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Traduzindo_a_Africa_Queer

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TRADUZINDO A
ÁFRICA
QUEER
 
CATERINA REA
CLARISSE GOULART PARADIS
IZZIE MADALENA SANTOS AMANCIO
(ORGANIZADORAS)
TRADUZINDO A
ÁFRICA
QUEER
DeViRes
editora
2018 © Editora Devires 
Traduzindo a África Queer
Caterina Rea
Clarisse Goulart Paradis
Izzie Madalena Santos Amancio
(Organizadoras)
Editor | Gilmaro Nogueira
Revisão | Gerusa Bondan
Diagramação | Daniel Rebouças 
Capa | Sérgio Rodrigo da Silva Ferreira
CIP BRASIL — CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
R281t REA. Caterina,
 Traduzindo a África Queer/Caterina Rea, Clarisse Goulart 
Paradis, Izzie Madalena Santos Amancio. 1ª edição/Salvador, 
BA: Editora Devires, 2018.
 146p.; 16x23cm
 ISBN 978-85-93646-16-4
 1. África 2. Dissidência sexual 3. Queer I. Título.
CDU 306
CDD 316.7-306.76
 
Qualquer parte dessa obra pode ser reproduzida, desde que citada a fonte. Direitos para 
essa edição cedidos à Editora Devires.
Editora Devires 
Av. Ruy Barbosa, 239, sala 104, Centro – Simões Filho – BA 
www.editoradevivres.com.br 
DeViRes
editora
SUMÁRIO
O Queer African Reader e sua atualidade para o debate sobre 
dissidência sexual e teoria queer em uma perspectiva Sul-Sul 7
Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB 
Clarisse Goulart Paradis/FEMPOS/UNILAB 
Izzie Madalena Santos Amancio/FEMPOS/UNILAB 
A proposta do Queer African Reader 23
Sokari Ekine 
Hakima Abbas 
Tradução Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB 
Um ensaio 28
David Kato Kisule 
Tradução Felipe Fernandes/GIR@/UFBA 
“Sobre sororidade e solidariedade”: tornando queer os espaços 
feministas africanos 31
Awino Okech 
Tradução Clarisse Goulart Paradis/FEMPOS/UNILAB 
Discursos pós-coloniais do ativismo queer e de classe na África 57
Lyn Ossome 
Tradução Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB 
Caster corre para mim 74
Ola Osaze 
Tradução Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB 
A história única a homofobia africana é perigosa para o ativismo 
LGBTI 78
Sibongile Ndashe 
Tradução Caterina Rea, Izzie Madalena Santos Amancio e Equipe do FEMPOS 
Manifesto LGBTI africano/declaração 89
Autorexs varixs 
Tradução Thamy Ayouch/Université Denis Diderot, Paris VII
Queerizando as fronteiras: uma perspectiva africana ativista 91
Bernedette Muthien 
Tradução Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB 
Lutas LGBTI Queer como outras lutas em África 101
Gathoni Blessol 
Tradução Caterina Rea, Izzie Madalena Santos Amancio e equipe do FEMPOS 
O Quênia Queer na lei e na política 111
Keguro Macharia 
Tradução Sergio Rodrigo Ferreira GIGA/UFBA 
Olhando para além dos binarismos coloniais: desfazendo o 
discurso sobre a homossexualidade no Malaui 129
Jessie Kabwila 
Tradução Tatiana Ivette Castilla Carrascal/UNILAB e Carolina Barbosa Pereira/UFBA 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 7
O Queer African Reader e sua atualidade 
para o debate sobre dissidência sexual e 
teoria queer em uma perspectiva Sul-Sul
Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB 
Clarisse Goulart Paradis/FEMPOS/UNILAB
Izzie Madalena Santos Amancio/FEMPOS/UNILAB
Apresentamos, aqui, a tradução de alguns dos textos contidos no 
Queer African Reader, a primeira coletânea de textos escritos por autorxs 
africanxs que se declaram abertamente como queer ou que se solidarizam 
com a pauta da dissidência sexual1. Este trabalho de tradução, liderado 
pelo Grupo de Pesquisa “Pós-colonialidade, Feminismos e Epistemologias 
Anti-hegemônicas/FEMPOS/UNILAB”, foi realizado durante o decorrer 
do projeto de pesquisa Fluxo Contínuo UNILAB (2016-2017), intitulado 
Sexualidades dissidentes, Interseccionalidade e Teoria Queer na África: 
um primeiro mapeamento2, e do projeto de Iniciação Científica (PIBIC/
UNILAB, 2017-2018), intitulado Diversidade sexual, homofobia e debate 
sobre teoria Queer em contextos africanos: uma primeira abordagem, 
ambos coordenados por Caterina Rea. Este envolveu a participação de 
professorxs da UNILAB, de professorxs e doutorandxs da Universidade 
Federal da Bahia/UFBA (Felipe Bruno Martins Fernandes, Carolina 
Barbosa Pereira e Sérgio Rodrigo Ferreira) e da França, Université de 
Paris VII (Thamy Ayouch), que colaboraram no processo de tradução3. 
Ao focar nas traduções de textos do Queer African Reader, escolhemos 
apresentar a teoria queer africana a partir das produções de autorxs do 
1 Gostaríamos de agradecer Sokari Ekine, editora do Queer African Reader, e a todxs xs autorxs 
aqui traduzidxs por terem nos facilitado este trabalho, aceitando a publicação das traduções e 
cedendo os direitos autorais. 
2 No quadro deste projeto, realizamos a primeira tradução de um artigo do Queer African Reader. 
Trata-se do texto da militante nigeriana Sokari Ekine, “Narrativas contestadoras da África Queer”, 
publicado pela revista Cadernos de Gênero e Diversidade, v. 2, n. 2, 2016.
3 As traduções aqui propostas são traduções livres e militantes de textos do Queer African Reader, 
a partir de um trabalho colaborativo entre xs membrxs do grupo de pesquisa FEMPOS/UNILAB 
e outrxs colaboradorxs externxs que participaram deste projeto.
8 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
próprio continente4. O campo dos estudos queer sobre contextos africanos 
conta com diversas produções de antropólogxs e historiadorxs africanistas 
e teóricxs queer brancxs, norte-americanxs e europexs, como mostra o 
artigo de Ashley Currier e Thérèse Migraine-George, publicado, em 2016, 
no Journal of Lesbian and Gay Studies5. Na academia brasileira, ainda há 
uma separação bastante evidente entre africanistas e pesquisadorxs na área 
dos Estudos de Gênero e Sexualidades e, em particular, da Teoria Queer. 
Existem algumas exceções, como o texto publicado pelo antropólogo Luiz 
Mott, na revista Afro-Ásia, de 2005, onde o autor contesta o chamado “mito 
da inexistência da homossexualidade na África”6 e pesquisas mais recentes 
de jovens cientistas sociais sobre a vivência da homossexualidade em 
países africanos de língua oficial portuguesa (Cabo Verde e Moçambique, 
em particular). Mencionamos, nesta direção, o texto de Fabiana Mendes 
de Souza, publicado em 2014, na revista baiana Olhares Sociais7, e o 
de Francisco Miguel, sobre a homossexualidade masculina em Cabo 
Verde, publicado em 2016, pela revista Enfoques8. O texto de Francisco 
Miguel menciona o Queer African Reader entre as produções africanas 
sobre sexualidades dissidentes. De significativa importância é também 
a publicação, em tradução portuguesa, pela revista Bagoas, do estudo 
clássico do antropólogo inglês, Evans-Pritchard, “Inversão sexual entre 
os Azande”, que mostra a presença de formas de relações homoafetivas no 
grupo étnico dos Azande da época pré-colonial9.
4 Cf. REA, Caterina. “Sexualidades dissidentes e teoria Queer pós-colonial: o caso africano”. Revis-
ta Epistemologias do Sul, v. 1, n. 1, p. 145-165, 2017 e REA, Caterina. “Descolonização, Feminismos 
e condição queer em contextos africanos”. Ravista Estudos Feministas, n. 26, v. 3, p. 1-21, 2018.
5 CURRIER, Ashley; MIGRAINE-GEORGE, Thérèse. “Queer Studies/African Studies. An impos-
sible transaction?”. A Journal of Lesbian and Gay Studies, v. 22, n. 2, 2016, p. 281-305. Nesta linha 
de uma produção queer sobre as sexualidades africanas, podemos citar também HOAD, Neville. 
African Intimacies. Race, Homosexuality and Globalization. Minneapolis/London: University of 
Minnesota Press, 2007; e CURRIER, Ashley. LGBT Organizing in Namibia and South Africa. Min-
neapolis/London: University of Minnesota Press, 2012.
6 MOTT, Luiz. “Raízes históricas da homossexualidade no Atlântico lusófono negro”, Afro-Ásia, 
n. 33, 2005, p. 9-33.
7 SOUZA MENDES, Fabiana de. “Discretos e declarados: Relatos sobre a dinâmica da vida dos 
homossexuais em Maputo, Moçambique”.Revista Olhares Sociais, v. 3, n. 2, 2014, p. 76-101.
8 MIGUEL, Francisco. “(Homo)sexualidades masculinas em Cabo Verde: um caso para pensar 
teorias antropológicas e movimentos LGBT em África”. Enfoques, v. 15, 2016, p. 87-110.
9 PRITCHARD, Evans. “Inversão sexual entre os Azande”. Tradução Felipe Bruno Martins Fer-
nandes, Bagoas, n. 7, p. 15-30, 2012. 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 9
Esta breve revisão bibliográfica nos leva a concluir que são ainda bem 
escassos, particularmente no Brasil, os textos que mencionam reflexões 
recentes de militantes e cientistas africanxs, engajadxs nas múltiplas lutas 
pela afirmação da dissidência sexual e de gênero, assim como na crítica ao 
neocolonialismo e à imposição, para os países africanos, do modelo único 
da “democracia” neoliberal.
O Queer African Reader é oriundo de países africanos de língua 
e de colonização inglesa e foi publicado em 2013, pela editora africana 
Pambazuka, editora progressista cujo objetivo é visibilizar as produções de 
pensadorxs e ativistas africanxs que participam das diferentes frentes das 
lutas contra a opressão. O Queer African Reader conta com a participação 
de ativistas, acadêmicxs, políticxs e artistas de vários países da África que 
promovem uma análise crítica e a discussão sobre a importância social, 
cultural e política da dissidência sexual e de gênero no continente. Por isso, 
destacamos a presença de registros diferentes nos textos desta coletânea, 
que vão do mais acadêmico e teórico, ao mais afeito à militância.Visamos, 
aqui, à apresentação da tradução para o português de alguns destes 
textos do Reader, na esperança de podermos continuar este trabalho, no 
futuro, trazendo novos textos africanos para a discussão, no Brasil, sobre 
sexualidades dissidentes.
O Queer African Reader tem como editoras duas mulheres feministas, 
a nigeriana Sokari Ekine e a egípcia Hakima Abbas. Na introdução à 
coletânea, que traduzimos neste volume, as autoras apontam para a essencial 
contribuição das lutas travadas pelas comunidades LGBTIQ africanas 
em prol da visibilidade da dissidência sexual, para a consolidação da 
democracia e da libertação anticolonial no continente. Para isso, é preciso 
contestar os discursos hegemônicos nos quais a África e a cultura africana 
são homogeneizadas, quando de sua representação em uma identidade 
única, uniforme e estática, seja por uma homofobia obsessiva e radical, seja 
por uma heterossexualidade compulsória e totalizante. Se tais discursos 
hegemônicos são encarnados por sujeitos políticos diferentes e mesmo 
opostos – os países ocidentais e as organizações LGBT internacionais, por 
um lado, e as lideranças políticas e religiosas locais, por outro –, as lógicas 
que os animam não são, porém, diferentes, conforme as análises que a 
maioria dxs autorxs do Reader realiza. De fato, ambos os discursos levam 
10 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
a uma compreensão simplista e redutiva da complexidade que caracteriza 
as culturas africanas (no plural) e a multiplicidade de vivências e práticas 
sexuais que nelas se manifestam.
A leitura do Queer African Reader nos mostra o caráter insustentável 
dos estereótipos que pesam sobre o continente africano e, particularmente, 
sobre a forma com que sexualidades e gêneros dissidentes aí são 
representados. A África não é toda e integralmente homofóbica, nem é 
toda e exclusivamente heterossexual. Como em todo e qualquer contexto 
sociocultural, existem sexismo, machismo e homofobia, mas, também, 
existem sítios de resistência e de lutas feministas e em prol da libertação 
das comunidades LGBTIQ. É assim que países como Uganda, Nigéria ou 
Malaui, conhecidos como os mais inóspitos para as pessoas sexualmente 
dissidentes, são, ao mesmo tempo, teatros de intensas produções de 
práticas teóricas e de militâncias feministas e queer. Neste sentido, 
pode-se afirmar que a África, em seus vários contextos e regiões, está se 
transformando em um laboratório extraordinário do pensamento e do 
ativismo feminista e Queer. 
Na ótica do Queer African Reader, a questão (homo)sexual, na África, 
não constitui uma realidade isolada, mas diz respeito a novas formas de 
colonização que concernem às relações entre o Norte e o Sul globais. Ou 
seja, a questão (homo)sexual apresenta-se como uma questão política 
crucial, na qual se encarnam o neo-imperialismo e o paternalismo do 
Ocidente e as crispações nacionalistas anticoloniais dos países africanos. 
As intervenções de instituições ocidentais ligadas à defesa dos direitos 
humanos e LGBT em territórios africanos, onde tais direitos não são 
respeitados, suscitam o ódio dos líderes políticos e culturais, que veem 
comprometida a autonomia de seus países e da sociedade civil em geral. 
Essas intervenções reforçam a compreensão que se tem, em muitas regiões 
da África, de que “a homossexualidade é parte da agenda ocidental”.10 Desta 
forma, analogamente ao que o teórico palestino Joseph Massad11 aponta 
para o mundo árabe, de maneira paradoxal, crendo defender e libertar 
10 NDASHE, Sibongile. The single story of “African homophobia” is dangerous for LGBTI activism. 
In: ABBAS, Hakima; EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
11 MASSAD, Joseph. Desiring Arabs. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 11
os homossexuais africanos, as agências e as ONGs LGBT internacionais 
acabam estimulando a homofobia local e piorando as condições de 
vida das pessoas dissidentes sexuais e de gênero no continente12. Estas 
últimas são consideradas como traidoras da pátria e como portadoras 
de interesses estrangeiros, ligados ao mundo ocidental. Em particular, 
a presença de tais atores estrangeiros, que desconhecem ou ocultam 
as agendas dos movimentos LGBTI locais, assume, em muitos casos, a 
forma de uma nova colonização, através da continuidade da ingerência 
das potências ocidentais nas questões políticas locais, sob o pretexto de 
defenderem os direitos das minorias sexuais. Como escreve lucidamente 
Sibongile Ndashe, 
Mesmo com boas intenções, as intervenções estrangeiras, muitas vezes, 
não compreendem as dinâmicas e as políticas locais e podem fazer 
muito mais mal do que bem. Mas fundamentalmente, a tentativa de 
estrangeiros de liderarem a luta do movimento, na África, subordina 
os interesses da comunidade local aos interesses de atores externos, 
reforçando divisões raciais enraizadas no movimento global e afogando 
as vozes progressistas e os movimentos de desenvolvimento13. 
12 Segundo Massad, lido e seguido por várixs autorxs africanxs, estas ONGs e associações interna-
cionais que operam no Sul Global são as que estão afiliadas às duas mais poderosas associações de 
defesa dos direitos humanos LGBT, ou seja, a International Lesbian and Gay Association (ILGA) 
e a International Gay and Lesbian Human Rights Commission (IGLHRC). Sediada em Genebra, a 
ILGA se estrutura como uma federação mundial de organizações que operam em vários países do 
mundo. A IGLHRC mudou seu nome em 2015 e se chama agora Out Right Action International. 
Sediada em Nova York, esta organização tem presença permanente nas Nações Unidas e funcioná-
rios em diferentes países, agindo amplamente no Sul Global. Na interpretação queer africana, estas 
associações e suas inúmeras ramificações perpetuam agendas econômicas e políticas neoliberais, 
desenvolvendo o controverso papel de agências financiadoras que concedem dinheiro ou impõem 
sanções aos países africanos e do Sul, conforme estes se engajam ou não no fortalecimento dos 
direitos humanos LGBT. Desta forma, ao invés de serem um fator de libertação para as minorias 
sexuais de muitos países africanos, as organizações internacionaisfortalecem posições heterocen-
tradas nas populações locais, pelas quais a epistemologia/política ocidental da (homo)sexualidade 
não representa o único nem o principal vetor de identificação.
13 NDASHE, Sibongile. The single story of “African homophobia” is dangerous for LGBTI activism. 
In: ABBAS, Hakima; EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
12 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
O outro aspecto desta mesma questão das intervenções de 
ONGs estrangeiras é a imposição de um modelo único de vivenciar a 
homossexualidade, que coincide com o modelo ocidental. Este modelo 
privilegia estratégias que nem sempre, nem necessariamente funcionam 
nos contextos africanos ou nos do mundo árabe e oriental. A epistemologia 
ocidental da (homo)sexualidade estrutura-se a partir do coming-out 
(saída do armário), da afirmação do orgulho e da visibilidade enquanto 
características imprescindíveis do ser gay e lésbica e se baseia, desta 
forma, na ideia de uma oposição bem definida entre homossexualidade 
e heterossexualidade. Assumir abertamente a própria homossexualidade 
se torna, para o mundo ocidental, a primeira e fundamental etapa da 
libertação sexual. Contudo, como nos ensinam xs queers africanxs e, em 
geral, xs queers of color, as epistemologias e as práticas das sexualidades 
dissidentes, nos contextos africanos, mas também no mundo árabe-
muçulmano e no Sul Global, não funcionam necessariamente segundo o 
binarismo homossexual versus heterossexual e não implicam a exigência 
da saída do armário e da visibilidade como condição indispensável 
do exercício de uma sexualidade dissidente. Mais precisamente, na 
maioria das culturas africanas e na cultura árabe-muçulmana, o fato 
de ter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo não comporta 
afirmar uma identidade gay ou lésbica, nem “expressar a necessidade de 
políticas gays”14. Da mesma forma, silêncio e discrição podem se mostrar 
estratégias mais eficazes de ativismo. E o próprio ativismo, em muitos 
contextos individuais, não é considerado um exercício intrínseco para 
a experimentação de sexualidades e tampouco para o pertencimento 
às práticas das sexualidades dissidentes. É esta diferença cultural de 
estratégias de luta que a Internacional Gay15 não consegue incorporar, 
suscitando reações negativas das populações locais contra a causa 
homossexual, identificada com uma preocupação do neo-imperialismo 
ocidental. 
14 MASSAD, Joseph. Desiring Arabs. Chicago: University of Chicago Press, 2007.
15 Internacional Gay é o nome que Joseph Massad dá para o conjunto de associações e ONGs 
LGBT internacionais, mas sediadas nos países ocidentais, que opera no mundo árabe, na África e 
no Sul Global com a “missão” de salvar as minorias sexuais locais da terrível homofobia de tais re-
giões. Segundo Massad, retomado por muitxs autorxs africanxs, a Internacional Gay é responsável 
por impor um modelo único e ocidentalizado das relações homoafetivas. 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 13
Nesta introdução, usamos a terminologia LGBTIQ, uma vez que ela é 
usada pelxs autorxs do Queer African Reader. No entanto, consideramos 
que a escolha desta terminologia e o fato de se autoproclamar como 
gays, lésbicas, bi, trans* ou queer não traduz uma exigência única e 
necessariamente compartilhada por todos os sujeitos da dissidência 
sexual nos contextos africanos. Nem uma tal postura é acompanhada pela 
incorporação das principais normas e padrões da vivência homossexual 
no mundo ocidental. 
É nesse sentido que muitxs dos autorxs do Reader apontam para 
a necessidade de criar políticas transversais e interseccionais de luta 
contra diferentes sistemas de dominação e de opressão, homofobia 
e heterossexualidade obrigatória, mas também as novas faces do 
colonialismo, do racismo e as lógicas neoliberais que sempre vêm 
acompanhar as intervenções ocidentais no Sul Global.
A partir da perspectiva de uma universidade como a UNILAB, 
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Basileira, voltada para a discussão e valorização das culturas africanas 
e afro-diaspóricas, este projeto se revela de grande importância para a 
descolonização das mentes e dos corpos. A leitura e a compreensão das 
discussões travadas no Queer African Reader nos permitem enxergar que 
as sexualidades e os gêneros dissidentes fazem, sim, parte das culturas 
africanas, e não constituem identidades simplesmente importadas pelo 
Ocidente colonial. Neste sentido, a discussão de assuntos e de pautas 
feministas, na África e no próprio terreno da UNILAB, não constitui a 
promoção de interesses contrários aos africanos ou às culturas africanas. 
A maioria dxs autorxs do Reader testemunha a própria africanidade e a 
necessidade de fazer acompanhar a luta em prol da libertação sexual da luta 
contra o colonialismo, o neocolonialismo e a dominação das populações 
africanas por interesses políticos e econômicos do mundo ocidental. 
A apresentação do Queer African Reader contribui para desfazer 
o argumento da suposta superioridade ocidental (Europa e Estados 
Unidos) em matéria de gênero e de sexualidade, que alimenta, no 
plano internacional, posturas femonacionalistas e homonacionalistas. 
Contra estas posturas, argumentamos que não existem culturas ou 
nações inteiramente sexistas, machistas e homofóbicas, em oposição a 
14 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
culturas e nações totalmente privadas de tais preconceitos e formas de 
violência. Cada cultura e cada nação são atravessadas por estas atitudes 
preconceituosas, mas todas contêm movimentos que, corajosamente, 
enfrentam estas violências e visam à realização de uma justiça social 
interseccional. O Queer African Reader defende, assim, que as culturas 
africanas são profundamente dinâmicas, maleáveis e intimamente 
atravessadas por conflitos, o que as torna abertas para uma multiplicidade 
de formas e vivências da sexualidade. Como afirma Keguro Macharia, a 
propósito do Quênia, 
estamos constantemente criando e recriando a nós mesmos e ao 
Quênia através de nossa forma de afiliações e filiações íntimas. Nossas 
vidas íntimas inovadoras oferecem paradigmas de como a cultura e o 
patrimônio estão dinâmica e constantemente em evolução16.
No plano das relações internacionais, vale ainda a pena lembrar que o 
Queer African Reader discute a espinhosa questão da retirada, por parte de 
países ocidentais, das ajudas humanitárias, onde os direitos das minorias 
sexuais não são respeitados. O caso do Malaui, discutido por Sibongile 
Ndashe, por Jessie Kabwila e por Sokari Ekine e Hakima Abbas, ou o 
caso de Uganda, mencionado por Sokari Ekine17, mostram a ineficácia 
destas políticas baseadas nas estratégias das ajudas condicionadas ou na 
aplicação de sanções, que acabam vulnerabilizando ainda mais as minorias 
sexuais, apontadas como culpadas pelas instabilidades econômicas que 
tais estratégias determinam.
Os exemplos trazidos por essxs autorxs nos remetem a como a 
orientação neoliberal da economia política, dominante no mundo, se 
estrutura, também, a partir dos seus projetos patriarcais e heteronormativos. 
A questão das ajudas condicionadas explicita como o neoliberalismo, 
como rationale econômica, política e social, projeta-se a partir de 
práticas coloniais, racistas e sexistas. Como nos mostra Awino Okech, 
16 MACHARIA, Keguro. Queer Kenya in law and policy. In: ABBAS, Hakima; EKINE, Sokari 
(Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
17 Cf. o texto “Narrativas contestadoras da África Queer” (2016), que mencionamos anteriormente. 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 15
na sua contribuição para o QueerAfrican Reader, a heteronormatividade 
estrutura não apenas as relações afetivas e sexuais no âmbito privado, 
mas organiza como se dão as relações de poder no Estado, na família, na 
economia. Conceber a heteronormatividade como vértebra da economia 
política tem como ganho não apenas combater o neoliberalismo, mas 
politizar, cada vez mais, as identidades sexuais dissidentes. Evidenciar 
esses traços estruturantes, como nos mostra Okech, é necessário para 
pensar as vias possíveis para uma ação política queer/feminista que seja 
transformadora a partir de seus contextos particulares. 
Existe uma grande atualidade do Queer African Reader e de muitos dos 
debates políticos levantados para o atual contexto brasileiro. Pensamos, 
em particular, na presença, em muitos países africanos, de uma poderosa 
bancada evangélica, fomentada pelos Estados Unidos e outros países 
ocidentais, que tem o poder de influenciar o curso da política local e, 
sobretudo, de incentivar campanhas de ódio contra as minorias sexuais. 
É assim que, neste contexto, o Ocidente joga o duplo jogo de suposto 
modelo de liberdade sexual e de políticas gay-friendly, bem como de 
apoiador de igrejas e cultos estrangeiros que agem, nos países africanos, 
como os principais promotores da repressão contra os movimentos da 
dissidência sexual e de gênero. Nesta direção vão os textos de David Kato 
e de Gathoni Blessol. Esta última, em particular, denuncia abertamente as 
lideranças religiosas, sobretudo evangélicas, de muitos países africanos, 
por espalharem uma versão ocidentalizada da espiritualidade, “que é 
baseada no que é masculino, branco e rico”18 e que, como tal, dificilmente 
poderia encarnar uma suposta originalidade da cultura e da tradição 
africanas. 
Na introdução ao Reader, Sokari Ekine e Hakima Abbas retraçam a 
gênese da coletânea e sua relação com a história do debate queer na África. 
Elas apontam, em particular, para o processo por indecência e atos contra 
a natureza, intentado, no Malaui, em 2010, contra Tiwonge Chimbalanga, 
uma mulher trans, e seu companheiro, Steven Monjeza. A partir deste 
fato desenvolveu-se uma acalorada discussão sobre a presença de sujeitos 
18 BLESSOL, Gathoni. LGBTI-Queer struggles like other struggles in Africa. In: ABBAS, Hakima; 
EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
16 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
LGBTIQ no Malaui, que se estendeu para a maioria dos outros países 
da África de colonização inglesa. Ekine e Abbas analisam em detalhe os 
discursos das diferentes partes que se posicionaram sobre o caso, como 
os líderes locais, com sua violenta retórica homofóbica, a imprensa 
internacional, os diplomatas de países ocidentais que ameaçaram retirar 
as ajudas humanitárias, como retaliação ao não respeito aos direitos das 
populações LGBT e a International Gay. Esta última, formada por um 
conjunto de associações e ONGs LGBT internacionais, sediadas nos países 
do Norte Global e guiadas por atitudes missionárias e pela pretensão de 
salvar as populações LGBT locais, como se estas não possuíssem qualquer 
capacidade organizativa e as próprias agendas, construídas a partir 
das necessidades de países do Sul Global. As duas editoras do Queer 
African Reader pretendem resgatar as vozes de intelectuais e militantes 
queer do continente africano. Trata-se, assim, de “documentar não só a 
resistência nas vidas e nas lutas diárias das comunidades queer da África” 
e de “valorizar a complexidade da maneira com que a libertação queer é 
enquadrada na África e pelos africanos”19. É por isso que o próprio termo 
queer deve ser ressignificado no contexto das lutas plurais e interseccionais 
que, além da dissidência sexual, visam a contestar o sistema patriarcal, 
capitalista e neocolonial.
David Kato, autor do primeiro ensaio, foi um professor de escola 
e militante pelos direitos LGBTIQ em Uganda, que foi assassinado 
em janeiro de 2011. Ele entregou este texto, publicado no Queer 
African Reader, um mês antes de ser morto. Neste breve artigo, David 
Kato apresenta a situação de seu país, na época em que tramitava, no 
parlamento ugandense, um projeto de lei contra a homossexualidade e 
que inúmeras violências eram perpetradas contra pessoas gays e lésbicas. 
Kato explica a proliferação da homofobia em Uganda, como “promoção 
de um ódio continuado”20, a partir das antigas leis coloniais antissodomias 
implementadas pelos ingleses, e da intervenção massiva, hoje em dia, de 
igrejas evangélicas norte-americanas, cuja ingerência na política interna é 
19 ABBAS, Hakima; EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
20 KATO, David. An essay. In: ABBAS, Hakima; EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. 
Dakar: Pambazuka Press, 2013.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 17
muito poderosa. Desta forma, pode-se afirmar que, se a homofobia existe 
em Uganda e em outros países do continente, ela não é necessariamente, 
nem originariamente, um fenômeno africano ou intrínseco às culturas 
locais. 
Awino Okech é militante e acadêmica do Quênia, atualmente 
pesquisadora na SOAS University of London, onde seu trabalho versa 
sobre as relações entre gênero, sexualidades e estados/nações no contexto 
de sociedades que experimentam ou experimentaram situações de conflito. 
No capítulo intitulado “Sobre sororidade e solidariedade: tornando queer 
os espaços do feminismo africano”, Okech busca refletir sobre os desafios, 
conflitos e potencialidades do encontro entre movimento queer e espaços 
feministas de ativismo, considerando especialmente o contexto africano. 
A partir de uma reflexão sobre o papel dos movimentos sociais e de sua 
capacidade de desafiar os poderes patriarcais, racistas e heteronormativos, 
a autora busca interrogar alguns dos conceitos que fundamentaram 
historicamente teoria e prática feministas, tais como a ideia de amizade, 
sororidade e solidariedade. Ao revisitar os alicerces dos espaços feministas 
autônomos, Okech busca refletir de que modo é preciso subverter alguns 
desses cânones, de modo a constituir um campo movimentacional cada 
vez mais construído e impactado pela contribuição prática e teórica dxs 
sujeitxs queer.
Lyn Ossome é uma feminista e acadêmica queniana, cuja trajetória 
intelectual e militante desenvolve-se em vários países africanos. 
Atualmente está baseada no Institute for Social Research da Universidade 
de Makerere, em Kampala (Uganda). O texto dela, aqui traduzido, faz 
uma interessante análise da conjuntura política da África pós-colonial, 
atravessada por novas tensões e anseios de reconhecimento por parte de 
grupos marginalizados. O processo de democratização, no fim dos anos 
1980, em vários países africanos, conferiu visibilidade para o movimento 
queer no continente. Porém, nota Ossome, no momento em que o ativismo 
LGBTIQ se expande e reivindica o reconhecimento dos seus direitos, o 
ativismo pela justiça social e econômica e a análise em termos de classe 
sofrem um recuo. A homofobia se espalha no continente, ao passo que 
os fundamentalismos religiosos conseguem se aliar com o poder estatal 
e o modelo neoliberal se impõe com as desigualdades de classe. Neste 
18 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
momento, é necessário que as lutas queer afirmem explicitamente suas 
intersecções com as questões raciais, de gênero e, particularmente, de 
classe, e que integrem, em suas pautas, a justiça econômica e social. Trata-
se, desta forma, de desconstruir a ideia enraizada segundo a qual os grupos 
queer representariam uma elite econômica e cultural, nas sociedades 
africanas, vinculada aos interesses ocidentais. Tal ideia, defendida pelas 
classes dominantes e pelo fundamentalismo religioso, impede a formaçãode uma plataforma plural de lutas, assim como de políticas transversais 
de solidariedade, capazes de unir os diferentes grupos marginalizados. 
As políticas de identidade existentes em muitos contextos africanos 
revelam-se insuficientes e mesmo violentas ao mobilizarem um só aspecto 
identitário e ao excluírem outras dimensões, como a classe, a partir das 
quais se pode construir novas alianças. 
Ola Osaze é um homem trans da Nigéria, que mora e trabalha nos 
Estados Unidos, onde é um dos organizadores do Black LGBTQIA+ 
Migrant Project (BLMP) e do Transgender Law Center. O texto que aqui 
apresentamos parte da análise do caso de Caster Semenya, a atleta sul-
africana vencedora da medalha de ouro no Campeonato Mundial de 
Atletismo de Berlim, em 2009. Como relata o texto de Osaze, a vitória 
de Caster Semenya foi questionada e a atleta teve de se submeter a 
testes de gênero para que fosse comprovada sua feminilidade. Segundo 
destaca o autor, o caso de Caster Semenya, como o de Saartjie Baartman 
(conhecida como a Venus de Hottentot), no passado, mostram o racismo-
sexismo do mundo ocidental em relação às mulheres africanas, mas 
também o preconceito contra as pessoas africanas cujo gênero não está 
em conformidade com as normas socialmente estabelecidas. Através 
da análise deste caso, Ola Osaze mostra as profundas interligações nos 
processos de racialização do gênero (e dos gêneros não binários) e a 
gendrificação da raça. 
O texto de Sibongile Ndashe apresenta uma contundente crítica 
à narrativa única que apresenta a África como homogeneamente 
caracterizada por uma homofobia obsessiva. Sibongile Ndashe é uma 
advogada sul-africana e feminista, engajada na defesa dos direitos humanos 
e na luta pela descriminalização da homossexualidade na África. A tese 
de Ndashe é a de que a “história única da homofobia africana é perigosa” 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 19
para os militantes locais, cujas resistências e lutas são continuamente 
invisibilizadas atrás da retórica da África unicamente dominada pela 
violência homofóbica e pelo heterossexismo. Uma tal retórica fortalece a 
presença de movimentos estrangeiros com suas mensagens salvacionistas, 
que pretendem organizar e liderar os processos locais, impondo a agenda 
ocidental. É preciso, então, construir ações conjuntas entre movimentos 
locais, regionais e internacionais, deixando, porém, aos grupos locais, sua 
plena autonomia na implementação das estratégias de luta.
O pequeno texto do Manifesto Queer Africano encarna, em 
poucas linhas, a radicalidade do projeto Queer no continente africano, 
reivindicando a necessidade de uma revolução africana anticolonial, em 
prol da justiça social, de gênero, da justiça econômica, erótica e ambiental. 
O texto de Bernedette Muthien, ativista sul-africana no campo 
das questões de gênero, sexualidades e direitos humanos, chama nossa 
atenção para a importância do híbrido, do fronteiriço, do que se encontra 
no cruzamento (inbetween). Somente desta forma é possível questionar 
o tentador chamado da pureza e das origens, no qual estão presentes os 
germes das violências. Ela define sua identidade como fluida, dinâmica, 
complexa, ou seja, como queer. 
Enquanto o termo queer abraça todxs aquelxs que não são 
heteronormatixos e inclui as fronteiras [inbetween] fluidas, o termo 
‘lésbica’ não me inclui necessariamente porque eu me defino para além 
dos binarismos, como fronteira e como fluida, dinâmica e variável. 
Certas pessoas podem, talvez, me chamar de bissexual, mas este termo 
também remete a uma noção de polaridade – de que eu sou ambos os 
polos – quando de fato eu me desloco e mudo de posição, não em um 
continuum estático e linear, mas ao longo de uma elipse infinitamente 
espiralar que, não ironicamente, é oval, símbolo do poder reprodutivo 
feminino21. 
21 MUTHIEN, Bernedette. Queerying borders: an Afrikan activist perspective. In: ABBAS, Haki-
ma; EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
20 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
Gathoni Blessol é queniana e ativista pelos direitos das populações 
LGBTIQ no seu país, sendo que atualmente está sob ameaças de morte, 
por conta de seus engajamentos. No texto aqui apresentado, a autora 
afirma a importância do movimento queer africano tecer alianças com 
outros movimentos africanos de lutas contra o capitalismo e as injustiças 
sociais, econômicas e políticas. A luta LGBTIQ é uma das mais solitárias 
na África, pois se encontra presa entre grupos extremistas religiosos 
e fascistas, de um lado, e grupos liberais, de outro. Se os primeiros 
querem impor uma visão moral, supostamente local, e pregam contra a 
homossexualidade, os liberais defendem a universalidade das normas, são 
patrocinados pelo “neocolonialismo cor-de-rosa” e animados pelo ideal 
salvacionista. Escreve Gathoni Blessol a propósito desta segunda vertente: 
Como em muitas outras lutas, o resultado deste ideal catastrófico foi o 
crescimento de um ativismo e de organizações LGBTIQ motivadas por 
financiadores que são guiados, de maneira visionária, pouco prática, 
capitalista e mercantilizada – sobretudo, marginalizando as lutas, as 
realidades, os conceitos e as soluções da base. Nossas organizações 
LGBTIQ se tornaram, em grande parte, hierarquicamente estruturadas, 
mandatadas pelos financiadores e limitadas no ativismo22. 
Ou seja, esse processo acaba restringindo o pensamento e a prática 
dos movimentos LGBTIQ àquilo que os órgãos financiadores indicam ou 
exigem, perdendo o caráter interseccional de suas lutas. Ao contrário, os 
movimentos LGBTIQ africanos devem tomar consciência de suas raízes 
nas culturas africanas onde, antes da colonização, existiam formas de 
relacionamentos homoafetivos e performances de gênero com valor de 
ritual cultural ou religioso que podem inspirar e fortalecer os movimentos 
atuais. 
Keguro Macharia é um intelectual e acadêmico queniano, atualmente 
vinculado à Universidade do Maryland (USA), onde trabalha, em 
particular, sobre as intersecções entre estudos queer e estudos africanos. 
22 BLESSOL, Gathoni. LGBTI-Queer struggles like other struggles in Africa. In: ABBAS, Hakima; 
EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 2013.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 21
O texto aqui apresentado faz um apanhado sobre a situação das minorias 
sexuais no Quênia durante a primeira década do século XXI, a partir 
da leitura de três acontecimentos importantes e interligados, como a 
Lei sobre as Ofensas sexuais (2006), a Política Nacional sobre Cultura e 
Herança (2009) e a nova Constituição (2010). Destes documentos, ressalta 
a vontade de proteger a família heterossexual contra outras formas de 
arranjos familiares e de relacionamentos afetivos que viriam comprometer 
a unicidade do modelo familiar heterossexual e reprodutivo. Apesar 
de a legislação queniana não se basear, primeiramente, na repressão e 
criminalização da homossexualidade, a primazia aberta e insistentemente 
conferida para a heterossexualidade torna impensáveis e mesmo 
impossíveis os modos de vida queer.
Analisando a situação política do Malaui, Jessie Kabwila, docente 
universitária, ativista feminista e defensora da liberdade acadêmica na 
Universidade do Malaui, apresenta, no seu texto, os principais discursos 
que dominam o debate sobre a homossexualidade, mostrando as raízes 
coloniais que, ainda, o atravessam. Quem defende a legalização da 
homossexualidade o faz, na maioria dos casos, em nome do discurso 
universalista dos direitos humanos. De outro lado, as igrejas evangélicas 
e os líderes tradicionais argumentam contra o caráter africano da 
homossexualidade e rejeitam a possibilidade de sua legalização. A autora 
contesta ambosos discursos e mostra que eles estão enraizados no 
contexto do passado colonial africano e não expressam a autenticidade de 
um posicionamento local. Assim, a
decisão de legalizar ou manter a homossexualidade ilegal, no Malaui, 
precisa ser feita em termos locais e do Malaui. O Malaui pós-colonial 
precisa ter essa conversa em termos descolonizados, que não sigam 
o discurso prescritivo e colonizador dos direitos humanos, nem o 
discurso essencialista da cultura malauiana que alimenta o discurso 
colonial ocidental da religião organizada do Ocidente e do Oriente e 
do elitismo de classe23.
23 KABWILA, Jessie. Seeing beyond colonial binaries: unpacking Malawi’s homosexuality dis-
course. In: ABBAS, Hakima; EKINE, Sokari (Ed.). Queer African Reader. Dakar: Pambazuka Press, 
2013.
22 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
Em particular, segundo Kabwila, é preciso elaborar um discurso 
malauiano sobre a legalização da homossexualidade, que não identifique 
esta medida com uma forma de adesão à modernidade ocidental, como 
um ‘presente’ que o Ocidente traria para uma África supostamente 
atrasada, tradicionalista e pré-moderna. Os distintos países africanos 
devem se apropriar da discussão sobre a homossexualidade, fazer com 
que a preocupação com a vida e o respeito a sujeitos não normativos, 
em termos de gênero e de sexualidade, não apareça mais como uma 
ingerência ocidental ou como “um projeto imperial atual”24, mas possa se 
traduzir em caminhos propriamente africanos da dissidência sexual. 
Acreditamos, assim, que com estas traduções do Queer African 
Reader seja possível fortalecer o diálogo Sul-Sul a partir da perspectiva 
dos Estudos de Gênero, Feministas e Estudos sobre Sexualidades, 
permitindo uma releitura descolonizada deste campo. Muitas questões, 
contudo, ainda permanecem em aberto e precisam de um ulterior 
aprofundamento, entre elas, a da escolha dxs autorxs do Reader de 
utilizarem termos como ‘gay’, lésbica’, ‘bissexual’ ou ‘trans’, que remetem 
à história ocidental das identidades sexuais e de gênero. Como soaria a 
chamada ‘sopa de letrinhas’, se ao invés das categorias ocidentais, fossem 
colocadas as expressões africanas que marcam a dissidência sexual e de 
gênero, nos diferentes contextos deste continente?
24 HOAD, Neville. African Intimacies. Race, Homosexuality, and Globalization. Minnesota: Uni-
versity of Minnesota Press, 2007, p. XIII.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 23
A proposta do Queer African Reader
Sokari Ekine
Hakima Abbas 
Tradução Caterina Rea/FEMPOS/UNILAB
A viagem desta coletânea começou em janeiro de 2010, em um 
momento crítico na história queer africana. Uma mulher trans do Malaui, 
Tiwonge Chimbalanga, de 20 anos, e seu companheiro homem, Steven 
Monjeza, 26 anos, foram processados por crime de grave indecência e 
por atos contra a natureza, puníveis com até 14 anos de aprisionamento 
e trabalhos forçados. A mídia internacional e os grupos internacionais 
de defensores dos direitos humanos, em frenesi, passaram informações 
sobre violação de direitos gays na África. O presidente do Malaui, o 
falecido Bingu waMutharika, uniu-se ao coro da violência transfóbica 
e homofóbica. Embaixadas e diplomatas do Norte Global mobilizaram-
se, por sua vez, alimentados pela defesa de organizações de lésbicas, 
bissexuais, gays, transgêneros e intersex (LGBTI) dos respectivos países 
e demandaram a libertação dos dois “homens”, ameaçando a retirada de 
ajuda, se os direitos humanos não fossem respeitados. 
E, com isso, os pontos de discussões anteriormente silenciados 
dentro do grupo cada vez maior de ativistas africanxs, pensadorxs, 
artistas e de comunidades queer, passaram para o primeiro plano, 
em uma deslumbrante exibição do que é o pântano das vidas LGBTI 
no continente. Havia a invisibilização das identidades de gênero não 
convencionais das vidas e dos seres trans*, ao insistirem em se referir a 
Tiwonge como um gay, mesmo que ela afirmasse se identificar como uma 
mulher. Existia a retórica violenta da homofobia populista, usada para 
calar os dissidentes em toda a nação não somente por meio de uma elite 
dominante formada pela alta classe política e econômica, mas também 
assentada sobre o poder de uma religião importada. Havia o uso da 
retórica da independência, que inclui a definição do que é africano e a 
rejeição das imposições ocidentais, de forma a incentivar a violência do 
africano contra o africano (aqueles que se identificam com as prescrições 
dominantes em termos de sexualidade e de gênero, contra quem encarna 
24 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
definições dissidentes de gênero e sexualidade), com a intenção de apagar 
a não conformidade de gênero e as identidades não heterossexuais do 
projeto nacional. Havia a Internacional Gay – defensorxs e associações 
lésbicas e gays em nível internacional – que chegavam ao país com 
pouco ou nenhum conhecimento do contexto para conduzir as questões, 
mas com a convicção firme de que elxs estavam salvando as vítimas 
perseguidas da barbárie brutal dos africanos, sem consultar os grupos 
locais e repreendendo os líderes africanos por seu fracasso em abraçar a 
ideologia liberal, acompanhada pelos direitos humanos e dos monopólios 
econômicos neoliberais. Havia as embaixadas e os governos ocidentais 
que flexionaram seus músculos para vir ao socorro da minoria perseguida, 
enfatizando assim a continuidade da dependência colonial do continente 
e reforçando dinâmicas de poder distorcidas entre o Norte e o Sul Globais. 
Ao usar a retirada das ajudas humanitárias como uma alavanca para salvar 
os LGBTI africanos, estes “parceiros do desenvolvimento internacional” 
criaram uma onda de medo paradoxal frente a esta ameaça, apesar do 
amplo reconhecimento de que as ajudas nunca serviram aos interesses das 
populações africanas. Havia a África do Sul, à qual nos dirigimos com uma 
ansiedade cheia de expectativas, por conta da nossa tendência a agarrar-
nos às memórias de um partido de libertação guiado por princípios, 
esperando que o partido falasse com coragem, mas cujo longo silêncio 
nos deixou cabisbaixos e envergonhados. Havia um dos nossos “líderes” 
que tentou providenciar o perdão presidencial, mas ainda insistindo na 
negação do pertencimento queer, com uma atitude de “quem sabe da 
próxima vez”. Havia os corajosos habitantes do Malaui, oriundos de todas 
as esferas da vida, que permaneceram em suas casas ou enfrentaram a 
mídia nacional para denunciar a opressão infligida contra nós todxs e que 
atingia diretamente a poucxs; malauianos que não conseguiram alcançar a 
audiência internacional porque sua mensagem era demasiado complexa, 
mas que tentaram avisar sua nação do iminente estrangulamento de 
uma crescente regressão democrática; os mesmos malauianos que se 
encontraram aprisionados e conduzidos a se esconderem, alguns meses 
depois, quando o dissenso popular atingiu as estradas e as universidades. 
Havia o movimento LGBTI do Malaui, cujas vozes não conseguiam 
superar a cacofonia de interesses que falavam por, sobre e contra eles, e 
cujas comunidades eram empurradas nas profundezas do medo. Havia 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 25
os africanos no mundo que se organizavam, olhavam uns para os outros, 
procurando uma estratégia e apoio, e que não conseguiam abalar o 
teatro do absurdo que se desenvolvia ao redor das vidas africanas. Mas, 
próprio como o fenômeno de políticos medíocres, que procuram a cena 
e a encontram na persecução fundamentalista de uma comunidade que 
já estava com medo, parece espalhar-se no continente, por outro lado, a 
resistência africana, que cresce, aprende e é fortalecida através decada 
batalha. 
No intuito de dar voz a esta resistência e de perpetuar a história das 
múltiplas identidades que encarnamos, nós duas, editoras, Sokari Ekine, 
africana da Nigéria, e Hakima Abbas, uma africana do Egito, juntamos 
nossas forças com um grupo de africanxs no mundo, para dar testemunho 
do implacável poder das comunidades queer ao redor da África e sua 
diáspora. O Queer African Reader reúne textos acadêmicos, análises 
políticas, depoimentos de vida, conversações e trabalhos artísticos de 
africanxs engajadxs na luta pela libertação LGBTIQ. O Queer African 
Reader rompe com a homogeneização da África como continente 
homofóbico, para evidenciar a complexidade das vidas e das experiências 
LGBTIQ, com contribuições que exploram temas como identidade, 
resistência, solidariedade, lavagem cor de rosa [pinkwashing], políticas 
globais, intersecções de lutas, religião e cultura, comunidade, sexo e amor. 
Conscientes da magnitude do que estamos propondo documentar 
no Queer African Reader, sabíamos que não podíamos tentar fazer isso 
sozinhas. Assim, levamos até o fim a ideia de suscitar discussões, a partir 
das nossas numerosas comunidades e de nossos contribuintes potenciais, 
sobre como documentar não só a resistência nas vidas e nas lutas 
diárias das comunidades queer da África, mas também como valorizar 
a complexidade da maneira com que a libertação queer é concebida 
na África e pelos africanos. Nós esperamos também que o trabalho da 
coletânea assegure que esta publicação tenha respondido às necessidades 
do movimento queer africano, pelas discussões que abarca, em vez de ser 
uma visão voyeurística para “outros” olhares. O que descobrimos, através 
desse processo, e nas raízes da resistência queer na África, é a continuação 
das lutas pela libertação africana e pela autodeterminação do indivíduo e 
do coletivo. 
26 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
Usamos o termo queer aqui e no título para denotar um quadro 
político mais do que uma identidade de gênero ou um comportamento 
sexual. Usamos queer para sublinhar uma perspectiva que abraça a 
pluralidade de gênero e sexual e que procura transformar, revisar e 
revolucionar a ordem africana, mais do que assimilá-la em um contexto 
hetero-patriarcal-capitalista opressivo. Queer é nossa posição dissidente, 
mas o usamos, aqui, conscientes das limitações da terminologia em 
relação com nossas realidades africanas neocoloniais. Xs autorxs, ao longo 
deste volume, usam um conjunto de identificações para denotar gêneros e 
sexualidades dissidentes. Como editoras, acreditamos que esta diversidade 
proporciona o sabor com o qual tal coletânea está condimentada. É esta 
vasta multiplicidade que abraçamos nas perspectivas, experiências, ideias 
e estratégias apresentadas neste livro. 
Na mesma medida em que, neste volume, queríamos fazer um 
retrato completo do espectro do arco-íris negro, assim como dar voz às 
tendências pró-queer e pró-feministas de um conjunto de africanxs que se 
identificam em diferentes esferas sexuais e de gênero, reconhecemos que 
existem várias lacunas no material aqui coletado. Por exemplo, a ausência 
de textos submetidos pela África do Norte, assim como a ausência de 
vozes das velhas gerações e as experiências que documentaram, produz 
uma lacuna na tessitura que esta coletânea tenta registrar. Por isso tudo, 
assumimos toda a responsabilidade e esperamos que este livro estimule 
outrxs africanxs a retomar o desafio. Esperamos que outros possam 
produzir mais e que isso possa não somente afirmar a existência da 
dissidência política em termos de sexualidade e de gênero, na África, mas, 
também, reforçar a reflexão e sublinhar a importante contribuição destas 
vozes para a libertação de nosso continente. 
Quanto ao aspecto financeiro para realizar esta coletânea, agradecemos 
ao fato de que foi uma entidade financiadora feminista africana, Urgent 
Action Found – Africa, a ser a primeira a apoiar este trabalho. Gostaríamos, 
portanto, de agradecer a UAF-Africa pela ajuda generosa e pela confiança 
no projeto em suas fases iniciais. O Queer African Reader tornou-se 
também possível graça à ajuda generosa da Arcus Foundation, e nós 
somos gratas, especialmente, à sua agente internacional de programas, 
Carla Sutherland, por seu apoio à iniciativa ‘Fahamus’s Reclaim’, da qual 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 27
nasceu o Queer African Reader. 
Poucos meses depois que começamos o processo que culminou, após 
três anos, no Queer African Reader, David Kato, professor e importante 
ativista LGBTI em Uganda, foi assassinado. Poucas semanas antes de seu 
assassinato, David submeteu um artigo para nós, em consideração a este 
volume. Incluímos o artigo de David em primeiro lugar na coletânea, 
em memória de um militante abatido. Com humildade, dedicamos o 
Queer African Reader para todxs xs sobreviventes e vítimas das múltiplas 
opressões e para xs resistentes que lutam, a cada dia, com o corpo, com o 
espírito e com a mente, para libertar a nós todxs. Nós xs saudamos! 
Tradução Caterina Alessandra Rea (UNILAB) 
28 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
Um ensaio
David Kato Kisule
Tradução Felipe Fernandes/GIR@/UFBA
David Kato Kisule submeteu esse curto ensaio às editoras do Queer 
African Reader apenas um mês antes de seu assassinato, em 26 de janeiro 
de 2011. David Kato foi professor e um proeminente ativista LGBTI 
em Uganda, tendo trabalhado como advocacy na organização Sexual 
Minorities Uganda (SMUG) [Minorias Sexuais de Uganda]. Algumas 
semanas antes de sua morte, David ganhou um caso histórico contra um 
jornal sensacionalista que publicou fotografias de 100 pessoas, incluindo a 
dele mesmo, em um artigo que conclamava o enforcamento de lésbicas e 
gays ugandenses. Esse ensaio é aqui publicado, com muitas poucas edições, 
em memória de David Kato e todos aqueles que tombaram na luta pela 
igualdade LGBTI.
Nesse país, é um absurdo que, ao mesmo tempo em que LGBTIs 
se esforçam para liberar sua comunidade na conquista não de direitos 
especiais, mas de direitos iguais como possuem quaisquer outras, está se 
enfrentando um dilema. Com leis opressivas e leis contra a sodomia (que há 
muito tempo foram revogadas em seus países de origem!), o investimento 
massivo de grupos religiosos estrangeiros em comunidades africanas, a 
recente propagação da homofobia que promove um ódio continuado e a 
reprodução global do evangelicalismo estadunidense tornaram as coisas 
piores para a sobrevivência da comunidade LGBTI nesses países.
Em nome da proteção da família tradicional, os evangélicos 
recentemente incitaram a elaboração de um projeto de lei anti-
homossexualidade no parlamento ugandense – como um projeto de 
lei privado, que afetará não apenas a comunidade LGBTI, mas, caso 
aprovado, terá repercussão global para toda a comunidade.
Por isso, é necessária uma abordagem que confronte esse projeto de 
lei como um problema universal com repercussões globais. Também é 
necessário o uso de estratégias vigorosas e sem rodeios para falar sobre 
esse projeto de lei não simplesmente como “expressão da homofobia”, mas 
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 29
como incitador de um ódio contínuo e de violência. Há uma necessidade 
premente de fomentar o debate sobre os sistemas globais que atualmente 
agem na reprodução do autoritarismo homofóbico em todas as partes do 
mundo.
Em Uganda, na medida em que a comunidade LGBTI se tornou mais 
visível em sua demanda por inclusão nas estratégias governamentais 
de saúde, na luta para enfrentar a disseminação do HIV, os legisladores 
propuseram leis que criminalizam até mesmo o sexo consensual entre 
pessoasdo mesmo sexo com a pena de morte!
Isso incentivou muitas voltas ao armário e tornou muitas pessoas 
vulneráveis ao açoite. Alguns foram presos, assediados, detidos e outros 
morreram nesse processo. Muitos foram expulsos de lares, moradias, 
escolas, e outros humilhados (através até mesmo de linchamentos e 
estupros). Há, também, uma homofobia institucionalizada estimulada 
por gestores de políticas públicas e os autores ficam sempre impunes! 
Lésbicas são estupradas por membros da família e por outros, em nome 
da cura do lesbianismo e, nesse processo, muitas se infectam com o HIV!
Tais alegações foram feitas primeiramente no Tribunal de Mbale, 
onde Late Brian Pande e Wasukire Fred foram acusados por relação 
sexual carnal contra a ordem da natureza e o cirurgião da polícia disse à 
corte que:
Ele encontrou um deles sem DST, mas na segunda testagem foram 
encontradas DST em ambos.
Ele encontrou um deles com um ferimento no ânus.
Ele descobriu que um deles branqueou o rosto.
Com esses dados, concluíram que os dois rapazes estavam fazendo 
sexo juntos.
Em resposta, o magistrado perguntou pelas garantias para conceder 
aos dois uma fiança judicial, ao que um proeminente advogado, no 
tribunal, demandou ao magistrado para não conceder a fiança pois dentro 
de uma semana toda a cidade de Mbale estaria cheia de homossexuais 
e, então, os dois deveriam morrer na prisão! Não por acaso, Pande 
morreu semanas depois de sair da prisão de Maluku, onde tínhamos sido 
30 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
proibidos de vê-lo quando fomos visitá-lo. Contradizendo os relatórios 
hospitalares, seu atestado de óbito informava que ele havia morrido de 
meningite, doença que, no entanto, ainda não havia sido verificada pelos 
médicos, o cirurgião policial disse, diante de um corpo bem nutrido, que 
ele tinha morrido de anemia!
É estranho que, tendo acompanhado de perto o caso de Mbale sem 
saber quem era Fred, ao perguntarmos por Fred como víamos na mídia, 
fomos informados de que a pessoa que procurávamos era um homem, 
mas que sempre vivera com a aparência de uma mulher! Podemos nos 
perguntar que mal poderia ter feito uma pessoa que viveu na mesma 
comunidade por mais de 30 anos! Apenas o estímulo ao ódio público 
por fundamentalistas religiosos e gestores de políticas públicas pode ter 
deesncadeado tal ódio!
Toda legislação criada sem a inclusão de comunidades marginalizadas 
é antidemocrática – o projeto de lei em si mesmo é inconstitucional, uma 
vez que advoga pela discriminação, não segue ou respeita os princípios 
internacionais e não segue a lei ugandense.
Em geral, o estado e a situação são alarmantes e há uma grande 
necessidade de lutar para impedir esse projeto de lei, o que é complicado, 
pois qualquer membro da sociedade civil que contribui com essa luta é 
tido como incitador da homossexualidade, a qual está em processo de 
criminalização, de acordo com o último comunicado do Ministro de 
Relações Internacionais!
Graças a todos os esforços, coragem e luta da comunidade LGBTI de 
Uganda, ativistas, artistas, líderes religiosos, aliados e gestores de políticas 
públicas em todo o país, África e mundo, a lei anti-homossexualidade de 
Uganda não foi aprovada até o momento de escrita deste ensaio. Entretanto, 
o perigo e a ameaça ainda crescem e mais e mais países em todo o 
continente e continuam a ameaçar a criar legislação semelhante e incitam 
a violência e a perseguição daqueles considerados como de sexualidades 
não hteronormativas e com identidades de gênero transgressoras.
Tradução Felipe Bruno Martins Fernandes (GIRA/UFBA)
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 31
“Sobre sororidade e solidariedade”: 
tornando queer os espaços feministas 
africanos
Awino Okech
Tradução Clarisse Goulart Paradis/FEMPOS/UNILAB
 
Esse capítulo busca examinar o espaço e lugar da organização 
queer dentro dos “espaços feministas africanos mainstream”. Essa é uma 
tarefa ambiciosa, dada a multiplicidade de espaços, atorxs e agendas. 
As possibilidades de “espaços feministas mainstream” sugerem uma 
multiplicidade de vanguarda, ou outros locais, que operam na periferia 
do centro. Esse fato é, em si mesmo, uma posição que vale a pena ser 
interrogada, mas não se enquadra no escopo deste capítulo. Meu objetivo 
não é criticar locais específicos de construção dos movimentos feministas, 
mas sim oferecer uma linha direta teórica, traçar disjunções e refletir 
sobre possibilidades. Esse capítulo inicia uma conversa teórica que não 
é de forma alguma concebida para ser abrangente ou representativa da 
riqueza de experiências e literatura disponíveis. 
Para minha análise nesse capítulo, eu me baseio na minha experiência 
pessoal – leia-se aqui a minha participação em diversos espaços, alguns 
nomeados como espaços ativistas feministas; outros, como locais 
acadêmicos feministas, conversas com diversos atores com histórias 
em diferentes formas de organização, algumas feministas, algumas 
explicitamente nomeadas como Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgênero, 
Intersexo (LGBTI). Eu me baseio nessas conversas como locais nos quais 
vários indivíduos identificados como mulheres, feministas, lésbicas, 
pesquisadorxs têm lutado com o intuito de encontrar um espaço teórico, 
dentro de espaços ativistas, para dar sentido à luta25 de viver e ocupar uma 
das muitas identidades que xs torna vulneráveis não apenas a ataques 
25 O termo luta é usado para se referir às tensões manifestadas em navegar por múltiplas identida-
des, algumas políticas, outras vistas como pessoais, algumas rotuladas como arriscadas e em con-
flito. Por exemplo, quando uma mulher gay ocupa um cargo público, mas a sua homossexualidade 
não é uma questão política, o resultado é muitas vezes um silenciamento de sua identidade sexual 
32 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
específicos do Estado, mas também a um isolamento particular entre 
“irmãs”, onde a “segurança” é construída como um componente central 
do espaço.
A acusação de homofobia26 dentro dos movimentos de mulheres27 ou 
nos espaços feministas autônomos recentes em várias partes da África não 
é nova. Essas acusações foram evidentes na pós 4ª Conferência Mundial de 
Mulheres da ONU de Beijing, em 1995, na qual várias mulheres africanas 
ativistas sinalizaram que a questão “sexual” não era uma prioridade para 
as mulheres africanas28. Sexo e sexualidade só se tornaram prioridades na 
medida em que impactaram saúde, mobilidade, emprego e herança (leia-
se direitos reprodutivos e violência contra as mulheres). Debates em torno 
da autonomia corporal e integridade sexual continuam permanecendo 
locais tênues referentes à legislação e ao ativismo em muitos países 
africanos29. Isso pode ser visto no desenvolvimento do discurso público 
e/ou na legislação sobre o aborto, os quais continuam a irritar órgãos de 
formulação de políticas e do público igualmente30. Além disso, a ofensiva 
da violência contra homens e mulheres que performam sua sexualidade 
diferentemente – contra a normatividade heterossexual – também recriou 
discursos sobre autonomia. Orientação sexual como um assunto de 
ou de sua piblicização, transformando isso em uma questão política. Na maioria dos contextos 
africanos, os dois não coexistem perfeitamente.
26 O termo poderia significar qualquer coisa, desde um “silêncio” sobre orientação sexual e hete-
ronormatividade no discurso ativista feminista até referências explícitas a um outro – “eles” – ou 
a reticência em identificar abertamente e engajar-se nas lutas políticas LGBTI quando solicitadas. 
No Quênia, por exemplo, a maioria dos lobbies “pró-aborto” vieram de ginecologistas e não de 
ativistas dos direitos das mulheres.27 Não me aprofundo em uma discussão sobre a existência e a viabilidade do movimento de 
mulheres. Esse tema foi habilmente discutido mais recentemente pela AWID, através de seu projeto 
de pesquisa sobre construção do movimento (veja www.awid.org). Eu faço a distinção entre um 
movimento de mulheres e espaços feministas com base em uma análise mais aprofundada neste 
capítulo, que traça a divisão entre um movimento de mulheres que se baseia no feminismo como 
sua ideologia organizadora e aqueles que se distanciam dele.
28 JOLLY, Susie. Queering development: exploring the links between same sex sexualities, gender 
and development. Development, v. 8, n. 1, p. 78-88, 2000.
29 Ativistas dos direitos da mulher foram retardatárias nos debates “pró-aborto” e na negociação 
com o Estado e em outros locais de poder como as igrejas, em que a escolha foi efetivamente 
apagada.
30 KLUGMAN, Barbara; BUDLENDER, Debbie. Advocating for abortion access: eleven coun-
try studies. Women’s Health Project, University of Witwatersrand, 2002; Center for Reproductive 
Rights. In Harm’s Way the Impact of Kenya’s Restrictive Abortion Law, CRR, New York, 2010.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 33
advocacy é um assunto que tem sido citado como tendo o potencial de 
desviar a luta, como se torna evidente quando são feitas escolhas sobre 
quais questões ganham prioridade no âmbito público — como questões 
políticas e, eu acrescento, ideológicas, dentro dos lobbies dos direitos das 
mulheres31.
A organização distinta, que ocorre na maior parte da África entre 
o trabalho LGBTI e os lobbies feministas/de direitos das mulheres, 
é igualmente significativa, uma vez que o trabalho LGBTI se baseia 
historicamente no repertório que chamarei, para os propósitos deste 
capítulo, de teoria feminista. Jackson faz abaixo uma distinção útil, ao 
notar que: 
Queer e feminismo convergem na medida em que ambos questionam 
a inevitabilidade e a naturalidade da heterossexualidade e ambos, pelo 
menos até certo ponto, ligam a divisão binária entre o gênero com 
aquela entre a heterossexualidade e a homossexualidade. Para além 
disso, eles diferem em ênfase. Os teóricos queer buscam desestabilizar 
a heteronormatividade, mas estão relativamente despreocupados com 
o que acontece nas relações heterossexuais. As feministas, porque estão 
preocupadas com as maneiras pelas quais a heterossexualidade garante 
a divisão de gênero e depende dela, estão muito mais interessadas na 
institucionalização e na prática cotidiana das relações heterossexuais32.
Como resultado, escolhas foram feitas33 por indivíduos e organizações 
em torno de qual identidade política colocar em primeiro plano, com 
alguns argumentando que enquanto elxs mantêm uma forte conexão com 
a teoria feminista, a ideologia e os espaços são centrais para o ímpeto 
de seu trabalho ativista e sua identidade política lésbica é sustentada, 
31 Eu tirei essa reflexão de conversas com mulheres queer que tiveram que negociar a menção de 
direitos e escolhas sexuais, de modos significativos, em declarações e posicionamentos em confe-
rências. A inocência sobre a distração que a orientação sexual anunciava era oferecida porque a 
identidade queer delas não era destacada como sendo política.
32 JACKSON, Stevi. The social complexity of heteronormativity: gender, sexuality and heterosex-
uality. In: HETERONORMATIVITY – A FRUITFUL CONCEPT?, Trondheim, 2005.
33 Eu tirei essa reflexão de conversas com ativistas da África subsaariana que trabalham com 
organizações LGBTI ou são autoidentificadas como ativistas LGBTI ao contrário de ser mulheres 
que são lésbicas.
34 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
colocada em jogo, por causa do “silêncio”, falta de “solidariedade” e às 
vezes “homofobia” dentro de espaços onde isso não deveria ser a norma – 
espaços feministas e/ou o movimento de mulheres34.
Nesse capítulo, eu avalio se as ferramentas conceituais e ideológicas 
que o feminismo oferece têm sido usadas de modo que não sejam nem 
homogeneizantes nem essenciais dentro dos processos de construção do 
movimento. Eu examino as abordagens conceituais que foram implantadas 
na construção dos movimentos dentro de espaços feministas autônomos. 
Ao fazê-lo, eu questiono o quão prontos eles estão para responder a um 
crescente movimento queer35. 
Isso é importante por três razões. A primeira é baseada na história 
e aceitação do feminismo de um lado e a causa das mulheres do outro. 
Onde feministas e o feminismo foram guetizados e rotulados de várias 
maneiras, Adeleye Fayemi observa:
É muito difícil criar e sustentar espaços feministas em muitos 
países africanos por várias razões. O feminismo é ainda muito 
impopular e ameaçador. A palavra  ainda  evoca mulheres brancas 
nuas e selvagens queimando seus sutiãs, imperialinsmo, dominação, 
um enfraquecimento da cultura africana, etc. As feministas são 
submetidas a ridicularizações e insultos e, em alguns casos, sofrem 
ameaças de vida. Elas são chamadas de “frustradas”, “solteironas 
deploráveis”, “castradoras”, “destruidoras de lares” e muitos outros 
epítetos indignos36. 
Algumas das respostas para desafiar essas qualificações foram 
admitidamente reacionárias, ao invés de proativas. Enquanto elas foram 
34 HAMES, Mary. The women’s movement and lesbian and gay struggles in South Africa. Feminist 
Africa, n. 2, 2003. Disponível em: <http://www.agi.aca.za/sites/agi.ac.za/files/fa_2_standpoint_4.
pdf>. Acesso em: 30 nov. 2012; KRAAK, Gerald. Homosexuality and South African left: the ambi-
guities of exile. In: WISER, Johannesburg, 2002.
35 A palavra queer aqui é semelhante à interpretação de Jolly como constituindo uma rejeição da 
distinção binária entre homo e heterossexual e, assim, uma conceituação das sexualidades como 
não essenciais e transitórias. (JOLLY, Susie. Queering development: exploring the links between 
same sex sexualities, gender and development. Development, v. 8, n. 1, p. 78-88, 2000).
36 ADELEYE-FAYEMI, Bisi. Creating and sustaining feminist space in Africa: local global chal-
lenges in the 21st century. In: 4th ANNUAL DAME NITA BARROW LECTURE, Toronto, 2000. p. 8.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 35
úteis em perturbar a hegemonia epistemológica ocidental, o discurso 
emergente, ao contrário, reincorporou o patriarcado e, especificamente, 
suas raízes heteronormativas37. Isso também produziu um discurso no 
feminismo africano que foi construído em oposição ao que foi visto como 
sendo o que feminismo ocidental representava. Não necessariamente 
evoluiu em novos discursos que se engajaram de maneira significativa 
com as realidades contextuais da África. Ao contrário, tornou-se 
culturalmente relativo. O resultado foi uma série de projetos destinados 
a escavar narrativas e histórias para enfrentar as construções dominantes 
da África e das “mulheres africanas”. O feminismo africano definido 
dessa forma permanece em oposição e moldado por construções 
imperiais e, reconhecidamente, por redefinições da África, e não evolui 
organicamente38. 
A segunda razão reconhece que as bolsas de estudo feministas 
africanas, em particular, e as bolsas de estudo feministas, em geral, têm 
sido amplamente indisponíveis para a maioria dxs estudantes africanxs 
e cidadãxs interessadxs em se engajar em análise de gênero, para além 
do “gênero e desenvolvimento”, tornados populares pelas empresas 
de desenvolvimento. Consequentemente, alguns dos imperativos 
epistemológicos que eu localizo aqui em termos da sua centralidade em 
desafiar a heteronormatividade permanecem subutilizados em espaços 
37 O termo “heteronormatividade” é utilizado para referir-se às instituições, estruturas de en-
tendimento e orientações práticas que fazem a heterossexualidade parecernão somente coerente, 
isto é, organizada como sexualidade, mas também privilegiada. (MIKELL, Gwendolyn. African 
Feminism: The Politics of Survival in Sub-Saharan Africa. Philadephia: University of Pennsylvania 
Press, 1997; OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ. The Invention of Women: Making na African Sense of Western 
Gender Discourse. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1997; STEADY, Filmina Chiona. 
The Black Woman Cross-Culturally. Cambridge: Schenkman, 1981). 
38 Trabalhos acadêmicos mais recentes nessa arena produziram análises mais nuançadas (ver, 
entre outros, BENNETT, Jane. Editorial: researching for life: paradigms and power. Feminist Af-
rica, v. 11, p. 1-12, 2008; LEWIS, Desiree. Editorial. Feminist Africa, n. 2, p. 1-7, 2003; MEKGWE, 
Pinkie. Theorising African Feminism(s): the colonial question. QUEST: An African Journal of 
Philosophy/Revue Africaine de Philospphie, n. 20, p. 11-22, 2008; MUPOTSA, Danai S.; MHISHI, 
Lennon. This little rage of poetry: researching gender and sexuality. Feminist Africa, n. 11, p. 97-
107, 2008; PEREIRA, Charmaine. Interrogating norms: feminists theorising sexuality, gender and 
heterosexuality. Development, v. 52, n. 1, p. 18-24, 2009; SALO, Elaine. Multiple targets, mixing 
strategies: complicating feminist analysis of contemporary South African women’s movement. Fe-
minist Africa, n. 4, p. 64-71, 2005).
36 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
de construção do movimento. O mantra da necessidade de responder 
a problemas reais e ser relevante para realidades vividas pelas mulheres 
“na base” resultou na construção da epistemologia feminista, a qual é 
inacessível e irrelevante para entender e responder às realidades vividas 
pelas mulheres. Essa é uma tensão que, ainda que consistentemente 
reconhecida, é dificilmente resolvida na prática. 
A terceira razão considera o contexto atual, o qual é caracterizado 
por massivas reversões de ganhos conceituais e de ativistas que o 
feminismo ofereceu para entender as injustiças socioeconômicas e 
políticas. A manipulação desenvolvimentista e despolitizada do gênero 
como estrutura conceitual que deve moldar as intervenções que buscam 
a transformação nas normas de gênero é frequentemente baseada em 
princípios de igualdade que buscam a inclusão ao invés da transformação39. 
Isso contribuiu, em parte, para canalizar energias para remobilizar uma 
posição política que se centra no desmantelamento do patriarcado e em 
seu poder associado tanto teoricamente, quanto na prática. A recuperação 
de espaços autônomos onde tal reflexão possa ocorrer é um fator desse 
contexto político mais amplo. Como, portanto, essas afirmações recentes 
levaram a uma compreensão efetiva e renovada do patriarcado e a uma 
desestabilização da heteronormatividade para responder à diversidade40 
e à transformação das hierarquias de poder dentro e fora do movimento?
Pensando nos movimentos
O termo “movimento” se tornou tão corrente e vagamente usado no 
atual discurso a ponto de quase se tornar desprovido de significado [...] 
precisamos revisitar nossa definição de movimentos e ter clareza sobre 
o que é e o que não é um movimento. Pois é um pouco preocupante o 
quanto fenômenos diferentes são descritos como movimentos41. 
39 Veja uma discussão mais completa sobre isso em Hassim (2004). 
40 Eu uso o termo diversidade aqui para destacar binarismos existentes que atribuem alteridade a 
desejos homoeróticos, por exemplo.
41 BATLIWALA, Srilatha. Grassrooots movements as transnational actors: implication of global 
civil Society. Voluntas: International Journal of Voluntary and Nonprofit Organisations, v. 13, n. 4, 
p. 393-410, 2002.
TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER 37
As preocupações de Batliwala refletem não apenas a imposição do 
termo movimento enquanto qualquer atividade que reúna uma coalizão 
de organizações, mas são também indicativas da crescente preocupação 
com a ideia de construir movimentos populares através de intervenções 
programáticas de organizações internacionais para o desenvolvimento. O 
“desenvolvimentismo” da construção dos movimentos é uma tendência 
crescente que merece alguma interrogação conceitual, particularmente na 
medida em que esses processos, em toda a África, refletem ativamente a 
noção de organização, sobre quais modelos de organização são críticos 
para seus objetivos de justiça social e o lugar da ideologia nessas agendas42.
Movimentos sociais emergem como contestações populares da 
legalidade da participação. Portanto, aspiram a redefinir e estender o 
espaço e os limites das formas “aceitáveis” de engajamento político, 
social e econômico na sociedade. Existe uma constante tensão entre a 
“legalidade da participação”, como definida e regulada por instituições e 
indivíduos poderosos, e os desejos populares da maioria da população, 
cujo envolvimento com a governança de suas sociedades é limitado 
pelas regras de participação. Na última década, essa tensão foi elevada 
pela diminuição do espaço para participação cidadã, pelos governos e 
instituições supraestatais, e apresentou maiores ameaças para o espaço 
que os cidadãos têm para a ação autônoma. 
Há uma série de teorias que informaram a análise em torno do 
desenvolvimento dos movimentos sociais. Teóricxs da “mobilização 
de recursos”, por exemplo, explicam a ação coletiva em termos de 
oportunidades estruturais, liderança, redes ideológicas e organizacionais43. 
Teóricxs dos “novos movimentos sociais” oferecem o conceito de 
“identidades coletivas” como forma de examinar como as pessoas agem 
em conjunto, frequentemente com o objetivo de alcançar um tipo novo, 
distinto ou semiautônomo de presença e reconhecimento culturais. 
Estudiosxs que escrevem desde a perspectiva dos “novos movimentos 
42 Para uma discussão mais completa sobre isso, ver Batliwala (2002) e o projeto de pesquisa sobre 
construção do movimento AWID e extensivos recursos sobre o objeto em www.awid.org. 
43 McCLURG MUELLER, Carol; MORRIS, Aldon D. Frontiers in Social Movements Theory. New 
Haven: Yale University Press, 1992. p. 12-16.
38 TR ADUZIND O A ÁFRICA QUEER
sociais” estão interessadxs na construção, contestação e negociação das 
identidades coletivas no processo de atividade política. Identidade coletiva 
refere-se “à definição (frequentemente implícita) acordada de associação, 
limites e atividades para o grupo”44. A existência de identidade coletiva, 
assim como da noção de “consciência coletiva” ou “falsa consciência” é 
difícil de comprovar. A própria natureza dos movimentos sociais significa 
que a identidade coletiva é um “alvo em movimento”, com diferentes 
definições dominando diferentes pontos da trajetória de um movimento.
Os anos 199045, em particular, assistiram a um avanço dos 
movimentos, especialmente em países que enfrentaram a transição ou 
passaram por processos de consolidação democrática, que levaram a uma 
mudança em sua lógica, dinâmica e ênfase. De acordo com Alvarez46, uma 
das mudanças significativas foi a modificação de uma postura antiestatal 
para uma postura de negociação crítica em relação ao Estado e às arenas 
internacionais formais. Isso também significou um deslocamento de um 
tipo de autonomia defensiva e dinâmica de confronto para a lógica da 
negociação.
Organizações não governamentais, consequentemente, passaram a 
ser consideradas como o veículo de escolha – a fórmula mágica – para 
fomentar estratégias de desenvolvimento47. A liberalização gradual do 
ambiente político no qual movimentos sociais operaram e a introdução 
do gênero no Estado, induzido em parte por alguns governos estaduais 
controlados pela oposição no início até meados da década de 1990, 
resultaram na necessidade de um número crescente de feministas 
formalizarem suas

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