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PERETTI, Clélia (Org.) Congresso de Teologia da PUCPR, 10, 2011, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Champagnat, 2011. Disponível em: http://www.pucpr.br/eventos/congressoteologia/2011/ 400 A mulher e o trabalho eclesiástico: uma reflexão a partir do olhar evangélico The woman and the church work: a reflection from the standpoint of evangelical Alexandra Costa de Santana do Rosário 1 Flávia Diniz Roldão 2 Resumo O presente artigo busca refletir acerca da emancipação da mulher, suas lutas, seus desejos e suas conquistas ao longo dos séculos; Discutir o impedimento e preconceito contra a liderança e o exercício do ministério eclesiástico pelas mulheres em determinadas igrejas evangélicas; Bem como compreender a função da mulher na atualidade com fundamentos bíblicos. Por meio de revisão de literatura, identificou-se que por muito tempo o mundo foi regido por normas masculinas, sem direito à participação feminina, influenciando até mesmo os autores dos textos bíblicos. São discutidos fundamentos para a visão de alguns líderes eclesiásticos que concordam e dos que não aceitam o ministério ou a liderança eclesiástica feminina. São apresentados argumentos baseados na Bíblia demonstrando que já existiam atuação e liderança feminina no início do ministério cristão. Há uma discussão, com base no contexto em que a Bíblia foi escrita, que tentará esclarecer que tal impedimento não tem respaldo nos textos bíblicos. Procura contextualizar as influências que os autores bíblicos tiveram da cultura de sua época, procurando ressaltar as transformações ocorridas na atualidade e assim, identificar que a mulher pode atuar em conjunto com o homem, sem distinção de funções no que se refere à liderança e administração eclesiástica. Palavras-Chave: Mulher. Preconceito. Evangélicos. Liderança. Trabalho eclesiástico. Abstract This article aims to study the emancipation of women, their struggles, their desires and their achievements over the centuries; discuss the prevention and prejudice against the exercise of leadership and church ministry by women in some evangelical churches, as well as understanding the role of actual women with biblical foundations. Through this literature review, we found that for a long time the world was ruled by masculine norms, without the right of female participation, influencing even the authors of the biblical texts. Some grounds are discussed from the view of some church leaders who agree and those who do not accept the ministry or female church leadership. Arguments are presented in the Bible showing that we already had a female acting and leadership since the beginning of the Christian ministry. There is a discussion based on the context that the Bible was written, it will try to clarify that such impediment is unsupported by the biblical texts. Contextualize the influences that biblical authors had in the culture of their time, trying to highlight the changes occurring today and then identify that women can work together with men, without distinction of 1 Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas pela Escola Superior de Ensino Empresarial e Informática (ESEEI). Graduanda do Curso de Bacharel em Teologia da Faculdade Evangélica do Paraná (FEPAR). E-mail: alexandra.curitiba@hotmail.com. 2 Mestre em Psicologia. Teóloga, Pedagoga e Psicóloga. Especialista em Arteterapia. Professora da Faculdade Evangélica do Paraná e da FAE. E-mail: aquarelavirtual@hotmail.com. mailto:alexandra.curitiba@hotmail.com mailto:aquarelavirtual@hotmail.com 401 functions in leadership and church administration. Keywords: Woman. Prejudice. Evangelical. Leadership. Church work. Introdução O preconceito existente com relação ao sexo feminino no tocante à sua atuação profissional na sociedade e no ministério eclesiástico existe há muitos séculos. A sociedade pôde presenciar o sofrimento, a alienação e a exclusão social que a mulher viveu durante muitas gerações. A maioria das mulheres foi tratada como ser insignificante, com papéis e funções delimitadas, sendo responsáveis pelas tarefas domésticas e educação dos filhos. As mulheres não tinham direito à profissão, o acesso à escola era limitado, e consequentemente, elas viviam sob domínio do homem, primeiro pelo pai e depois pelo esposo. O presente artigo busca refletir a origem e a razão dos preconceitos contra a liderança e o exercício do ministério eclesiástico pelas mulheres em determinadas igrejas evangélicas, bem como acerca da emancipação da mulher, suas lutas, seus desejos e suas conquistas ao longo dos séculos. Ao contrário do que muitas pessoas pensavam, a luta feminina não tinha como propósito alcançar a superioridade sobre os homens, mas sim, o movimento feminista buscava igualdade dos direitos civis e políticos, bem como o acesso ao ensino superior e oportunidades profissionais. Muito foi questionada a inteligência feminina, mas gradativamente a sociedade pôde compreender que a mulher foi preparada para pensar, criar e desenvolver projetos, assim como o homem. O mundo era regido por normas masculinas, sem direito à participação feminina. Entretanto, aos poucos as mulheres tomaram consciência de que este estereótipo poderia ser transformado, concedendo à mulher um lugar de maior dignidade e condizente com o seu ser. O trabalho também discute, através de revisão de literatura, alguns fundamentos para a visão de alguns líderes eclesiásticos que não aceitam o ministério ou a liderança feminina. Na sua maioria, eles se firmam em interpretação de textos isolados da Bíblia que declaram que a mulher deve ficar calada na Igreja, ser obediente e dominada pelo seu esposo. Da mesma forma, contrapondo a esta perspectiva, apresenta opiniões de outros líderes religiosos que entendem como contribuição importante a atuação feminina no ministério eclesiástico, pois creem que as mulheres também podem ter sua contribuição própria a oferecer. Paralelamente, são apresentados argumentos baseados na Bíblia demonstrando a atuação feminina no início do ministério cristão. É apresentada uma discussão, com base no contexto em que os textos bíblicos foram escritos, que tentará esclarecer se tal discriminação e impedimento têm 402 respaldo nos textos bíblicos. O artigo sugere alternativas de compreensão procurando contextualizar as influências que os autores bíblicos tiveram da cultura de sua época, procurando ressaltar as transformações ocorridas na atualidade e assim, identificar qual a função da mulher na atualidade, sem desconsiderar, entretanto, as recomendações bíblicas. A construção do estereotipo da mulher Há séculos a mulher foi vista como sujeito secundário, limitada e dependente do homem. Ao analisar a sua história, é possível perceber a origem deste estereótipo. Suas raízes foram transmitidas de geração em geração, predominando em todas as classes sociais a imagem da mulher como sexo frágil, dependente do homem, alimentando a ideia de que a mulher nasceu para desempenhar atividades limitadas, pré-definidas e diferentes do homem. No entanto, o valor das mulheres estava associado a certas funções e tarefas. A mulher justificava sua existência como filha pelo seu futuro papel de gerar filhos para seu marido. As mulheres que não conseguiam cumprir as responsabilidades deste papel (as estéreis), as que eram infiéis a essa missão (prostitutas, adúlteras), ou as que danificavam a autocompreensão de Israel pela idolatria (as mulheres estrangeiras) – todas essas eram rejeitadas pela sociedade (LAFFEY, 1994, p. 21). Existe a opinião de que é interessante que as mulheres não aspirem profissões como as dos homens, para preservar o homem do serviço de sua esposa, pois uma vez que elas não têm um compromisso externo, estaria sempre à disposição do marido. Este teria comoprincipal responsabilidade trabalhar fora e ter a garantia de um lar aconchegante. Por outro lado, embora algumas mulheres aceitem esta condição, neste caso, elas não teriam chance de optar por outra função dentro daquilo que elas sonham, e ficariam à dedicação exclusiva do lar, cumprindo o papel de esposa e mãe. Para o homem, pode em alguns casos ser cômodo que a mulher permanecesse como apenas uma ajudante, no que diz respeito a administrar o lar e cuidar da educação dos filhos. Neste caso, o homem estaria sempre numa posição superior à esposa, pois têm controle dos atos dela e de suas limitações. A esposa não teria, nestas circunstâncias, oportunidade para desenvolver-se integralmente como pessoa, como profissional atuante na sociedade. Seu papel sempre estaria em servir seu esposo. E este, muitas vezes, poderia ajudá-la a lembrar que esta realidade jamais mudaria, lisonjeando a sua função: [...] sob o disfarce de uma “alta consideração” do que a mulher é na sua “caluniada” inferioridade, pretendem, mediante a gratidão mais hipócrita, que a mulher permaneça onde sempre esteve pelo menos entre nós. Às vezes recebe em paga palavras consideradas agradáveis - “todas as mães são belas”, disse monsenhor Escrivá - outras vezes, se possível, gestos, de modo 403 que a mulher se sinta cada vez mais gratificada com a sua condição “feminina”. Mas com isso se tenta fazer persistir sua condição de estupidificação, de forma que possa continuar sendo objeto, simples coisa, a serviço do homem, e nada mais... (PINO, 1987, p. 6-7). Com o passar dos séculos, as mulheres já podiam reconhecer que trabalhando fora, poderiam se tornar independentes e respeitadas na sociedade. Elas passaram a compreender que estavam alienadas quando não tinham liberdade para decidir sobre as suas vidas. Nem todas as mulheres estavam satisfeitas e felizes com sua condição de dependente, incapaz e inferior. Ao longo dos séculos, já havia em muitas mulheres o desejo de se libertarem do fardo opressor a elas imposto pela sociedade. Algumas mulheres se conscientizaram que poderiam recusar a alienação em que viviam. Assim, surge a iniciativa de algumas delas após tantos séculos de silêncio e sujeição. Existe a ideia equivocada de que a intenção principal dessas mulheres era a de serem superiores aos homens, mas na realidade, a luta era pela igualdade. Lutavam pelo direito ao trabalho, ao estudo, ao desenvolvimento intelectual, à escolha, à decisão e à administração, assim como o homem. Em meados de 1830, algumas mulheres tiveram iniciativas para romper o estereótipo criado. Foram séculos de lutas para terem os seus direitos respeitados. É difícil precisar a data exata em que foi empregada pela primeira vez a palavra feminismo. Há notícias de que foi usada no século XIX, quando do surgimento na França de um movimento de mulheres, nos anos 1830/1840. Segundo dados da época, apesar de aquele movimento ter tido suas origens nas transformações econômicas ocorridas daquele período, não incluía em seu programa nem as lutas pela melhoria das condições de vida das mulheres proletárias, nem tampouco as lutas de direitos políticos da mulher, em geral. Dos itens do programa constavam as primeiras reivindicações: igualdade de direitos no matrimônio e no acesso às profissões liberais. Eram reivindicações que caracterizavam as aspirações de determinadas camadas sociais: média e superior (MONTENEGRO, 1981, p. 30). Algumas pessoas da sociedade tinham a visão de que a mulher também era capaz de exercer as mesmas atividades que o homem e serem valorizadas. Existem aqueles que as defendem pelo fato das mulheres não terem sido criadas e educadas a pôr a sua inteligência em prática. Mas o mais combativo defensor desses direitos e dessa igualdade, entre os séculos XVII e XVIII, foi, sem dúvida, Poulain de La Bar, que publicou em 1673 a obra Sobre a igualdade dos sexos, na qual condena a falta de liberdade, de instrução e de oportunidade das mulheres. E foi ainda naquele século que Charles Rollin (1661-1741), historiador e humanista, defendeu a necessidade de um programa de educação superior para as mulheres (MONTENEGRO, 1981, p. 20). Porém, aos poucos, a mulher foi conquistando o seu espaço e desfazendo a imagem a ela atribuída. Receberam, a princípio, espaço em alguns setores, e conforme demonstravam os 404 seus talentos e capacidade, outros campos a elas foram confiados. Embora tendo o seu direito conquistado de trabalhar fora como os homens, às mulheres enfrentaram discriminações por longos períodos. A submissão e dependência apenas foram transferidas dos pais para o patrão. Havia muita resistência em libertar a mulher de uma cultura opressora e dominadora. Apesar de saírem de casa para trabalhar, essas mulheres continuaram ligadas exclusivamente ao espaço doméstico. Para elas, a indústria era um prolongamento da casa, onde o patrão assumia o lugar do pai. A entrada no mercado de trabalho era determinada pela família, que decidia onde e quando ela iria trabalhar. O trabalho na fábrica era aceito como uma tarefa. As características da obediência e da submissão eram transportadas para o ambiente de trabalho. Elas não decidiam sobre a sua vida, alguém decidia por elas. O salário ganho era entregue, muitas vezes na própria fábrica, diretamente aos pais. Sem liberdade e sem autonomia para reagir diante da autoridade paterna ou paternal, elas ajustavam-se ao sistema de relações de trabalho que lhes era imposto (BOSCHILIA, 1997, p. 123). Uma vez livre, independente e pensante por si só, não foi suficiente para conquistar a verdadeira igualdade. Existe um pensamento até mesmo no séc. XXI de que as atividades domésticas pertencem à mulher. Decidindo ela por trabalhar fora, ela terá que conciliar com as atividades do lar e filhos, que não são poucas. Os homens, aos poucos, vêm compreendendo que da mesma forma que as mulheres contribuem no orçamento doméstico, a responsabilidade pelas atividades do lar também precisam ser divididas para que não sobrecarregue nenhuma das partes. Contudo, após uma longa história, todo processo de mudança é também lento e demorado no que tange à conquista da igualdade de gênero. O ingresso das mulheres no mundo do trabalho, ao contrário das expectativas femininas, significou antes de mais nada a dupla jornada de trabalho – acumularam-se as tradicionais tarefas domésticas e novas responsabilidades no emprego. O passo dado pelas mulheres em direção à esfera pública, portanto, não teve correspondência dos homens em direção à esfera privada (RONCAGLIO, 1997, p. 75). Por seu lado, as mulheres esperam que exista da parte dos homens a consciência da cooperação, o sentimento de reciprocidade pelo empenho delas se desdobrarem a conseguir cumprir todos os seus papéis. Caso não haja colaboração mútua de ambos os gêneros, poderão ocorrer naturalmente os conflitos. Liderança eclesiástica evangélica feminina Com relação ao campo ministerial eclesiástico, no tocante à atuação das mulheres como pastoras e pregadoras, foi possível perceber, ao longo da história da Igreja evangélica, como era perceptível o desempenho das mulheres no ministério em diversas denominações. Sua disposição era bastante atuante e assumiam responsabilidades. Há denominações que não 405 admitem cargos de liderança à mulher, mas isso não é posição unânime, pois outras reconhecem a dedicação e empenho manifestado pelas mulheres. David Yonggi Cho no início do ministério diagnosticou que as mulheres respondiam primeiro e que faziam o trabalho com mais qualidade e responsabilidade que os homens. Isto fez com que ele quebrasse os dogmas e preconceitos culturais da Coréia, em relação à liderança e ao pastorado feminino. Hoje na sua igreja, com mais de setecentas mil pessoas, o potencial feminino é o grande destaque de crescimentodo Reino de Deus naquele país (AMAZONAS, 2001 p. 41). A própria Bíblia, considerando o fato de ela ser a base da fé cristã e também o fundamento de muitos preconceitos, devido a determinadas interpretações que dela se faz até hoje, mostra como foi parte da atuação feminina. Muitas igrejas ignoram a história que favorece as mulheres, pois estão limitadas a um contexto histórico social que por muito tempo não favoreceu a manifestação feminina. Embora integrantes de uma sociedade patriarcal, algumas mulheres tiveram participação na estrutura familiar. Conseguiram se sobressair, utilizar sua criatividade e talento, tendo os seus nomes reconhecidos na Bíblia. Figuras femininas na Bíblia puderam deixar exemplos para as mulheres de qualquer geração. Mulheres como Sara que pela fé gerou a Isaque, dando início a formação da nação israelita, quando não mais ovulava. Descrita na galeria dos heróis da fé em Hebreus 11. […] Ana, […] orou incessantemente a Deus, pedindo para engravidar, fez um pacto com Ele. Esse pacto consistiu em dar o filho, depois de cumprido o tempo, de entregá-lo para servir a Deus no templo. Conforme I Samuel 1,1-25. Raabe, a prostituta, que a despeito do estigma de sua profissão, foi capaz de dar cobertura aos espiões de Israel, e crendo na promessa de sua casa ser poupada e assim fazer parte da linhagem que leva até ao rei Davi. Conforme Josué 2. Débora, que ocupou um lugar de destaque na liderança entre o povo, tida como profetiza e juíza […], conforme Juízes 4,4-10. Hulda, a profetiza, cuja incumbência foi decifrar o rolo contendo o livro da lei encontrado no templo, durante uma reforma feita no período do rei Josias, em 621 a.C., da tribo de Judá (NOBREGA, 2011). O Antigo Testamento fala que as mulheres também exerceram ministérios. Miriam era profetiza do Senhor. Exerceu plenamente seu ministério e teve o reconhecimento do povo e de Deus. Influenciou o povo e foi um exemplo. Ester foi escolhida por Deus para livrar e salvar o povo. Teve ousadia para entrar na presença do rei sem ser convocada e este a ouviu, dando a ela autoridade para governar. Raquel era pastora de ovelhas, embora houvesse na sua maioria pastores, existiam mulheres que apascentavam ovelhas e sabe-se que ela muito se destacou. Jesus Cristo valorizou as mulheres no Novo Testamento. Numa cultura onde as mulheres não eram consideradas, Jesus resgatou a sua dignidade. Muitas religiões ainda hoje menosprezam as mulheres, mas o Cristianismo mostrou que diante de Deus não há distinção. 406 São mulheres dignas de nota e exercem influências até os dias atuais: O Cristianismo declarou que homem e mulher são iguais diante de Deus (Gl 3,28). O próprio Jesus possuía um grupo de mulheres que lhe serviam com os seus bens e lhe prestavam assistência (Lc 8,1-3). Jesus quebrou o protocolo em diversas ocasiões, quando absolveu e justificou muitas mulheres discriminadas pela própria religião judaica [...]. Foi tocado por uma mulher impura, e perdoou o seu pecado (Mt 9,19-22). Aceitou ser beijado por uma mulher pecadora, e perdoou o seu pecado (Lc 7,36-48). Conversou sozinho com uma mulher samaritana, e lhe ofereceu a vida eterna (Jo 4,6-42). A religião rabínica degradava a posição da mulher. Rabino algum teria se “rebaixado” para instruir uma mulher, sendo sobretudo uma mulher samaritana, como Jesus fez. Absolveu uma mulher pega em flagrante adultério, e a perdoou (Jo 8,1-11). Quatro mulheres indignas fizeram parte da Genealogia de Jesus: Tamar, Raabe, Rute e Bate-Seba (Mt 1,3.5.6.16). As mulheres permaneciam ativas na Igreja Primitiva, perseverando em oração (At 1,14). As mulheres foram as primeiras a verem Jesus Ressuscitado (Mt 28,1-10). As mulheres eram grandes trabalhadoras do Evangelho (Fp 4,3). E, muitas dessas mulheres foram citadas pelo apóstolo Paulo (Rm 16,3-6.12) (JESUS, 2008). O Novo Testamento apresenta muitas mulheres que trabalharam na construção inicial do Reino de Deus. Jesus quebrou preconceitos, pois naquele tempo os homens não se dirigiam às mulheres na rua e ainda assim, atendeu a sua súplica. Febe foi um exemplo na assistência social. Ela servia na igreja e nas casas, sem cessar. Priscila foi uma referência de serviço e lembrada por seu conhecimento do Evangelho. Rifena e Trifosa foram destaques no evangelismo, pois desempenhavam funções de liderança e de pregação do Evangelho. Renunciaram suas vidas para anunciar o evangelho, tanto que foram aprisionadas. Existem em diversas denominações impedimento para que as mulheres preguem, sejam pastoras ou líderes. A elas só é permitido exercer algumas das funções tidas como masculinas quando na ausência do líder masculino. Temos também a história da missionária Leonete Cunha, hoje pastora do MIR que trabalha comigo na Rede de Mulheres. Ela trabalhou alguns anos nos sertões nordestinos, ganhando vidas, pastoreando, visitando, cuidando, orando, jejuando, ensinando àquele povo, mas, na hora de ministrar a ceia ou batizar, um obreiro provisionado era convocado para aquele momento (AMAZONAS, 2001, p. 133). Muitas mulheres rompem os preconceitos e se firmam na crença de que o propósito de Deus é usar a todos, desde que haja um compromisso com o Reino de Deus. Elas compreendem os textos bíblicos que recusam a sua atuação no ministério como sendo direcionado àquela época, quando as mulheres não possuíam a liberdade e independência que hoje já foi conquistada. 407 A compreensão da função da mulher fundamentada na Bíblia Para alguns autores, o maior argumento que sustenta o preconceito contra a atuação feminina no ministério eclesiástico baseia-se em textos extraídos da própria Escritura. Oliveira afirma que a Escritura não pode ser contestada, pois se está escrito, é pra ser obedecido. Esquece-se, porém, que o texto precisa ser interpretado. O autor ainda deixa explícito que a menção feita pelo apóstolo Paulo foi proferida num período sem preconceitos. Antes de mais nada, convém notar que há proibição taxativa, que não deve ser ignorada nem transgredida por quem quer que seja, como passamos a verificar. Escrevendo a Timóteo, Paulo faz uso de sua autoridade apostólica, e ordena: “A mulher aprenda em silêncio, com toda submissão. E não permito que a mulher ensine, nem que exerça autoridade sobre o marido; esteja, porém, em silêncio” (1Tm 2,11-12) (...) É preciso não esquecer, que estes preceitos discriminativos que estabelecem as distâncias ou limites de autoridade – entre o homem e a mulher procedem do Novo Testamento, quando a mulher já estava liberta dos preconceitos sociais, pela autoridade e pela graça de Jesus (OLIVEIRA, 1983, p. 149;151) [grifo do autor]. Embora o texto mencionado anteriormente tenha sido escrito no Novo Testamento, as palavras de Paulo à cidade de Corinto e também a Timóteo, fonte principal de toda argumentação contra a mulher atuar no ministério cristão, foi dirigido a um povo determinado, num lugar delimitado e principalmente, numa época específica. Assim, é contra os métodos de interpretação bíblica fundamentar doutrinas em textos isolados. Conforme Geisler (1999, p. 14): “Primeiro, não devemos construir uma doutrina com base numa passagem obscura. (...) Se algo for importante, isso será ensinado nas Escrituras de forma bem clara, § [SIC] provavelmente em mais de um lugar”. Há muitas polêmicas em torno do texto encontrado na carta de Paulo aos Coríntios: “As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei” (1Co 14,34) e ainda: “A mulher aprenda em silêncio, com toda sujeição” (1Tm 2,11). Para esclarecer, Champlin menciona: Precisamos levar em conta que parte destes ensinamentos estava debaixo de um contexto social característico da época em que Paulo vivia. Naquela estrutura social, e, portanto, na estimativa da maioria dos homensjudeus, as mulheres não eram tidas em conta. Muitos rabinos até duvidavam que as mulheres tinham alma. Um escravo podia ler as Escrituras nas sinagogas, mas a mulher judia não tinha essa permissão; até mesmo uma criança do sexo masculino poderia fazer a leitura, caso fosse capaz de fazê-lo, mas não as mulheres [...]. Na realidade, os rabinos radicais afirmavam: “É preferível queimar a lei do que ensinar uma mulher” (CHAMPLIN apud AMAZONAS, 2001, p. 104-105). É um equívoco hermenêutico interpretar os textos sagrados de forma a defender uma opinião baseada em preconceitos de gênero, principalmente em pleno séc. XXI, 408 desvalorizando a importância da mulher, principalmente ignorando o ato da criação quando Deus considera ambos, macho e fêmea. Há uma corrente que afirma que a origem deste preconceito contra a mulher até dentro da igreja parte do livro Gênesis, quando fala que o homem deve dominar a Terra. No entanto, é possível estudar cada versículo para fazer a correta interpretação. No versículo: “E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra” (Gn 1,28). Está explícito que Deus deu a ordem a ambos: macho e fêmea, ou seja, os dois devem exercer autoridade, um auxiliando o outro para administrar os bens deixados por Deus. Se o homem ou a mulher quiser dominar um sobre o outro, não está agindo conforme os propósitos da Criação. […] a ordem de Deus para o macho e a fêmea foi: “Dominai”. Nós fomos vocacionados por Deus para dominar. Domínio fala de governo, de liderança em todas as áreas: familiar, política, governamental, empresarial, econômica, educacional e religiosa (AMAZONAS, 2001, p. 43). Textos isolados deram espaço a interpretações fora de contexto. É importante compreender que a mulher que vive sob domínio e jugo do homem não consegue cumprir o plano original da criação, a saber, atuar como auxiliadora e governar junto ao homem. Vários autores utilizam diversos textos para fundamentar uma concepção machista, o que lhes coloca em posição superior às mulheres, baseando os seus argumentos em textos isolados sem analisar o contexto em que os textos foram escritos. Max Küchler (1986, p. 114) examinou algumas passagens das cartas do Novo Testamento e perguntou por que os argumentos misóginos eram tão poderosos. Ele concluiu que isto aconteceu graças a uma exegese 3 criada pelos homens para os homens, que interpretou e recontou a Bíblia para prejudicar as mulheres. Estes exegetas aproveitaram todas as chances de interpretar quaisquer peculiaridades, na forma ou no conteúdo, de tal modo que as mulheres fossem mantidas em seu lugar no que se refere à conduta e à posição, bem como à confiança e aos direitos, e então apresentaram a ética bíblico-judaica como plano de Deus para a criação (KÜCHLER apud STRAUMANN, 2000, p. 72). A Bíblia, embora inspirada por Deus, foi escrita numa época em que os homens eram os líderes da sociedade, atuantes e os únicos que exerciam posição e governavam. Pode-se compreender que muitos textos foram influenciados pela cultura da época, logo, pelo patriarcalismo. É relevante afirmar que na época em que a Bíblia foi escrita já havia preconceitos com relação à mulher. Elas eram oprimidas, mas de forma sutil. Os homens eram 3 Exegese é a interpretação e análise profunda de um texto, considerando o contexto histórico, social, cultural em que ele foi escrito. 409 destaques em todas as áreas. As mulheres tinham pouca ou nenhuma chance de atuar de forma diferente a que já estava estabelecida. E esta visão perdurou na sociedade por muitos anos. O patriarcado, intimamente associado com hierarquia, é um modo de ordenar a realidade de forma que um grupo, no caso o sexo masculino, é tido como superior ao outro, o sexo feminino (...) A opressão costuma ser sutil numa cultura patriarcal (...) A estereotipagem das funções dos sexos foi legitimada por muitas religiões e pela sociedade ocidental durante milênios. As mulheres que extrapolam o “seu lugar” e assumem posições normalmente reservada aos homens são “exceções”. As exceções podem até ser louvadas pelos homens – enquanto permanecem exceções. Mas quando há perigo de que a exceção se torne a norma, os homens se rebelam. Consequentemente, o patriarcado funciona melhor quando o sexo oprimido, o sexo feminino, suporta o status quo e opta pela segurança que sua função oferece (LAFFEY, 1994, p. 10) [grifo do autor]. Compreendendo que os textos foram escritos por uma cultura que transmitiu marcas do preconceito e estabeleceu isto como verdade imutável, eles precisam ser reinterpretados para encontrar o seu sentido original. Este recurso é indispensável para investigar o fiel propósito para o qual o texto foi escrito. Uma vez que os textos bíblicos são historicamente condicionados e foram elaborados por uma sociedade patriarcal, eles são de índole patriarcal. Por isso devem ser lidos com suspeita [...] Aqueles aspectos dos textos que reforçam a relegação das mulheres pela Igreja e pela sociedade a uma posição inferior (i.é, tudo que vai desde a poligamia até a assemelhação da iniquidade de Israel à prostituição) deve ser denunciado, e se possível, reinterpretado (LAFFEY, 1994, p. 11). Portanto, faz-se necessário uma reflexão para compreender os acontecimentos da história, sem desconsiderar os contextos da época, para somente então formular uma opinião acerca da atuação feminina no ministério eclesiástico ou em qualquer outro campo da sociedade. Para tanto, qualquer ideia, crença ou visão devem estar fundamentadas em princípios analisados por meio de interpretação aprofundada e abrangente para não incorrer nos mesmos erros cometidos pelos nossos antepassados, quando engessaram a atuação feminina, impedindo-as de contribuir para o progresso econômico e intelectual da sociedade, assim como retardaram o crescimento, propagação e proclamação do evangelho de Jesus Cristo. Conclusão A sociedade atual ainda enfrenta preconceitos e discriminação com relação à figura feminina. Isto é possível perceber nos lares, onde mesmo a mulher possuindo trabalho externo remunerado, a maior parte das atividades domésticas, bem como a educação dos filhos, recai exclusivamente ou majoritariamente sobre os seus ombros, duplicando a sua jornada de 410 trabalho. Em nossa sociedade, a mulher embora avançando consideravelmente na carreira profissional, inclusive já está comprovada que a maior parte das cadeiras universitárias a elas pertence, ainda assim, em outras atividades pode chegar a receber menores salários exercendo a mesma função do homem. No ministério eclesiástico, ainda existe preconceito em algumas denominações em confiar às mulheres um cargo de liderança. Em outros casos, a liderança é amplamente concedida, porém trabalha sem receber uma remuneração ou reconhecimento específico sobre o trabalho realizado, quando são esposas de líderes ou pastores (embora muitas vezes sejam chamadas de pastoras, em sua igreja). O texto apresentou a origem destas discriminações, nossos antepassados comprovam que por séculos a mulher possuía uma função pré-estabelecida. Seu papel era de gerar filhos, cuidar do lar e satisfazer as necessidades de seu esposo. Sua condição era de total dependência e submissão ao homem. Impedida de sonhar, de aspirar um futuro mais agradável que viesse a valorizá-la. Depois de muito tempo, mulheres se unem para encontrar espaço profissional para si em um mundo ditado por homens. Foram anos de lutas para que tivessem os seus direitos respeitados e seus esforços reconhecidos. A total liberdade ainda não foi alcançada, mas gradativamente ela vem sendo conquistada e ampliada. A pesquisadestacou ideias nas quais se fundamentam autores contrários à liderança feminina na Igreja. Seus argumentos estão respaldados na Bíblia. Por meio de uma interpretação minuciosa bíblica foi possível observar que alguns textos bíblicos foram influenciados pelo patriarcado, ou seja, pela cultura predominantemente masculina que produziu sua interpretação, pois se tratava de um contexto onde as mulheres não tinham autoridade, eram totalmente submissas, diferente da cultura nos tempos atuais. Para contrapor os argumentos que impedem as mulheres de atuar na Igreja, o presente artigo proporcionou um retorno à história e aos textos bíblicos a partir de outro olhar, o da hermenêutica histórica-crítica demonstrando que mesmo no Antigo, como no Novo Testamento, as mulheres já exerciam funções de liderança no ministério eclesiástico. Assim, é possível compreender que a mulher foi criada para governar ao lado do seu esposo, com respeito, igualdade, auxiliando-o nas suas atividades. Da mesma forma que o dom da liderança não pertence a todos os homens, algumas mulheres foram dotadas de habilidades que a tornam eficientes administradoras. Isto não é, porém, regra para todas. 411 Referências AMAZONAS, E. Por que disseram que mulher não pode ser pastora? Manaus: Semente de Vida Produções, 2001. BOSCHILIA, R. Mulheres descendentes de imigrantes e o espaço fabril in: TRINDADE, Etelvina M. C.; MARTINS, Ana Paula Vosne. Mulheres na história: Paraná – Séculos 19 e 20. 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