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Saúde Pública e Meio Ambiente

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MEIO AMBIENTE E SAÚDE-EPIDEMIOLOGIA
I. Contextualização Histórica e Conceitual
A Saúde Pública abrange uma série de sub-áreas do conhecimento e da prática que lhe dão uma rica e importante diversidade. Entretanto, a ênfase relativa dada às diferentes subáreas tem variado ao longo da história, dependendo do momento político e das questões de saúde mais relevantes, em cada período e local geográfico.
Além disso, Rosen ressalta a inter-relação existente entre todas as subáreas envolvidas: "através da história humana, os principais problemas de saúde enfrentados pelos homens têm tido relação com a vida em comunidade, por exemplo, o controle de doenças transmissíveis, o controle e a melhoria do ambiente físico (saneamento), a provisão de água e alimentos em boa qualidade e em quantidade, a provisão de cuidados médicos, e o atendimento dos incapacitados e destituídos. A ênfase relativa colocada em cada um desses problemas tem variado de tempo a outro, mas eles estão todos inter-relacionados, e deles se originou a saúde pública como a conhecemos hoje" (Rosen, 1958).
As preocupações com a problemática ambiental estão inseridas na Saúde Pública desde seus primórdios, apesar de só na segunda metade do século XX ter se estruturado uma área específica para tratar dessas questões. Essa área que trata da inter-relação entre saúde e meio ambiente foi denominada de Saúde Ambiental. Segundo definição estabelecida pela OMS:
"Saúde Ambiental é o campo de atuação da saúde pública que se ocupa das formas de vida, das substâncias e das condições em torno do ser humano, que podem exercer alguma influência sobre a sua saúde e o seu bem-estar" (Brasil-MS, 1999).
Trata-se, portanto, de um amplo campo de estudo, que envolve profissionais de diversas formações acadêmicas e técnicas, tanto das áreas biológicas quanto das ciências da natureza e das ciências exatas.
Em 1993, uma definição de Saúde Ambiental, que insere também os aspectos de atuação prática, foi apresentada na Carta de Sofia, produzida no encontro da Organização Mundial de Saúde, realizado na cidade de Sofia:
"Saúde ambiental são todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualidade de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à teoria e prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras" (OMS, 1993).
O grande número de fatores ambientais que podem afetar a saúde humana é um indicativo da complexidade das interações existentes e da amplitude de ações necessárias para melhorar os fatores ambientais determinantes da saúde. Porém, os programas de melhorias no ambiente têm ações bastante diferenciadas daquelas de atenção médica, ainda que não possam estar desvinculadas delas.
Como já mencionado, as preocupações com aspectos ambientais, tanto em relação à Saúde Pública quanto em relação a outras características dos diferentes grupos sociais (organização social, cultural e econômica), existem desde os primórdios da história humana e constituíram importante base analítica do pensamento social no passado. Hoje, essas questões voltam a chamar a atenção de diferentes ciências. 
Desta forma, pode-se afirmar que dentro de alguns poucos anos, nosso planeta contará com mais habitantes em áreas urbanas do que em áreas rurais. A urbanização desenfreada, sem mecanismos regulatórios e de controle, típica dos países periféricos, trouxe consigo enormes repercussões na saúde da população. Problemas como a insuficiência dos serviços básicos de saneamento, coleta e destinação adequada do lixo e condições precárias de moradia, tradicionalmente relacionados com a pobreza e o subdesenvolvimento, somam-se agora à poluição química e física do ar, da água e da terra, problemas ambientais antes considerados "modernos". Novamente, é sobre as populações mais carentes que recai a maior parte dos efeitos negativos da urbanização, gerando uma situação de extrema desigualdade e iniqüidade ambiental e em saúde. 
Para reverter esse quadro é preciso que haja uma reincorporação das questões do meio ambiente nas políticas de saúde, e a integração dos objetivos da saúde ambiental numa ampla estratégia de desenvolvimento sustentável. Uma abordagem mais integrada, com mecanismos intersetoriais que possibilitem um diálogo amplo entre as partes, trará enormes benefícios na conquista de melhores condições de vida nas cidades. A saúde ambiental hoje tem o desafio de promover uma melhor qualidade de vida e saúde nas cidades e a oportunidade de enfrentar o absurdo quadro de exclusão social, sob a perspectiva da equidade.
II. Meio Ambiente e Saúde
No Brasil, os enfoques na abordagem de problemas de saúde relacionados ao meio ambiente seguiram, em linhas gerais, os mesmos enfoques internacionais. Não seria possível, nesse, texto, descrever um histórico dessa relação em nosso país. Por isso, a análise se limitará aos anos mais recentes.
As preocupações com os problemas ambientais e sua vinculação com a saúde humana foram ampliadas no Brasil, inclusive, a partir da década de 1970. Durante essa década, foi criada a SEMA (Secretaria Especial de Meio Ambiente) e, a exemplo dos EUA, foram estabelecidos os Padrões de Qualidade do Ar e das Águas. No estado de São Paulo, foi criado um órgão de controle ambiental, visando controlar, num primeiro momento, a poluição de origem industrial e, da década de 1980 em diante, também a poluição causada por veículos. A despeito de ser uma política setorial, desvinculada do setor saúde, ela trouxe alguns resultados positivos, com reflexos nas condições de saúde.
A Constituição Federal, de 1988, expressa essa preocupação em diversos de seus artigos:
"Art. 196 define saúde como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;
Art. 225 diz: todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo, preservá-lo para as presentes e futuras gerações;
Art. 200, incisos II e VIII, fixam, como atribuição do Sistema Único de Saúde � SUS -, entre outras, a execução de ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho."
Juntamente com a evolução da legislação, ampliou-se a consciência de que a saúde, individual e coletiva, nas suas dimensões física e mental, está intrinsecamente relacionada à qualidade do meio ambiente. Essa relação tem se tornado mais evidente para a sociedade devido à sensível redução da qualidade ambiental, verificada nas últimas décadas, conseqüência do padrão de crescimento econômico adotado no país e de suas crises.
O modelo de crescimento econômico brasileiro tem gerado fortes concentrações de renda e de infra-estrutura, com exclusão de expressivos segmentos sociais de um nível de qualidade ambiental satisfatório, com decorrentes problemas de saúde, tais como doenças infecto-parasitárias nos bolsões de pobreza das cidades e do país, onde são precárias as condições sanitárias e ambientais. Uma parcela da população que vive em condições precárias é mais vulnerável às agressões ambientais, propiciadoras de doenças. Esses fatores, agravados pela falta de infra-estrutura e de serviços de saneamento nas áreas mais pobres, levam a uma sobrecarga do setor saúde com pacientes acometidos de doenças evitáveis.
Também como fruto do modelo de desenvolvimento econômico, coexistem, atualmente, no país, processos produtivos com riscos tecnológicos bastante complexos, que constituem riscos à saúde humana e ao meio ambiente. Como menciona o documento Hacia un nuevo enfoque en Salud Ambiental en el sector salud en las Americas, da OPAS,
"Os problemas de saúdeambiental da América Latina e Caribe estão dominados tanto por necessidades não atendidas, enquanto saneamento ambiental tradicional, como por necessidades crescentes de proteção ambiental, que têm se tornado mais graves devido à urbanização intensiva em um entorno caracterizado por um desenvolvimento econômico lento" (OPAS, 1994)
Mesmo assim, tem havido um aumento da expectativa de vida no país, a despeito dos idosos e crianças constituírem os grupos de maior risco para os efeitos negativos da poluição ambiental.
Na população brasileira há o reflexo das situações apontadas anteriormente, traduzindo-se na coexistência de doenças infecto-contagiosas e crônico-degenerativas, ambas vinculadas aos fatores ambientais. As primeiras, relacionadas à presença de vetores e à contaminação das águas, e as crônico-degenerativas, fundamentalmente, à poluição ambiental, à má qualidade dos alimentos e ao estresse. Cresce, também, os óbitos e lesões causados por acidentes e violência, especialmente entre os jovens (Brasil-MS, 1999).
Em decorrência desses problemas, o setor saúde vem se mobilizando para promover mudanças na forma de resolver os problemas. Em 1998, o Ministério da Saúde, por meio de sua Secretaria de Políticas, montou um grupo de trabalho, com participantes das principais universidades do país, de órgãos ambientais e da Organização Pan-americana de Saúde- OPAS - para elaborar uma Política Nacional de Saúde Ambiental. O documento preliminar ficou pronto em junho de 1999. Seu propósito era: "a prevenção de agravos à saúde decorrentes da exposição do ser humano a ambientes nocivos e a redução da morbi-mortalidade por doenças transmissíveis, crônico-degenerativas e mentais mediante, sobretudo, a participação do setor saúde na criação, na reconstituição e na manutenção de ambientes saudáveis, contribuindo, assim, para a qualidade de vida da população brasileira" (Brasil-MS, 1999, p. 15).
Também a Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva) reconheceu a importância de organizar um Grupo Temático "Saúde e Ambiente", no V Congresso Brasileiro de Epidemiologia, de 2002, "para, de maneira mais organizada, participar da luta pelo desenvolvimento sustentável, através da ação política no campo da saúde coletiva, em busca de ambientes saudáveis e da promoção da saúde" (Augusto e col., 2003). O grupo reconheceu dois eixos principais para o desenvolvimento das políticas de saúde e ambiente: Desenvolvimento/sustentabilidade voltado para ações intersetoriais e interdisciplinares e ações em saúde e ambiente, de caráter mais setorial
Segundo Câmara e Tambellini, "nas Américas, a Saúde Ambiental, antes relacionada quase que exclusivamente ao saneamento e qualidade da água, incorporou outras questões que envolvem poluição química, pobreza, eqüidade, condições psicossociais e a necessidade de um desenvolvimento sustentável que possa garantir uma expectativa de vida saudável para as gerações atuais e futuras" (Câmara e Tambellini, 2003).
O Ministério da Saúde vem estruturando a área de Vigilância e, em 2003, criou a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), na qual está inserida uma Coordenação Geral de Vigilância Ambiental em Saúde. A Vigilância Ambiental em Saúde tem como objetivo geral prevenir e controlar fatores de risco de doenças e de outros agravos à saúde, decorrentes do ambiente e das atividades produtivas. Um de seus objetivos específicos é identificar os riscos e divulgar, para o SUS e a sociedade, as informações referentes aos fatores ambientais condicionantes e determinantes das doenças e outros agravos à saúde. A Vigilância Ambiental em Saúde foi definida pela Fundação Nacional de Saúde � Funasa - como "um conjunto de ações que proporciona o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco ambientais relacionados às doenças ou outros agravos à saúde" (Brasil-MS, 2001).
Neste contexto, o Brasil avançou ao longo dos anos, com grandes conquistas da sociedade, sobretudo, no setor Saúde, com a criação do SUS, mas ainda enfrenta problemas básicos de estruturação, efetividade e acesso a serviços e equipamentos públicos básicos, como educação, infraestrutura, saneamento básico e saúde. 
Tais problemas refletem diretamente no quadro de Saúde da população, que apresenta particularidades na transição epidemiológica vistas em países em desenvolvimento, como a junção de doenças não transmissíveis com doenças infectocontagiosas já existentes, resultando em novos e velhos problemas de saúde pública, na qual se soma a agenda tradicional dos problemas de saúde enfrentados pela população ao longo de décadas, com as novas doenças e agravos decorrentes da mudança de hábitos da população e agregação de novos estilos de vida, alimentação e moradia. O Brasil é considerado um retrato da acumulação epidemiológica, em que mais de 50% da mortalidade atualmente deve-se a doenças do aparelho circulatório e a causas externas. No entanto, permanecem as doenças infecciosas e desnutrição, ressurgem a dengue e a cólera e crescem os casos de AIDS.
Nota-se também que a urbanização tem sido um fator determinante para a mudança do perfil epidemiológico e da situação de Saúde, especialmente nas grandes cidades, em que as condições de vida vêm se deteriorando, seja pelo resultado direto da poluição e/ou ocupação pela industrialização, ou pela pressão demográfica sobre o Meio Ambiente, ou ainda pelas grandes desigualdades sociais, ampliadas em meio aos dois processos citados.
As cidades vêm crescendo vertiginosamente sem o devido acompanhamento de infraestrutura básica, o que vem gerando ambientes insalubres, exclusão social e carência de sentimento de pertencimento desses territórios de vivência para enfrentamento da questão ambiental. Questão essa fundamental aos indivíduos, famílias e coletividade que, sensibilizados, capacitados e fortalecidos, poderão obter condições para identificar, conhecer, analisar e avaliar os motivos de ocorrência dos problemas que afetam a saúde. O sentido de pertencer nos territórios em que vivem, ainda pode contribuir para se tomar consciência dessa realidade e participar das decisões para modificá-la, a partir da concepção de participação social como uma ferramenta do processo de Educação Ambiental.
III. Epidemiologia 
O método epidemiológico, como instrumento para produção de conhecimentos do processo saúde-doença, vem alcançando espaços e aplicação crescentes no campo médico-sanitário. Ao lado de se ocupar, como já o fazia tradicionalmente, das doenças infecciosas e parasitárias, caracterizando-se como elemento central para orientar a Saúde Pública, incorporou ao seu objeto de estudo todo o conjunto de afecções que compreende a nosologia humana. No bojo da "transição epidemiológica", no qual as doenças crônicas, entre outras, passaram a compor, também, o quadro de prioridades sanitárias, a Epidemiologia teve (e está tendo) a oportunidade de demonstrar a notável capacidade de buscar explicações sobre a ocorrência e distribuição das doenças em populações humanas. Isto se visualiza, de forma imediata e direta, através da sua incorporação nos programas clínicos de pesquisa, de modo geral, da sua expansão em áreas disciplinares outras, como a genética, ou da sua articulação no conjunto das modernas áreas científicas, como a biologia molecular. Assumindo diferentes denominações e adjetivações, o método epidemiológico consolidou-se totalmente na sua área específica de atuação - Saúde Coletiva - e legitimou-se, igualmente, como instrumento de investigação para a produção de conhecimentos sobre as questões de natureza individual - Clínica.
Este século assistiu ao seu rápido desenvolvimento, que se acelerou, ainda mais, nos últimos tempos, como conseqüência dos impressionantes avanços experimentados pelas distintas áreas científicas e tecnológicas que a compõem, em especial aqueles referentes à área da informática. Dessa formaassentaram-se modernas bases para estabelecer associações entre fatores lesivos e a ocorrência de doenças, bem como a descrição de elementos protetores à saúde (Rothman, 1986). O caráter nocivo do tabaco na promoção de doenças, os fatores de risco para explicar o aumento de doenças cardiovasculares e cânceres e, mais recentemente, a introdução da noção de estilos de vida como fatores associados a maior ou menor presença de doenças são alguns exemplos das comprovações que a Epidemiologia permite evidenciar. Do mesmo modo, quando se fala de efeitos protetores, essa disciplina trouxe, entre outras evidências, o papel do flúor na prevenção da cárie dental, assim como permitiu estabelecer os vínculos entre as vacinas e suas eficácia e efetividade.
Uma definição singela da Epidemiologia (entre as inúmeras existentes) apresentada por Rouquayrol (1993) - "ciência que estuda o processo saúde-doença em coletividades humanas, analisando a distribuição e os fatores determinantes das enfermidades, danos à saúde e eventos associados à saúde coletiva, propondo medidas específicas de prevenção, controle, ou erradicação de doenças, e fornecendo indicadores que sirvam de suporte ao planejamento, administração e avaliação das ações de saúde" - permite, de um lado, identificar o seu objeto específico, que é a busca da explicação da distribuição e ocorrência das doenças em grupos populacionais, e, de outro lado, compreendê-la como importante instrumento para a administração e planejamento das ações de saúde.
Dessa última compreensão surge um dos campos privilegiados de sua aplicação mais recentemente discutida e que se refere aos serviços de saúde. No Brasil, são reafirmadas no processo de construção e consolidação do seu Sistema Único de Saúde - SUS, reforçando a sua aplicação nos serviços de saúde. Isso se comprova quando, da perspectiva político-jurídica, a Lei Orgânica de Saúde - Lei no 8080 -, publicada no Diário Oficial da União de 19 de setembro de 1970, assinala em vários de seus capítulos e artigos a "utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática". Desse modo, pode-se constatar a sua importância na implementação das competências e atribuições do Sistema Único de Saúde.
O processo de descentralização, uma das diretrizes do SUS, introduziu o compartilhamento, ainda que parcialmente, de responsabilidades administrativas, obrigando as diferentes esferas de atuação a organizarem-se a fim de incorporar de modo ativo a Epidemiologia para responder adequadamente às novas formas de condução das ações de saúde.
Acompanhando diferentes autores e publicações pode-se reconhecer, num processo de sistematização (Castellanos, 1987), quatro grandes usos da Epidemiologia na perspectiva dos serviços de saúde, que é o núcleo temático desse número da revista. São eles: nos estudos de situação de saúde, na vigilância epidemiológica, nos estudos "causais" e na avaliação de serviços, programas e tecnologias. À uma inspeção superficial, pode-se, de imediato, depreender que, não obstante o desenvolvimento da Epidemiologia - assentado, como já o dissemos, entre outras, nas modernas e práticas técnicas de análise originárias, especialmente, dos avanços computacionais e da informática, existe um enorme descompasso na sua incorporação pelos serviços de saúde.
Algumas razões podem ser apontadas para esse descompasso e a sua identificação revela a necessidade reiterada de buscar o seu melhor entendimento, para mais rapidamente estreitar o que separa a produção de conhecimentos da sua aplicação na prestação de serviços à comunidade. De uma perspectiva, há que se reconhecer que a transferência de conhecimentos não obedece a uma lógica linear somente, ou seja, a incorporação da produção científica e tecnológica, como toda produção social, não se efetiva a partir de relações diretas e unívocas; atende a mediações de diferentes ordens, entre as quais, política, social e econômica. Essa afirmação reitera a necessidade de aprofundarmos o debate sobre Políticas de Ciência e Tecnologia e Políticas de Saúde e suas relações, em que essas mediações podem ser mais bem entendidas e esclarecidas.
De outra perspectiva, tomando o interior do setor Saúde e em especial a Epidemiologia, verifica-se que, embora registrado nos discursos oficiais, a sua utilização não tem sido considerada em toda a sua plenitude. Isto se explica, em parte, pela sua não-consideração no momento da definição das políticas e ações de saúde (embora reconhecendo que se identifica nos dias de hoje uma inflexão nesse processo) e, por outra parte, pela ausência de profissionais de saúde devidamente preparados, em qualidade e quantidade suficientes, para desenvolvê-la e utilizá-la de modo adequado. Isto se reforça, na medida que as funções desse tipo de profissional são pouco valorizadas, a julgar pelos seus níveis salariais. Não se pode deixar de mencionar que a própria infra-estrutura dos serviços de saúde, quando não está sucateada, é de tal forma obsoleta que inviabiliza tentativas de modernização.
Retomando cada um dos quatro grandes usos de Epidemiologia nos serviços de saúde, verifica-se na esfera dos estudos de situação de saúde que, salvo alguns exemplos pontuais, eles vêm se restringindo à realização de diagnósticos de saúde, de natureza descritiva e com desenvolvimento analítico incipiente, tornando-os em instrumentos de análises com pequeno poder discriminante. Ressalte-se, entretanto, que mais recentemente, no Brasil, novas perspectivas vêm se abrindo a partir da informatização e da disponibilidade bastante atualizadas de dados de mortalidade e de internações hospitalares oferecidas por órgãos da administração federal e de alguns estados e municípios. Da mesma forma, vêm se empregando alguns esforços para compreender esses diagnósticos de saúde à luz das condições de vida, pretendendo, dessa forma, atribuir a historicidade e contextualização necessárias para orientar, concretamente, a definição das estratégias e prioridades em saúde.
Quanto à vigilância epidemiológica, que tem se constituído em uma das atividades centrais das estruturas de saúde coletiva, identifica-se uma carência de maior grau de desenvolvimento. Freqüentemente os sistemas de vigilância epidemiológica utilizam-se da metodologia epidemiológica para promover, apenas, uma melhor organização e/ou apresentação dos dados coletados sobre doenças submetidas aos esquemas de notificação. De forma esporádica, esses dados são submetidos a procedimentos analíticos, não se aproveitando todo o seu potencial explicativo da ocorrência das doenças. Isso explica, em parte, seu papel predominantemente passivo, que se espelha na retardada tomada de ações para o controle de doenças e agravos.
Já os estudos de investigação causal, mais apropriados para explicar a etiologia das doenças, vêm sendo bastante aplicados em estudos de natureza clínica. Poder-se-iam, neste terreno, incluir os progressos alcançados na utilização da metodologia em ensaios clínicos, o que tem emprestado maior cientificidade aos estudos dessa natureza. Entretanto, fora dos meios universitários, por razões já apontadas, o seu emprego tem sido muito escasso e, certamente, em virtude das facilidades que se apresentam hoje para realizar esses tipos de estudo, deveriam merecer maior atenção e difusão, especialmente na apreciação de situações peculiares e bem delimitadas.
O último dos núcleos da utilização da Epidemiologia, na avaliação de serviços, programas e tecnologias, vem apresentando, também, notável desenvolvimento, especialmente no que se refere a investigações sobre a qualidade da atenção médica. Nesse sentido, assiste-se à organização de um novo campo interdisciplinar, promovido pela interface da Epidemiologia, Clínica, Planejamento e Administração, definido na avaliação de tecnologias. A despeito dos diferentes movimentos nesse sentido e de publicações oferecidas na literatura, o grau de sua utilização nos serviços de saúde é ainda bastante incipiente no Brasil e os dados coletadospara essa finalidade têm servido, em geral, para trabalhar com aspectos financeiros e contábeis da prestação de serviços, operando mais como instrumento administrativo e menos como elemento de avaliação.
Todas essas questões antes abordadas merecem ser apreciadas e debatidas no interior do processo de implantação do Sistema Único de Saúde, visando, de um lado, ao seu mais adequado fortalecimento e, de outro, rever como a metodologia epidemiológica pode e deve ser trabalhada para atender a todo o seu potencial de uso.
Nesse sentido, identificam-se nos serviços de saúde, especialmente para os seus gestores, dois grandes eixos de atuação, que, se devidamente implementados, permitirão explorar da metodologia epidemiológica o seu papel de oferta de subsídios para aqueles serviços na condução de suas atividades.
O primeiro deles refere-se ao eixo político-institucional, no qual as análises de situação de saúde, enriquecidas por sua interpretação à luz das condições de vida das populações, permitem estabelecer alguns dos elementos, pelo menos na perspectiva do setor Saúde, para o estabelecimento das prioridades e estratégias setoriais nos diferentes níveis de atuação. Vale-se aqui das descrições e análises dos registros existentes nos grandes bancos de dados, compreendendo os dados de morbidade e de mortalidade, aliados àqueles de ordem extra-setorial de interesse, como são os demográficos, econômicos e sociais. A análise desses dados assentados nos métodos observacionais da Epidemiologia, mais especificamente nas suas técnicas descritivas, exigem, para sua efetivação, graus de complexidade e sofisticação de natureza tal que os tornem perfeitamente operacionais para os profissionais de saúde. Entende-se que, para tanto, devem ser, obviamente, atendidas as necessidades de adequação, capacitação e atualização contínua de seus recursos humanos, bem como garantidas as condições de trabalho, a partir de uma infra-estrutura adequada.
O segundo eixo, compreendendo o plano operacional, atende aquele da gerência de serviços. Esta se beneficia de análises epidemiológicas que permitam a avaliação do impacto de sua atuação, nos diferentes níveis que compõem o sistema. Assim é a avaliação de serviços e de programas, destacando-se a sua utilização na vigilância epidemiológica, ou na análise da incorporação de tecnologias de caráter diagnóstico e/ou terapêutico. Nesse ponto, podem ser contempladas desde as análises menos sofisticadas, como as de natureza estritamente operacional, até aquelas mais complexas, que exigem o emprego das técnicas epidemiológico-estatísticas mais modernas. A avaliação de tecnologias, compondo, do ponto de vista de emprego de técnicas, um paralelo com estudos de natureza causal, exige o emprego do arsenal epidemiológico, às vezes, de difícil absorção pelos gestores da saúde. Nesse caso, impõe-se, respeitadas as diferentes vocações institucionais, o estabelecimento de mecanismos ágeis e dinâmicos de interação entre serviços, universidades e institutos de pesquisa que, além de promover as respostas exigidas, contribui para a superação do falso dilema que é a dicotomia entre serviços e universidade/academias. Evidentemente, se essa articulação é impositiva para tratar dessa última questão, ela não é dispensável, igualmente, para o tratamento do primeiro dos planos. O que aqui se pretende resgatar é que a plena utilização da Epidemiologia nos serviços de saúde só frutificará com a desejável interação entre os estudos de cunho mais acadêmico e aqueles demandados e/ou desenvolvidos no cotidiano dos serviços de saúde.

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