidade de livros que posso retirar para o verão?
— Cinco — respondendo, completamente entediada, a mulher
de pele oliva e olhos cansados nem mesmo ergueu o rosto de sua
revista de moda.
— Há alguma chance de conseguir mais? — Tentei ser gentil,
mas isso me fez ganhar um olhar de reprimenda.
Era um alto e sonoro não para quem sabia entender os sinais
e eu logo fugi dela, sabendo que precisaria de mais do que cinco
livros para sobreviver.
 
Enfiei-me entre os corredores, analisei cada um dos títulos,
pesei qual deles deveria levar e, no final, todos os romances
clássicos que ainda não tinha lido estavam na minha pilha, menos o
meu favorito.
Já havia lido e relido O morro dos ventos uivantes pelo menos
quinze vezes.
Sabia a história de trás para frente e, ainda assim, toda vez
que lia, o sentimento de loucura, de pena, de compreensão e de
ódio estavam lá.
Amava aquele poder de mexer com os sentimentos que só
boas histórias tinham, e não resisti. Quando passei pela edição
gasta e bonita do meu livro favorito, olhei em volta e me estiquei
para pegá-lo.
Alguém o tinha colocado na prateleira mais alta e eu, apesar
de não ser tão baixa, não alcançava.
Tentei com afinco, fiquei na ponta dos pés, cheguei a pular
para tentar puxá-lo.
O plano era enfiá-lo na mochila discretamente e finalmente não
precisar devolver.
E eu estava certa de que faria aquilo sem problemas até que,
por cima da minha cabeça, a mão branca que parecia ter sido
esculpida em mármore atravessou o espaço entre mim e o livro e o
pegou.
Eu congelei.
De repente, cada célula minha ficou ciente de que Conrad
Prince estava atrás de mim.
O efeito sobre minhas bochechas foi imediato. Senti o rosto
queimar, assim como o pescoço e as juntas dos braços. Tudo
parecia desconfortavelmente em chamas.
Ele retirou o livro, ouvi o barulho das folhas sendo folheadas e
respirei fundo, fechando as mãos em punho coladas ao corpo.
— Emily Brontë? — A pergunta me fez, pouco a pouco, girar o
corpo.
Meus olhos fitaram a gravata mal colocada, o meio-sorriso
divertido e o livro em suas mãos.
Confirmei com a cabeça, sem conseguir achar minha voz.
— Nunca li. — A voz dele era baixa e muito intimidadora para
um garoto de só dezesseis anos.
Conrad não olhou para mim, mas sim para as páginas.
Para as marcações que eu havia feito nos rodapés e no
próprio texto.
Levou pelo menos um minuto até que ele fechasse o livro e o
oferecesse a mim.
Ergui a mão, me sentindo uma idiota por tremer tanto e,
mordendo a ponta da língua a ponto de me machucar, peguei o
exemplar do meu romance favorito tomando cuidado para não tocar
em seus dedos.
Ele pareceu querer rir, e eu cometi um erro.
Ergui os olhos e encarei sem nenhuma proteção o rosto de
Conrad.
Seus olhos escuros eram ainda mais intensos tão de perto. A
íris se confundia facilmente com a pupila e eu não sabia o que era o
que sob os cílios grandes, escuros, tão contrastantes com o resto
dele.
Conrad parecia de mentira, de tão bonito que era.
Meus pulmões não aguentaram e precisei soltar o ar. Caí na
besteira de respirar fundo de novo e fui atingida pelo cheiro de
cigarros com amaciante e sabonete. Não esperava que ele tivesse
aquele cheiro. Era incrivelmente bom. Bom demais.
Ele era assustadoramente belo e hipnotizante, ainda mais com
a luz vinda do vitral acima de nós caindo sobre seu rosto. Eu sabia
que não poderia deixar aquilo passar, e enquanto permitia Conrad
me ler como bem entendesse, gravei cada mínimo detalhe dele para
reproduzir mais tarde.
Levou menos de trinta segundos para que ele soltasse logo o
livro na minha mão, e parecendo incomodado, seu rosto se fechou,
a sombra do sorriso sumiu e os olhos se estreitaram, e no meio do
meu silêncio, aproveitando os últimos segundos que tinha para vê-
lo, assisti a Conrad Prince virar as costas como se não tivesse
acontecido absolutamente nada e eu fui coberta novamente pelo
manto da invisibilidade, afetada demais para fingir qualquer coisa ou
correr.
 
 
Achei que renderia mais, mas mesmo lendo absurdamente
devagar, acabei com os primeiros três livros que havia pegado na
primeira semana das férias. O tempo, como prometido, começava a
esquentar muito e, na segunda semana, aquela tarde de terça
parecia chata demais para passar dentro de casa.
O bairro onde morávamos era simples, mas cheio de crianças.
A parte de trás da casa dava para o que deveria ser um
parque, mas pela preguiça do governo, os moradores se
esforçavam para manter a grama baixa e o riacho que passava ali
limpo. Com o esforço da comunidade, conseguiram montar uma
quadra, balanços e bancos, o que foi oportuno, já que, com o meu
exemplar de O morro dos ventos uivantes roubado debaixo do
braço, eu queria algum lugar minimamente confortável para sentar e
ler, e o encontrei no balanço próximo ao riacho, preso no galho
grosso da árvore onde minha irmã e suas amigas estavam sentadas
no único banco sob uma boa sombra, observando os meninos
jogando basquete na quadra, na outra margem. Meus olhos miraram
rápido, reconheci quase todos os rostos, mas os que se destacaram
foram os dos irmãos Prince.
Engoli a seco a última experiência esquisita com Conrad e me
obriguei a encarar as letras do livro, mas, de repente, as palavras
pararam de fazer sentido e a conversa ao meu lado ganhou voz.
— Como Conrad aguenta se manter debaixo daquela roupa
nesse calor? — uma das amigas de Susan que eu não me
importava de saber o nome, perguntou.
— Eu acho que ele é tímido. Tem todo aquele Q misterioso,
sabe? Eu adoraria descobrir o que ele esconde ali… — minha irmã
disse e eu precisei me segurar para não revirar os olhos.
— Acho que vou convidar Isaac e Conrad para viajar. Meu pai
quer garantir meu lugar na Prince University e o jeito de estreitar o
laço vai ser esse… — Heather, a loira de olhos verdes e lábios finos,
comentou.
— E para onde vocês vão? — perguntei. Não deveria, mas não
aguentei.
— Provavelmente, para a França. — Ela era a menos cruel
das garotas mais velhas e sempre era gentil comigo. — Vocês
poderiam vir junto. Meus pais não se importariam.
E aí, a merda aconteceu.
Era alguém mais velha, rica e popular convidando a mim para
um ambiente que Susan acreditava que só ela merecia pisar.
— Ela não vai! — Foi a primeira reação da minha irmã e todos
nós nos assustamos.
As crianças em volta pararam de correr para assistir. Susan se
ergueu sobre mim em dois segundos.
Quando me dei conta do que acontecia, estava meio que de
pé, com o livro contra o peito, usando-o de armadura, caso ela
tentasse encostar em mim.
— Por que não posso? — A minha resposta foi uma só, baixa,
chateada.
Não era justo que minha irmã me odiasse de graça.
— Você não vai! — ela gritou mais alto.
Mais atenção.
Fechei os olhos, sentindo algo queimar nas minhas costas e
tive medo de que fosse o olhar dele.
— Susan, ela tem o direito de ir, eu a convidei. — Heather
tentou ser sensata, mas nem assim minha irmã se conteve. O que
era raro, porque na frente das amigas, ela tentava só ser pouco
cruel comigo e me ignorar grande parte do tempo.
— Eu não vou ter você como distração. — A cada palavra,
carregada de desprezo e raiva, Susan dava um passo para frente, e
eu, sem opção, dava um para trás. — Você não vai roubar mais
atenção, você não vai acabar com a minha chance! — ela gritou
com o rosto contra o meu.
Seus olhos castanho-claros brilhavam cheios d’água,
avermelhados. Sua boca era uma linha fina, ela era mais alta que
eu, mais forte também, mas o que me assustava era a aura quente
e maligna sobre mim.
Era sufocante estar perto dela naquele segundo.
Era horrível perceber que minha irmã tinha uma mágoa de mim
que eu nem sabia o motivo.
— Susan, eu… — Queria me defender, mas tinha medo.
— Chega. Nem tudo é sobre você, ou para você.
Nesse minuto, a lágrima grossa rolou por seu rostoe nós
estávamos na margem.
Sua mão no meu ombro era dura, e quando me empurrou,
meus pés não tiveram apoio algum. Eu caí de costas, com o livro na
mão, dentro do riacho de correnteza forte, e o pior de tudo é que eu
não sabia nadar.
 
O choque da água gelada no meu corpo expulsou de vez o ar
nos meus pulmões. Eu tentei bater os pés e os braços, mas não
parecia certo. A correnteza me balançou, algo bateu no meu braço.
Meu coração parecia que ia explodir.
Eu não queria morrer.
Tentei mais uma vez ir para cima, precisava de ar, mas não
tinha no que eu me agarrar e não tinha como procurar onde firmar
os pés para pegar impulso. 
Meu pulmão queimava, eu queria respirar, mas a água entraria
e acabaria com tudo.
Minha visão escureceu rápido demais. Eu precisava tentar,
mas o peso nos meus membros era demais, até que, por um
milagre, alguém pegou minha mão.
Eu não conseguia enxergar direito, mas não podia ser mais
grata.
Minha cabeça emergiu fora d’água.
Sorvi o ar desesperadamente.
Havia água na minha boca e eu tossi.
Ainda assim, a mão que me mantinha com a cabeça fora
d’água não me deixou.
Estava de costas para o meu salvador, com seu braço no meu
peito, me puxando junto de si conforme nadava para a margem.
Ninguém nos ajudou a sair da água, mas ele não parecia
precisar de ajuda.
O garoto de cabelos pretos me jogou para terra firme e pulou
ao meu lado como se não precisasse fazer nenhum esforço.
Tremendo muito, com frio, com medo do que poderia ter
acontecido, eu me abracei.
Foi nesse segundo que o notei ajoelhado ao meu lado, as
mangas compridas molhadas nos braços de quem havia me
salvado. Gentilmente, ele pegou meu rosto e ergueu para o seu.
Olhou bem nos meus olhos, conferiu meu peito batendo, me
deixando constrangida pela atenção dada a minha blusa branca
sem sutiã por baixo, e sério demais para um garoto de dezesseis
anos, ele me perguntou:
— Você está bem?
Seus olhos me engoliram, ferozes, aflitos? Eu queria entender
o motivo de Conrad Prince ter me salvado e estar me olhando
daquela maneira tão protetora naquele segundo.
Engoli com dificuldade, minha garganta doía, mas fiz que sim
com a cabeça, agradecendo por estar molhada e as lágrimas que
escapavam do meu rosto não ficarem em evidência.
— Ela está bem. — Minha irmã apareceu e só então eu notei o
ponto onde eu havia caído, e onde eu estava agora. Também notei
as folhas e a capa do livro indo pela correnteza e senti meu coração
doendo.
Por um segundo, não existia nada além das páginas cheias de
anotações que eu havia perdido. Pela primeira vez, senti ódio de
Susan.
— Bem? — Conrad me chamou a atenção. A voz dele
carregava ironia pesada, e ele respirou fundo antes de seus olhos
deixarem meu rosto e ele se erguer sobre minha irmã. — Você
quase matou sua irmã afogada.
O rosto de Susan se tornou tão vermelho quanto uma pimenta.
— Eu, não, eu… — gaguejando, ela veio para perto de mim.
Não queria que ela me tocasse, então fui mais rápida e me
coloquei de pé.
— Ela está bem, viu! Já ficou até de pé. — Ela riu o sorriso
mais amarelo que eu já havia visto e parei, pensando se valia a
pena me descontrolar com ela bem ali.
Minha vontade era de sacudir os ombros de Susan, de tentar
enfiar em sua cabeça de uma vez por todas de que nós éramos
irmãs e não competidoras. Que eu não era sua inimiga, mas que se
ela tentasse me matar, poderia me tornar. Que o esforço que eu
fazia para amá-la estava chegando ao limite e que a morte dos
nossos pais não podia ser desculpa para que virássemos seres
humanos horríveis, mas não disse nada disso, não quando Conrad
se colocou na minha frente e a ameaçou.
— Se eu souber que você a machucou fisicamente de novo,
que está colocando a vida da sua irmã em risco, vou atrás de você.
Os olhos de Susan se encheram d’água.
Para ela, aquilo era a maior humilhação.
Os Prince eram como deuses e na sua imaginação, algum dia
ela se casaria com um deles.
Naquele segundo, por minha causa, sua doce ilusão se
quebrava.
Ela me odiaria ainda mais.
— Scarlet… — ela disse num sussurro. — Vamos para casa.
— Engolindo o resto do orgulho que restava, ela deu as costas e
começou sua caminhada.
— Obrigada… — Foi a única coisa que consegui dizer antes
de passar por ele, me abraçando para evitar que todos vissem o
efeito da transparência da blusa.
Os olhos de Conrad queimaram em minhas costas até o
momento em que fiquei fora de sua vista e eu não sabia como agir
depois daquilo.
De um lado, eu tinha uma irmã inconsequente e maldosa.
Do outro, o garoto que eu era obcecada descobrindo que eu
existia.
E eu não estava pronta para lidar com nenhum dos dois.
 
s c a r l e t
 
como eu posso decidir o que é certo se você fica nublando meus
pensamentos? eu não posso ganhar sua luta perdida o tempo todo.
 d e c o d e , p a r a m o r e .
 
Havia uma bola de demolição sobre o meu peito.
Já havia mais de uma hora que estava no meu quarto, com as
costas contra a porta, e em nenhum segundo a coisa ficou mais
fácil. Em nenhum minuto o medo dele descobrir qual era o meu
quarto, dele romper a barreira que eu construí com muito custo para
afastá-lo, foi embora.
E, lentamente, surgindo do lugar mais escuro e profundo da
minha alma, o pior dos medos disse olá na minha mente. Tentei
fugir, mas meus olhos não viam mais minha cama desarrumada e a
pilha de livros em cima da mesa.
Eu vi a cena de cinco anos atrás.
Eu vi tudo desmoronar.
O pânico colocou as duas mãos sobre a minha garganta e me
sufocou.
O calor do meu corpo foi minguando, as extremidades quase
congelaram.
Ele ia me pegar. Ia me pegar e eu não podia fugir.
O medo, o desespero, o nada.
Um grande nada.
A merda da fobia desenvolvida quando percebi que era frágil
demais para um mundo cheio de perigos, onde quem você amava
podia te destruir pedaço por pedaço, sem nenhum remorso ou
consequência, estava viva e presente, e com ela, foi a vez dele, do
meu velho conhecido, dar as caras.
O ódio chegou, me ajudando a ter coragem e, num surto, na
tentativa de me livrar daquela confusão de sentimentos, juntei as
mãos sobre os olhos.
— PARA! — gritei. Era uma ordem direta à minha mente
inconsequente.
Depois de respirar fundo duas vezes e conseguir acertar a
senha do meu celular, apertei o contato de Isaac e esperei, me
segurando com tudo o que era. O telefone tocou algumas vezes e
caiu na caixa.
Quis chorar, puxando o aparelho contra o peito, respirando
fundo, tentando me livrar das lágrimas que turvaram minha vista.
Idiota, não comece a chorar! Ele não pode te fazer mal. Ele não tem
mais nada para levar de você — pensei, tentando me acalmar, mas
meu coração não ficou mais leve, ou a garganta menos dolorida.
Conrad era meu pior pesadelo, e com tudo, era injusto que ele
estivesse de volta.
Ele tinha sido o quebra-cabeça mais difícil de montar, e
quando entendi que nunca teria todas as peças, o guardei em um
lugar onde ninguém poderia tocar. Onde não poderia mais me
machucar mesmo que, vez ou outra, o subconsciente gostasse de
me torturar trazendo-o nas noites de sono mais inquietas que já tive.
Por causa dessa infindável tortura, eu aprendi a odiá-lo. E para
o azar de Conrad, meu corpo era um terreno muito fértil para aquele
tipo de sentimento.
Respirei fundo, tentando ser racional e disquei de novo o
número de Isaac.
Chamadas intermináveis e, de novo, caixa de mensagens.
Joguei o aparelho na cama e enfiei os dedos nos cabelos, me
sentindo completamente louca. Eu só tinha visto o cara e estava
desse jeito, qual era o meu problema?
Eu vivi por cinco anos na casa do pai dele, namorava seu
irmão, como pude ser inocente de achar que nunca mais o veria?
Ri da minha imbecilidade.
— É só Conrad. É só o irmão desajustado, ele não pode te
assustar desse jeito — me aconselhei como se fosse minha melhor
amiga.
E no fundo, qual era o meu problema?
Eu tinha medo de que ele pudesse me fazer mal? Tinha.
Mas o odiava. Odiava tanto que podia sentir meu coração
quenteem contraste com todo o resto gelado, gritando que eu
deveria acertá-lo bem no meio da cara, caso tentasse algo.
Era isso — ri, mesmo sem graça alguma, me esforçando para
ficar de pé.
Estava decidido. Conrad Prince não me machucaria. Não mais.
Era impossível.
Porém Isaac devia saber que o irmão estaria de volta.
Isaac tinha que ter me contado, mas ele não o fez e agora não
atendia a merda do telefone.
Aninhei-me no parapeito da janela, abri apenas o bastante
para que a fumaça que eu soprava pudesse ir para fora e fumando
um cigarro atrás do outro, com os olhos vidrados na floresta sombria
que se erguia atrás do castelo gótico que era a Prince University,
esperei o primeiro raio de sol para lavar aquela noite do meu
sistema e ir direto atrás de Isaac.
Eu precisava gritar com alguém e, infelizmente, ele era a única
opção.
 
 
Com um agasalho estilo canguru por baixo da jaqueta de
couro, puxei o capuz por cima da cabeça e subi mais um lance de
escadas até estar no corredor do dormitório masculino dos Lions.
Ninguém mexia comigo ali e isso não era porque eles me
respeitavam como pessoa. Não. Eles respeitavam e temiam meu
namorado.
Quando entendi isso, quase vomitei de nojo.
 
A porta do quarto de Isaac era, como a minha, a última do
corredor.
Ele, eu e alguns alunos que pagavam taxa extra tinham a
opção de escolher quartos únicos. O resto dos dormitórios eram
duplos ou quádruplos, e aquele era mais um motivo para eu ser
muito grata por John Prince gostar tanto de mim, ou tentar calar a
minha boca.
A memória da oferta de futuro promissor me fez ter mais raiva
e quando bati na porta de Isaac, não fui gentil.
— Isaac? — chamei. — Por favor, se você estiver aí, abra.
Nada.
Bati de novo, e continuei batendo, mas ninguém abriu.
— Scarlet, né? — um garoto do primeiro ano perguntou,
olhando para mim como se eu fosse doida. Não o respondi, só
confirmei com a cabeça. — Ah, então, o Isaac não está.
— Não está? — Parei no meio do corredor, virando a cabeça,
processando a informação.
— Não — ele confirmou.
— Então, onde?
Ele era um péssimo mentiroso. Ficou um pimentão, encostou a
mão na porta e encheu o pulmão.
— Bem…
Eu não precisava de um recado daqueles.
O garoto mal começou sua frase, mas nem precisou.
Só a remota ideia de me decepcionar com Isaac me fazia
querer desmoronar, mas segurei aquela frustração com tudo o que
tinha na mandíbula e saí andando, deixando o menino de cabelos
castanhos falando sozinho.
Para onde eu iria?
Minha mente mapeou o campus, os lugares possíveis para
Isaac estar àquela hora, e meus pés obedeceram. Procurei no
campo, na orla da floresta, no pedaço do porão tive coragem de só
gritar da porta o seu nome, já que morria de medo de lugares
escuros e fechados. Procurei no vestiário, na quadra, na sala de
aula que sabia onde seria sua primeira aula.
Procurei em todas as cafeterias, no refeitório principal e até
nos banheiros chamei por ele, mas foi quando finalmente cansei,
que fui para a biblioteca e me fechei dentro de uma das cabines de
estudo para controlar a vontade de chorar, que ele me achou.
— Bom dia. — Num tom de voz profundo, sério, Isaac entrou
pela porta transparente e parou na minha frente.
Eu, sentada na cadeira com os cotovelos apoiados nas coxas
e o rosto escondido nas mãos, só consegui suspirar, puxando toda
coragem restante no ar para dentro dos meus pulmões conforme me
erguia para encará-lo.
— Por que você não atendeu seu celular? — Meu tom de voz
era melindroso, agressivo, mas baixo.
— Precisava pensar. Acabei de sair da sala do meu pai, e…
aconteceu algo e preciso te contar.
Até aquele segundo, os olhos de Isaac fugiram dos meus.
Suas mãos dentro do blusão branco do time de futebol estavam
fechadas em punho, dava para ver a marcação no tecido, e ele
estava tenso, comprovei isso quando consegui forçá-lo a manter
contato visual comigo.
— Que Conrad agora estuda aqui, e é um Viper. — Os olhos
dele se arregalaram em surpresa, seu corpo se ergueu,
desencostando da mesa atrás de si.
— Como você soube?
— Eu o vi ontem à noite. — Fui clara. Não tinha motivo para
mentir.
— Onde? Você não me prometeu que ficaria no seu quarto? —
Havia raiva em sua voz, mas ignorei.
— Precisei comer, não tinha nada no meu quarto e eu desci,
como uma aluna qualquer com fome na madrugada. — Minhas
palavras eram duras, não davam margem para ele tentar me
questionar, ou mandar em mim.
— Merda. — E ali eu soube que ele já sabia ontem.
Isaac sabia de tudo quando me viu na manhã anterior, quando
me pediu para não sair do quarto.
— Desde quando você sabe disso?
— Meu pai me contou há uma semana, mas achei que algo
aconteceria e um dos dois desistiria da ideia. Você sabe que Conrad
odeia nosso pai.
Mais do que isso, ele odeia todos nós — pensei.
Estreitei os olhos para Isaac, magoada, desconfiada, cheia de
vontade de bater em seu peito e gritar que ele era um péssimo
amigo. Mas não o fiz.
Tive medo de perder a única pessoa com a qual pude contar
nos últimos anos.
E quando ele, percebendo a merda toda, se ajoelhou na minha
frente e entrou na minha guarda, engoli com muita dificuldade toda
minha vontade de brigar.
— Scarlet, baby. — As mãos de Isaac puxaram as minhas
para seus ombros e ele, se encaixando entre minhas pernas,
abraçou minha cintura, apoiando o rosto na curva do meu pescoço.
Eu não me movi, mas ele suspirou.
— Me desculpe. Eu sei que meu meio-irmão é um problema
para você… Eu sei que ele é um descompensado, louco,
problemático, mas acredite, eu não vou deixar ele chegar perto de
você. Não vou deixar ele tocar em você.
Os lábios de Isaac roçaram pelo meu pescoço, pelo desenho
do meu maxilar e então, ele estava lá, frente a frente comigo. Olho
no olho, nariz com nariz, boca com boca.
Um milímetro de distância. Uma parede de vidro invisível entre
nós.
Seus olhos pareciam desesperados para uma reação minha,
suas mãos na minha cintura também.
— Me perdoa, Scar… Eu só queria te proteger.
Mas não fez — essa seria a minha resposta.
Entretanto, calculando o quanto perderia, vendo que Isaac
parecia mesmo se importar comigo, fechei os olhos, respirei fundo
mais uma vez e tentei relaxar.
Com a testa tocando a dele, ainda de olhos fechados, acariciei
seu rosto com ambas as mãos e soprei baixinho:
— Não faça mais isso. — Era um pedido sério, do mais
profundo do meu coração.
— Prometo que não. — Juntando a boca na minha, Isaac me
beijou profundamente, mas daquela vez eu não senti nada, nem um
mísero calor. Eu o beijei de volta por obrigação. Era só o que eu
tinha para dar naquele segundo, e ele precisaria me desculpar
também.
— Ok — falei quando me afastei. — Por que ele está aqui?
Eu precisava de mais informações.
— Não faço ideia. — Ele deu de ombros.
— Existe alguma chance dele ir embora? — Era minha maior e
mais frágil esperança, e se partiu como um cristal quando meu
namorado negou com a cabeça.
Engoli o choro com dificuldade e balancei a cabeça,
conversando comigo mesma em paralelo, sabendo que teria que
suportar aquilo.
— Eu poderia ir embora… — A ideia passou pela minha
cabeça, mas para onde?
Melhor ainda, como?
John Prince era o meu tutor. Bancava meus estudos, o asilo do
meu avô, minhas roupas, comida, livros e tudo mais que eu
quisesse ter. A sorte dele era que eu achava tudo aquilo um grande
abuso. Por isso, me mantinha com os pés no chão, sabendo que
alguma hora aqueles privilégios todos seriam perdidos.
— Nem pensei nisso — Isaac respondeu num tom de voz mais
ríspido, mas logo se corrigiu: — Eu não poderia ficar sem você.
— De qualquer jeito, não tem para onde eu ir. — Relaxei
contra a cadeira e encarei o teto. — Que caralho! É injusto demais
que seu irmão esteja aqui. Ele deveria estar… — A palavra presa
ficou entalada na minha garganta.
Aquilo, de uma forma ou de outra, também era culpa minha.
Aceitar o tratado dos Prince não foi unicamente pelo futuro.
Foi porque eu poderia livrar Conrad.
Naquele minuto, nãosabia se tinha feito o certo.
— Mas ele está aqui, e eu não acho que ele vá nos deixar em
paz.
— E por quê? — Meu tom de indignação foi acompanhado dos
meus pés batendo no chão. — Por que Conrad só não vive sua vida
e nos esquece?
— Porque ele é ruim, amor. Ele é o pior de nós. — A resposta
de Isaac me fez ficar em silêncio por mais tempo do que gostaria.
Era desconfortável.
Ele se ergueu e sentou ao meu lado, colocando a mão sobre a
minha e me deixando deitar em seu ombro. Eu aproveitei. Precisava
de carinho, queria algum apoio.
Era uma merda, mas a vida tinha dessas: era injusta pra
caralho e te dava uma rasteira quando você menos esperava.
 
 
Sendo muito consciente de tudo ao nosso redor, cinco anos
atrás, Isaac forçou para adentrar minha nova bolha quando tudo
aconteceu. Eu até tentei pará-lo, mas dia após dia, lá estava ele
com um videogame novo, um doce, uma flor e foi assim, até que eu
permiti que ele ficasse. Mas mesmo com todo esse esforço, eu via
quem ele era. O grande atleta, o bom menino da família, o favorito
do pai que contrastava muito com a concorrência. Ele tinha o mundo
na palma da mão e, sinceramente, não precisava de mim ou de
segurança comigo. Talvez fosse por isso que ele verdadeiramente
nunca conseguiu me acalmar, mas só de não estar sozinha, eu já
ficava melhor. Até porque, sabia que era muito errado, mas preferia
acreditar na mentira bonita dele de que ficaria tudo bem a que
encarar a realidade assustadora.
— Eu sei que você está tensa e tudo mais, mas você pode ir
comigo à festa hoje?
— Achei que já tinha te liberado para ir sozinho nessa.
— É, eu sei, mas quero você comigo. Não quero te deixar
sozinha por aí… — Eu sabia que agora o motivo era outro. — E
você precisa distrair a cabeça. Qual foi a última noite em que foi
curtir assim comigo?
— Isaac… — Virei o rosto para encarar o novo sorriso divertido
e o olhar bondoso.
— Vamos, vai? Só um pouquinho. Se você não gostar,
podemos sair de lá e eu prometo que passo a noite toda assistindo
a você jogar qualquer um dos seus jogos de terror.
— Hm… — Pensei na possibilidade, e ele engatou:
— Além do mais, agora com meu irmão nos Vipers, é bom
mostrar que ainda estamos na ativa.
— Você quer mostrar poder. — Quis rir daquela coisa de
macho alfa mijando para marcar território.
— Quero, por isso, se você disser que sim, quero que vista
aquele vestido vermelho que amarra no pescoço.
Quase gargalhei.
Isaac queria me exibir.
Ele raramente sentia necessidade de fazer isso, até porque eu
não dava um pingo de moral para nenhum outro cara naquele lugar,
mas conhecendo o modus operandi daquela família, sabia que
aquilo era um recado que se espalharia pelo campus em fotos nos
perfis de Instagram e Facebook.
— Como está organizado isso?
— Lions, Birds e Badgers.
— Sem Vipers?
— Ninguém gosta deles, você sabe.
— Mesmo assim…
— E ninguém confirmou. Achamos que estão de complô contra
o resto da faculdade agora que o torneio está para começar.
Falando nisso, inscrevi você.
Eu não gostei daquilo. Eu disse que iria pensar, mas não
discuti.
— Certo…
— E te pego hoje, às dezenove.
— Estarei pronta.
 
Isaac não demorou muito para sair. Já havia perdido o primeiro
tempo todo comigo, não queria arriscar um segundo. Eu tinha a
agenda livre até às dez, e aproveitei para fuçar entre os livros da
biblioteca.
Os romances sempre foram os meus favoritos.
Sempre.
E mesmo que eu nunca mais tenha lido O morro dos ventos
uivantes, as cenas que li e os diálogos que destaquei no meu antigo
livro ainda estavam vivos na minha mente. Tudo vinha como um
filme, e de forma injusta, enquanto no colégio só havia uma cópia,
na faculdade tinham muitas, das edições mais diferentes possíveis.
Era reconfortante ler o mesmo nome escrito em fontes diferentes
nas lombadas, mas naquele dia, quando olhei para o lugar onde
eles costumavam ficar, vi um grande vazio.
Não havia mais nenhum exemplar do livro.
Nenhum.
Subitamente a vontade de lê-lo me pegou pelos calcanhares.
Sem pensar, parei em frente à bibliotecária e perguntei assim
que ela ergueu o rosto para mim.
— Desculpe, eu queria muito pegar O morro dos ventos
uivantes, mas não tem nenhum exemplar na prateleira. Há algum
disponível?
— Só um momento, gracinha. — A senhorinha ajeitou os
óculos na beiradinha do nariz e mexeu no computador que parecia
muito avançado para ela. — Eu acho que vou ficar devendo — ela
disse, cinco minutos depois. — Todos estão fora do sistema.
— Todos? — perguntei mais uma vez e a mulher deve ter me
achado burra.
— Sim, todos, queridinha.
— Ok, obrigada. — Dei as costas, chateada.
Todo o meu mundo estava passando por instabilidade e,
naquele momento, só queria que existisse um botão para que eu
pudesse pular para o dia seguinte, e ir pulando, até acordar em um
dia em que Conrad estivesse longe e eu me sentisse minimamente
segura.
 
 
Meu cabelo estava solto em ondas pelas costas. O vestido de
lantejoulas vermelhas que Isaac havia me dado era colado ao corpo,
mais curto do que qualquer coisa que eu costumava usar, e o
decote da frente me incomodava um pouco. Eu não tinha peitos
pequenos, mas eles não eram tão grandes e, com o único sutiã que
eu tinha perdido no fundo do armário, ajeitei o decote da melhor
forma possível e me conformei que meu peito não era aqueles de
revista, superjuntos e empinados.
Minha maquiagem não era das mais leves também, e eu
gostava muito de brincar com aquilo.
Quanto mais maquiada, mais fácil sustentar que eu estava
saudável e feliz, e com um bom delineado e batom vermelho,
coturno e jaqueta de couro dos Lions por cima, me senti pronta e
muito bonita.
De fato, olhando mais uma vez no espelho, precisava admitir
que era bonita.
Talvez quando mais nova, meus olhos não fossem tão fundos,
e eu não era mais a magra saudável, só era alguém que fumava
demais, se esquecia de comer e não se exercitava nunca. Meu
corpo se adaptou a isso e, bom, não tinha muito o que fazer.
Aproveitando os últimos minutos de paz, fumei meu último
cigarro da noite, sabendo que Isaac não me deixaria fumar mesmo
que beber me desse uma vontade do cão, e escovei os dentes três
vezes antes de beber uma latinha de refrigerante e colocar balas de
menta na boca. Era o único jeito dele não reclamar do gosto do
cigarro e eu não queria arranjar problemas.
Foi enquanto retocava o batom com The Strokes tocando ao
fundo no meu computador, que ouvi a batida na porta.
Meu sorriso cresceu antes de vê-lo e, como sempre, Isaac
estava perfeito.
O cabelo loiro bem arrumado, o cheiro de seu perfume
almiscarado no ar, o sorriso galanteador de sempre no rosto… Ele
era realmente bonito.
Encostado no batente da porta, me puxou pela cintura para si
e falou contra minha boca:
— Se beijar você, vamos ficar vermelhos?
— Não — confirmei, passando o dedo pelo lábio e mostrando
que o batom não saía.
— Ótimo.
Quando Isaac se curvou para me beijar, eu sabia que ele
também se esforçaria para fazer da noite a melhor possível para
que nós ficássemos bem.
— Eu queria muito… — ele sussurrou contra minha boca e eu
senti sua mão livre subindo por minha coxa. Sabia o que ele queria,
mas por algum maldito bloqueio, eu não tinha a mesma vontade.
— Nós vamos nos atrasar…
Eu não era uma completa tapada.
Nós já havíamos feito tudo de cunho sexual que não envolvia
penetração, mas ele ainda queria, e eu não entendia por que eu
não. Será que era algum defeito do meu corpo?
Algum defeito da minha cabeça?
— Podemos depois? — propus, sabendo que terminaria a
noite com mais um daqueles questionamentos malditos. — Eu não
quero arruinar tudo isso agora. — Indiquei a produção toda.
— Acho que o argumento é válido, mas não espere que eu vá
dormir antes de provar você. — Ele me beijou mais uma vez.
Fechei os olhos e me esforcei muito, mas não tinha a mesma
ansiedade que ele.
Quando a coisa esquentava, eu realmente entrava no clima,
mas até esquentar…
Isaac finalmente me puxou, tranqueimeu quarto e nós
descemos para a festa.
A caminhada foi longa, mas era importante, com uma
quantidade gigantesca de alunos, que o campo ficasse longe das
salas de aula. Ninguém aguentaria dormir com o som naquele
volume e enquanto Doja Cat explodia cantando sobre uma boa foda
nas caixas de som do DJ, Isaac abriu caminho entre as pessoas
para nos levar até o palco.
Era o combinado, o time que ganhava tinha direito à área vip.
 
O melhor amigo de Isaac cheirava uma carreira branca nos
peitos de uma menina em seu colo. Os outros pareciam entretidos
em suas próprias bolhas, e alguém arranjou cervejas estupidamente
geladas que pararam em nossas mãos sem eu saber como.
Isaac desempenhou seu papel de líder popular direitinho.
Fiz o básico de sorrir, acenar, beijar na hora certa, beber os
shots que ele me oferecia, rir de suas piadas e fingir que estava
tudo bem. Isso funcionou até minha quarta tequila, e eu sabia que
era por isso que Isaac amava me arrastar para as festas.
Eu não tinha limite quando começava a beber, e a bebida
trazia uma parte de mim que me esforçava muito para guardar.
Em menos de uma hora, meu cabelo estava preso no alto da
cabeça em voltas dele mesmo, in the dark do tiesto foi tirada do
cemitério e tocou no último volume, e de mãos dadas com garotas
que eu nunca lembraria o rosto, eu dancei, ri, pulei, e bebi mais.
Meu namorado assistia, gostando do que via.
E, saindo da linha, ele se divertia bebendo tanto quanto eu.
Foi em alguma hora que ele veio para perto que girei até parar
contra seu peito. Mal precisei puxá-lo, Isaac já estava sobre mim e
aproveitou que o beijei com todo o fogo que nunca aparecia quando
as luzes estavam acesas.
Minha língua brincou com seu lábio inferior, depois invadiu sua
boca e o dominou.
Ele não tinha como recusar nada vindo de mim.
Suas mãos na minha cintura puxaram meu corpo contra o seu.
Ele estava duro, eu poderia resolver, mas era divertido vê-lo
me querendo e entre luzes vermelhas e laranja da fraternidade
rolando pela grande pista de dança, me virei de costas para ele,
sentindo suas mãos me pressionando contra si. Curtindo a música,
a leveza na cabeça, os risos sem sentido, rebolei, provocando-o de
propósito.
Isaac mordiscou minha orelha, eu puxei sua mão para o meu
rosto e mordisquei a ponta de seu dedo indicador. Ele riu, eu
também.
Era simples, não era?
— Scar, eu quero muito foder você. — Senti o volume sendo
pressionado contra mim e, por mais que minha mente falasse:
podemos ir até o fim com isso logo?, meu corpo respondeu de outra
forma. O fogo quase sumiu completamente.
O prazer de provocar era muito mais divertido do que saber
que eu me comprometia com algo que não queria fazer, e isso fez
com que o efeito do álcool diminuísse drasticamente no meu
sistema.
A música entrou em uma parte lenta, a final, e eu me
desvencilhei dos braços dele.
— Preciso ir… — Não sabia para onde, mas avisei, ignorando
a cara de poucos amigos de Isaac, e pulei para fora do palco.
Meus pés foram precisos e me senti inteligente demais por não
ter arriscado um salto alto contra o gramado. Caminhando entre a
multidão, sentindo o corpo mais leve que a cabeça, li em letras
pouco embaralhadas o letreiro do bar. Mudei a direção e em pouco
tempo estava na fila para abastecer o reservatório que judiaria do
meu fígado. Quando chegou minha vez, sabendo quem eu era, a
garota do outro lado do balcão me deu uma dose de tequila.
— Quero mais duas — gritei sobre o som, mostrando a
quantidade em dedos da mão.
Quando a menina de cabelos coloridos colocou as outras
doses, sem pensar, sem respirar, eu as virei. Uma a uma.
Alguém atrás de mim comemorou, balancei a cabeça algumas
vezes para sentir o efeito do álcool logo e, mesmo com o estômago
vazio reclamando de como era abastecido, eu só soube rir. Meu
cabelo caiu em volta de mim, quis tirar a jaqueta enquanto
caminhava na direção contrária de onde estava, pensando no que
faria em seguida.
Eu poderia ficar ali embaixo, ou poderia voltar lá para cima.
Qualquer um dos dois parecia uma boa ideia. Rindo sozinha, ajeitei
a alça do vestido, girei sobre os calcanhares e encarei o céu
noturno.
Aquela sensação de estar fora do corpo, leve e feliz poderia
durar para sempre, mas quando endireitei a cabeça, quando meus
olhos focaram no que tinha ao meu redor, tudo o que senti foi como
se estivesse presa, mais uma vez.
Os olhos de Conrad queimavam em mim, e a minha reação foi
ainda pior.
Meu cérebro parecia não conseguir processar o que acontecia.
Era como se aquele fosse só mais um pesadelo, mas do tipo mais
apavorante.
A bebida que antes queimava no meu estômago congelou e a
vontade de vomitar cresceu.
Fechei as mãos em punhos com os polegares para dentro,
tentando conter o mal-estar. Correr dali não era uma opção quando
meus pés pareciam pesar uma tonelada.
Todo o ódio que senti antes pareceu uma mínima fagulha perto
do medo que senti naquele segundo, na pouca luz da festa ele
parecia ainda mais ameaçador. Era como se a batida de “I love
rock’n’roll” fosse feita para acompanhar seus passos. E ele vinha na
minha direção.
Na minha cabeça, a distância entre nós era pouca, mas a
espera, a ansiedade do trajeto, fez com que eu sufocasse. Até
porque, como uma maldição que parecia ser eterna, ainda podia
sentir seu olhar queimando em mim como sentia anos atrás, como
senti na noite passada.
Houve um tempo em que eu adorava aquela sensação, mas
naquele segundo, se eu pudesse, se tivesse coragem, arrancaria os
olhos de Conrad só para que ele nunca mais provocasse aquilo
dentro de mim.
Eu quis derreter, me dissolver na terra, sumir, mas não podia e,
dessa vez, a sensação de formigamento que ele causava atingia
todo meu corpo, fazendo com que me sentisse exposta,
desprotegida.
Ainda assim, não me movi. Na verdade, eu esperei.
Sabe lá Deus o motivo, mas esperei. E então, quando achei
que não poderia demorar mais, ele chegou.
 
Conrad Prince vestia calças e coturnos pretos, mas diferente
de antes, embaixo da jaqueta de couro com mangas erguidas, não
havia nada. Ele não tinha mais sua barreira de proteção e a primeira
coisa que fiz foi revistar seus braços.
Agora a pele era revestida de camuflagem permanente.
Tatuagens desciam por seus braços e até uma das mãos. Estava
escuro demais, e junto da minha bebedeira, eu não consegui
entender o que eram os desenhos, mas isso não me impediu de
continuar a esquadrinhá-lo com os olhos. O peito e o pescoço
também carregavam desenhos novos. Aquilo, de algum jeito
estranho, não me surpreendeu.
Quando cheguei ao seu rosto, soube que ele havia feito a
mesma revista na minha aparência, e agradeci por estar em um
bom dia para aquilo acontecer. Engoli em seco na minha última
olhada para o todo e tentei ficar o mais firme possível conforme via
o abdômen marcado e forte pela brecha aberta da jaqueta.
Foi inevitável controlar o calor nas minhas bochechas quando
senti algo esquentar no meu ventre só por vê-lo daquele jeito. Eu
deveria me controlar, mas havia um pedaço venenoso e sujo dentro
de mim que não queria. E prolonguei aquela sensação, aquela
pequena guerra interna, até perceber que a razão podia perder.
Culpei o álcool e me esforcei para erguer a cabeça, Conrad
era muito mais alto que eu nos meus 1,76. A mandíbula marcada foi
a primeira coisa que vi, seguido pelos lábios desenhados e cheios, o
nariz bem-desenhado e um pouco largo, e então, sabendo que tudo
em mim desmoronaria, eu cedi.
Qualquer outra possibilidade de tomar uma atitude foi engolida
quando encarei seus olhos.
Pretos, duros, demoníacos.
Eu senti medo.
— Está bêbada, Red? — ele zombou, cruel.
Sua voz continuava profunda, ainda mais grave.
— Não é da sua conta — respondi num sussurro raivoso e ele
precisou ler meus lábios para entender.
Conrad deu mais um passo para frente, ficando a cinco
centímetros de mim.
— Como é? — ele falou mais alto, me desafiando. — Tudo
aqui é da minha conta. — Ele se abaixou

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