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ENTRE_MURALHA_GRADES_E_VIVENCIAS_UMA_ETN

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Prévia do material em texto

INSTITUTO SUPERIOR DE TEOLOGIA APLICADA – INTA 
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE 
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL 
 
 
 
 
FRANCISCO ELIONARDO DE MELO NASCIMENTO 
 
 
 
 
 
ENTRE MURALHA, GRADES E VIVÊNCIAS: UMA ETNOGRAFIA DA 
RESSOCIALIZAÇÃO NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL DE SOBRAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SOBRAL - CEARÁ 
2015 
 
 
 
 
FRANCISCO ELIONARDO DE MELO NASCIMENTO 
 
 
 
 
 
 
ENTRE MURALHA, GRADES E VIVÊNCIAS: UMA ETNOGRAFIA DA 
RESSOCIALIZAÇÃO NA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL REGIONAL DE SOBRAL 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Curso de 
Serviço Social, do Centro de Ciências da 
Saúde, das Faculdades do Instituto Superior 
de Teologia Aplicada - INTA, como requisito 
parcial para obtenção do título em Bacharel 
em Serviço Social, sob a orientação do Prof. 
Me. Antônio Diogo Cals de Oliveira Filho. 
 
 
 
 
 
SOBRAL-CEARÁ 
2015 
 
 
Monografia apresentada ao curso de Serviço Social, do Instituto Superior de 
Teologia Aplicada – INTA. 
 
 
___________________________________________ 
Francisco Elionardo de Melo Nascimento 
 
Aprovado em___/___/____ 
 
_______________________________________________ 
Professor Ms. Antônio Diogo Cals de Oliveira Filho 
Orientador 
 
_______________________________________________ 
1º Examinador(a) Profa. Ms. Francisca Lopes de Souza 
 
_______________________________________________ 
2º Examinador(a) Profa. Ms. Juliana Magalhães Linhares 
 
 
 
 
________________________________________________ 
Professora Ms. Francisca Maria dos Santos 
Coordenadora do Curso 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho em especial aos meus 
amigos e colegas Agentes Penitenciários, 
guerreiros e guerreiras do sistema prisional 
cearense. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 Este trabalho não seria o mesmo nem teria a mesma intensidade se não 
fosse à contribuição e a paixão de muitas pessoas que passaram e se mantiveram 
na minha vida. Chegou a hora de olhar para traz e ver como tudo começou, foi uma 
trajetória difícil e desafiadora, mas também saborosa. 
 Dedico este trabalho em especial aos meus pais, guerreiro e guerreira, que 
não mediram esforços em suas lutas diárias em tempos de precariedade para 
educar seus doze filhos. 
 Aos meus irmãos Elizabete, Ermeson, Edvaldo, Elton, Ednaldo, Ednardo, 
Elane, Elaine, Edilene, Tiago e a minha querida irmã Elizene com que compartilhei 
muitas angustias, problemas e alegrias na vinda a Sobral. 
 Dizem que irmãos também são escolhidos, pois é Jorge é um irmão que eu 
escolhi ter. Tivemos uma proximidade desde o primeiro semestre da faculdade, mas 
a partir do terceiro semestre vieram mais dois irmãos, Laércio e Rosa, juntos 
compartilhamos muitas dificuldades no decorrer do curso, mas acima de tudo 
compartilhamos afetos, alegrias, descobertas e preservamos uma amizade que creio 
que dure um longo tempo, se não a eternidade. 
 Ao meu querido orientador e amigo Diogo Cals, por muitas vezes que lhe 
procurei para tirar dúvidas ou para compartilhar ―achados‖, por ter me acolhido em 
um momento de aflição e ter acalmado minha impaciência com o tempo, por ter 
compartilhado comigo uma pequena parte da sua enorme generosidade e 
conhecimento. Afirmo com toda sinceridade: MUITO OBRIGADO! 
 Aos meus professores que me iluminaram em toda a trajetória do curso, a 
minha querida Rita Monteiro que sempre me ilumina com seus conselhos e sua 
sapiência, ao Felipe Franklin por ter me despertado a doce compulsão por leituras, a 
Claúdia costa por ter me ensinado como encarar dez atividades juntas de forma 
consciente, a Isabele Rocha por ter me ensinado a doçura na arte de ensinar, a 
Raquel Jales pela sua saudosa competência profissional e ética, a Francisca Lopes 
por sua generosidade, competência e disponibilidade, eis uma pessoa admirável. 
 Por fim, agradeço a direção da PIRS por permitir que a pesquisa fosse 
realizada, mas também pela disponibilização de informações restritas a instituição. 
Aos meus queridos Agentes penitenciários que contribuíram com suas entrevistas 
para o enriquecimento deste trabalho. A todos os envolvidos: MUITO OBRIGADO! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
―Propomo-nos a fazer saber o que é a 
prisão: quem entre nela, como e por que se 
vai parar nela, o que se passa ali, o que é a 
vida dos prisioneiros, e igualmente, a do 
pessoal de vigilância, o que são os prédios, 
a alimentação, a higiene, como funcionam, 
se sai dela e o que é, em nossa sociedade, 
ser um daqueles que saiu.‖ (Manifesto do 
Grupo de Informações sobre a Prisão – J-M. 
Domenach, M. Foucalt, P. Vidal-Nequet, 
Paris, 08.02.1971). 
 
A prisão não permite muito tempo para se 
refletir sobre ela mesma, porque a prisão é o 
caos, alias, caos é seu próprio sentido e sua 
própria ordem. (SÀ, 2009, p. 16). 
 
 
RESUMO 
 
O objetivo desta pesquisa foi analisar as técnicas e estratégias utilizadas para a 
ressocialização de presos, a partir da percepção dos Agentes Penitenciários da 
Penitenciária Industrial Regional de Sobral (PIRS). Analisei o cotidiano dos 53 
Agentes Penitenciários, distribuídos em quatro equipes diferentes no período total de 
30 dias, sendo realizadas entrevistas semiestruturadas com 6 Agentes. As 
observações, de matiz etnográfico, que incluíram ações, gestos, palavras e 
ambiente físico, foram registradas em cadernos de campo. A análise das 
observações foi realizada de forma reflexiva a partir da Lei de Execução Penal (LEP) 
e subsidiada por estudos das prisões e das relações grupais no interior do cárcere. 
A sistematização das análises permitiu inferir que: i) o ambiente das prisões é 
esquadrinhado por disputas das gangues, tráfico de drogas e precariedade na sua 
estrutura física; ii) as más condições de trabalho são caracterizadas pela falta de 
treinamento e equipamentos essenciais para a atuação dos profissionais de 
segurança e outros no cárcere; iii) a precarização e pauperização do espaço com a 
fragilidade das estruturas e a falta de profissionais da segurança dificulta a execução 
das atividades voltadas a ressocialização dos presos; iv) o estado é negligente 
quanto a oferta de trabalho, capacitação profissional e assistências (educacional, 
saúde, material, psicossocial e jurídica). A pesquisa revelou a fragilidade na 
execução das técnicas e estratégias proposta para a ressocialização dos presos, 
sendo executadas de forma precária e com pequena abrangência, além da 
inobservância de parâmetros referentes à manutenção e tratamento, previstos na 
LEP e outros documentos legais (nacionais e internacionais) referentes à 
normatização do funcionamento dos estabelecimentos prisionais. De fato, A 
ressocialização é encarada na PIRS como um fator secundário da execução da 
pena privativa de liberdade. 
 
Palavras-Chave: Prisão; Punição; Ressocialização. 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The objective of this research was to analyze the techniques and strategies used for 
the rehabilitation of prisoners, from the perception of Penitentiary Agents of the 
Industrial Penitentiary Regional Sobral (PIRS). I analyzed the daily lives of 53 
Correctional agents, divided into four different teams in total period of 30 days, semi-
structured interviews being conducted with 6 agents. The observations of 
ethnographic hue, which included actions, gestures, words and physical environment 
were recorded in field notebooks. The analysis of the observations was held 
reflectively from the Law on Penal Execution (LEP) and subsidized by studies of 
prisons and group relationships inside the prison. The systematization of analyzes 
allowed to infer that: i) the environment of prisons is scanned by disputes of gangs, 
drug trafficking and insecurity in their physical structure; ii) poor working conditions 
are characterized by a lack oftraining and essential equipment for the work of 
security professionals and others in the prison; iii) the precariousness and 
impoverishment of space with the fragility of the structures and the lack of security 
professionals hinders the implementation of activities aimed at rehabilitation of 
prisoners; iv) the state is negligent as labor supply, job training and assists 
(educational, health, material, psychosocial and legal). The survey revealed the 
weakness in the implementation of techniques and proposed strategies for the 
rehabilitation of prisoners , running precariously and with little coverage , as well as 
non-compliance with parameters for maintenance and treatment provided for in the 
LEP and other legal documents (national and international ) regarding the regulation 
of the operation of prisons . Indeed, the rehabilitation is seen in PIRS as a secondary 
factor in the execution of the sentence of deprivation of liberty. 
 
Keywords: Prison; Punishment; Resocialization. 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO...................................................................................................11 
 
CAPÍTULO I. METODOLOGIA.......................................................................... 14 
1.1 Entrada no campo........................................................................................14 
1.2 Procedimentos metodológicos e éticos ...................................................... 19 
1.3 Lócus da pesquisa ..................................................................................... 23 
1.4 Perfis dos entrevistados ............................................................................. 28 
 
CAPÍTULO II. PUNIÇÃO E ―RESSOCIALIZAÇÃO‖: DESAFIOS HISTÓRICOS E 
CONSTRUÇÃO DAS PRISÕES NO BRASIL ................................................... 31 
2.1 Abordagem histórica sobre as punições: do suplício á reclusão ................ 31 
2.2 A constituição das prisões: controle dos corpos e ―ressocialização‖ .......... 33 
2.3 Prisões e ―ressocialização‖ no Brasil .......................................................... 37 
2.4 Prisões no Ceará ........................................................................................ 41 
 
CAPÍTULO III. OLHARES E VIVÊNCIAS DOS AGENTES PENITENCIÁRIOS: 
PUNIÇÃO E ―RESSOCIALIZAÇÃO‖ EM QUESTÃO ........................................ 46 
3.1 Aspectos sobre a profissão Agente Penitenciário........................................46 
3.2 Punições e relações de poder no cotidiano da PIRS...................................52 
3.3 Entraves da ressocialização na PIRS..........................................................64 
3.3.1 Considerações dos entrevistados sobre ressocialização.........................64 
3.3.2 TrabalhoErro! Indicador não 
definido.....................................................................................................68 
3.3.3 Educação escolar......................................................................................70 
3.3.4 Assistência à saúde...................................................................................72 
3.3.5 Assistência Material...................................................................................73 
3.3.6 Assistência religiosa..................................................................................75 
3.3.7 Visita Íntima e social..................................................................................76 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... .......79 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................81 
APÊNDICES ..................................................................................................... 78 
 
ANEXOS .......................................................................................................... 89
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
(...) Tempo virá. Uma vacina preventiva de erros e acertos se fará. As 
prisões se transformarão em escolas e oficinas. E os homens, imunizados 
contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do 
futuro, estórias absurdas de prisões, celas, altos muros, de um tempo 
superado. (CORALINA, 1983) 
 
 Pretendemos, neste trabalho, analisar a percepção dos Agentes 
Penitenciários sobre as técnicas e estratégias para a ressocialização dos presos na 
Penitenciária Industrial Regional de Sobral - PIRS. 
 Este estudo partiu da complexa conjuntura das prisões brasileiras, em sua 
maioria, caracterizadas pelas grandes deficiências em sua operacionalização. 
Superlotação, deterioração das condições de habitabilidade no interior das prisões, 
precariedade nos serviços, falta de profissionais de segurança, insuficiência nos 
programas e projetos de educação escolar e trabalho. Destaca-se o 
descumprimento da Lei de Execução Penal - LEP, normativa das prisões a nível 
nacional que prevê todos os parâmetros para a manutenção e tratamento das 
pessoas em situação de encarceramento no Brasil. 
 Vive-se, atualmente, uma complexa conjuntura nas prisões, por se tratar de 
―instituições totais‖1 (GOFFMAN, 1974) e designam aspectos de ―instituições 
completas e austeras‖2 (FOUCALT, 1987). Esta conjuntura destaca o grande número 
 
1
 Para Erving Goffman são estabelecimentos fechados em que o seu caráter total é simbolizado pela barreira à 
relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema 
físico – por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. 
Segundo ele, as instituições totais de nossa sociedade podem ser enumeradas em cinco agrupamentos: 
instituições criadas para cuidar de pessoas que, segundo se pensa, são incapazes e inofensivas (casa para 
cegos, velhos, órfãos e indigentes); locais estabelecidos para cuidar de pessoas consideradas incapazes de 
cuidar de si mesmas e que são também uma ameaça à comunidade, embora de maneira não-intencional 
(sanatórios para tuberculosos, hospitais para doentes mentais e leprosários); instituição organizada para 
proteger a comunidade contra perigos intencionais, e o bem estar das pessoas assim isoladas não constitui o 
problema imediato (cadeias, penitenciárias, campos de prisioneiros de guerra, campos de concentração); 
instituições estabelecidas com a intenção de realizar de modo mais adequado alguma tarefa de trabalho, e que 
se justificam apenas através de tais fundamentos instrumentais (quartéis, navios, escolas internas, campos de 
trabalho, colônias e grandes mansões); e, por último, os estabelecimentos destinados a servir de refúgio do 
mundo, embora muitas vezes sirvam também como locais de instrução para os religiosos (abadias, mosteiros, 
conventos e outros claustros) (GOFFMAN, 1974, p. 16-17). 
2
 Para Foucault (1987) são os espaços prisionais que incidem em fazer da detenção a pena por excelência, 
induz processos de dominação, característicos de um tipo particular de poder. Assim o trabalho penal é pensado 
como um mecanismo de adequação, no sentido de transformar o sujeito rebelde, transgressor, irrefletido em uma 
peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade na sociedade capitalista. 
12 
 
de indivíduos reincidentes a criminalidade, apontando deficiência em um dos 
objetivos da pena: ressocializar. A população carcerária brasileira em março de 2014 
já chegava a 574.000, desse total segundo o ministro Cezar Peluso cerca de 70% 
dos presos brasileiros são reincidentes na criminalidade. Em se tratando do estado 
do Ceará, em dezembro de 2014 o número presos era de 21.320 e segundo o 
Censo Penitenciário do Ceará realizado entre os anos de 2013 e 2014, apontou que 
cerca 55,1% dos indivíduos entrevistados eram reincidentesna criminalidade3. 
Nessa perspectiva, justifica-se uma análise de como se dá a operacionalização das 
técnicas e estratégias utilizadas para a ressocialização e reinserção dos presos a 
sociedade, pautados essencialmente pelo trabalho e educação escolar. 
 O estudo justifica-se por tratar de um dos maiores problemas do sistema 
penitenciário, se não o maior, o grande número de presos reincidentes a 
criminalidade, mas também por englobar os dois grupos que vivem nestes espaços: 
presos e Agentes Penitenciários. 
 
Os Agentes Penitenciários são responsáveis, no seu dia a dia, por uma 
dupla e contraditória tarefa: promover, junto com outros funcionários nessas 
instituições, os meios possíveis de ressocialização e reintegração social 
daquelas pessoas que cometeram crimes puníveis com a pena de reclusão, 
e, ao mesmo tempo, manter e preservar a ordem, a disciplina e a própria 
integridade física, psíquica e moral dos internos que, geralmente habitam e 
vivem no interior das prisões, em condições desumanas e degradantes 
(LOURENÇO, 2010, p.13, grifos nossos). 
 
 Minha aproximação com o tema se deu em 2011 quando pleiteei uma vaga 
no concurso de carreira para Agente Penitenciário no estado do Ceará. Somente em 
março de 2013 iniciei o exercício funcional na Penitenciária Industrial Regional de 
Sobral – PIRS, onde continuo desenvolvendo minhas atribuições como profissional 
da segurança penitenciária. O Espaço é marcado por entraves comuns a outros 
estabelecimentos prisionais e engloba características peculiares como: disciplina, 
baixo quantitativo de profissionais, superlotação, estrutura precária e desassistência 
tantos aos presos como aos Agentes Penitenciários. 
 
3
 Os dados estatísticos terão uma explanação detalhada nos itens 2.3 e 2.4. 
13 
 
 A pesquisa baseia-se em uma abordagem essencialmente qualitativa, utiliza 
como procedimentos metodológicos a incursão etnográfica fragmentada na 
observação participante, diário de campo e entrevista semiestruturada4. 
 Utilizamos como base teórica para o estudo, ora apresentado, as categorias: 
prisões, punição e ressocialização. Para uma abordagem sobre as prisão e punição, 
utilizamos Foucault (1987), Foucault (2009), Goffman (1974), Maia et al (2009), 
Wacquant (2001), Wacquant (2007), Lourenço (2010) e Bauman (2005). Já para a 
categoria ressocialização utilizamos autores como: Lourenço et al (2013), Gomes 
(2009), Carvalho (2009) e Coelho (2012). 
 No primeiro capítulo procuramos descrever e caracterizar o espaço e os 
sujeitos da pesquisa com observações do período da incursão em campo. 
Inicialmente, Com uma ―descrição densa‖ (GEERTZ, 2008) de como se deu a 
entrada no campo para a incursão etnográfica e posteriormente, traçando uma 
abordagem detalhada sobre os procedimentos metodológicos, éticos, caracterização 
do espaço da pesquisa, impressões do período de coleta de dados e perfil dos 
entrevistados. 
 No segundo capitulo, nos propomos a resgatar aspectos históricos das 
punições, da constituição das prisões e da ressocialização caracterizando aspectos 
e discussões pontuadas por autores que estudam a temática. Inicialmente com uma 
abordagem histórica sobre as punições (dos suplícios a reclusão) e posteriormente, 
com constituição das prisões, dos aspectos das prisões brasileiras, dos mecanismos 
de ressocialização e pontuando características das prisões no estado do Ceará. 
 Já no terceiro e último capítulo, formulamos um debate profícuo acerca da 
punição e ressocialização na PIRS que se deu a partir da análise dos discursos dos 
entrevistados, dados oficiais e observações do pesquisador. Nessa perspectiva, 
elementos constituintes na LEP (trabalho, educação escolar, visita religiosas, 
assistência material, assistência à saúde e visitas íntima e social) com fins a 
ressocialização foram elencados nas discussões. 
 Por fim, serão expandidas as conclusões desta pesquisa, construída numa 
perspectiva antropológica do cotidiano da punição e ressocialização na PIRS, 
visando fomentar o debate sobre a prisão e seus entraves na ressocialização das 
 
4
 Os procedimentos metodológicos serão descritos com riqueza de detalhes no item 1.2. 
14 
 
pessoas em cumprimento de pena privativa de liberdade na referida unidade 
penitenciária. 
 
 
 
CAPÍTULO I. METODOLOGIA 
 
 
A narrativa é o foro da liberdade e da sanidade. 
Embate, encontro, exercício de sentimento: 
sentido no pensamento. 
(Andréa Martini) 
 
 
1.1 Entrada no campo 
 
 
 Acordei com o barulho titilante do celular e logo levantei para um banho frio. 
Era chegada a hora de adentrar no campo para a imersão etnográfica. Seria o 
primeiro dia em campo enquanto pesquisador, haja vista que exerço a função de 
Agente Penitenciário a pouco mais de dois anos e agora estaria construindo um 
novo olhar sobe esse ambiente e suas relações: um olhar antropológico5. 
 Munido das percepções e dos percalços enfrentados pelos etnógrafos na 
entrada do campo de pesquisa levantados por Wagner (2014), onde o antropólogo 
experiencia de um modo ou de outro seu objeto de estudo; seu universo é carregado 
de conceitos e definições particulares que foram anteriormente formuladas pela sua 
própria cultura, suas descobertas só farão sentido se relacionadas aos significados 
 
5 Para Laplatine (2005, p. 25) é importante situar ao leitor sobre os conceitos de etnografia, etnologia e 
antropologia. O autor estabelece a relação entre ambas citando Lévi-Strauss, afirmando que elas constituem os 
três momentos de uma mesma abordagem. A etnografia é a coleta direta, e o mais minuciosa possível dos 
fenômenos que observamos, por uma impregnação duradoura e contínua e um processo que se realiza 
aproximações sucessivas. Esses fenômenos podem ser recolhidos tomando notas, mas também por gravação 
sonora, fotográfica ou cinematográfica. A etnologia consiste em um primeiro nível de abstrações: analisando os 
materiais recolhidos, fazer aparecer à lógica específica da sociedade que se estuda. A antropologia, finalmente, 
consiste em um segundo nível de inteligibilidade: construir modelos que permitam comparar as sociedades entre 
si. ‗Seu objetivo é alcançar, além da imagem consciente e sempre diferente que os homens formam do seu devir, 
um inventário das possibilidades inconscientes, que não existem em número ilimitado‘. Apesar deste trabalho 
não ser de conclusão de um curso em Antropologia, ele segue uma metodologia de pesquisa antropológica, mas 
não apenas, trata-se também de um trabalho que se propõe a um olhar antropológico a partir das relações e 
comportamentos estabelecidos na Penitenciária Industrial Regional de Sobral. Portanto, em alguns trechos o 
autor se denominará como antropólogo e em outros, como etnógrafo, o que não desvirtua nem a proposta 
metodológica, tão pouco o olhar (pensar) que o autor se propõe a estabelecer na formulação do texto. 
15 
 
de sua cultura, caso contrário, sua teoria poderá representar ―anedotas ou fantasias 
desenfreadas‖ (WAGNER, 2014, p. 41). Claro, enquanto pesquisador estava ciente 
do embaraço que causaria no imaginário dos participantes da pesquisa, já que 
desenvolveria pesquisa no ambiente de atuação que também era meu. 
 Embora compreendesse a dimensão das definições e dos conceitos 
anteriormente formulados, ou seja, a carga cultural e ideológica formulada a partir do 
meu olhar como profissional na instituição da pesquisa, logo tentei diferenciar o 
profissional do pesquisador, seja na escolha da roupa e/ou dos comportamentos. De 
fato, escolhi uma roupa clara e sapatos de cor assemelhada, logo me distinguiria do 
uniforme e do coturno essencialmente preto usado pelos Agentes Penitenciários no 
cotidiano de trabalho no cárcere cearense. 
 De certo passava pouco das 07h, justamente quandose iniciaria a abertura 
das vivências6. A Penitenciária Industrial Regional de Sobral - PIRS ficava a poucos 
minutos de minha casa e por isso sairia de moto nesse horário. Após pouco mais de 
dez minutos avistei a imensa parede de concreto. Era a ―muralha‖, de longe 
avistada em decorrência de sua dimensão estrutural e do formato de suas guaritas, 
com pouco mais de quatro metros de altura, o que causava fantasia no (falas da 
população local) imaginário da população local desde o início de sua construção, 
denominando o local como Castelo de Greyscow7. 
 Na recepção encontro um colega Agente Penitenciário, que ao me 
reconhecer, abriu o portão de entrada. Fui recepcionado com um sorriso tímido, 
meio sem entender o que eu estava a fazer ali tão cedo, haja vista que nesse 
período estaria de férias da instituição. Adentrei em direção ao alojamento onde de 
costume os Agentes Penitenciários deixam seus pertences e repousam quando 
conveniente. Voltando, perguntei ao agente da recepção: 
Pesquisador: A abertura das vivências já foi iniciada? 
 
6 É o mesmo que alas, caracterizado por espaço de ―lazer‖, área para refeições, banheiro coletivo e as celas. Na 
PIRS a abertura das celas para o banho de sol inicia pontualmente as 07h30min da manhã, os internos passam 
o dia no pátio das vivências e no final da tarde são recolhidos nas celas para passarem a noite. O ―ritual‖ de 
abertura e trancamento acontece diariamente, situação comum em algumas penitenciárias cearenses. Fato que 
estaria em desacordo com a Lei de Execução Penal – LEP (Lei de nº 7.210/84) que Prevê em seu art. 52, inciso 
IV o direito ao preso de sair da cela por 2 horas diárias para o banho de sol. 
7
 Em referência a um seriado dos anos 80, o castelo tem aparência de uma fortaleza de pedras. Segundo uma 
senhora que visita seu esposo desde a inauguração da PIRS em 2002, afirma que o nome surge no imaginário 
da população local desde o período de sua construção em decorrência da dimensão estrutural do espaço. Antes 
da construção da PIRS, os presos eram recolhidos na antiga Cadeia Pública de Sobral, localizada no centro da 
cidade e com capacidade cinco vezes menor, o local atualmente abriga o 3º Batalhão da Polícia Militar. 
16 
 
Agente Penitenciário: Sim. O pessoal já subiu a vivência8. 
 Segui para o interior da unidade, percurso rodeado de grades, alambrados e 
portões. Até a chegada ao Quadrante 1 - Q19 são no mínimo quatro deles, mas 
todos apenas encostados sem cadeados. No Q1 após desejar um sonoro ―bom dia!‖ 
mais uma vez fui indagado pelo Agente plantonista designado a ocupar naquele dia 
esse posto fixo. 
Agente Penitenciário: Você vai tirar plantão? 
 Meio desconcertado inicialmente, respondo. 
Pesquisador: iniciarei minha pesquisa hoje, como havia falado ontem lembra? 
Agente: ah sim, lembro! 
Pesquisador: Como está o andamento da abertura das vivências? 
Agente: Foi iniciada. 
 Peço a ele para fazer o procedimento de vistoria padrão com o detector de 
metal no meu corpo e sigo meio tímido pelo corredor escuro em direção as 
vivências. Agora teria trocado as minhas ferramentas habituais de trabalho tonfa10, 
algema e chaves por caneta e diário de anotações. Embora existisse uma liberação 
previa quanto ao uso de gravador e câmera fotográfica, preferi não utilizar destes 
recursos de imediato, pois tais instrumentos de campo poderiam inibir ações dos 
Agentes Penitenciários em suas atividades rotineiras. 
 Seguindo em direção as vivências por um largo corredor, passo em frente à 
cozinha e a padaria, alguns internos que desempenham atividades de limpeza no 
interior da unidade estavam ali sentados em um banco de madeira, prontamente me 
cumprimentam: 
Internos: Bom dia Senhor Agente! 
Pesquisador: Bom dia! 
 
8
 O termo ―subiu a vivência‖ é muito utilizado na PIRS em função do relevo do espaço, apresentando elevação 
contínua com a aproximação das vivências. 
9
 Ou Q1 é um espaço divisor entre o ambiente interno e externo, espaço de demarcação simbólica e física que 
estabelece até onde os presos que trabalham nas dependências internas da unidade podem transitar. Local 
específico onde os presos aguardam os atendimentos técnicos (advogado, assistente social, psicólogo) e de 
saúde (dentista, médico, enfermagem). Este espaço também caracteriza-se como posto fixo, onde ficam os 
materiais de trabalho dos profissionais de segurança (algemas, chaves, barras de ferro, tonfas, cadeados e 
outros) e durante todo o dia fica um Agente Penitenciário de plantão regulando o fluxo de pessoas que entram ou 
que saem do interior da unidade. 
10 De acordo com o dicionário Priberam, é uma arma de origem oriental, composta por um bastão fino e 
comprido, com uma pega perpendicular a um terço do comprimento, utilizada em algumas artes marciais e 
também pelas forças de segurança. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/tonfa>. Visualizado em: 31-07-
2015. 
http://www.priberam.pt/dlpo/tonfa
17 
 
 Os internos me olharam meio sem entender o porquê eu estava ali, visto que 
não estava caracterizado como de costume. Não parei para uma conversa e segui 
com o objetivo de acompanhar a abertura das vivências. Seguindo no mesmo 
corredor, agora ficando cada vez mais escuro, ainda com resquícios das marcas de 
fumaça e cinzas da última rebelião ocorrida no inicio do ano de 201511. O cheiro 
forte de urina e de fezes de humanos e de gatos e do lixo jogado na parte externa 
das vivências se misturava em uma mistura já conhecida, e se intensificavam com a 
aproximação das vivências, era extremamente desagradável, porém, bem familiar. 
Aos meados do corredor encontro os Agentes Penitenciários terminando a abertura 
das vivências. De fato aquele ritual já me era rotineiro, sabia todos os procedimento, 
mas de forma integrante da ação, não como observador da ação, situação difícil que 
seria comprovada no decorre do período de incursão no campo, posteriormente nas 
entrevistas e na escrita do texto. Para Wagner (2014, p. 43) o antropólogo de fato 
―inventa‖ a cultura que ele acredita estar estudando, no entanto ―essa invenção só 
se justifica se compreendermos como um processo que ocorre de forma objetiva, por 
meio de observação e aprendizado, e não como uma espécie de livre fantasia‖. 
 Estava com uma sensação de deslocamento em um espaço habitual; as 
implicações seriam diferentes de outrora. De longe um colega grita em tom de 
brincadeira... 
Agente Penitenciário: Lá vem a CGD12 (risos) encruzetar13 os Agentes com seu 
relatório. 
Outro Agente Penitenciário: Ele é aliado dos Direitos Humanos (risos). 
 As afirmações dos colegas me fizeram refletir sobre os entraves que poderia 
encontrar imerso no campo – pensar de forma acadêmica um processo que eu vivia 
cotidianamente. Entraves que foram citados no texto de Wagner (2014, p. 44) ―o 
antropólogo que chega pela primeira vez em campo tende a sentir-se solitário e 
 
11
 A rebelião aconteceu por divergências entre vivências rivais (brigas de gangues), os internos da vivência 3B 
quebraram os portões de segurança com a intenção de enfrentar a vivência 4A (ao lado), encapuzados e 
armados com cossocos (facas artesanais). Ação que foi frustrada pelos internos da vivência atacada; em defesa 
colocaram colchões e atearam fogo para impedir a passagem dos presos da 3B. Enquanto isso, com o intuito de 
conter o massacre, um grupo de Agentes Penitenciários na passarela (piso superior), autorizou os internos 
coagidos pela ação dos agressores a iniciar uma rota de fuga. Essa se caracterizou com a quebra do muro de 
contenção, parede de concreto que separa área interna e externa da unidade. Não satisfeitos com a tentativa 
frustrada do embate, os internos ―rebeldes‖ se dirigiram a vivência 1A, vivência dos trabalhadores e 
predominantemente de presoschamados ―duzentões‖ (estupradores) em referência ao artigo que corresponde 
ao crime cometido. De fato mais uma ação foi frustrada pela autorização do diretor adjunto aos internos da 1A 
em abrir mais uma vez um buraco na parede de contenção entre área externa e interna, tempo suficiente para a 
entrada dos policiais militares e Agentes Penitenciários na área das vivências a fim de conterem a rebelião. 
Outras informações a respeito da rebelião serão colocadas no capitulo III. 
12
 Controladoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública e do Sistema Penitenciário do Ceará. 
13
 Termo muito utilizado no sistema prisional para identificar uma cilada, delator, caboeta. 
18 
 
desamparado‖. Relata que embora o pesquisador conheça sobre o campo de 
pesquisa, ele deva começar do zero. De fato, compartilhar as abstrações da cultura 
acadêmica nos dar um certo conforto quando não vivenciada em torno de si, que 
não era meu caso. As desconfianças seriam marcantes no período inicial da 
pesquisa e elas seriam segundo o autor supracitado, comuns a todos os 
antropólogos. Me questionei sobre os estranhamentos expressados pelos outros 
Agentes, sujeitos da pesquisa, no fato de não conseguir entender como um sujeito 
(o pesquisador) solicita férias do seu trabalho para ficar observando os outros 
trabalharem, talvez no imaginário deles algo estaria por trás do que o pesquisador 
afirmava ser uma pesquisa e por isso, inicialmente, de forma sarcástica, mas em tom 
de brincadeira citaram os dois órgãos que fiscalizam a execução do trabalho no 
Sistema Prisional cearense. 
 Devo concordar com as proposições feitas por Laplatine (2005) sobre as 
práticas do distanciamento, não no sentido da distância física, mas de um 
estranhamento necessário, justificada pelo encontro de culturas provocando a 
mudança do olhar sobre si mesmo. De fato, presos em nossa cultura não somos 
apenas cegos ao outro, mas míopes quando tratamos da nossa. A experiência da 
alteridade nos dar a oportunidade de ver aquilo que nem imaginamos existir, isso 
devido a nossa dificuldade de fixar nossa atenção no que é familiar, habitual no 
cotidiano. ―Aos poucos notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, 
mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de ‗natural‘. 
Começamos, então, a nos surpreender com aquilo que diz respeito a nós mesmos, a 
nos espiar‖ (LAPLATINE, 2005, p. 21). 
 Para Wagner (2014) os atrasos, as defesa e outros modos de esquivar-se do 
pesquisador não são necessariamente hostis. Seria um ―choque‖ natural de uma 
experiência até então nova, ou um ―distanciamento‖ que pode ser caracterizado 
pelas formalidades que devam ser expressas e adequadamente empregadas no 
período inicial da pesquisa. Nesse aspecto, o ―distanciamento‖ dos participantes vai 
provocar também um ―deslocamento‖ do pesquisador no espaço da pesquisa e 
impulsioná-lo a ir em busca do seu lugar no campo, fato que para mim se 
configuraria em quatro etapas, já que o período de incursão no campo se estenderia 
ao longo de quatro plantões, cada plantão em uma equipe diferente. 
 As interrogações se estenderam ao logo do dia... Como deixar emergir (ser 
percebido) o pesquisador Elionardo, ao invés Agente Melo? Ou melhor, como 
19 
 
estranhar o que era tão familiar? Como relativizar questões que eu julgava como 
certas e que agora pudessem ser apenas frutos de aproximações sociológicas ou 
culturais? Como passar confiança aos sujeitos da pesquisa (Agentes Penitenciários) 
em uma situação até então incomum na PIRS? Embora tivesse esclarecido todos os 
procedimentos éticos da pesquisa, inclusive o TCLE (Termo de Livre Consentimento 
Esclarecido) como provar para eles que a pesquisa não trariam riscos significativos 
aos colaboradores? Fatos agora publicizados, mas que me acompanharam desde 
escolha do objeto da pesquisa, onde eu me defrontava com o clássico desafio de 
estranhar o familiar, tanto no sentido que lhe atribui Velho (1982) como no sentido 
literal: era meu modo de trabalho e a minha formação universitária que estavam 
sendo, aos poucos, problematizados. (Diário de campo 30/06/2015, grifos meus). 
 
 
1.2 Procedimentos metodológicos e éticos 
 
 
 O interesse em pesquisar as relações estabelecidas no âmbito carcerário foi 
desenvolvido desde minha nomeação como Agente Penitenciário em março de 
2013. Desde então, me instigam questões difusas a respeito das relações 
estabelecidas no interior do cárcere, sejam elas entre profissionais de segurança14, 
entre internos ou profissionais e internos. 
 Esta pesquisa tem como objetivo geral analisar como estão sendo 
executadas as técnicas e estratégias para ressocialização dos internos na PIRS na 
percepção dos profissionais de segurança. Para essa análise me deterei nas duas 
categorias analíticas que são os objetivos da pena de prisão: Punir e ressocializar. 
Torna-se importante ressaltar que nenhuma pesquisa é neutra politicamente, 
compreende-se que já na escolha do referencial teórico ou na renúncia de 
determinados autores se está atuando politicamente15. Significa dizer que o 
 
14
 Com a lei estadual de nº. 14.966, de 13 de julho de 2011, cria a carreira de Segurança Penitenciária e 
estabelece as atribuições de seus integrantes, passando os Agentes Penitenciários a ter as seguintes 
atribuições: atendimento, vigilância, custódia, guarda, escolta, assistência e orientação de pessoas recolhidas 
aos estabelecimentos penais estaduais. 
15
 Para Bhabha (1998), os embates de fronteiras acerca da diferença cultural apresentam possibilidades 
convergentes ou conflituosas. Para ―mostrar como a intervenção histórica se transforma através do processo 
significante, como o evento histórico é representado em um discurso de algum modo fora de controle. Isto está 
de acordo com a sugestão de Hannah Arendt de que o autor da ação social pode ser o inaugurador de seu 
significado singular, mas, como agente, ele ou ela não podem controlar seu significado‖ (p. 34). Nessa 
perspectiva, torna-se um ―sinal de maturidade política aceitar que há muitas formas de escrita política cujos 
20 
 
pesquisador responde a inquietações e análises formuladas a partir de bases 
contextuais dimensionadas por sua formação acadêmica, vivências cotidianas e 
interesses políticos. 
 A pesquisa de fato baseia-se em uma abordagem essencialmente 
qualitativa, utiliza como procedimentos metodológicos a incursão etnográfica 
fragmentada na observação participante, diário de campo e entrevista 
semiestruturada. 
 Clinford Geertz em seu clássico ―A interpretação das culturas‖ afirma que a 
construção de um olhar antropológico é mediada pela efetivação de uma abordagem 
de campo diferenciada, a etnografia. O autor aborda ainda que praticar etnografia é 
―estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar 
genealogias, mapear campos, manter um diário e assim por diante‖ (GEERTZ, 2008, 
P. 04). Relata ainda, que não são as técnicas e os processos que definem o que é 
fazer etnografia, mas sim, um tipo de esforço intelectual que ele representa - um 
risco elaborado para uma ‗descrição densa‘. Fazer uma etnografia é como 
 
tentar ler (no sentido de ‗construir uma leitura de‘) um manuscrito estranho, 
desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e 
comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, 
mas como exemplos transitórios de comportamento modelado (GEERTZ, 
2008, p. 07). 
 
 Enquanto observação participante, uma das maiores dificuldades é a 
inserção no campo de pesquisa, e em se tratando de pesquisa no âmbito do sistema 
prisional pode ter dificuldades redobrada por se tratar de uma ―instituição total‖ 
(GOFFMAN, 1974, p. 17). Para Becker é um processo denso ―conseguir permissão 
para estudar aquilo que se quer estudar, ter acesso às pessoas que se quer 
observar, entrevistar ou entregar questionários‖(BECKER, 1999, p. 34). Destaca 
que essas e outras dificuldades são constantes para os praticantes da observação 
participante. De fato, os entraves no campo de pesquisa vão além dos destacados. 
 
diferentes efeitos são obscurecidos quando se distingue entre o ‗teórico‘ e o ‗ativista‘‖ (46). Isso não significa que 
os artifícios utilizados na militância sejam pobres em teoria, ou que um texto acadêmico tenha apenas uma 
discussão teórico-ideológica. Ambos constituem formas de discurso e reproduzem mais do que refletem seus 
objetos de referência, de certo modo existe um intervalo entre as polaridades, mas também entre as divisões 
comuns existentes entre teoria e prática política. O que na perspectiva do autor a ―dinâmica da escrita e da 
textualidade exige que repensemos a lógica da causalidade e da determinação através das quais reconhecemos 
o ‗político‘ como uma forma de cálculo e ação estratégica dedicada a transformação social‖ (p.48). 
 
21 
 
Vale destacar que a minha ligação profissional com o campo de pesquisa 
possibilitou uma rápida liberação da pesquisa pela Gestão Administrativa da PIRS16. 
 O maior entreve no início da incursão etnográfica foi em simbolizar um 
processo também existencial, processo esse carregado de subjetividades inerentes 
ao meu exercício profissional, de fato eu tentaria deixar por inteiro as percepções do 
Agente Melo para iniciar processo novo como pesquisador, momento estomacal, 
esboçado por Roberto da Matta (1974), sobre a relativização de um universo que 
também é meu, desconstruindo subjetividades até então compartilhadas por mim, 
como o cotidiano dos Agentes Penitenciários no cárcere. 
 Para Carmen Tornquist (2006, p. 33), a ―antropologia das sociedades 
urbano-industriais exige um estabelecimento de fronteiras, tênues do ponto de vista 
geográfico e social, sejam estabelecidas simbolicamente pela pessoa que faz a 
pesquisa‖, tendo em vista o contato estabelecido com o universo de estudo, 
sobretudo com as pessoas que transformamos em narrativa, não cessam nunca – 
posicionam presentes desde o insight do ponto de partida do projeto de pesquisa até 
o último momento com a finalização da escrita. Destaca ainda. 
 
 Acredito, no entanto, que, quando estamos envolvidos com nossos nativos 
(daí o abuso do pronome ‗nosso‘), seja por proximidade geográfica, afetiva, 
política, geográfica ou simbólica, costuma acontecer o contrário: queremos, 
em um determinado momento, abandonar o campo, mas, eis que nem 
sempre este campo – feito de pessoas de carne, osso, idiossincrasias, 
hormônios, expectativas – não nos abandona. (TORNQUIST, 2006, p. 33) 
 
 As fronteiras do ponto de vista geográfico e social de fato eram difíceis de 
serem concretizadas, embora as tentativas e vigilância fossem reafirmadas a todo 
instante, desde caracterizar-se de forma diferenciada nos aspectos já colocados na 
descrição do item 1.1, atentando-se a detalhes de cores e roupas utilizadas pelos 
Agentes Penitenciários; na programação do período de férias, calculadamente 
programado no período da incursão etnográfica; nas tentativas demasiadas em não 
esboçar em campo atividade que relacionassem ao desempenho da minha função 
como Agente Penitenciário, inclusive em solicitações dos internos para compartilhar 
algum problema como trago a seguir em um trecho do meu diário de campo: 
 
 
16
 Gestão administrativa da PIRS (Diretor, Diretor Adjunto, Gerente Administrativo Chefe de Segurança e 
Disciplina, e Chefes de Equipes). Embora os tramites de liberação da pesquisa pelo Comitê de Ética em 
Pesquisa - CEP tenha demorado cerca de três meses após a submissão do projeto na Plataforma Brasil. 
 
22 
 
As situações me provocavam a todo instante, por vezes não hesitei em 
ajudar colegas no ―aperreio‖ quando envolvidos em situações embaraçosas 
devidas ao baixo quantitativo de profissionais de segurança. De certo, em 
campo eu também tinha regalias que jamais um pesquisador que não fosse 
integrante da equipe de profissionais teria. Tinha no campo espaço 
privilegiado nas conversas, embora por vezes insinuosas quanto aos 
procedimentos éticos da pesquisa, tinha espaço garantido para guardar 
objetos pessoais no alojamento que de fato também era meu. 
Compartilhava do almoço, jantar e às vezes do lanche que era servido aos 
profissionais, além de presenciar fatos, atos, procedimento, depoimentos e 
ponto de vistas esboçadas de forma ―natural‖ no cotidiano do campo de 
pesquisa (Diário de campo, 04-07-15). 
 
 De fato em função do meu papel como profissional da instituição tive acesso 
a espaços, oportunidade e situações que outros pesquisadores não teriam de fato 
em detrimento das condições estruturais, ambientais e de segurança no cárcere. 
 A incursão etnográfica teve sistematicamente a presença do pesquisador no 
campo de forma diária durante o período de doze dias. Nesse período foi realizada a 
etnografia, a qual correlaciono com a observação participante realizada no cotidiano 
profissional, ocasionando os dados e reflexões contidas nas anotações no diário de 
campo. Em doze dias fecha um ciclo de plantões das quatro equipes, 
correspondendo a cada uma delas o período de 72 horas – relativos há três dias 
consecutivos. Algumas observações foram durante o período da noite do qual os 
Agentes Penitenciários ficam com maior disponibilidade para conversas, descanso e 
outros, já que os internos ficam recolhidos nas celas a partir das 17h. 
 Para as entrevistas semiestruturada foram escolhidos seis dos cinquenta e 
oito observados. Segundo Triviños (1987, p. 146) a entrevista semiestruturada tem 
como característica questionamentos básicos que são apoiados em teorias e 
hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam 
frutos a novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco 
principal seria colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, 
afirmando que a entrevista semiestruturada ―[...] favorece não só a descrição dos 
fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade 
[...]‖ além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo 
de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152). 
 Para a escolha dos entrevistados foram estabelecidos os seguintes critérios: 
um profissional do corpo de gestão administrativa, um integrante de cada equipe e 
uma Agente Penitenciária feminina, no total de seis participantes. Dentre os 
23 
 
profissionais escolhidos nas equipes plantonistas foi observado o tempo de atuação 
profissional e participações nas anotações do pesquisador em campo17. 
 Já em relação aos procedimentos éticos, o projeto de pesquisa foi submetido 
na Plataforma Brasil, e foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da 
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA e sendo aprovado com o número do 
CAAE: 44925015.5.000.5053. Pode-se obter o parecer do comitê de Ética em 
Pesquisa (Disponível nos anexos)18. 
 
 
1.3 Lócus da Pesquisa 
 
 
A Penitenciária Industrial 
Regional de Sobral - PIRS é uma 
unidade penitenciária masculina 
para presos em cumprimento de 
pena privativa de liberdade em 
regime fechado, localizada na 
Rodovia Moésio Loiola de Melo 
Júnior, s/n KM 3 da CE 040, Jatobá, 
Sobral – Ceará, a 235 quilômetros 
de Fortaleza (capital cearense)19. 
Inaugurada em 22 de Março de 
2002, caracterizada como um estabelecimento prisional de ―segurança média‖ e 
dispõe de uma área total de aproximadamente 15 mil metros quadrados e com cerca 
de 9 mil metros quadrados de área construída. 
 
17
 O critério de escolha de um participante de cada equipe justifica-se pela heterogeneidadedas equipes 
observadas desde os modos de comportamento á execução das atividades cotidianas. 
18
 Após aprovação da Plataforma Brasil, foi mantido o anonimato dos participantes da pesquisa, de acordo com a 
Resolução do Conselho Nacional de Saúde/MS – CNS, nº 466/2012, com suas Diretrizes e Normas que 
regulamenta a pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil (BRASIL, 2013), que revogou a Resolução n° 
196/96. Portanto, os participantes foram informados sobre todos os procedimentos da pesquisa e em seguida, 
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (APÊNDICE B). 
19
 Sobral é uma cidade da região Noroeste do Ceará, sua população está estimada em 201.756 habitantes 
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. De acordo com historiadores da 
Universidade Federal do Ceará, a cidade de Sobral e Icó, foram cidades pioneiras no povoamento e urbanização 
do Ceará. Durante o século XVIII e meados do século XIX concentravam o maior acervo da Urbanização e da 
política caracterizados pelo poder econômico. 
Figura 01 – Localização da PIRS 
Fonte: Carvalho, 2009 
24 
 
A PIRS iniciou sua operação com capacidade total para 492 detentos, 
distribuídos em 10 vivências. Do total de vagas: 8 vivências com 9 celas coletivas 
cada, e duas (1A e 1B) com 30 celas individuais cada, totalizando em 6020 celas 
individuais e 72 celas para seis pessoas. No período da coleta de dados estava 
abrigando cerca de 670 presos21. 
 
 
 
20
 A vivência 1B com 30 celas individuais são para presos em caráter disciplinar e de triagem, espaço previsto de 
acordo com a Lei de Execução Penal (LEP) descritos nos artigos 5 e 59. Nesse espaço, não é permitido nenhum 
material além do fardamento e dos itens de higiene pessoal (sabonete, toalha, creme dental, escova de dente). 
Já a outra vivência (1A) é conhecida como a vivência dos trabalhadores, ou seja, todos os internos que 
desenvolvem alguma atividade laboral na unidade estão localizados nesse espaço. Ela também é conhecida 
como a vivência dos ―presos de confiança‖. 
21
 De acordo com o Art. 87 da LEP, a penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime 
fechado. Embora esteja prescrito na lei, no período da pesquisa, a quantidade de presos provisórios era de 256 
(38,36%), com isso a quantidade de presos na unidade era variável girando em torno de 630 á 700 internos. 
Figura 02 – Espaço externo: fachada da PIRS 
Fonte: arquivos do autor 
25 
 
 
 
 
 Inicialmente a penitenciária foi administrada por meio de parceria 
público/privada, em sistema de cogestão22: O Estado era responsável pela direção, 
enquanto Companhia Nacional de Administração Prisional – CONAP pela operação, 
fiscalização e logística. Segundo Carvalho (2009) em julho de 2007 a impressa 
noticiou uma decisão da Justiça Federal estabelecendo prazo de até 28 de março de 
 
22
 Segundo Carvalho (2009) a política de terceirização dos presídios do Ceará teve início após a aprovação do 
projeto de lei nº 51/2000 de autoria da deputada estadual do PSDB Gorete Pereira. Sua implementação 
provocou um acirrado debate entre os seus defensores e seus críticos, que perdurou durante muito tempo. Os 
argumentos contrários à política de terceirização de presídios apoiam-se no entendimento de que a 
responsabilidade pela custódia de presos e o poder de punir, que constituem traços distintivos do Estado 
Moderno, não poderiam ser transferidos para a iniciativa privada. Com efeito, parlamentares da Esquerda, a 
Ordem dos Advogados do Ceará (OAB) e Ministério Público Federal (MPF) impetraram ações civis públicas, 
alegando a inconstitucionalidade da terceirização prisional (nota de rodapé 4, p. 14-15). 
Figura 03 – Espaço interno: Q1 
Fonte: arquivos do autor 
Figura 04 – Espaço interno: corredor 
Fonte: arquivos do autor 
Figura 06 – Espaço interno: vivência 3B (refeitório) 
Fonte: arquivos do autor 
Figura 06 – Espaço interno: vivência 3B (celas) 
Fonte: arquivos do autor 
26 
 
2008 para o Estado substituir os agentes de disciplina terceirizados por agentes de 
segurança aprovados em concurso público no ano de 2006. Situação que de fato se 
concretizou, desde então o Estado assumiu todas as atividades na unidade prisional. 
 A unidade penitenciária dispõe de setor administrativo, alojamento para os 
profissionais de segurança, locais para atividades de trabalho, estudo e lazer aos 
internos, construídos com o objetivo da ressocialização. Os locais de trabalho são: 
fábrica de móveis (desativada)23, cozinha industrial, padaria24, galpão para 
instalações de fábricas25 (desativado), lavanderia industrial, trabalhos de 
manutenção interna e serviços de limpeza. 
 
 
 
 Os locais de estudo e lazer são: escola com 6 salas de aula26, auditório, 
biblioteca com aproximadamente 2000 livros, sala de informática com 14 
computadores (desativado há aproximadamente 4 anos) e quadra de esportes (vôlei, 
basquete, e futebol) nunca foi utilizada devido ao baixo quantitativo de profissionais 
de segurança. 
 
23
 Nesse espaço funcionou a fábrica de móveis projetados ―Casa Bela‖. Suas atividades foram desenvolvidas no 
decurso de ano de 2013, cinco presos desenvolviam atividades de trabalho no local. 
24
 A cozinha e padaria disponibilizam 13 vagas de trabalho para os internos. As atividades são gerenciadas por 
uma empresa terceirizada (ISM Gomes de Mattos) que é responsável pela alimentação da maioria dos 
estabelecimentos prisionais do Ceará. Na PIRS, os profissionais desta empresa que desempenham atividades 
no interior da unidade são: gerente da cozinha, nutricionista, cozinheiro, auxiliar de cozinheiro e transportador. 
25
 No local funcionou uma unidade de produção da marca Recamond (fábrica de botas), instalada em 2006 
empregando no seu quadro 12 internos (Carvalho, 2009). Segundo um Agente Penitenciário mais antigo, lá 
também funcionou uma fábrica de bolas de futebol. 
26
 A escola funciona na modalidade Ensino de Jovens e Adultos (EJA), sua coordenação está diretamente ligada 
ao Centro de Educação de Jovens e Adultos de Sobral – CEJA, cada vivência frequenta a escola em média uma 
vez por semana durante o período aproximado de 2 horas. A composição da turma corresponde a diferentes 
níveis de aprendizado escolar, ou seja, alunos nos primeiros passos da alfabetização junto a alunos cursando 
módulos do ensino médio. 
Figura 05 – Espaços de trabalho: 
cozinha 
Fonte: arquivos do autor 
Figura 05 – Espaços de trabalho: 
padaria 
Fonte: arquivos do autor 
Figura 05 – Espaços de trabalho: 
lavanderia 
Fonte: arquivos do autor 
27 
 
 
 
 A Unidade dispõe de uma estrutura organizacional com profissionais 
técnicos, gestores administrativos e operacionais. O corpo de técnicos27 é composto 
por: dois advogados, um assistente social, um psicólogo, um odontólogo, um 
médico, um enfermeiro e quatro auxiliares de enfermagem. Já a composição de 
profissionais de segurança e da gestão administrativa são Agentes Penitenciários de 
carreira, selecionados por concurso público. Os cargos da gestão administrativa na 
ordem hierárquica são: Diretor, Diretor Adjunto, Gerente Administrativo, Chefe de 
Segurança e Disciplina e Chefe de Equipe dos Agentes Penitenciários28. Em 
resposta a recomendação do Ministério da Justiça, os cargos de gestão 
administrativa das unidades prisionais cearense são todos ocupados por servidores 
de carreira do sistema prisional29. 
 As atividades de segurança interna e externa das penitenciárias cearenses 
são responsabilidade dos Agentes Penitenciários30. O total de Agentes 
Penitenciários é de cinquenta e oito: oito deles assumindo cargos na gestão 
administrativa, três Agentes femininas exclusivas para as atividades de vistoria das27
 Profissionais previstos na LEP (artigos 10 ao 25). 
28
 Todos os cargos e atribuições estão prescritos no Regimento Geral dos Estabelecimentos Prisionais do Ceará, 
nos artigos 16 ao 22. 
29
 São resalvados de acordo com o parágrafo único do art. 18 do Regimento Geral dos Estabelecimentos 
Prisionais do Ceará dois estabelecimentos: Hospital Geral e Sanatório Penal e do Hospital de Custódia e 
Tratamento Psiquiátrico que devem ser ocupados por médico, e na falta deste, por outro profissional da área de 
saúde. 
30
 De acordo com o art. 7 do Regimento Interno dos Estabelecimentos Prisionais do Ceará, a segurança externa, 
através de muralha com passadiço e guaritas. Já a segurança interna, seriam todas as atividades previstas de 
atendimentos aos internos no interior da unidade prisional, ambas de responsabilidade dos Agentes 
Penitenciários. 
Figura 06 – Local de estudo: entrada da escola 
Fonte: arquivos do autor 
Figura 07 – Local de lazer: quadra poliesportiva 
Fonte: arquivos do autor 
28 
 
visitantes femininas, e os outros cinquenta distribuídos nas quatro equipes31, dos 
quais são responsáveis por todas as atividades internas da unidade (a escala de 
horários e atribuições foram descritas no item anterior). Já a segurança externa, em 
detrimento do baixo quantitativo de Agentes Penitenciários e a falta de condições de 
materiais de segurança (armamentos: Letais e não letais), ficam sob a 
responsabilidade do 3º Comando da Polícia Militar. A segurança externa é 
caracterizada por muralha, ambiente externo, guaritas e passadiço. 
 Embora a PIRS tenha sido projetada para 492 internos, no período da 
pesquisa a unidade estava com um quantitativo de internos excedente, no total de 
670, quase 50% a mais do que a capacidade projetada32. Em sua maioria, jovens de 
origem urbana, solteiros, negros/pardo, com baixo grau de escolaridade e advindos 
de grupos sociais economicamente pobres33. 
 Dos 670 internos na unidade apenas 45 (6,72%) deles executam alguma 
atividade de trabalho todos da vivência 1A, a chamada ―vivência dos trabalhadores‖. 
As demais vivências: 1B, 2A, 2B, 3A, 3B, 4A, 4B, 5A, 5B vivenciam a ociosidade 
sem nenhum tipo de ocupação. Durante o dia ficam no pátio das vivências e a noite 
são recolhidos nas celas. 
 Sob os aspectos gerais observados em campo, podemos citar as condições 
de higiene e estrutura física da unidade: sujeira (lixo e esgoto) no ambiente externo, 
fezes de gatos em todo ambiente interno, grande quantidade de gatos e insetos, 
deterioração na estrutura da área das vivências (o teto do corredor está escorado 
como hastes de ferro), instalações elétricas e hidráulicas danificadas, sistema de 
monitoramento (câmeras) desativado, banheiros com sanitários ou bojos quebrados 
além de outras questões que serão colocadas no capítulo III. 
 
 
1.4 Perfis dos entrevistados 
 
 
31
 As equipes são nomeadas na sequencia das quatro primeiras letras do alfabeto (A, B, C, D). Os Chefes de 
Equipes dos Agentes Penitenciários são contabilizados como integrantes em suas respectivas equipes, pois eles 
revezam nas equipes como os demais profissionais de segurança. Cada equipe dispõe de uma Agente feminina 
ocupando posto fixo na recepção da unidade durante os plantões. 
32
 De acordo com dados obtidos no Sistema de Informação Penitenciário – SISPEN, a quantidade de pessoas 
em cumprimento de pena no estado do Ceará era no total de 20.543, distribuídos nos regimes: aberto 3.013 
(14,67%), fechado/condenado 4.226 (20,57%), provisório 10.229 (49,79%), semiaberto 3.075 (14,97%). Os 
dados relativos ao Sistema Penitenciário Cearense foram disponibilizados pelo Setor de Identificação e Controle 
de Presos – SICOP da PIRS no dia 02-07-2015. 
33
 Informações obtidas no SISPEN – Sistema de Informação Penitenciário do Ceará. 
29 
 
 
 As entrevistas aconteceram no período compreendido entre 24 á 31 de julho 
de 2015. Todos os entrevistados (6 no total) são profissionais de segurança (cargo 
de Agente Penitenciário) aprovados em concurso público em diferentes editais de 
convocação e todos com exercício profissional na PIRS. Os critérios de escolha dos 
entrevistados foram citados no item 2.2. O anonimato dos participantes da pesquisa 
segue os critérios estabelecidos de acordo com a Resolução do Conselho Nacional 
de Saúde/MS – CNS, nº 466/201234. 
 AGP01 – sexo masculino, 27 anos, solteiro, católico, ensino superior 
incompleto, afirmou em entrevista fazer uso de bebidas alcoólicas e não ter tido 
nenhum problema de saúde/psicológico relacionado à função, seu tempo de 
exercício no cargo é de dois anos e quatro meses. A entrevista foi realizada no dia 
24 de julho de 2015, o entrevistado mostrou-se conhecedor dos processos de 
trabalho da PIRS e segurança nas suas respostas. 
 AGP02 – sexo feminino, 29 anos, divorciada com filho, católica, ensino 
superior completo, faz uso de bebidas alcoólicas socialmente, afirma não ter tido 
nenhum problema de saúde/psicológico relacionado à função, seu tempo de 
exercício no cargo é de dois anos e quatro meses. A entrevista foi realizada no dia 
27 de julho de 2015, a entrevistada mostrou concisão e segurança nas respostas. 
 AGP03 – sexo masculino, 30 anos, casado com filho, evangélico, ensino 
superior incompleto, não faz uso de bebidas alcoólicas, afirma não ter tido nenhum 
problema de saúde/psicológico relacionado à função, seu tempo de exercício no 
cargo é de oito anos. A entrevista foi realizada no dia 28 de julho de 2015, o 
entrevistado mostrou-se apreensivo e confuso nas respostas demorando iniciar as 
falas após cada pergunta. 
 AGP04 – sexo masculino 23 anos, solteiro sem filho, católico, ensino 
superior completo, faz uso de bebidas alcoólicas socialmente, afirma não ter tido 
nenhum problema de saúde/psicológico relacionado à função, seu tempo de 
exercício no cargo é de dois anos e quatro meses. A entrevista foi realizada no dia 
30 de julho de 2015, o entrevistado mostrou-se conhecedor dos processos de 
trabalho da PIRS, segurança, concisão e consistência nas respostas. 
 
34
 Para garantir o anonimato dos participantes, foram colocados em substituição aos nomes dos participantes 
uma sigla bastante usada no sistema prisional para identificar o Agente Penitenciário (AGP) seguido da 
numeração referente à ordem de realizações das entrevistas. As informações referentes aos perfis dos 
participantes da pesquisa foram coletadas durante as respectivas entrevistas no primeiro bloco de perguntas que 
foi denominado perfil do entrevistado. 
30 
 
 AGP05 – sexo masculino 35 anos, casado e com filho, sem religião, ensino 
superior completo, não faz uso de bebidas alcoólicas, afirma não ter tido nenhum 
problema de saúde/psicológico relacionado à função, seu tempo de exercício no 
cargo é de seis meses. A entrevista foi realizada no dia 30 de julho de 2015, apesar 
do pouco tempo no cargo o entrevistado mostrou-se conhecedor dos processos de 
trabalho da PIRS e diferenciou-se dos outros entrevistados trazendo nas suas 
respostas situação extremas em relação a alguns aspectos tratados na entrevista. 
 AGP06 – sexo masculino, 40 anos, casado com filhos, católico, ensino 
superior com especialização, não faz uso de bebidas alcoólicas, afirma não ter tido 
nenhum problema de saúde/psicológico relacionado à função, seu tempo de 
exercício no cargo é de dois anos e quatro meses. A entrevista foi realizada no dia 
30 de julho de 2015, o entrevistado mostrou-se conhecedor dos processos de 
trabalho da PIRS, capacidade descritiva e conhecimento da legislação específica ao 
sistema prisional. 
 Embora o ensino superior não seja requisito para ingresso no cargo de 
Agente Penitenciário, todos os entrevistados estavam com curso superior em 
andamento ou concluído nos cursos de filosofia, direito, matemática, geografia e 
história.31 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO II. PUNIÇÃO E RESSOCIALIZAÇÃO: DESAFIOS HISTÓRICOS E 
CONSTRUÇÃO DAS PRISÕES NO BRASIL 
 
A instituição total é um híbrido social, parcialmente comunidade residencial, 
parcialmente organização formal. (...) Em nossas sociedades são estufas 
para mudar pessoas; cada uma delas é um experimento natural sobre o que 
se pode fazer ao eu (GOFFMAN, 1974, p. 22). 
 
2.1 Abordagem histórica sobre as punições: do suplício á reclusão 
 
 
A história das punições foi marcada por períodos distintos nas execuções das 
penas. Inicialmente, as penas eram voltadas para o corpo e executadas em espaços 
públicos, geralmente eram caracterizadas pelos suplícios35 e mutilações. O cálculo 
do sofrimento no suplício, pena corporal, estaria baseado na proporcionalidade entre 
quantidade de sofrimento e a gravidade do crime cometido. Sua execução teria dois 
personagens principais: O carrasco e o condenado. 
Para Foucault (1987), o carrasco seria o responsável pela execução dos 
suplícios, geralmente nas intervenções físicas com sofrimento corporal caracterizado 
por espetáculos do terror ao público, 
 
 
35
 Segundo o dicionário Priberam, o suplício seria uma grave punição corporal com tortura e ordenada por 
sentença; Pena de morte com grande sofrimento moral e/ou físico. Disponível em: 
<http://www.priberam.pt/dlpo/supl%C3%ADcio>. Visualizado em 15-08-2015. 
http://www.priberam.pt/dlpo/supl%C3%ADcio
32 
 
aqueles suplícios em que o condenado era arrastado sobre uma grade 
(para evitar que a cabeça arrebentasse contra o pavimento), seu ventre 
aberto, as entranhas arrancadas ás pressas, para que ele tivesse tempo de 
as ver com seus próprios olhos ser lançadas ao fogo; em que era 
decapitado enfim e seu corpo dividido em postas (FOUCAULT, 1987, p.17). 
 
De acordo com Coelho (2012), as torturas eram utilizadas como motivadoras 
de confissões no ―âmbito privado‖, e as penas como pagamento dos pecados. Neste 
caso, a igreja protagonizaria a regulamentação dos suplícios como forma de 
arrependimento e purificação aos pecados cometidos. Com isso, pontua Carrara 
(2002, p. 53-54): 
 
O sentimento inato de vingança privada foi elevado, nas 
sociedades primitivas, de sua natureza de desejo à altura de um direito: 
direito exigível, direito hereditário, direito resgatável ao arbítrio do ofendido, 
direito que por vários séculos foi considerado como exclusivo do ofendido e 
de sua família. 
(...) Depois, civilizando-se os homens por obra da religião, assumiu esta 
direção universal de seus sentimentos. Daí a ideia de que os 
sacerdotes deviam ser os reguladores da vingança privada. Por isso, uma 
vez introduzida na penalidade a concepção religiosa, e levados os juízos à 
forma teocrática ou semiteocrática, o conceito de vingança divina se foi 
substituindo ao da vingança privada. 
 
 Para Bitencourt (APUD GOMES, 2009, p. 26) no período em destaque, a 
pena, enquanto castigo ―era aplicada por delegação divina, pelos sacerdotes, 
como penas cruéis, desumanas, degradantes, cuja finalidade maior 
era a intimidação‖ com a finalidade de purificação das falhas cometidas contra Deus. 
 Com a alegação da purificação do corpo, e através de um espetáculo 
punitivo ao público, o suplício era consumado. Sua característica marcante seria o 
exercício do poder sobre o corpo do punido, alvo da repressão penal, na qual o 
sofrimento e a dor eram seus elementos mais marcantes. A confissão pública era 
essencial e determinante para condenação do infrator. A partir da culpabilização do 
condenado, a justiça legalizava um ato que antes seria considerado ilegal. A 
participação do público era decisiva para a legitimidade do ato, tanto como 
espectadores da ação, como exigindo a execução do infrator; posteriormente fixando 
na memória e reproduzindo o fato, seria uma tática de prolongamento do suplício 
mesmo após a morte do infrator. 
 Para Foucault (1987) o poder de punir obedece uma ―economia do castigo 
calculado‖, pois não obedecem os mesmos critérios determinados para os mesmos 
crimes ou mesmo gênero de delinquentes, eles obedecem um certo ―estilo penal‖. O 
33 
 
autor aponta o suplício como uma vergonha para a justiça tradicional da época e 
destaca os ‗escândalos‘ como principais motivadores para que ocorressem 
mudanças ―com os projetos de reforma, nova teoria da lei e do crime, abolição das 
antigas ordenanças, supressão de costumes‖ (1987, p. 13). De fato, a população 
começou a se identificar com o sofrimento do apenado, e também intervir no 
impedimento da atuação da justiça (carrasco) sobre o corpo do supliciado. 
 Segundo Foucault (1987, p.13), ―um fato é certo: em algumas dezenas de 
anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado 
simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como 
espetáculo‖. O autor afirma que no final do século XVIII os suplícios dariam lugar a 
outras formas de correção, de fato ocorridas pelas mudanças na legislação e nos 
objetivos da pena, não seria mais o sacrifício dos condenados, mas sim o exercício 
arbitrário de invisibilizar através das prisões as práticas de controle da 
periculosidade dos indivíduos apenados. 
 Neste período, as prisões ganham uma nova utilidade para o exercício da 
justiça, antes servindo apenas para a custódia dos suspeitos enquanto aguardavam 
julgamento, e a partir de então, na execução da pena privativa de liberdade. Os 
suplícios dariam lugar a uma nova forma de punir caracterizada pela submissão do 
corpo com as formas calculadas de controle das forças, mas também atingiriam 
outro fator: psicológico/ideológico, na ―arte de punir‖ melhor. Nessa perspectiva, com 
a utilização das prisões, as penas passaram de castigos para a ―arte das sensações 
insuportáveis‖: uma ―economia dos direitos suspensos‖. 
 
 [...] um exército de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato 
do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, os 
psicólogos, os educadores; por sua simples presença ao lado do 
condenado, eles cantam a justiça o louvor de que ela precisa: eles 
garantem que o corpo e a dor não são objetos últimos de sua ação punitiva 
(FOUCAULT, 1987, p. 16). 
 
 Sob uma nova perspectiva de pena, as prisões deixaram de servir apenas 
para custódia dos delinquentes e assumiram o papel de uma nova configuração de 
punição. Agora a punição englobaria os corpos e o psíquico e seria traçada por uma 
série de deficiências em sua funcionalidade. Nas palavras de Foucault (1987, p. 
208), conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa 
34 
 
quando não inútil. Entretanto, não ―vemos‖ o que pôr em seu lugar. ―[...] ela é a 
detestável solução, de que não se pode abrir mão‖. 
 
 
2.2 A constituição das prisões: controle dos corpos e ressocialização 
 
 
 A pena privativa de liberdade surge em substituição a penas infamantes e 
degradantes referendadas pelos suplícios. Ela configurou uma nova finalidade para 
a prisão e determinou uma ressignificação nos arcabouços jurídico, numa 
perspectiva não de punir menos, mas sim, de ―punir melhor‖. De acordo com 
Foucault (1987, p.97), 
 
[...] sobe a humanização das penas, o que se encontra são todas essas 
regras que autorizam, melhor, que exigem a ―suavidade‖, como uma 
economia calculada do poder de punir. Mas elas exigem também no ponto 
de aplicação desse poder que não seja mais o corpo, como o jogo ritual dos 
sofrimentos excessivos, das marcas ostensivas no ritual dos suplícios; que 
seja o espírito ou antes um jogo de representações e de sinais que circulem 
discretamente, mas na alma dizia Mably. 
 
 A partir de então, inicia-se o desenvolvimento das penas privativas de 
liberdade com a criação e a construção de prisões para a ―correção‖ dos apenados. 
O processo de repartir indivíduos fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los,tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar 
seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacunas, formar em 
torno deles um aparelho completo de registros e anotações (FOUCAULT, 1987). 
 Foucault considera que a forma de aprisionar para ―corrigir‖, opera uma ideia 
paradoxal, bizarra, sem fundamento ou justificação alguma ao nível do 
comportamento humano com origem nessa prática. Destaca que 
 
essa ideia de uma penalidade que procura corrigir aprisionando é uma ideia 
policial, nascida paralelamente à justiça, fora da justiça, em uma prática de 
controles sociais ou em um sistema de trocas entre a demanda do grupo e o 
exercício do poder (FOUCAULT, 2009, p. 99). 
 
35 
 
Segundo Oliveira (2002), John Howard, Jeremias Bentham e Césare Beccaria 
bradaram contra a vergonha das prisões, procuraram definir a pena numa 
perspectiva útil, de maneira que o encarceramento só se justificaria se produzisse 
algum benefício ao apenado e não apenas retribuição de um mal por outro mal. A 
partir de suas reflexões originaram os regimes penitenciários clássicos 
desenvolvidos de maneira mais concreta a partir do século XIX, embasados em 
sistemas diferenciados de reeducação. 
 Para SILVA (2009) A criação dos sistemas penitenciários teve papel 
importante na história da punição, especialmente no que se refere a pena de prisão. 
Nesse aspecto, três deles esboçam importância para os estudos atuais: o sistema 
de Filadélfia ou Belga; o sistema de Auburn e o sistema Inglês ou Progressivo36. 
 
O sistema de Filadélfia consistia no isolamento celular absoluto, permitindo 
apenas o passeio isolado do sentenciado em um pátio circular, sem trabalho 
ou visitas, permitindo-se, apenas, a leitura da Bíblia como estímulo ao 
arrependimento. O sistema de Auburn foi criado nos EUA, na cidade que 
recebe este mesmo nome, em 1818. Suas características eram além do 
trabalho em comum o silêncio absoluto. Em um momento inicial os presos 
deviam trabalhar em suas celas, passando posteriormente ao grupo, porém 
os detentos não podiam falar entre si, somente com os agentes carcerários, 
com a devida licença e em voz baixa. O sistema Progressivo
37
 é criado no 
decurso do século XIX, impõe-se definitivamente a pena privativa de 
liberdade, que continua sendo a espinha dorsal do sistema penal atual. A 
essência deste regime consiste em distribuir o tempo de duração da 
condenação em períodos, ampliando-se em cada um os privilégios que o 
recluso pode desfrutar de acordo com sua boa conduta e o aproveitamento 
demonstrado do tratamento reformador. Nesta época surge a preocupação 
com a ressocialização do condenado, estimulando-os ao bom 
comportamento para a reinserção na vida em sociedade (SILVA, 2009, 
p.41-45, Grifos meus)
38
. 
 
Para o Foucault, as instituições carcerárias se estabelecem em uma rede de 
saberes que funciona como tecnologias de “controle do corpo e de controle da 
 
36
 Para Silva (2009, p. 41), não se pode confundir sistema penitenciário e regimes penitenciários que dentre 
outras maneiras de se distinguirem um deles é a maneira concernente a execução. De primeiro, é preciso 
esclarecer que os sistemas penitenciários não se confundem com os regimes penitenciários, posto que, 
enquanto aqueles ―representam corpos de doutrinas que se realizam por meio de formas políticas e sociais 
constitutivas das prisões‖ estes são as formas de administração das prisões e os modos pelos quais se 
executam as penas, obedecendo a um complexo de preceitos legais ou regulamentares. 
37
 O Brasil adaptou o Sistema Progressivo de acordo com suas peculiaridades. Assim, de acordo o artigo 33 do 
Código Penal, lei 2848/40, os regimes da pena são determinados pelo mérito do sentenciado, e em fase inicial, 
pela quantidade (período de reclusão) e pela reincidência. São três os regimes de cumprimento das penas 
privativas de liberdade: regime fechado, com execução em estabelecimento de segurança máxima ou média; 
regime semiaberto, regimes de cumprimento das penas privativas de liberdade: regime fechado, com execução 
em estabelecimento de segurança máxima ou média; regime semiaberto, com a execução em colônia agrícola, 
industrial ou estabelecimento similar; regime aberto, com a execução em casa de albergado ou estabelecimento 
adequado. 
38
 Para uma análise detalhada da história dos sistemas penitenciários ver: Silva, 2009 (dissertação de mestrado). 
36 
 
alma‖. Elas trazem consigo um processo de ―regulação social‖, incidindo em uma 
preocupação de regulação em especial de uma população específica com tipos 
particulares de pessoas, essas são evocadas e controladas dentro do complexo 
"poder-saber". O controle do corpo é feito pelos funcionários, através da disciplina, 
normas e pela materialidade da instituição, tornando ―o corpo dócil através do 
controle de suas forças‖ (FOUCAULT, 1987, p. 28), enquanto o controle da alma é 
feito por ―campos de saberes‖ (FOUCAULT, 1987) diferenciados, são exemplos a 
psicologia, a psiquiatria e a pedagogia. O autor destaca a estrutura das prisões, o 
panóptico39, como facilitadora da disciplina, utilização dos corpos e apropriação do 
tempo do apenado. 
Para Coelho (2012) a prisão traria em sua lógica a pena privativa de liberdade, 
essa teria uma função educativa como prevenção geral. Mas em sua prevenção 
especial, traria duas finalidades: a primeira, simplesmente pela segregação do 
indivíduo delinquente, privando-o das condições materiais de cometer outros crimes. 
E segunda seria a ―ressocialização‖, reforma moral ou psicológica nos indivíduos 
que cumpriram pena privativa de liberdade. 
Para Julião (2009) as pesquisas sobre o sistema prisional ainda dimensionam 
uma limitação no que diz respeito ao conceito de ressocialização. Nessa 
perspectiva, afirma que o conceito de ressocialização é nativo do sistema 
penitenciário. 
 Ainda segundo o autor supracitado, nos principais dicionários de Língua 
Portuguesa, ressocialização é definido como ato ou efeito de ressocializar. Já 
ressocializar é tornar a socializar. 
 
O vocábulo também tem a seguinte definição em um dicionário de 
sociologia: [o contrário de dessocialização], é o processo pelo qual o 
indivíduo volta a internalizar as normas, pautas e valores — e suas 
manifestações — que havia perdido ou deixado. Toda dessocialização 
supõe ordinariamente uma ressocialização, e vice-versa. O termo 
ressocialização se aplica especificamente ao processo de nova adaptação 
do delinquente à vida normal, a posteriori de cumprimento de sua 
condenação, promovido por agencias de controle ou de assistência social. 
Esta visão da ressocialização do delinquente parte do pressuposto de que 
se deu, no delinquente, um período prévio de sociabilidade e convivência 
 
39
 Segundo o dicionário Priberam, é um modelo de prisão ou torre de observação, idealizado para que os 
vigilantes possam observar facilmente todas as partes do edifício ou recinto, sem serem observados. Disponível 
em: < http://www.priberam.pt/panotipco>. Visualizado em: 31-08-2015. 
http://www.priberam.pt/panotipco
37 
 
convencional, a qual nem sempre é assim (IBÁÑEZ, 2001, 143 e 144 apud 
JULIÃO, 2009, p. 67). 
 
A partir do pressuposto que ressocializar tenha como significado - socializar 
novamente implica dizer que o interno volte à sociedade disposto a aceitar e seguir 
as normas e as regras sociais. Diante disso, é importante entender, em primeiro 
lugar, o que vem a ser socialização para depois refletir sobre o (re)socializar. 
 Segundo o dicionário Aurélio, socialização significa: [...] ato de pôr em 
sociedade; extensão de vantagens particulares, por meio de leis e decretos, à 
sociedade inteira; desenvolvimento do sentido coletivo, da solidariedade social e do 
espírito de cooperação nos indivíduos associados; processo de integração

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