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Apac_Monografia_TCC

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BRASÍLIA - DF 
2013 
BRASÍLIA - DF 
2013 
Brasília - DF 
2013 
Pró-Reitoria de Graduação 
Curso de Direito 
Trabalho de Conclusão de Curso 
APAC: ALTERNATIVA À PRISÃO OU PRISÃO 
ALTERNATIVA? 
Autora: Nathália Gonçalves da Silva 
Orientadora: Prof.ª MSc. Neide Aparecida Ribeiro 
Brasília - DF 
2013 
 
 
 
 
 
 
 
NATHÁLIA GONÇALVES DA SILVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
APAC: ALTERNATIVA À PRISÃO OU PRISÃO ALTERNATIVA? 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao curso de 
graduação em Direito da Universidade 
Católica de Brasília, como requisito 
parcial para obtenção do Título de 
Bacharel em Direito. 
 
Orientadora: MSc. Neide Aparecida 
Ribeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Brasília 
2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho aos meus pais, 
Gracilene e Mauro, que com muito 
carinho, incentivo e compreensão me 
proporcionaram a oportunidade de me 
dedicar integralmente ao curso de Direito, 
realizando assim, um grande sonho. 
Dedico também ao meu filho Murilo, 
presente de Deus na minha vida. 
 
 
RESUMO 
 
 
SILVA, Nathália Gonçalves da. Apac: alternativa à prisão ou prisão alternativa? 
2013. p. 75. Monografia (Direito). – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013. 
 
 
Centrada no tema da execução penal brasileira, a presente monografia, consiste no 
estudo da análise do método da Associação de Proteção e Assistência aos 
Condenados (APAC) no Estado de Minas Gerais como uma instituição penitenciária 
religiosa que desde a década de 70 visa à reabilitação do condenado através da 
humanização da pena. Bem como a comparação do método da APAC com o 
aprisionamento convencional com a finalidade de analisar se o método APAC é 
capaz de reabilitar o preso ao convívio social. 
 
 
Palavras-chave: Execução Penal. APAC. Sistema Penitenciário. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
Focused on the theme of the brazilian criminal execution, this monograph is the 
study the method of analysis of Association for the Protection and Assistance of the 
Condemneds (APAC) in the State of Minas Gerais as a religious institution 
penitentiary which since the 70s aims at rehabilitating the condemned through 
humanization of punishment. Well as a comparison of the method APAC with the 
conventional system prison with the purpose of analyze whether the APAC method is 
able to rehabilitate the inmate for social life. 
 
 
Keywords: Criminal Execution. APAC. Penitentiary System. 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
 
APAC - Associação de Proteção e Assistência ao Condenado 
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 
CNJ – Conselho Nacional de Justiça 
COBRAPAC - Confederação Brasileira das APACs 
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito 
CR - Centro de Reintegração 
CRS - Centro de Reintegração Social 
CSS - Conselhos de Sinceridade e Solidariedade 
DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional 
DUDH – Declaração Universal de Direitos Humanos 
ECOSOC - Conselho Econômico e Social 
EUA - Estados Unidos da América 
FBAC - Fraternidade Brasileira de Assistência aos 
LEP – Lei de Execução Penal 
MG – Minas Gerais 
NPJ – Núcleo de Prática Jurídica 
ONG – Organização não Governamental 
ONU - Organização das Nações Unidas 
PFDF – Penitenciária Feminina do Distrito Federal 
PFI - Prison Fellowship International 
SAP - Secretaria de Segurança Pública 
SEDS - Secretaria Estadual de Defesa Social 
SIC – Serviço de Acesso à Informação 
SSP - Secretaria de Segurança Pública 
STF – Supremo Tribunal Federal 
TJMG - Tribunal de Justiça de Minas Gerais 
UCB – Universidade Católica de Brasília 
USP – Universidade de São Paulo 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 
1 O SISTEMA PENAL BRASILEIRO ....................................................................... 11 
1.2 O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL ....................... 12 
1.2.1 Objetivo da Lei de Execução Penal .............................................................. 13 
1.2.2 Realidade do cárcere: execução das penas no Brasil ................................ 15 
1.3 O SISTEMA PENAL COMO CONTROLE SOCIAL ............................................. 24 
2 ORIGEM E ADMINISTRAÇÃO DA APAC ............................................................. 27 
2.1 ORIGEM DA APAC ............................................................................................. 27 
2.1.1 Expansão da metodologia para o cenário prisional .................................... 31 
2.1.2 Transformação em política pública criminal ................................................ 35 
2.2 ADMINISTRAÇÃO NA EXECUÇÃO DA PENA PELA APAC .............................. 40 
2.2.1 Estrutura organizacional ............................................................................... 40 
2.2.2 Componentes prisionais ................................................................................ 43 
2.2.2.1 Recuperando ................................................................................................. 43 
2.2.2.2 Voluntários .................................................................................................... 49 
2.2.2.3 Equipe de funcionários remunerados ............................................................ 51 
2.2.2.4 Os juízes da execução penal ........................................................................ 51 
3 HUMANIZAÇÃO DA PENA NO MÉTODO APAC ................................................. 52 
3.1 A PROPOSTA DE TERAPÊUTICA PENAL DA APAC ........................................ 54 
3.2 OS EFEITOS DA CONDENAÇÃO NO SISTEMA CONVENCIONAL E NA APAC 
E SUAS IMPLICAÇÕES APÓS CUMPRIMENTO DE PENA .................................... 59 
3.3 O MODELO APAC É SUFICIENTE PARA REFORMAR A PRISÃO E 
RECUPERAR O PRESO?......................................................................................... 66 
 
 
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 68 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 71 
ANEXO A .................................................................................................................. 74 
 
 
 
 
8 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho é focado no sistema penal brasileiro tendo como ponto de 
partida o sistema penitenciário, o cárcere e a sua realidade. Analisa a questão 
prisional no Brasil, entre o ideal da legislação penitenciária e a realidade prática 
vivenciada pelos detentos no sistema convencional de prisão em comparação com o 
método “novo” adotado, primeiramente no Estado de São Paulo. 
Esse método adotado é o da entidade civil de direito privado, sem fins 
lucrativos denominado Associação de Proteção e Assistência aos Condenados 
(APAC), hoje estabelecido solidamente no Estado de Minas Gerais, sendo referência 
para outras APACs a do município mineiro de Itaúna. 
O método APAC é um presídio que visa à humanização da pena, não possui 
policiamento e os próprios presos, denominados recuperandos fazem a segurança 
do local juntamente com voluntários integrantes da sociedade civil da comunidade 
onde a APAC esteja implantada. 
A APAC foi iniciada no ano de 1972, em São Paulo, através de uma pastoral 
penitenciária católica, liderada pelo advogado Mário Ottoboni, que na época era 
estudante do curso de Direito. 
Inaugurada em uma realidade bem diferente da atualidade, foi idealizada para 
a cidade de São José dos Campos no Estado de São Paulo, com o objetivo de 
tornar amena a problemática das rebeliões dos presos que viviam em uma 
superlotação do presídio da localidade. 
O coordenador da metodologia apaqueana, Mário Ottoboni, apresenta doze 
elementos essenciais à recuperação do preso. Suas premissas são: participação da 
comunidade, recuperando ajudando o recuperando,trabalho, religião, assistência 
jurídica, assistência à saúde, valorização humana, a família, o voluntário e sua 
formação, Centro de Reintegração Social (CRS), mérito e jornada de libertação com 
Cristo. 
Esse trabalho de conclusão de curso surgiu da ministração das aulas de 
Direito Processual Penal III - Execução Penal, por meio da professora mestre Neide 
Aparecida Ribeiro. Especialmente após a exposição do vídeo da Comissão 
Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Carcerário do ano de 2008 em sala de 
aula, esse documentário retrata a realidade do cárcere brasileiro. 
 
 
9 
 
O interesse pelo tema surgiu também através dos estágios I e II, realizados 
entre junho de 2012 a fevereiro de 2013, ocasião em que, durante oito meses, foram 
confeccionadas peças criminais no Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) da 
Universidade Católica de Brasília (UCB) no Tribunal de Justiça de Samambaia, 
Distrito Federal, tendo assim maior contado com os processos. 
Com a pesquisa sobre o sistema penitenciário, o método APAC apresentou-
se curioso e novo. Durante a pesquisa, foi feita uma ligação telefônica ao Ministério 
da Justiça pra obtenção de dados oficiais, por ser esse o órgão que fiscaliza a 
atuação do método, disseram que “não conheciam e nunca tinham ouvido falar do 
método APAC”. 
Descobriu-se que havia um portal na internet de informação, o Serviço de 
Acesso à Informação (SIC) do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Após 
uns vinte dias, responderam que “[...] no presente momento, este DEPEN não 
possui dados oficiais sobre as APACs e por esse motivo os números não são 
divulgados [...]”. porém o SIC entrou em contato com a APAC da cidade de Passos 
em Minas Gerais e forneceu alguns dados sobre o método1 (Anexo A). 
Como objetivo geral, a pesquisa analisou do ponto de vista exploratório, o 
método APAC com a finalidade de verificar se esse método é uma possível 
alternativa ao sistema penitenciário, capaz de produzir o resultado final da pena, ou 
seja, punir e ressocializar. 
Neste trabalho foi aplicado o método de abordagem dedutivo, ou seja, parte 
da teoria geral, no caso deste trabalho, o sistema penal, para as conclusões 
específicas confrontando o método APAC com os estabelecimentos prisionais 
convencionais geridos pelo Estado. 
O primeiro capítulo é justamente para começar esse método dedutivo, 
partindo do pressuposto do sistema penal brasileiro para o sistema penitenciário e a 
Lei de Execução Penal (LEP), analisando também a realidade do cárcere diante da 
execução das penas no Brasil. 
No segundo capítulo, é demonstrada a origem do método apaqueano e a sua 
organização estrutural, a expansão do método no sistema prisional e a sua 
transformação em política penitenciária em parceria com o Estado de Minas Gerais. 
 
1
 O SIC informou os índices de baixa reincidência fornecidos pela a APAC de Passos, Minas Gerais. 
 
 
10 
 
Por fim, no terceiro e último capítulo é abordado o cerne da discussão no 
trabalho, fazendo um maior link com o primeiro capítulo. A análise se baseia na 
aplicação da pena pelo método APAC, se esse método realmente visa e aplica a 
humanização da pena, tanto no ambiente prisional quanto na vida do recuperando 
para que esse seja reabilitado para o convívio social novamente. 
A comparação entre o aprisionamento na cadeia comum e o método 
apaqueano é inevitável, uma vez que a APAC é também uma prisão fazendo parte 
do sistema penitenciário e o tem como ponto de referência. 
 
 
11 
 
1 O SISTEMA PENAL BRASILEIRO 
 
O sistema penal há muito vem sendo discutido e criticado devido a sua 
problemática. Mas afinal o que vem a ser esse instituto e, qual a sua finalidade? 
Esse sistema é uma forma de controle social punitivo institucionalizado com a 
finalidade de abranger a partir da detecção ou de suposto apontamento de um crime 
até que advenha a execução de uma pena. Isto com fundamento normativo que cria 
uma lei para legalizar tal procedimento e os atores que nele atuam e também para 
determinar os fatos e espécies para esta ocasião. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 
2007). 
Esse sistema punitivo institucionalizado é parte do controle social. O direito 
penal se encontra em uma parte limitada, isso não diminui a sua importância, porém 
não é incondicional e absoluto como se imagina, pois o controle social através do 
sistema penal não se restringe aos limites do direito penal em si. 
O sistema penal é conceituado com um conjunto de entes que 
operacionalizam o exercício do poder de punir, o jus puniendi. De fato esse poder é 
exercido pelos seus setores básicos quais sejam o policial, o judicial e o executivo 
de maneira integrada na atividade institucional do sistema (ZAFFARONI; 
PIERANGELI, 2007). 
Cada um desses segmentos tem a sua ideologia, os professores Zaffaroni e 
Pierangeli explicam da seguinte forma: 
 
Quando se analisam os discursos ou argumentos com que cada um dos 
setores convergentes no sistema penal procura explicar e justificar sua 
participação, vemos que não há uma única ideologia do sistema penal, e 
sim uma pluralidade de ideologias que se traduz na multiplicidade dos 
discursos. O discurso jurídico ou judicial é, como regra geral, garantidor, 
baseado na retribuição ou na ressocialização (na Argentina e no Brasil 
costuma-se combinar ambos; o discurso policial é predominantemente 
moralizante; o discurso penitenciário é predominantemente terapêutico ou 
de “tratamento”). O discurso judicial desenvolve sua própria cultura: 
pragmática, legalista, regulamentadora, de mera análise da letra da lei, com 
clara tendência à burocratização (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2007, p. 68). 
 
É perceptível uma gama de discursos e atitudes divergentes e contraditórias, 
tendo como reflexo uma fragmentação do sistema penal, onde cada segmento 
ignora a função dos demais e imputa falhas uns aos outros. Esse sistema não 
 
 
12 
 
funciona de forma satisfatória e se encontra com compartimentos em atrito não 
atingindo o resultado devido, o controle social. Este será mais explanado a frente. 
Encontramos no sistema penal ações controladoras e repressoras que nada 
têm a ver com o que preconiza, ou seja, ser um instrumento de justiça. O sistema 
penal na sua prática tem sido um instrumento canalizador de vingança, 
(ZAFFARONI, 2012). 
 
1.2 O SISTEMA PENITENCIÁRIO E A LEI DE EXECUÇÃO PENAL 
O pensamento jurídico penal brasileiro é dividido em três fases principais, o 
período colonial, o Código Criminal do Império e período republicano (PRADO, 
2004). 
Foi na fase do período colonial que ocorreu a primeira menção feita à prisão 
brasileira, feita na implementação dos 143 títulos do Livro V das Ordenações 
Filipinas do Reino2, promulgadas por Filipe II, em 1603. As penas eram marcadas 
pela exorbitância, alcançando com extrema rigidez fatos insignificantes com 
tratamento desigual entre os condenados. 
As execuções se efetivavam através da forca, da fogueira, amputações dos 
membros do corpo como os braços ou as mãos dos infratores e a pena de morte 
também era aplicada. Essas Ordenanças regeram a sociedade brasileira por mais 
de duzentos anos, sendo portanto, as ordenações mais longas e a legislação efetiva 
do tempo colonial até ao início do Império. 
Posteriormente, a Constituição de 1824 decidiu que nas cadeias houvesse a 
separação dos presos pela tipificação dos crimes cometidos e pelas penas. 
Determinou a adaptação das prisões para que os presidiários pudessem trabalhar, 
desse modo, previu princípios sobre direitos e liberdades individuais, alterando o 
sistema penal (PRADO, 2004). 
O sistema penitenciário brasileiro tem origem marcada historicamente em 
1769, quando determinada pela Carta Régia do Brasil a construção da primeira 
cadeia brasileira, a Casa de Correção do Rio de Janeiro. 
 
2
 Código de leis portuguesas que foi implantadono Brasil durante o período Colonial. O Código 
decretava a Colônia como presídio de degredados. A pena era aplicada aos alcoviteiros, culpados de 
ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, 
resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos. 
 
 
 
13 
 
Em 1830, na fase do Código Criminal, foi sancionado o Código Criminal do 
Império pelo imperador Dom Pedro I, sendo o primeiro Código autônomo da América 
Latina. 
O marco do período republicano foi em 11 de outubro de 1890 pela previsão 
do Código Penal elaborado por Baptista Pereira quando convertido em lei. 
Apresentava muitos vícios de técnica, era “atrasado em relação à ciência de seu 
tempo” (PRADO, 2004, p. 120). 
A primeira tentativa de codificação dos preceitos da Execução Penal foi em 
1933 por meio do Código Penitenciário da República, mesmo com a publicação no 
Diário do Poder Legislativo, no Rio de Janeiro, edição de 25 de fevereiro de 1937, foi 
discutido até a promulgação do Código Penal de 1940, sendo aquele projeto 
abandonado (GOMES, 2010). 
Já nessa época, era visível, desde a origem, a problemática que atualmente é 
vivenciada pelo sistema penitenciário, por exemplo, a superlotação, o tratamento 
desumano, a rigidez da pena, tornando os presídios em depósito de seres humanos. 
O atual Código Penal de 1940 foi extremamente alterado e acrescido de 
várias legislações extravagantes para completá-lo, merecendo destaque a Lei nº 
6.416 de 1977 e a Lei nº 7.209 de 1984 que instituiu uma nova parte geral. E a LEP 
é uma dessas leis, que trata da fase de execução das penas. 
 
1.2.1 Objetivo da Lei de Execução Penal 
Em 1984 foi instituída a Lei nº 7.210 (LEP), que é uma lei recente diante da 
complexidade que regulamenta: o sistema penitenciário brasileiro na fase de 
execução penal. Essa lei regulamenta as garantias, os deveres e os direitos 
atribuídos aos presos, bem como do cumprimento da sentença e dos meios para a 
reintegração do preso à sociedade 
Prevê, ainda, o objetivo, as faltas cometidas pelos presos, a progressão de 
regimes, as funções dos conselhos penitenciários, as formas de execução das 
penas, etc. No entanto, sua normatividade apresenta vários pontos críticos, como o 
Regime Disciplinar Diferenciado 3 , a coleta de material genético (artigo 9-A e 
parágrafos), etc. E é a lei básica de todo condenado. 
 
3
 O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é uma forma de sanção disciplinar, prevista no artigo 52 
da LEP, que incide no recolhimento do preso em cela individual, pelo prazo máximo de 360 dias, 
 
 
14 
 
Em 25 de setembro de 2012, o senador José Sarney apresentou 
requerimento4 com a finalidade de realizar estudos e propor atualização da LEP 
através de uma Comissão de juristas. O senador justificou o seu requerimento, in 
verbis: 
 
Ultrapassados vinte e oito anos da edição da lei de Execuções Penais (Lei 
nº 7.210, de 1984), datada de 11 de julho de 1984, chegou o momento de 
propor a atualização do tema nos moldes do que vem ocorrendo com o 
Código de Processo Penal e do Código Penal, com o objetivo de tornar a 
legislação penal do Brasil condizente com a atual realidade de nossa 
sociedade. 
 
No mês de abril de 2013 a Comissão foi instalada, com prazo final em 2 de 
junho de 2013, prorrogação do prazo para o dia 30 de setembro e posteriormente 
prorrogação5 para o dia 12 de dezembro de 2013. Sendo presidente o senador 
Sidnei Agostinho Beneti e, a relatora, a senadora Maria Treza Uille Gomes. 
Aguarda-se o resultado desse estudo para atualização da LEP. 
Apesar de merecer retoques de atualização decorrente da dinâmica da 
própria sociedade, a LEP prevê o princípio constitucional da humanidade previsto no 
artigo 5º, inciso XLVII. Todavia, existe um abismo entre o que a LEP preconiza e a 
realidade, que veremos no subtítulo seguinte. 
A Lei de Execução Penal (LEP) tem duas metas a alcançar, a primeira é 
concretizar os efeitos da sentença penal ou da decisão criminal, a segunda tem 
como intuito proporcionar condições para a harmônica integração social do preso 
para que venha interagir com a sociedade de forma construtiva na sua reinserção 
social. 
A execuc ão penal deve o jetivar a integrac ão social do condenado ou do 
internado, j que é adotada a teoria mista ou eclética6. Segundo a qual prescreve o 
cerne do seu objetivo, consoante seu artigo 1º: “A execução penal tem por objetivo 
 
tendo direito a visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas 
horas e igual período diário de banho de sol. A aplicação do RDD constitui uma restrição provisória 
ao exercício dos direitos do preso. 
4
 Requerimento 848 (RQS 848). Disponível em: 
<http://www.senado.gov.br/atividade/comissoes/comissao.asp?origem=SF&com=1631> Acesso em 
15 de set. 2013. 
5
Prorrogação do RQS 848. Disponível em: 
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=114598>. Acesso em 11 out. 
2013. 
6
 A teoria mista ou eclética consiste na natureza retributiva da pena e não busca apenas a prevenção, 
mas também a humanização. 
 
 
15 
 
efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições 
para a harmônica integração social do condenado e do internado”. 
Podemos esmiuçar esse artigo com o fim de destrinchar o ideal proposto pela 
LEP e contrapor com a problemática real do sistema penitenciário. Em resumo, os 
objetivos pleiteados pela LEP são a socializac ão7 ou ressocialização8, com vistas à 
reinserc ão social9. 
A natureza jurídica da execução da pena é jurisdicional, pois seu propósito é 
tornar a pretensão punitiva do ente público eficaz abarcando também sua função 
administrativa. Tanto o poder judiciário quanto o executivo participam de forma ativa 
nessa atividade complexa que é a execução das penas. 
O artigo 4ª da LEP também prevê para a busca desses objetivos, a 
participação da comunidade no processo ressocializador do apenado, a qual é fator 
indispensável nas atividades de execuc ão das penas. Visto que o Estado se mostra 
ineficaz, deficiente e incapaz de atender ao mínimo dos pleitos e necessidades da 
sociedade brasileira, menos ainda, cumprirá os pleitos e necessidades dos presos. 
Com a leitura da LEP é perceptível que há uma contraposição com a 
Declaração de Direitos Humanos pela busca em discutir o sistema carcerário sob um 
aspecto sociológico, isso se dá pela posição da Declaração em estar nos debates 
internacionais centrais sobre o ser humano. 
 
1.2.2 Realidade do cárcere: execução das penas no Brasil 
 
"São Paulo, dia 1º de outubro de 1992, 8h da manhã. 
Aqui estou, mais um dia. 
Sob o olhar sanguinário do vigia. 
Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de uma HK. 
Metralhadora alemã ou de Israel. 
Estraçalha ladrão que nem papel. 
Na muralha, em pé, mais um cidadão José. 
 
7
 A socialização é o processo pelo qual os indivíduos aprendem e interiorizam as normas e os valores 
de uma determinada sociedade e de uma cultura específica, ou seja, é a tomada de consciência da 
estrutura social que envolve uma pessoa. Esse processo é possível mediante os agentes sociais, que 
são as instituições e os sujeitos representativos com capacidade para transmitir os elementos 
culturais apropriados. 
8
 A ressocialização é quando uma pessoa retorna novamente ao convívio social por meio de políticas 
humanísticas. Tornando-se sociável aquele que desviou por meio de condutas reprováveis pela 
sociedade e/ou normas positivadas. 
9
 A Organização das Nações Unidas conceituou a reinserção social, como uma metodologia que 
constitui em fornecer ao preso um caminho pelo qual possa reingressar na sociedadeatravés do 
acréscimo da escolaridade e do desenvolvimento de uma aptidão profissional. 
 
 
16 
 
Servindo o Estado, um PM bom. 
Passa fome, metido a Charles Bronson. 
Será que Deus ouviu minha oração? 
Será que o juiz aceitou a apelação? 
[...] 
Cada crime uma sentença. 
Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, 
sangue, vidas e glórias, abandono, miséria, ódio, 
sofrimento, desprezo, desilusão, ação do tempo. 
Misture bem essa química. 
Pronto: eis um novo detento 
[...] 
Comendo rango azedo com pneumonia... 
[...] 
Ladrão sangue bom tem moral na quebrada. 
Mas pro Estado é só um número, mais nada. 
Nove pavilhões, sete mil homens. 
Que custam trezentos reais por mês, cada. 
[...] 
Lealdade é o que todo preso tenta. 
Conseguir a paz, de forma violenta. 
[...] 
Mas não imaginavam o que estaria por vir. 
Traficantes, homicidas, estelionatários. 
Uma maioria de moleque primário. 
Era a brecha que o sistema queria. 
Avise o IML, chegou o grande dia. 
Depende do sim ou não de um só homem. 
Que prefere ser neutro pelo telefone. 
[...] 
O ser humano é descartável no Brasil. 
Como modess usado ou bombril. 
Cadeia? Claro que o sistema não quis. 
Esconde o que a novela não diz. 
Ratatatá! sangue jorra como água. 
Do ouvido, da boca e nariz. 
O Senhor é meu pastor... 
perdoe o que seu filho fez. 
Morreu de bruços no salmo 23, 
sem padre, sem repórter. 
sem arma, sem socorro. 
Vai pegar HIV na boca do cachorro. 
Cadáveres no poço, no pátio interno. 
Adolf Hitler sorri no inferno! 
O Robocop do governo é frio, não sente pena. 
Só ódio e ri como a hiena. 
Ratatatá, Fleury
10
 e sua gangue 
vão nadar numa piscina de sangue. 
Mas quem vai acreditar no meu depoimento? 
Dia 3 de outubro, diário de um detento." 
 
“Di rio de um detento”, esse é o nome do poema acima transcrito. 
Composição feita pelo rapper Mano Brown 11 , letra inspirada por suas visitas 
 
10
 Governador na época do massacre, estava viajando pelo interior do Estado de São Paulo no dia do 
massacre. 
11
 Líder do grupo de rap Racionais Mc’s. 
 
 
17 
 
assíduas à prisão do Carandiru e pelo diário de Jocenir Fernandes Prado, que na 
época era um detento. O rapper conheceu Jocenir na cadeia e após ler seu caderno 
de anotações sobre o cotidiano na detenção, compôs o rap. A canção relata de 
forma seca e crua o cotidiano do complexo do Carandiru12, sua última parte retrata o 
massacre13. 
Esse poema foi musicalizado pelo grupo de rap Racionais Mc’s. Jocenir é um 
ex-preso que tam ém escreveu um livro, “Diário de um detento”, declara-se inocente 
das acusações que lhe foram imputadas, é pai de família e comerciante. O 
julgamento levou onze meses, foi condenado há oito anos e três meses por 
receptação de carga no dia 8 de dezembro de 1994 e cumpriu pena até o dia 13 de 
novembro de 1998, era réu primário (RIBEIRO, M., 2012). 
Apelou da sentença na cadeia e foi absolvido, no entanto o recurso levou três 
anos e quatro meses para ser julgado. Se ele não tivesse interposto o recurso, por 
ser réu primário, teria retomado sua liberdade em dez meses aproximadamente. 
Nesse período, passou pela cadeia municipal de Barueri, pela Casa de Detenção no 
Carandiru e pelo presídio de Avaré. Jocenir, apenas um de muitos ex-presos que 
sentiram a dura e fria realidade do que é o cárcere brasileiro. 
Essa canção retrata de forma sombria a realidade da Casa de Detenção de 
São Paulo, como muitos outros cárceres brasileiros, o Carandiru, como ficou 
conhecido é um exemplo de que o sistema penitenciário brasileiro é reconhecido 
como falido e se encontra como um problema caótico e de praticamente impossível 
solução. O caso do Carandiru não é uma exceção, não é um fato isolado de chacina 
 
12
 O complexo do Carandiru foi criado oficialmente a partir da construção do Instituto de Regeneração 
do Carandiru: a Penitenciária de São Paulo, inaugurada no dia 31 de julho de 1920. Seu construtor, 
Francisco de Paulo Ramos de Azevedo, arquiteto reverenciado por tantas obras em São Paulo, fez 
dessa prisão um modelo a ser seguido pelos homens da Justiça. Em 1927, transformada em 
“maravilha da engenharia penitenci ria”, ganhou a curiosidade do pú lico: registrou uma frequência 
de visitantes em torno de vinte mil pessoas incluindo franceses, japoneses, árabes e norte-
americanos. A referida penitenciária passou a ser considerada como o grande centro penal do mundo, 
ficando aberta à visitação pública – tornando-se uma atração turística para os jovens estudantes de 
direito e medicina, curiosos em conhecer a famosa penitenciária cujo modelo tornara-se uma 
referência. O que pode ser constatado mais tarde, quando foi verificado o nível de reincidência dos 
presos daquele estabelecimento: apenas 4% do total dos presos voltaram a cometer crimes; isto é, 
dos 5.500 presos que passaram por lá entre 1920 e 1944, 110 foram reincidentes. Foi desativado e 
parcialmente demolido em 2002 no governo de Geraldo Alckmin, no local foi construído o Parque da 
Juventude (Pedroso, 2012, p. 124). 
13
 Em 2 de outubro de 1992 ocorreu o massacre quando 111 presidiários foram mortos no evento 
realizado pela Polícia Militar de São Paulo na Casa de Detenção São Paulo, o Massacre do 
Carandiru como ficou conhecido internacionalmente foi uma intervenção da ROTA - Rondas 
Ostensivas Tobias Aguiar - (conhecida pela sua atuação violenta e assassina). 
 
 
18 
 
no cárcere, é uma realidade estimuladora ao mundo do crime, da corrupção e do 
que ocorre em outras instituições prisionais. 
Anterior ao massacre do Carandiru, o escritor brasileiro Graciliano Ramos, 
considerado um dos maiores escritores do século XX, foi preso em 1936 em Maceió 
e enviado a Recife após o pânico influído com a denominada Intentona Comunista14. 
Foi acusado de envolvimento político com o Partido Comunista, de 1935. Mesmo 
sem acusação formal e sem processo foi deportado em um porão de navio ao Rio de 
Janeiro, onde permaneceu encarcerado até janeiro de 1937, ano em que foi liberto. 
Nesse período escreveu a obra literária Memórias do Cárcere, publicado 
postumamente em 1953. Narra a sua história e a de outros presos e é um 
testemunho da realidade do cárcere brasileiro da década de 30, de uma pessoa que 
sem saber o motivo de sua prisão viveu em um regime ditatorial apontado de Estado 
Novo. 
Alguns momentos relatados na referida obra literária: 
 
[...] Habituara-me de fato, desde a infância, a presenciar violências, mas 
invariavelmente elas recaíam em sujeitos da classe baixa. Não se concebia 
que negociantes e funcionários recebessem os tratos dispensados 
antigamente aos escravos e agora aos patifes miúdos. E estávamos ali, 
encurralados naquela imundície, tipos da pequena burguesia, operários, de 
mistura com vagabundos e escroques. E um dos chefes da sedição 
apanhara tanto que lá ficara em Natal, desconjuntado, urinando sangue. 
Não me abalancei a indiscrições relativamente aos outros – evitei melindrá-
los. Teriam pudor, certamente, calar-se-iam se possuíssem as terríveis 
chagas incuráveis. Meias palavras, referências vagas, ambigüidades 
trouxeram-me a convicção de que todos ali, ou quase todos, haviam sido 
torturados e não conservavam disso nenhuma vergonha. Espantei-me no 
começo, depois busquei uma explicação. Provavelmente a autoridade 
considerava os meus novos companheiros pouco mais ou menos iguais aos 
ladrões. Queriam eliminar os ricos, suprimir a exploração do homem na 
lavoura e na fábrica. Certo não alcançariam esse objetivo, por enquanto 
desejavam apenas a distribuição razoável da terra, melhores condições de 
vida para o trabalhador. Um roubo. E, pegados com armas na mão, 
nivelavam-se aos bandidos e recebiam suplícios infamantes. Não se 
julgavam, contudo, humilhados. Porquê? Talvez não supusessem 
completamente desarrazoada essa justiça bruta e sumária. Eles, como os 
escravos indolentes e os salteadores, minavam afortuna, pelo menos 
pretendiam miná-la. Natural que os proprietários, senhores do Estado, os 
estigmatizassem, cobrissem de ignomínia. Não lhes feriam somente o corpo 
tentavam, encharcando-os na lama, no opróbrio, embotar-lhes os espíritos, 
paralisar-lhes a vontade. Conhecida, porém, essa intenção, muito se 
 
14
 Intentona Comunista, também conhecida como Revolta Vermelha de 35 e Levante Comunista, foi 
uma tentativa de golpe contra o governo do presidente brasileiro Getúlio Vargas realizado em 
novembro de 1935 pelo PCB (na época, Partido Comunista do Brasil) em nome da Aliança Nacional 
Libertadora. Era uma conspiração de natureza político-militar pelas reivindicações políticas imediatas 
contra um governo autoritário. 
 
 
19 
 
reduzia o efeito dela. Realmente havia as dores físicas. E findas as torturas, 
os corações se desoprimiam (RAMOS, 1953, p. 198-199). 
[...] 
O mundo se tornava fascista. Num mundo assim, que futuro nos 
reservariam? Provavelmente não havia lugar para nós, éramos fantasmas, 
rolaríamos de cárcere em cárcere, findaríamos num campo de concentração. 
Nenhuma utilidade representávamos na ordem nova. Se nos largassem, 
vagaríamos tristes, inofensivos e desocupados, farrapos vivos, velhos 
prematuros; desejaríamos enlouquecer, recolhernos ao hospício ou ter 
coragem de amarrar uma corda ao pescoço e dar o mergulho decisivo. 
Essas idéias, repetidas, vexavam-me; tanto me embrenhara nelas que me 
sentia inteiramente perdido (RAMOS, 1953, p. 262). 
[...] 
O resto do corpo minguava, tinha fracas exigências, funcionava para levar 
um pouco de sangue à poderosa máquina. A voz calma narrava-me cenas 
de arrepiar – e não se elevava, escorria dos beiços finos, banhava o sorriso 
permanente como um fio de água gelada. Ao deixar a sala de tortura, Sérgio 
mexia-se a custo: andava nas pontas dos pés feridos, arrastando os 
sapatos, os calcanhares fora dos tacões: a rigidez do couro magoava-lhe a 
carne viva, sangrenta. Num corredor enxergava de longe a cabeça da 
mulher. E enviara-lhe um aceno, tentara apagar no rosto qualquer vestígio 
de padecimento. Ouvindo isso, falei no ódio que ele devia experimentar. 
Olhou-me atônito: 
– Ódio? A quem? 
– Aos indivíduos que o supliciaram, já se vê. 
– Mas são instrumentos, sussurrou a criatura singular. – Aos que os dirigem. 
Aos responsáveis por isso. – Não há responsáveis, todos são instrumentos. 
Na verdade ele tinha razão. Contudo, se me houvessem atormentado, não 
me livraria da cólera, pediria todas as desgraças para os meus carrascos. 
– Se lhe aparecesse meio de vingar-se, não se vingaria? – Que lembrança! 
(RAMOS, 1953, p. 352-353). 
[...] 
NAQUELE dia a comida veio muito ruim, de aspecto mais desagradável que 
o ordinário. No caixão, ao pé da grade, empilhavam-se os pratos – e o 
alimento se comprimia formando uma pasta onde se misturavam carne, 
peixe, arroz e batatas esmagadas. Entramos na fila, passo a passo nos 
avizinhamos dos faxinas ocupados na distribuição, recebemos a bóia 
enjoativa e a sobremesa: uma laranja murcha, uma banana preta, meio 
podre. Afastei-me, pegando a louça imunda, a sentir nos dedos grãos 
machucados e gordura, subi os degraus de ferro. Lá em cima iria repetir-se 
a dificuldade comum nas refeições. A falta de mesa ou cadeira, forrávamos 
a cama com jornais guardados para as tochas com que se queimavam os 
percevejos. Evitávamos assim o contato da coisa repugnante com as 
cobertas. Mas a imprensa ali era clandestina, só tinha livre curso à noite, 
nos resumos badalados pela Rádio Libertadora. Minguava o papel – e, 
depois da queima dos insetos, procedíamos como bichos, segurando a 
comida, num embaraço horrível (RAMOS, 1953, p. 442-443). 
[...] 
A horrível comida insuficiente arruinava estômagos e intestinos. Nenhuma 
relação com o exterior, ausência do mundo, abandono completo. Além das 
grades, o destacamento policial, a direção percebida na figura nanica de um 
anspeçada irascível e mau; no alojamento ignóbil, a predominância dos 
vagabundos e malandros, os sequazes de Moleque Quatro a vigiar. Era 
terrível e burlesco. Homens aniquilados, na dependência arbitrária de um 
anão irresponsável, de um criminoso boçal. Essas duas potências 
harmonizavam-se. Na imensa porcaria, duzentos indivíduos postos fora da 
sociedade achatavam-se numa prensa, ódio em cima e embaixo (RAMOS, 
1953, p. 540-541). 
 
 
 
20 
 
Ramos foi prefeito de sua cidade natal, Palmeira dos Índios no Estado de 
Alagoas em 1928 e, por dois anos exerceu o cargo, renunciando em 10 de abril de 
1930. Consoante em uma das auto-descrições que fez “[...] Quando prefeito de uma 
cidade do interior, soltava os presos para construírem estradas.” 
Um caso de destaque na política brasileira atual foi à prisão do deputado 
federal Natan Donadon de Rondônia, que foi denunciado na década de 90 pelo 
Ministério Público de Rondônia pelos crimes de formação de quadrilha e peculato, 
mas somente em 2013 foi preso, cumpre pena de 13 anos devido à condenação 
pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no Complexo Penitenciário da Papuda, em 
Brasília. Na sessão, 233 deputados votaram pela cassação, no entanto eram 
necessários 257 votos. Veja foto do deputado em sessão plenária (ver Figura 1). 
 
Figura 1 – Ex-deputado federal Natan Donadon no plenário da Câmara dos Deputados 
 
 
 
Fonte: Veja (2013) 
 
Na noite de 28 de agosto de 2013, em seu discurso no Plenário da Câmara 
dos Deputados, o ex-deputado relatou sua experiência de dois meses na Papuda: 
 
É muito difícil para mim estar passando por esta situação, numa prisão, num 
isolamento, Prisão de Segurança Máxima — PSM, numa ala em que os 
companheiros de prisão dizem P-0, prisão zero, porque não tem nada. 
Agora, na hora de vir para cá, pouco antes, fui tomar um banho, e faltou 
água na torneira. Lá não há chuveiro, é uma torneira de água fria, e 
justamente hoje faltou água. E eu tive que — estava todo ensaboado e 
acabou a água do presídio — recorrer a um preso ao lado da minha cela. 
Ele tinha algumas garrafinhas de água, não era água mineral, mas 
garrafinhas nas quais ele guardava água, porque ele dizia que às vezes 
faltava. 
Eu sempre tinha um balde — porque nós temos um balde que usamos lá —, 
porque lá o vaso sanitário é igual aos dos banheiros públicos, enfim, postos 
de gasolina. Então, há um balde, e a gente sempre guarda um balde de 
água cheia, justamente para, quando acabar a água, você ter ali uma água 
reservada. E eu sempre fiz isso, mas hoje, um dia muito diferente, atípico, 
 
 
21 
 
de todos os dias, eu não pude fazer isso. E, na hora em que eu fui tomar 
banho, acabou a água. Daí o colega tinha algumas garrafinhas de água 
guardadas, e eu as pedi a ele. Acabei de tomar banho com essas poucas 
garrafinhas de água que ele me emprestou. 
[...] 
Nesses 60 dias que eu estou preso lá, tenho sofrido muito. Tenho sofrido 
muito. É desumano o que um prisioneiro passa, o que eu passei nesses 
dias. A minha família tem sofrido muito. (G1, 2013) 
 
A CPI de 2008 visitou todos os presídios brasileiros e se deparou com uma 
realidade inacreditável, porém real. Os objetivos dessa CPI consistiram em averiguar 
a realidade do sistema carcerário do Brasil, se o cumprimento da pena tem 
alcançado sua finalidade e de investigar se as denúncias feitas eram reais. 
Posto isso, o descrédito diante do não alcance da finalidade da pena era e 
atualmente é claro e evidente, visto que a finalidade executiva da pena não é 
alcançada, qual seja, punir e humanizar, pois é essa a natureza da teoria eclética da 
execução penal adotado pelo Brasil. 
Um dos maiores impasses que transformam o sistema carcerário em um 
problema, e não em uma solução, é a discriminação inerente advinda da sociedade 
e o descaso do Estado em não cumprir com os seus deveres como tal e a sua má 
gestão. 
Antes de se falar em reinserção do condenado na sociedade é preciso uma 
análise crítica a respeito dessa relação. Sociedadee preso se relacionam e o fruto 
gerado dessa relação não é satisfatório para que haja uma das ordens da finalidade 
penal, que é a reinserção social do preso. 
A sociedade brasileira tem uma mentalidade influenciada pelo sistema 
capitalista15, vejamos o ensinamento do referido professor: 
 
[...] relações baseadas no egoísmo e na violência ilegal, no interior das 
quais os indivíduos socialmente mais débeis são constrangidos a papéis de 
submissão e de exploração. Antes de falar de educação e de reinserção é 
necessário, portanto, fazer um exame do sistema de valores e dos modelos 
de comportamento presentes na sociedade em que se quer reinserir o preso. 
Um tal exame não pode senão levar à conclusão, pensamos, de que a 
verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo 
condenado: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a 
sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão 
(BARATTA, 2002, p. 186). 
 
 
15
 O capitalismo é um sistema econômico em que os meios de produção e distribuição são de 
propriedade privada e com fins lucrativos; decisões sobre oferta, demanda, preço, distribuição e 
investimentos não são feitos pelo governo, os lucros são distribuídos para os proprietários que 
investem em empresas e os salários são pagos aos trabalhadores pelas empresas. 
 
 
22 
 
A participação da sociedade é fundamental para a recuperação dos 
condenados. Pois se a sociedade demonstra confiança na recuperação do preso, 
com um comportamento que o reinclua, através de oportunidades de estudo e de 
emprego, terá, portanto mais chance de ser reinserido no meio social e a sua 
recuperação será mais efetiva, uma vez que não estará sendo rotulado como um 
“ex-preso”, mas sim como alguém que errou e que quer mudar a sua perspectiva de 
vida. 
Essa é uma discussão de anos, no entanto, não há muitas mudanças 
positivas. Cobrar uma postura das pessoas marginalizadas pela própria sociedade 
sem lhes dar oportunidades de uma perspectiva de vida melhor do que a do 
submundo do crime, é um acerto de contas insano. 
Há princípios a serem observados e em maior importância, consoante 
Nogueira (1996, p.7 apud MARCÃO, 2009, p.4), o da “[...] humanização da pena, 
pelo qual se deve entender que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que 
devem ser respeitados, sem que haja excesso de regalias, o que tornaria a punição 
desprovida da sua finalidade”. 
Se não há a humanização da pena quanto ao cumprimento desta, como o 
preso sairá da prisão com uma perspectiva de vida melhor de quando entrou no 
sistema carcerário? E no momento em que conquistar a sua liberdade encontrará 
uma sociedade disposta a reinseri-lo novamente? Isso, se partirmos do pressuposto 
de que ele um dia já esteve inserido nela. 
O sistema carcerário por si só não é capaz de cumprir com o quinhão que 
cabe à sociedade quanto à pena, a ressocialização e assistência de um semelhante. 
A deficiência do sistema não está na normatividade da lei, mas sim na não 
aplicação efetiva da LEP: 
 
O grave pro lema é o grande distanciamento, o verdadeiro a ismo que h 
entre o ideal normativo e a realidade pr tica, algo que não se resolve com 
outra lei ou mudanc as na lei vigente, mas com a forc a produtiva de uma 
nova cultura, capaz de um olhar atualizado so re a questão carcer ria; com 
a ideac ão e a implantac ão de políticas pú licas inteligentes e efetivas, que 
se relacionem definitiva e eficazmente com os princípios e garantias 
constitucionais, ideal do qual nos encontramos a anos-luz. O pro lema, por 
aqui, não est na lei, mas na sua reincidente não aplicac ão (MARCÃO, 
2009, p. 17). 
 
 
 
23 
 
O artigo 10 e incisos da LEP, o qual trata da assistência ao condenado, 
preceitua que “A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando 
prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. 
Esse assunto é complexo e muito extenso, portanto a temática será 
delimitada ao cumprimento de pena, à ressocialização e à reinserção do condenado 
na sociedade, em um novo modelo pouco conhecido denominado Associação de 
Proteção e Assistência ao Condenado – APAC. 
É certo que o Estado, lamentavelmente, não tem concedido a devida atenção 
ao sistema carcerário, ignorando a necessidade latente de humanização do 
cumprimento de pena, em especial ao de pena privativa de liberdade. Constituindo 
assim verdadeiros calabouços, lugares totalmente insalubres e desumanos, muito 
aquém do que preceitua e impõe a Constituição Brasileira em seus princípios de 
respeito à integridade física e moral dos condenados. 
Analisando a história do Brasil, verifica-se que as primeiras prisões se 
perpetuam na contemporaneidade das prisões atuais. Apesar da LEP ser embasada 
no princípio da dignidade humana, nota-se na realidade carcerária, características 
das antigas prisões, ainda no tempo do Império. 
Constata-se a estrutura primária da subcultura dos antigos institutos de prisão, 
que até agora tem transformado em improfícuo a intenção de socialização e 
reinserção por meio dessas instituições institucionalizadas. 
Deparamo-nos com uma realidade de dificílima solução. Mas o que seria mais 
fácil, mais cômodo para a sociedade e para o Estado? Omitir essa situação surreal, 
mas que ocorre, parece menos agressivo continuar na zona de conforto. A 
professora Neide Aparecida Ribeiro, da Universidade Católica de Brasília em um 
 reve texto em seu log “Repensando o Sistema Penal”, afirma: 
 
Trancafiar é mais simples que libertar. Prender seletivamente os desviantes 
escolhidos pelo sistema penal e esquecê-los no cárcere não é difícil, afinal 
quem vai sentir falta dessas pessoas? 
As chaves das celas demoram muito para se abrir. Quem tem o controle 
delas tem o poder sobre o destino e a vida do detento. E quando se abrirem 
os males já instalados no corpo e no espírito do preso serão irreversíveis 
pois as algemas marcaram a ferros. Esse é o dilema entre as chaves e as 
algemas posto que, embora as chaves possam libertar o corpo outrora 
preso, a alma permanecerá encarcerada por toda a vida (RIBEIRO, N., 
2013). 
 
A deficiência consiste também e, de forma originária, em não se aplicar aos 
homens do cárcere o dever constitucional de humanidade que é devido e óbvio. Já 
 
 
24 
 
que se aplica um “castigo”, uma prisão, e não existe redução do índice de pessoas 
presas no Brasil. Vejamos os índices de crescimento da população carcerária nos 
últimos treze anos informados pelo DEPEN em dezembro de 2012 (ver Gráfico 1): 
 
Gráfico 1 – Crescimento da população carcerária nacional 
 
 
 
Fonte: Infopen (2012) 
 
Nessa tabela, com dados oficiais do DEPEN, verifica-se que é crescente o 
número de condenados nos estabelecimentos prisionais brasileiros, alcançando o 
índice de quase 600 mil presos16 em 2012. 
 
1.3 O SISTEMA PENAL COMO CONTROLE SOCIAL 
O controle social é a função do direito de dar estrutura e garantia à ordem 
social e econômica (BATISTA, 2001, p 21). A professora venezuelana, Lola Aniyar 
de Castro ensina que o controle social: 
 
 
16
 O número exato da população carcerária brasileira nacional é de 548.003 presos em dezembro de 
2012, dados fornecidos pelo Infopen. Disponível em: 
<http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-
22166AD2E896}&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7BC37B2AE9-4C68-4006-
8B16-24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D>. 
Acesso em: 05 nov. 2013. 
http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7bD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7d&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D
http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7bD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7d&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7Dhttp://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7bD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7d&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D
 
 
25 
 
[...] não passa da predisposição de táticas, estratégias e forças para a 
construção da hegemonia, ou seja, para a busca da legitimação ou para 
assegurar o consenso; em sua falta, para a submissão forçada daqueles 
que não se integram à ideologia dominante (1987, p. 119 apud BATISTA, 
2001, p. 22). 
 
O direito penal é importante no âmbito do controle social, pois em muitas 
outras circunstâncias pode desempenhar um papel, como por exemplo, educativo e 
transformador. A ascendência da função do controle social é, entretanto, axiomática, 
ou seja, indiscutível (BATISTA, 2001). 
Zaffaroni argumenta que em toda sociedade existe uma estrutura de poder e 
segmentos que estão mais próximos desse poder, no outro polo estão os 
marginalizados. O estruturalismo de poder se alimenta por meio do “controle social e 
de sua parte punitiva, que chamamos sistema penal” (ZAFFARONI; PIERANGELI, 
2007). 
Por isso que esse doutrinador explica o controle social em duas partes, uma 
denominada de controle social difuso (meios de massa, família, rumores, 
preconceitos, etc) e o controle social institucionalizado que diz respeito ao controle 
social feito pelo sistema penal, como a polícia, os juízes, os agentes penitenciários e 
outros. 
 
O controle social se vale, pois desde meios mais ou menos “difusos” e 
encobertos até meios específicos e explícitos, como é o sistema penal 
(polícia, juízes, agentes penitenciários, etc.). A enorme extensão e 
complexidade do fenômeno do controle social demonstra que uma 
sociedade é mais ou menos autoritária ou mais ou menos democrática, 
segundo se oriente em um ou outro sentido a totalidade do fenômeno e não 
unicamente a parte do controle social institucionalizado ou explícito 
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2007, p.59). (grifo do autor) 
 
Portanto, para aferir o controle social institucionalizado em um contexto 
específico, não se deve engessar apenas no âmbito do sistema penal e puramente 
na lei penal, entretanto é imprescindível considerar todas as estruturas que 
envolvem o contexto analisado. Esse contento pode ser autoritário ou não, vejamos 
o que ensina Zaffaroni e Pierangeli: 
 
[...] a estrutura familiar (autoritária ou não), a educação (a escola, os 
métodos pedagógicos, o controle ideológico dos textos, a universidade, a 
li erdade de c tedra etc.), a medicina (a orientação “anestesiante” ou 
puramente organicista, ou mais antropológica de sua ideologia e prática) e 
muitos outros aspectos que tornam complicadíssimo o tecido social. Quem 
quiser formar uma idéia do modelo de sociedade com que depara, 
esquecendo esta pluridimensionalidade do fenômeno de controle, cairá em 
um simplismo ilusório (ZAFFARON, PIERANGELI, 2007, p. 59). 
 
 
 
26 
 
Qual é a importância de ter um mecanismo que se utiliza do sistema penal 
institucionalizado? É racional que o controle social respeite os Direitos Humanos, 
porém os efeitos produzidos são contrários ao que está prescrito nos direitos de 
humanidade, de dignidade da pessoa. 
Decerto que após à análise da realidade carcerária brasileira depara-se com o 
não cumprimento dessa prerrogativa de humanização, de direitos inerentes ao ser 
humano. Dar ares de não ter a “importância que o discurso jurídico ordinário lhe 
atribui, ocupando um lugar mais modesto, ainda que esta afirmação escandaliza a 
muitos juristas formados no idealismo ou no positivismo jurídico”, conforme leciona 
Zaffaroni e Pierangeli (2007). 
O sistema penal é a peça institucionalizada do controle social que procede 
punitivamente dada a sua realidade punitiva e em sua, inquestionável, maioria 
desumana dada a sua execução real contradizente a sua previsão legal 
(ZAFFARONI; PIERANGELI, 2007). 
 
 
27 
 
2 ORIGEM E ADMINISTRAÇÃO DA APAC 
2.1 ORIGEM DA APAC 
Originalmente, instituída como uma pastoral penitenciária católica através do 
movimento Cursilhos de Cristandade17 , Amando ao Próximo Amarás a Cristo, a 
APAC surgiu em 18 de novembro de 1972, com a iniciativa de Mário Ottoboni na 
Cadeia Pública de São José dos Campos no Estado de São Paulo. 
No ano de 1969, Ottoboni sensibilizado com a humilhação degradante do 
ambiente carcerário da cadeia de Humaitá, realizou um apostolado em conjunto com 
os presidiários dessa instituição o que deu origem a organizar a metodologia 
apaqueana. 
A experiência não foi a mais animadora, porém Ottoboni perseverou no seu 
projeto. Segundo o doutor em psicologia social pela Universidade de São Paulo 
(USP), Massola (2005), no primeiro evento foi realizada uma missa, no entanto com o 
descaso dos agentes penitenciários, aquela não durou mais de quinze minutos, ainda 
esperava por quinze detentos, ocorrendo a desistência de oito sobraram poucos para 
compartilhar do momento religioso. 
Após a missa haveria um lanche com salgadinhos, entretanto se resumiu em 
um engolir a seco e, logo após, o encaminhamento dos presos, que tinham optado 
por participar da missa, às suas celas. Essa experiência frustrante não o desanimou, 
e com a ajuda da pastoral católica organizou uma nova cerimônia com doze pessoas 
e as visitas começaram a ser assíduas. 
Com esse trabalho totalmente voluntário, consistindo em uma assistência 
material de produtos pessoais, como roupas, e higiênicos e também da assistência 
religiosa, esse grupo passou a perceber a necessidade de sistematizar o seu 
trabalho. Pediram para que cada cela elegesse um representante que ficaria 
responsável pela lista de pedidos de todos na cela, a idéia implantada foi muito bem 
acolhida pelos presidiários. 
 
17
 Os Cursilhos de Cristandade tiveram início em janeiro de 1949, eram dirigidos pelo Dom Juan 
Hérvas, Bispo da Ilha de Palma de Mallorca na Espanha sendo estendido à América do Sul. Consistia 
na concepção triunfal do cristianismo, visto como a única e integral solução para todos os problemas 
humanos. O primeiro encontro realizado no Brasil foi em abril de 1962 no Estado de São Paulo 
(CAMARGO, 1984, p. 16). 
 
 
28 
 
Com uma equipe de pessoas mais estruturada e com o contato direto com os 
presos, decidiram estudar a realidade do cárcere brasileiro para melhor lhes 
atenderem a fim de diminuir a amargura da sobrevivência na prisão. Todavia com 
uma intenção de reinseri-los novamente na ambiente social, iniciando, assim, o 
esboço do que viria a ser a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado, 
conhecida como APAC. 
A APAC começou a administrar metade das celas da cadeia pública de São 
José dos Campos, e no ano seguinte, em 1974 começou a implantar a cadeia 
albergue, a qual consiste em liberar os presos durante o dia para exercerem atividade 
laboral e voltando à APAC à noite, quando ainda não existia previsão legal para tal 
atividade. A APAC, também passou a fiscalizar o comportamento dos presos para 
que fossem inseridas regras de conduta essenciais para se adquirir o apoio dos 
voluntários na instituição (MASSOLA, 2005). 
Ottoboni era estudante do curso de Direito e nesse período um professor 
substituto, o Juiz Corregedor dos Presídios da 2ª Comarca da cidade, Sílvio Marques 
Netto, o vendo preocupado com a reinserção do ex-preso em conseguir um emprego, 
o aconselhou a fundar uma associação civil encarregada de fomentar o atestado de 
bom comportamento do egresso para que facilitasse a aquisição de empregos 
(CAMARGO, 1984; OTTOBONI, 2006; VARGAS, 2011). 
Deste modo, no dia 15 de junho de 1975, realizou-se a Assembléia Geral de 
Fundação da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado, mantendo os 
mesmos objetivos e a sua sigla inicial, porém alterando sua razão social e o 
significado da sigla. Oficializado pelo Poder Judiciário, pelo Provimento 02/1975,de 
30 de setembro de 1975, transformou-se em uma entidade civil de direito privado e 
ainda como órgão auxiliar da Corregedoria dos Presídios e as normas do seu 
estatuto deveriam ser obedecidas como parte do Provimento que a instituiu 
(CAMARGO, 1984). 
 
A importância dessa declaração estatutária está na força e no respeito que 
a APAC passa a receber do organismo policial para bem desempenhar suas 
atividades, uma vez que ninguém desconhece que, com raríssimas 
exceções, os maiores entraves para o trabalho pastoral são encontrados na 
área de segurança, pois, erroneamente, seus agentes acreditam que esse 
grupo de pessoas vem aumentar suas tarefas e ‘proteger andidos’. Uma 
equipe de Pastoral Penitenciária sem o respaldo do Poder Judiciário, 
dificilmente consegue dar continuidade, por muito tempo, à sua missão, pois, 
surgidas as dificuldades, perseguições, calúnias e difamações, não tem a 
quem recorrer, sucumbindo ou mudando sua atividade local (OTTOBONI, 
2006 p. 32). 
 
 
29 
 
 
No ano de 1976, Otto oni lançou o livro “Cristo Chorou no C rcere”. No 
lançamento deste, segundo os fundadores da Apac joseense, o Presidente da 
República na época, Geisel, estava na cidade de São José dos Campos e acabou 
recebendo um exemplar autografado. Após a leitura encaminhou o exemplar ao 
Ministro da Justiça, Armando Falcão, com a finalidade de que fosse estudado, pois 
achava que a solução para a problemática penitenciária estava na metodologia 
apaqueana. Após o estudo o ministro comissionou dois assessores para conhecerem 
a Apac pessoalmente e, a partir desse exame, inspirou-se a Lei nº 6.416 de 1977 do 
Código Penal18 para humanizar a aplicação da pena brasileira. Portanto o que a 
APAC já fazia espontaneamente, voluntariamente, passou a ser oficial no Brasil 
(FAMÍLIA CRISTÃ, 1981, apud CAMARGO, 1984). 
Já em 1979, com a manifestação dos presos joseenses, devido às condições 
desumanas do espaço físico, houve a desativação do presídio. Após três anos, em 
1983, o juiz Nilo Cardoso Perpétuo, delegou aos voluntários da APAC a gestão da 
penitenciária desativada. Com a ajuda da comunidade conseguiram reformar o 
edifício e no ano seguinte adquiriram a total gestão da cadeia pública de São José 
dos Campos. 
Estiveram presentes na cerimônia de posse, em 11 de agosto de 1984, as 
autoridades locais e todos aqueles que estavam curiosos com a nova administração 
surpreendente, porque se abstém do convencional de um presídio comum. 
Dispensou a estrutura de uma prisão tradicional, avocando um trabalho 
explicitamente voluntário, ou seja, não há agentes penitenciários tanto para a 
segurança do local quanto para fazer escolta dos presos que tenham que sair para ir 
ao Fórum ou ao médico, por exemplo. 
Dois anos mais tarde, a APAC se filiou à ONG de justiça criminal, Prison 
Fellowship International19 (PFI). É uma associação global, uma ONG com mais de 
100 organizações nacionais, é ativa internacionalmente, com uma rede de mais de 
 
18
 Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977. Altera dispositivos do Código Penal (Decreto-lei nº 2.848, de 7 
de dezembro de 1940), do Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941), 
da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941), e dá outras 
providências. 
19
 A PFI, começou, desde 1986, a ter contato com a APAC, oficializando sua filiação em junho de 
1989. Desde então, a APAC passou a participar das reuniões e cursos regionais e internacionais da 
PFI, tornando-se conhecida nos países – hoje mais de 120 – a ela filiados (OTTOBONI, 2006, p. 170). 
Disponível em: <http://www.pfi.org/about-us>. Acesso em: 14 out. 2013. 
http://www.pfi.org/about-us
 
 
30 
 
50 mil voluntários em todo o mundo que trabalham no âmbito espiritual, moral, social 
e de bem-estar físico dos presos, ex-detentos, seus familiares e vítimas de crime. 
E ainda, mantém um status consultivo especial com o Conselho Econômico e 
Social (ECOSOC) da Organização das Nações Unidas (ONU), é também participante 
ativo na Aliança de ONG’s da ONU so re Prevenção do Delito e Justiça Penal. PFI 
também trabalha com os governos nacionais para levar ajuda aos presos carentes 
(PFI, 2013). 
Com essa parceria a APAC passou a ser reconhecida universalmente, sendo 
seu método promovido em todos os países que a PFI opera, atraindo o olhar de 
curiosos de várias partes do planeta para visitá-la e estudá-la. Através dessa 
divulgação essa metodologia foi reconhecida pelos Estados Unidos da América 
(EUA), em 1991, lançando um relatório afirmando que o método da APAC podia ser 
aplicado com sucesso em âmbito internacional (VARGAS, 2011; SILVA, 2007). 
Destarte, após essa filiação com a PFI a APAC alcançou força, admiração e 
inspiração das comunidades e de outras comarcas com a finalidade de constituir 
instituições com metas semelhantes, primeiramente em São Paulo e, depois no Brasil 
e no mundo. 
Na década de 90, segundo Carrara, a metodologia APAC estava presente em 
19 estados brasileiros devido a bem estruturada rede de comunicação entre os 
voluntários, enviando católicos para reproduzirem o método humanitário de 
cumprimento de pena joseense (CARRARA, 1998 apud MASSOLA, 2005). 
Ainda na década de 90, para ter maior influência nos meios oficiais e maior 
força para expandir-se, foi criado um órgão para fiscalizar as APACs, a Confederação 
Brasileira das APACs (COBRAPAC), que ao passar do tempo foi renomeada de 
Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), tendo como 
presidente Ottoboni para manter a fidelidade à filosofia apaqueana. O nome foi 
alterado, todavia o desígnio continuou o mesmo, ou seja, congregar, orientar, 
fiscalizar e zelar pela união e uniformização das APACs brasileiras e também de 
apoiar a implementação da metodologia nos países estrangeiros. 
 
 
 
31 
 
2.1.1 Expansão da metodologia para o cenário prisional 
O modelo apaqueano tomou novos adeptos em todo o Brasil, essencialmente 
em Bragança Paulista, ainda em São Paulo, que posteriormente sucedeu a APAC 
joseense. A primeira tentativa em 1978 fracassou, visto o descaso do juiz da comarca. 
Porém em 1993, um grupo se mobilizou e arrecadou uma quantia de 40 mil 
reais para reforma básica na cadeia pública de Bragança Paulista. No ano seguinte, 
esse mesmo grupo, composto por pessoas ligadas ao Ministério Público, à Ordem 
dos Advogados do Brasil, à Polícia Civil e ao Conselho da Comunidade, reativou a 
APAC local com as mesmas metas originárias. O Conselho Deliberativo da Apac, 
antes Conselho da Comunidade, tornou a entidade capaz para interferir nas matérias 
catalogadas à execução da pena nessa região (MASSOLA, 2005). 
Com um acordo firmado, em 1996, entre o Governo do Estado de São Paulo e 
a APAC por intermédio da Secretaria de Segurança Pública (SAP) - com a finalidade 
de repassar mensalmente 45 mil reais correlativos à alimentação dos presos - a 
APAC investiu não só na alimentação dos condenados, mas também na contratação 
de funcionários e na reforma do presídio ampliando a capacidade de 60 para 230 
presos (MASSOLA, 2005). 
Ainda nesse município, em 1999, o juiz da Corte Criminal de Bragança 
Paulista, Furukawa, foi nomeado diretor estadual da SAP paulista apoiando 
assiduamente na APAC da cidade. No ano seguinte, tornou-se o primeiro Centro de 
Reintegração (CR), atualmente conhecido como Centro de Ressocialização20, por ter 
tido a sua jurisdição transferida para a SAP, não sendo, portanto, vinculada à 
Secretaria de Segurança Pública (SSP). Algumas penitenciárias foram transformadas 
em CRs. 
 
20
 Os Centros de Ressocialização (CR) são instituições penais instaladas no Estado de São Paulo a 
partir dos anos 2000, através do Decreto n° 45.271, sancionado pelo então governador Mário Covas. 
Essas instituições configuram-se em presídios de pequeno porte, destinadopara presos de baixa 
periculosidade, que se encontram em Regime Fechado, Semiaberto e Provisório. O CR se apresenta 
enquanto uma nova experiência na prática de encarceramento, um “modelo” de instituição prisional, 
onde as diferenças estruturais e a administração compartilhada entre Estado e ONGs corroboram 
para essa legitimação discursiva. O surgimento do CR se deu através da experiência de 
administração prisional instaurada na Cadeia Pública de Bragança Paulista, onde no final do ano de 
1995, uma ONG de Assistência Carcerária propôs ao governo do Estado de São Paulo um convênio, 
que se basearia no repasse das verbas destinadas aos presos para essa ONG, com o propósito de, 
com essa verba, administrar através de um modelo empresarial, a Cadeia Pública de Bragança 
Paulista. Existem atualmente vinte e dois CRs espalhados pelo interior do Estado de São Paulo 
(VEDOVELLO, 2008, p. 24). 
 
 
32 
 
Após essa ramificação, surgiu um evento conflituoso entre as APACs e os CRs, 
pois determinadas ONGs manteram a sigla APAC, porém com outro significado, 
“Associação de Proteção e Assistência Comunit ria”, distanciando-se do método 
originário da APAC joseense religiosa. 
Podemos definir a diferença entre essas duas instituições, vejamos o que 
preceitua Vargas: 
 
1) Nas prisões derivadas da APAC-mãe [Associação de Proteção e 
Assistência aos Condenados], a segurança e a disciplina encontram-se nas 
mãos dos funcionários (que não são funcionários públicos) e dos presos. Nas 
que replicam o modelo dos CRs de Bragança Paulista, o inseparável binômio 
prisional segurança-disciplina está nas mãos do Estado, o que significa que 
funcionam sob duas figuras de mando: a do diretor do presídio e a do 
presidente do CR. Nas primeiras, não há polícias armadas, nem burocratas 
que representem o Estado e são administradas pela sociedade civil. As 
segundas são constituídas juridicamente sob a figura de cogestão prisional 
entre a sociedade civil e o Estado. 
2) Nas APACs, o papel da religião e a evangelização são questões centrais 
na concepção de valorização humana do preso, de emenda e de 
recuperação. Contrariamente, nos CRs [Associação de Proteção e 
Assistência Comunitária], a religião ocupa um lugar marginal em relação a 
essas mesmas concepções, podendo ser caracterizados como a versão laica 
das APACs. Esta diferença entre um modelo e outro, expressa a laicidade de 
São Paulo e a religiosidade católica de Minas Gerais. 
3) Nas APACs joseenses, a maior parte do trabalho dos diversos técnicos 
(psicólogos, assistentes sociais, médicos, dentistas, advogados etc.) se 
realiza de forma voluntária, ou seja, não são remunerados. Essa 
característica está em consonância com uma das bases filosóficas do 
Método que é o envolvimento de caráter voluntário por parte das pessoas da 
comunidade com o trabalho realizado pelas APACs. Nos CRs, 
contrariamente, esses técnicos sim são contratados pela própria entidade, 
mas não pelo Estado. 
4) O CR de Bragança Paulista, segundo Massola (2005), mostrou-se como 
um exemplo de boa administração penitenciária mais do que por seus 
méritos administrativos e repressivos (ou ressocializadores), por seu aspecto 
econômico. Mesmo sem ser empresa, utilizou os recursos de maneira 
acertada, permitindo, inclusive, investir recorrentemente no melhoramento 
das instalações físicas da cadeia, tornando-se um modelo mais barato e 
eficiente de administração carcerária. Contrariamente, a APAC joseense, foi 
criada a partir da dependência financeira, da boa vontade e da caridade das 
empresas locais para poder manter funcionamento (VARGAS, 2011, 60-61). 
 
Com o deslanchar da metodologia e com o apoio do judiciário do Estado de 
São Paulo, o modelo apaqueano ultrapassou a fronteira paulistana emergindo no 
Estado de Minas Gerais. 
No Estado mineiro a primeira APAC foi fundada em 1984 na cidade de Itaúna 
dentro da cadeia pública, com o mesmo objetivo e a mesma preocupação da APAC 
de São José dos Campos no interior do Estado de São Paulo. 
Após construída a primeira etapa do novo Centro de Reintegração, as chaves 
do edifício foram entregues à APAC para gerir apenas os regimes semiaberto e 
 
 
33 
 
aberto, em 1991. Quatro anos se passaram e em 1995, depois de uma rebelião no 
presídio público do município, o Judiciário transferiu a administração dos três regimes 
de cumprimento de pena para a instituição (VARGAS, 2011). 
No ano de 1997, a APAC itaunense já funcionava em prédio próprio, gestando 
os três cumprimentos de pena, regimes fechado, semiaberto e aberto. Os presidiários 
foram transportados para este novo local, onde estão atualmente. Sendo a segunda 
instituição nacional a estabelecer a recuperação de presos sem a presença da polícia 
militar, civis ou de agentes e técnicos penitenciários (VARGAS, 2011). 
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1997, legitimou a 
metodologia apaqueana dentro das Pastorais Sociais da Igreja Católica, por meio de 
seus componentes incluindo no texto-base da Campanha da Fraternidade, tendo 
como tema “A fraternidade e os encarcerados”, a experiência da APAC na Pastoral 
Penitenciária, consagrando seu método (OTTOBONI, 2006). 
No ano de 1999 a revista Istoé 21 lança reportagem com a notícia do 
fechamento da primeira Apac, a de São José dos Campos, por corrupção. Isso fez 
com que a APAC de Itaúna, com quinze anos de trabalhos, adquirisse vigor na 
expansão de resultados positivos para outros Estados da Federação Brasileira. 
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 2000, concedeu mais força 
à metodologia no Estado mineiro. O desembargador Joaquim Alves Andrade foi o 
grande precursor desse objetivo fazendo chegar ao âmbito judicial, mas 
precisamente ao Presidente do TJMG, o novo modelo de cumprimento de pena, 
depois de assíduas visitas a todas as comarcas durante aproximadamente 10 anos 
divulgando o método para juízes, promotores e comunidades (SILVA, 2011). 
 
21
 Por decisão do Conselho de Magistratura de São Paulo, a Apac de São José dos Campos fechou 
as portas atolada em acusações de corrupção, denunciadas por ISTOÉ em junho de 1998. A 
entidade, que funcionava há 25 anos, foi o embrião do modelo de cadeia dirigida por voluntários e é 
exemplo na área de direitos humanos em vários lugares do mundo. No ano passado [1998], a revista 
teve acesso a um dossiê que revelara o envolvimento de voluntários em um esquema de venda de 
vagas. A gravação de mais de 100 fitas deixava clara a conivência dos fundadores da entidade, Mário 
Ottoboni e Benedito Chaves, com o que ocorria dentro da cadeia. Há pelo menos um ano, a 
Corregedoria da Justiça, o Ministério Público e a polícia investigavam uma série de acusações de 
transferência ilegal de presos, tráfico de drogas e concessão irregular de benefícios, como o regime 
semiaberto a detentos que não tinham esse direito por lei. Segundo o juiz auxiliar Luiz Fernando Nishi, 
a gota d’ gua foi a desco erta da transferência de um empres rio recolhido na Casa de Detenção 
para a Apac, com pedido feito a partir de documentos forjados. “Não temos nada contra a filosofia da 
Apac, mas precisávamos acabar com o ganha-pão ilegal de muita gente que tinha se especializado 
em transferir, ao arrepio da lei, presos que deveriam ficar em penitenci rias para a entidade”, afirma 
Nishi (ISTOÉ, 1999). 
 
 
34 
 
No ano seguinte, em 2001, o Desembargador Presidente do TJMG, Gudeste 
Bíber Sampaio, sob a provocação do Desembargador Sérgio Antônio de Resende, 
institucionalizaram o apoio à APAC criando o Programa Novos Rumos na Execução 
Penal, objetivando coordenar a implementação do método, que se examina como 
política pública de execução penal, e também como alternativa de humanização do 
sistema prisional no Estado (SILVA, 2011). 
Esse projeto foi regulamentado pela Resolução nº 433/2004 do TJMG, 
publicado no: Minas Gerais do dia 1º de maio de 2004. Anteriormente era 
coordenadopela Assessoria da Presidência para Assuntos Penitenciários e de 
Execução Penal do Estado (VARGAS, 2011). 
Em 2002, a APAC de Itaúna sediou um seminário de estudos e conhecimentos 
sobre a metodologia apaqueana para representantes de quatorze países da América 
Latina, ocorrendo outros eventos em 2004 e 2008 (TJMG, 2009). 
Com a expansão da metodologia no Estado mineiro, após a cidade de Itaúna, 
surgiu interesse do promotor da cidade de Sete Lagoas, na qual estava sendo 
construído um presídio nos moldes convencionais. Esse promotor organizou uma 
palestra para apresentar o modelo apaqueano à comunidade. Com a aceitação 
unânime, o grupo disposto a implantar uma APAC no município entrou em contato 
com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos para que a legitimasse. 
As comunidades das cidades de Minas Gerais insatisfeitas com as 
construções de cerca de oito novas cadeias, começaram a protestar nas ruas 
mineiras. Vargas, em sua tese de doutorado pela Universidade de Brasília, relata: 
 
As comunidades estavam resistindo muito à existência destas novas prisões, 
inclusive realizando passeatas, como ocorreu na cidade de Pará de Minas, 
que chegou a contar com mais de 10 mil pessoas na rua protestando contra 
a implantação da cadeia na cidade. Frente a isto, o Estado utilizou o 
argumento de que essas prisões em construção viriam a se tornar APACs. 
Assim, com o objetivo de acalmar os ânimos das pessoas e dos grupos das 
comunidades e convencê-las da realização desses empreendimentos, 
entregaram a cadeia de Sete Lagoas, no dia 21 agosto de 2001, para que a 
APAC a administrasse, sendo esta a segunda instituição em Minas Gerais 
sem o concurso da polícia. Posteriormente, com a mudança do mandato na 
Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, nenhuma daquelas outras 
unidades prisionais construídas, à exceção daquela de Pará de Minas (em 
2004), foram entregues para as APACs, sob o argumento de falta de amparo 
jurídico para tal fim (VARGAS, 2011, p. 63). 
 
Muitas APACs foram implantadas em Minas Gerais com o envolvimento da 
comunidade. Após anos de experiência, em conformidade com o judiciário local, em 
26 de julho de 2002, foi inaugurada uma APAC feminina em Itaúna com as mulheres 
 
 
35 
 
que cumpriam pena na cadeia local masculina. Começou com cinco presas e 
atualmente conta com 16 mulheres, sendo aplicados os três regimes de cumprimento 
de pena privativa de liberdade. São três APACs femininas implantadas no território 
mineiro (VARGAS, 2011; OLIVEIRA, 2008). 
Cabe destacar a APAC de Santa Luzia, Minas Gerais, vejamos a nota de 
Vargas: 
 
Entre as várias APACs que foram surgindo, que não descreverei em detalhe, 
a de Santa Luzia, me parece digna de nota. Primeiro, porque esta APAC foi 
uma das prisões onde realizei o trabalho de campo. Segundo, porque foi a 
primeira APAC construída para albergar presos de uma região metropolitana 
considerada violenta. Terceiro, porque à diferença das outras APACs do 
estado, esta foi idealizada e realizada por instituições influentes e poderosas 
como: a Congregação dos Irmãos Maristas, a Arquidiocese de Belo 
Horizonte, por meio da Pastoral Carcerária, e a Pontifícia Universidade 
Católica de Minas Gerais. Por fim, porque foi a primeira unidade prisional no 
mundo desenhada arquitetonicamente para a implantação do Método APAC. 
Esse megaprojeto foi desenvolvido pelo Departamento de Arquitetura da 
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Sua construção ocupa um 
terreno de 40 mil m2 e foi idealizada com o objetivo de promover a 
implantação do Método, com o recurso das suas instalações físicas, como 
por exemplo, a construção de espaços de integração entre as pessoas de 
fora e os recuperandos. O projeto desafia a arquitetura do sistema prisional 
tradicional, pois rompe com a ideia de que o preso deve ser banido do 
contato social e familiar. O Centro de Ressocialização Franz de Castro 
Holzwarth da Região Metropolitana de Santa Luzia foi inaugurado no dia 25 
de maio de 2006 e começou a receber recuperandos em agosto do mesmo 
ano. A APAC de Santa Luzia, além das instituições acima referidas, que 
financiaram o projeto, conta também com a efetiva contribuição da Prefeitura 
de Santa Luzia, do juiz de execução penal de Santa Luzia, entre outras 
parcerias. Atualmente, alberga aproximadamente 120 recuperandos nos 
regimes fechado e semiaberto. Não se aplica o regime aberto nesta APAC 
(VARGAS, 2011, p. 64-65). 
 
A metodologia apaqueana conquistou muitos adeptos no Estado mineiro, 
ultrapassou as raias estaduais paulista se expandindo para as mineiras e 
consequentemente para outros Estados da Federação Brasileira. Continuamente 
outros países adotaram o modelo, como Alemanha, Argentina, Armênia, Bolívia, 
Bulgária, Chile, Cingapura, Costa Rica, El Salvador, Equador, Eslováquia, Estados 
Unidos, Inglaterra, México entre outros. Este reconhecimento internacional induziu o 
crescimento da metodologia (SILVA, 2007). 
 
2.1.2 Transformação em política pública criminal 
Com a criação do Projeto Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas 
Gerais (2001), o ano de 2004 teve uma maior significância para a concretização e 
 
 
36 
 
legitimação tanto jurídica quanto política das APACs, porque foi regulamento para 
outorgar às APACs o status de política pública22 criminal23 em Minas Gerais. 
Importante salientar que o TJMG, mesmo sendo órgão do Poder Judiciário, 
assumiu atividades atípicas, ou seja, passou a avocar atribuições executivas e não 
apenas jurídicas, que seriam suas funções típicas. 
Diante disso o TJMG passou a ser uma ligação entre os Poderes Judiciário e 
Executivo, servindo como executor de uma política pública de segurança tendo como 
instituições filiadas de execução e fiscalização a Secretaria Estadual de Defesa 
Social (SEDS) e a FBAC. Essa ONG fundada na cidade de São José dos Campos 
que estava desativada foi transferida para a cidade de Itaúna em 2004. 
Ainda nesse mesmo ano, o Presidente do STF, Edson Vidigal, estabeleceu 
uma Portaria regulamentando e incentivando os juízes novos e antigos a visitarem as 
instituições apaqueanas, além de fundar novas entidades, apoiando e colaborando 
com as já existentes. 
Como também, determinou que a Escola Judicial acrescentasse ao seu 
currículo escolar a visita24 também dos novos magistrados para conhecerem a APAC 
de Itaúna. 
Em 2006, a Procuradoria Geral de Minas Gerais também estabeleceu no seu 
Plano de Ação que os promotores de justiça visitassem, apoiassem e colaborassem 
com as APACs já existentes. Esses atos geraram maior visibilidade e melhor 
reputação das APACs como modelo eficiente para a execução penal, autenticando 
juridicamente e politicamente. 
A Lei nº 15.299 de 9 de agosto de 2004 confirmou a legitimidade das APACs, 
acrescentando o inciso VIII ao artigo 157, da Lei nº 11.404 de 25 de janeiro de 1994 
que corresponde à Lei de Execução Penal estadual de Minas Gerais. Assim sendo, 
 
22
 Políticas públicas são um conjunto de planos, programas, ações e atividades, diretas ou indiretas, 
desenvolvidas pelo governo (nacional, estadual ou municipal), para a solução de problemas e do 
bem-estar da sociedade e do interesse público, que visam assegurar direitos de cidadania, de 
maneira difusa ou para seguimentos sociais, culturais, étnicos ou econômicos. 
23
 Política criminal consiste na crítica do direito penal, fundada em argumentos jurídicos e/ou 
ideológicos, tendente a modificar, manter ou reformar os institutos do direito penal vigentes, o que 
implica o dinamismo desta disciplina. Zaffaroni e Pierangeli, por sua vez, afirmam que a política 
criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens jurídicos que devem ser tutelados penalmente e 
os caminhos para tal tutela. 
24
 Vídeo da APAC de Itaúna mostrando visita de novos juízes de Minas Gerais. Disponível em: < 
http://www.tvcidadeitauna.com.br/index.php?option=com_jomtube&view=video&id=2515>.

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