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6.1 Introdução • A solução de muitos problemas da Mecânica dos Fluidos por métodos puramente analíticos é, em geral, difícil e trabalhosa, e às vezes impossível, devido ao grande número de variáveis envolvidas. Por causa disso, desenvolvem-se métodos experimentais que permitem, nesses problemas, produzir modelos matemáticos condizentes com a realidade. A análise dimensional, como será visto, é uma teoria matemática que, aplicada à Física, e especificamente à Mecânica dos Fluidos, permite tirar maiores proveitos dos resultados experimentais, assim como racionalizar a pesquisa e, portanto, diminuir-lhe o custo e as perdas de tempo. • A teoria da semelhança, ou teoria dos modelos, é baseada em princípios abordados pela análise dimensional e resolve certos problemas através da análise de modelos convenientes do fenômeno em estudo. • Assim como nos outros capítulos, o objetivo não é desenvolver a teoria de forma matematicamente precisa. O que o leitor deve aproveitar são as idéias desenvolvidas, de forma a adquirir técnicas para a utilização prática da matéria. Grandezas fundamentais e derivadas. Equações dimensionais • Para descrever um certo fenômeno físico, devem-se construir funções que interliguem grandezas como espaço, tempo, velocidade, aceleração, força, massa, energia cinética, trabalho etc. Após examinar esse conjunto, verifica-se que as grandezas não são independentes, isto é, grande parte delas está interligada pelas equações que descrevem as leis físicas e as definições. • Assim, por exemplo, se um sistema percorre, com movimento retilíneo uniforme, 100 m em 20 s, não se pode dizer que a sua velocidade média é 10 m/s, já que, pela definição, ela deveria ser 5 m/s. • Da mesma forma, se a massa de um corpo for 20 kg e a sua aceleração, 10 m/s2, a força resultante que age nele será 200 N e não outro valor qualquer, já que, pela segunda lei de Newton da dinâmica, F = ma. • Uma pesquisa no conjunto de grandezas da Mecânica mostra a existência de somente três grandezas independentes, a partir das quais podem ser relacionadas todas as demais. A escolha dessas grandezas é feita de forma conveniente e o conjunto delas é chamado base completa da Mecânica. • A escolha, em geral, recai no terno FLT (força, comprimento e tempo) ou MLT (massa, comprimento e tempo). Ao longo destas anotações, será preferida a base FLT. • Todas as outras grandezas que não fazem parte da base completa são ditas grandezas derivadas e podem ser relacionadas com as grandezas fundamentais por meio das equações da Mecânica. • A equação monômia que relaciona uma grandeza derivada com a base completa é chamada equação dimensional. EXEMPLO Escrever a equação dimensional da viscosidade cinemática na FLT. Solução Pelo Capítulo 1, a viscosidade cinemática é dada por: Por definição: Na base FLT, a massa é uma grandeza derivada e deve ser relacionada com as grandezas fundamentais. A equação que permite tal relacionamento é a lei de Newton F = ma ou A força é uma grandeza fundamental; logo: Pela Cinemática, sabe-se que a aceleração é um comprimento dividido por um tempo ao quadrado. Logo: Pela Geometria, sabe-se que o volume é um comprimento ao cubo: Logo: • Esse exercício, além de mostrar a técnica de obtenção das equações dimensionais numa certa base, visou também a estabelecer as equações das grandezas ρ e µ, que serão freqüentes no estudo a seguir e nos exercícios do fim do capítulo. • Até aqui, o raciocínio foi desenvolvido considerando a existência de três grandezas fundamentais, o que é verdadeiro no caso mais geral da Mecânica. Porém existem fenômenos particulares em que as grandezas fundamentais envolvidas são apenas duas. • Em todos os fenômenos da Cinemática, que é a parte da Mecânica que não se preocupa com forças, serão suficientes as grandezas fundamentais L e T para relacionar todas as grandezas derivadas. Em outros campos da Física, o número poderá ser maior que três, como, por exemplo, na Termodinâmica ou no Eletromagnetismo, em que deverão ser introduzidas grandezas fundamentais que relacionem as grandezas que descrevem fenômenos térmicos ou elétricos. Fica estabelecido desde já que, no caso em estudo, o número de grandezas fundamentais será menor ou igual a três, pois todos os fenômenos serão referentes à Mecânica. Sistemas coerentes de unidades Dada a equação dimensional de uma grandeza, é fácil escrever sua unidade, desde que seja escolhido um certo sistema. Denomina-se Sistema Coerente de Unidades aquele que define somente as unidades das grandezas fundamentais. Por exemplo, um sistema que define as unidades das grandezas Qualquer outra unidade nesse sistema será produto de potência dessas três. Por exemplo, no caso da massa específica, pela Equação 6.1, tem-se: Outros sistemas coerentes de unidades são o Sistema Internacional (SI) e o CGS, que adotam como grandezas fundamentais o terno MLT. Para esses sistemas, a força é uma grandeza derivada. No SI, as unidades fundamentais são: metro ou unidade de L quilograma ou unidade de M segundo ou unidade de T A unidade de força é denominada Newton (N) e deve ser considerada como: Como esse assunto já é conhecido da Física, não se farão outras considerações sobre ele. Note-se, porém, que tal assunto deve ser de pleno conhecimento do leitor, já que as transformações de unidades dele dependem. • Números adimensionais Um número é adimensional quando independe de todas as grandezas fundamentais, isto é, sua equação dimensional apresenta expoente zero em todas as grandezas fundamentais (F°L°T°). No Capítulo 3, foi apresentado um número adimensional: o número de Reynolds. Lembre o leitor que: onde: Pelo exemplo resolvido anteriormente: ou Nota-se, então, que Re independe das grandezas fundamentais, sendo, por definição, um número adimensional. Os números adimensionais costumam ser indicados pela letra grega π e, pelo exposto, qualquer n resultará em: Alguns deles, devido à sua importância, como, por exemplo, o número de Reynolds, receberão nomes especiais e serão apresentados por símbolos especiais (por exemplo, o número de Reynolds será indicado por Re). Vantagem da utilização dos números adimensionais na pesquisa de uma lei física A seguir será mostrada, por meio de exemplo, a vantagem do uso dos números adimensionais, no que diz respeito à economia de tempo e recursos na pesquisa de um certo fenômeno físico. O exemplo será abordado de forma qualitativa, não sendo apresentado nenhum resultado numérico. Suponhamos que se deseja determinar a força F de resistência ao avanço de uma esfera lisa mergulhada num fluido. Tal força costuma ser chamada de força de arrasto ou arraste. Note-se que tal determinação será feita em laboratório, num túnel aerodinâmico ou num canal de provas, dependendo de o fluido ser um gás ou um líquido, respectivamente. A medida da força será efetuada por meio de um dinamômetro, ao qual serão fixadas esferas de diferentes diâmetros. As velocidades do líquido ou gás são variadas, de forma a se obter o efeito do movimento relativo entre o fluido e a esfera. A pesquisa visa a determinar seja analítica ou graficamente. Inicialmente serão fixados construindo F em função de D utilizando a velocidade como parâmetro. Posteriormente, deverão ser verificadas as variações da força com a viscosidade e com a massa específica. Essa determinação implica a construção de inúmeros diagramas, desde que se queira uma idéia precisa dessa variação. Em cada caso, deverá ser fixada uma massa específica e será variada a viscosidade, e vice-versa. A Figura 6.2 mostra claramente o grande número de diagramas que deverão ser construídos na pesquisa. O tempo gasto nessa construção seria enorme, além dos problemas de ordem prática provocados pela necessidade de obtenção de fluidos de massa específica fixa e viscosidade variável, e vice-versa. Diante das dificuldades dessa operação, vejamos como ela poderia ser simplificada em termosde tempo e recursos. Suponha-se a existência dos seguintes números adimensionais: e (número de Reynolds) Note-se que, por enquanto, não se sabe como foram obtidos, nem se a pesquisa que faremos é válida. O que se quer é motivar o leitor para o próximo item deste capítulo, que irá garantir o processo que aqui será descrito. O leitor já deve ter observado que, em conjunto, os dois adimensionais, π1 e π2 contêm todas as variáveis da função em estudo. Vejamos agora como o uso dos adimensionais facilitaria o trabalho. Seja uma única esfera de diâmetro D e um único fluido de massa específica e viscosidade µ. Varia-se v e medem-se as variações de F no dinamômetro. Obtida uma tabela de F em função de v, pode-se tabelar, π1 e π2 sendo que os dois adimensionais estão interligados pela existência da velocidade em ambas as expressões. Logo, para cada π1 existe um π2 e será possível construir o diagrama Note-se que, sendo π1 e π2 números adimensionais, as coordenadas de cada ponto da curva independem dos valores individuais de ; dependem da combinação de todos esses valores. Assim, o fato de se ter utilizado uma única esfera e um único fluido não influirá na generalidade da pesquisa. Dessa forma, por exemplo, o ponto indicado na Figura 6.3 cujas coordenadas são = 0,4 pode corresponder a qualquer conjunto de valores desde que =100, e a qualquer combinação de desde que Cada ponto da curva da figura envolve as infinitas combinações de valores das variáveis do fenômeno. O problema da determinação da força de arrasto sobre a esfera fica assim resolvido. Vejamos um exemplo numérico baseado no ponto indicado na Figura 6.3. O diagrama da Figura 6.3, válido para o estudo geral da força de arrasto, que age sobre uma esfera e é construído por meio de números adimensionais, chama-se diagrama universal do fenômeno. A essa altura, o leitor deve ter percebido a grande vantagem de, numa pesquisa de um certo fenômeno, trabalhar com números adimensionais que englobem as variáveis, em vez de trabalhar com elas próprias. O item seguinte, como já foi dito anteriormente, apresentará o teorema que garante a existência dos números adimensionais, ao mesmo tempo que garante o seu uso para o estudo de um certo fenômeno. Teorema dos π Será aqui apresentado o enunciado do teorema anteriormente mencionado. Não será feita a sua demonstração, se bem que ela seria útil para a construção dos números adimensionais a serem utilizados num certo fenômeno. Tal construção será indicada posteriormente por meio de regras práticas e de um exemplo. O enunciado do teorema será um pouco modificado em relação ao tradicional, já que não interessa a sua demonstração, mas somente as conclusões construtivas que dele podem ser obtidas. Note-se que, em todos os adimensionais de um certo fenômeno, os primeiros r fatores são os mesmos, com exceção do expoente. Esse conjunto de r fatores será denominado 'base' das grandezas envolvidas no fenômeno. As grandezas da base devem ser independentes. Para sua escolha, escreve-se a equação dimensional de todas as grandezas e seleciona-se um número r delas, de forma que cada uma difira da anterior por pelo menos uma grandeza fundamental. (Note-se que tal critério não é obrigatório, mas, se não é adotado, pode-se incorrer em erros, a menos que se faça o estudo da chamada matriz dimensional, que não será apresentada aqui.) Nessa trinca, L é um comprimento característico do fenômeno, podendo ser um diâmetro, um raio, uma altura ou qualquer grandeza cuja equação dimensional seja L. Quando essa trinca estiver presente entre as grandezas do fenômeno, deverá ser preferida, já que a maioria dos adimensionais conhecidos tem origem nela. O último fator de cada adimensional será constituído de cada uma das grandezas não incluídas na base. A determinação dos adimensionais será mais bem esclarecida pelos dois exemplos que veremos a seguir. EXEMPLOS 1) Verificou-se em laboratório que a força de arrasto, que age numa esfera lisa que se movimenta num fluido, é dada por uma função do tipo F = f (v, D, ῥ, µ). Determinar a função de números adimensionais, equi- valente à função indicada. 2) A velocidade de um corpo em queda livre é função somente da aceleração da gravidade g e da altura de queda h. Determinar a função de números adimensionais referente ao fenômeno. Alguns números adimensionais típicos Entre as grandezas que mais frequentemente comparecem nos fenômenos da Mecânica dos Fluidos, tem-se: massa específica (ρ), velocidade característica (v), comprimento característico (L), viscosidade dinâmica (µ), variação de pressão (Δp), aceleração da gravidade (g) e velocidade do som (c). A combinação dessas grandezas, ao se adotar ρ,v,L como base, dá origem a quatro adimensionais que, devido à sua frequente presença no estudo da Mecânica dos Fluidos, possuem nomes próprios. Verifica-se que cada um desses quatro adimensionais representa uma relação entre forças de origens diferentes, que agem no escoamento de um fluido. a) Número de Reynolds (Re) Já foi visto que O número de Reynolds, de uma forma mais geral, é escrito: onde L é um comprimento característico do escoamento, sem ser necessariamente um diâmetro. Chamando de F= ma as forças de inércia do escoamento e de as forças viscosas, verifica-se a seguir o resultado da relação entre essas duas forças: ou: O número de Reynolds é proporcional ao quociente das forças de inércia e viscosas do escoamento. Já foi visto no Capítulo 3 que o movimento em tubos é laminar quando Re < 2.000 e é turbulento quando Re > 2.400. Isso significa que as turbulências denotam um predomínio das forças de inércia sobre as viscosas, enquanto no laminar a predominância das forças viscosas não permite agitações e, portanto, acelerações das partículas. Daqui se conclui que, quanto maior for o Re, menor será o efeito das forças viscosas no conjunto de forças que agem no fluido. Nessas condições, o número de Reynolds caracterizará, nos fenômenos, o efeito da viscosidade comparativamente com outros efeitos. Conclui-se que valores muito elevados do número de Reynolds representam um efeito desprezível da viscosidade no fenômeno em estudo. Número de Euler (Eu) O número de Euler é dado por: O número de Euler ou coeficiente de pressão indica a relação entre as forças de pressão e as forças de inércia no escoamento de um fluido. O Eu comparece no estudo de escoamentos em torno de perfis, em tubos, em máquinas hidráulicas etc. No estudo do escoamento em volta de objetos imersos, em movimento relativo com o fluido, costuma-se usar o adimensional: que é proporcional ao número de Euler, já que representa uma área. Esse adimensional é chamado 'coeficiente de arrasto' e será a força de arrasto ou força de resistência ao avanço de uma superfície sólida que se desloca num fluido. Número de Froude (Fr) Representa a relação entre as forças de inércia e as forças devidas à aceleração da gravidade. É importante em escoamentos onde há superfícies livres com possibilidade de formação de ondas. São casos desse tipo: ação das ondas em flutuantes, escoamento em canais, escoamento em vertedores, em orifícios etc. Número de Mach onde c é a velocidade do som no fluido em escoamento. Semelhança ou teoria dos modelos Devido ao grande número de variáveis envolvidas, é normalmente impossível a determinação de todos os resultados numéricos referentes a um certo fenômeno da Mecânica dos Fluidos, por via puramente analítica. Uma das formas de simplificar as pesquisas é a construção de um modelo em escala que simula as condições do fenômeno em escala real, que será chamado protótipo. Para que os resultados das grandezas medidas no modelo tenham valor prático em relação ao protótipo, certas condições deverão ser cumpridas. Tais condições são: a) entre modelo e protótipo deveexistir semelhança geométrica, isto é, o modelo e o protótipo poderão ter dimensões diferentes, mas devem ter o mesmo formato. As suas dimensões correspondentes deverão ser proporcionais; b) entre modelo e protótipo deve existir semelhança cinemática, isto é, as velocidades das partículas de fluido homólogas deverão manter uma relação constante (Figura 6.4); Note-se que, daqui em diante, o índice m denotará modelo e o índice p, protótipo. c) entre modelo e protótipo deve existir semelhança dinâmica, isto é, as forças que agem em pontos homólogos deverão manter relações constantes. Para que todas essas condições sejam obtidas, verifica-se que os adimensionais referentes ao protótipo devem ser iguais aos respectivos adimensionais referentes ao modelo. Se, por construção, essa igualdade é conseguida, diz-se que o fenômeno referente ao protótipo e o referente ao modelo mantêm uma semelhança completa. Note-se que nem sempre isso é possível e depende da experiência do pesquisador de associar ao protótipo os resultados obtidos no modelo. Escalas de semelhança Chama-se escala de semelhança a relação entre uma grandeza referente ao modelo e a mesma grandeza referente ao protótipo. As escalas de semelhança serão indicadas pelo símbolo K. onde x representa uma grandeza física qualquer referente ao fenômeno. Relações entre escalas Foi visto que, para que modelo e protótipo mantenham semelhança completa, é necessária a igualdade dos respectivos números adimensionais. Tal igualdade conduz a relações entre escalas que deverão ser observadas para que os resultados referentes ao modelo tenham significado para o protótipo. A seguir serão determinadas essas relações quando Re, Eu e Fr forem adimensionais característicos do fenômeno. Note-se que, em geral, Kg = 1 para fenômenos realizados na Terra, pois a aceleração da gravidade varia muito pouco de um local para outro. EXEMPLOS 1. Quer-se determinar a força de arrasto que age no 'sonar' de um submarino por meio de testes efetuados com um modelo na escala 1:5. Os testes são realizados em água a 20°C, a uma velocidade de 60 km/h, e a força de arrasto medida é 30 N. Sabendo que o protótipo será utilizado em água a 4,0°C, calcular a velocidade do submarino em condições de semelhança completa e, nessas condições, determinar a força de arrasto correspondente. Solução Como o escoamento realiza-se sobre um corpo totalmente submerso, o número de Froude não influirá no fenômeno, conforme já foi dito anteriormente; logo, sendo desprezíveis os efeitos da gravidade mediante as forças viscosas e de arrasto, a função representativa do fenômeno será: que leva a Note-se que poderia ter sido usado o coeficiente de arrasto em vez do número de Euler. A função de números adimensionais nos levará às equações 6.7 e 6.8. De uma tabela, devem ser determinadas as propriedades da água a 20°C e 4°C. Pela Equação 6.7: Logo, em condições de semelhança completa, o sonar, fixo ao submarino, deverá se deslocar com uma velocidade de aproximadamente 19 km/h ou 5,28 m/s. A força de arrasto no sonar real será de 75 N.
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