Buscar

Mariana Prioli Cordeiro

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 188 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 188 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 188 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
 
 
Mariana Prioli Cordeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicologia Social no Brasil: 
multiplicidade, performatividade e controvérsias 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2012 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
 
 
Mariana Prioli Cordeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Psicologia Social no Brasil: 
multiplicidade, performatividade e controvérsias 
 
 
 
 
 
 
 
DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL 
 
 
 
Tese apresentada à Banca Examinadora da 
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 
como exigência parcial para obtenção do título 
de Doutor em Psicologia Social, sob a 
orientação da Professora Doutora Mary Jane P. 
Spink. 
 
 
 
São Paulo 
2012 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Banca Examinadora 
 
 
 
____________________________________ 
 
 
____________________________________ 
 
 
____________________________________ 
 
 
____________________________________ 
 
 
____________________________________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus avós, Leonina e Jair 
Prioli, que apesar de terem partido 
no período de conclusão deste 
trabalho, permanecerão sempre 
presentes. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Ao Felipe, meu companheiro de pesquisa e de vida, por ter lido e relido inúmeras vezes este 
trabalho. Por ter levantado tantas questões (im)pertinentes. Por me fazer refletir. Por me fazer 
persistir; 
 
À minha orientadora, Profª. Drª. Mary Jane P. Spink, por ter me acolhido e me apoiado 
durante todo o período de realização desta pesquisa. Por ter me feito desembrulhar (e tecer) 
novas redes; 
 
Aos meus pais, Rejane e Mauricio, pela confiança, carinho e apoio incondicional. Sem vocês 
eu (literal e figuradamente) não estaria aqui! 
 
À Profª. Drª. Maria Cristina G. Vicentin, ao Prof. Dr. Francisco Javier Tirado Serrano e ao 
Prof. Dr. Lupicinio Íñiguez Rueda, pelas sugestões que fizeram no exame de qualificação. À 
Cris, agradeço, também, por ter me acompanhado e me apoiado durante toda minha trajetória 
na PUC-SP. Ao Francisco e ao Lupi, sou igualmente grata pela acolhida durante meu estágio 
doutoral na Universidade Autônoma de Barcelona. 
 
Aos colegas do Núcleo de Práticas Discursivas da PUC-SP, do Seminário Medicine-Networks 
(GESCIT) e do Laicos-Iapse pelo acolhimento, pelas conversas e pelas discussões que, sem 
dúvida alguma, ressoarão ainda por muitos e muitos anos; 
 
Aos amigos María e Luiz, por terem nos recebido com tanto carinho em terras catalãs. Moltes 
gràcies! 
 
À Marlene, por estar sempre disposta a me ajudar a ultrapassar as barreiras da burocracia; 
 
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro 
para a realização desta pesquisa e do estágio doutoral. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Qualquer história é uma construção mais ou 
 menos engenhosa de algo que pode ser 
 feito de modo inteiramente diferente. 
(John Law) 
 
RESUMO 
 
 
A Psicologia Social apresenta inúmeras definições, abordagens teóricas e objetos de estudo. 
Nesta tese, embasados em pesquisas da Teoria Ator-Rede, argumentamos que esses não são 
diferentes aspectos ou atributos de um mesmo objeto, mas elementos que ajudam a performar 
diferentes versões desse objeto. São, portanto, elementos que fazem Psicologias Sociais 
diferentes, embora relacionadas entre si. Que fazem uma Psicologia Social múltipla, ou seja, 
que é mais do que uma ao mesmo tempo em que é menos do que muitas. Para construir esse 
argumento, lemos e relemos livros-texto de Psicologia Social disponíveis em duas bibliotecas 
de referência, buscando identificar como eles descrevem as práticas, referenciais teóricos, 
objetivos e locais de atuação da disciplina. Após essa leitura, observamos que vários desses 
manuais abordam a crise que assolou a Psicologia Social na década de 1970 e decidimos 
buscar materiais que nos ajudassem a contar melhor essas histórias. Além disso, decidimos 
selecionar duas dissertações de mestrado e duas teses de doutorado defendidas na área, afinal, 
esses trabalhos tendem a descrever de forma mais detalhada os procedimentos utilizados. Por 
fim, fizemos um levantamento de textos de acadêmicos e documentos de domínio público que 
abordam a criação do título de especialista em Psicologia Social. Tratamos todos esses 
materiais não apenas como “textos”, mas como materialidades que produzem efeitos, se 
conectam, se articulam com outros textos, com outras práticas. Ou seja, os tratamos como 
materialidades que produzem certas realidades da Psicologia Social. Buscamos, com isso, 
chamar a atenção para a possibilidade de ordenar e de coordenar a realidade de diferentes 
modos. De reconhecer que em uma disciplina cabem múltiplos e diversos actantes. De fazer 
uma Psicologia Social que busca conexões complexas que articulam humanos a não humanos 
e que performam múltiplas realidades. 
 
Palavras-chave: Psicologia Social; Multiplicidade; Teoria Ator-Rede. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
Social Psychology has many definitions, theories and objects of study. In this dissertation, 
based on Actor-Network Theory, we argue that these are not different aspects or attributes of 
a single object, but elements that help to perform different versions of this object. They are, 
therefore, elements that make Social Psychologies different, although related to each other. 
They produce a multiple Social Psychology, which is more than one and, at the same time, 
less than many. To build this argument, we read and reread textbooks on Social Psychology 
that were available in two reference libraries. After an initial approach to those books, we 
observed that many of them talk about the reference crisis that assailed Social Psychology in 
the 1970s. Therefore, we decided to look for materials to help us tell these histories better. As 
a next step, we selected two master and two doctoral dissertations in the area, since this kind 
of work tends to describe the procedures used with more details. Finally, we looked up 
academic texts and public domain documents related to the creation of the Specialist Title in 
Social Psychology. We treated all those materials not only as “texts”, but as materialities that 
produce effects, relate to each other, articulate with other texts, with other practices. That is, 
we treated them as materialities that produce certain Social Psychology realities. In doing so, 
we strived to call attention to the possibility of ordinating and coordinating reality in different 
ways, of recognizing that there are multiple and diverse actants in a discipline and of making 
a Social Psychology that searches for complex connections that articulate humans and non-
humans and perform multiple realities. 
 
Key words: Social Psychology; Multiplicity; Actor-Network Theory. 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 9 
CAPÍTULO 1 - PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS.......... 21 
1.1 O princípio de simetria generalizada............................................................................... 22 
1.2 Heterogeneidade material................................................................................................. 24 
1.3 Ator-Rede.......................................................................................................................... 26 
1.4 Tradução........................................................................................................................... 28 
1.5 Mediação...........................................................................................................................34 
1.6 Sociologia das Associações e Sociologia do Social.......................................................... 37 
CAPÍTULO 2 - A NOÇÃO DE MULTIPLICIDADE: DEFINIÇÃO E 
IMPLICAÇÕES.................................................................................................................... 
45 
2.1 Não perspectivismo........................................................................................................... 47 
2.2 Fazer, performar e enact................................................................................................... 49 
2.3 Modos de coordenação da multiplicidade: o exemplo da arteriosclerose...................... 55 
2.4 Política Ontológica........................................................................................................... 59 
CAPÍTULO 3 - A PSICOLOGIA SOCIAL É MAIS DO QUE UMA............................. 69 
3. 1 A Psicologia Social na obra de Aroldo Rodrigues e Social na obra de Silvia 
Lane......................................................................................................................................... 
70 
3.2 A Psicologia Social na dissertação de Menegon.............................................................. 85 
3.3 A Psicologia Social na tese de Mandelbaum.................................................................... 90 
3.4 A Psicologia Social na tese de A. D. Santos..................................................................... 95 
3.5 A Psicologia Social na dissertação de Miranda............................................................... 100 
3.6 A Psicologia Social no concurso para especialista na área............................................. 103 
CAPÍTULO 4 - A PSICOLOGIA SOCIAL É MENOS DO QUE MUITAS................... 109 
4.1 Uso de uma definição singularizante................................................................................ 111 
4.2 Distribuição....................................................................................................................... 114 
4.3 Adição............................................................................................................................... 121 
4.4Inclusão.............................................................................................................................. 122 
CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................... 129 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................ 137 
FONTES DAS IMAGENS.................................................................................................... 155 
ANEXOS................................................................................................................................ 157 
 
9 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
No Brasil, a Psicologia Social é uma área do conhecimento que apresenta inúmeras 
definições, abordagens teóricas e objetos de estudo. Alguns autores a consideram uma subárea 
da Psicologia, outros acreditam que ela é a interseção da Psicologia com a Sociologia. Há 
ainda aqueles que afirmam que o adjetivo “social” não delimita uma subdivisão temática ou 
conceitual, mas enfatiza a importância do compromisso político que todo psicólogo deve ter. 
Uns baseiam-se nas leituras do Materialismo Histórico-Dialético para estruturar sua prática 
profissional. Outros preferem as leituras construcionistas ou ainda as da Teoria das 
Representações Sociais. Há psicólogos(as) sociais cognitivistas, behavioristas, psicanalistas, 
comunitários... 
O Conselho Federal de Psicologia - CFP (2003, p. 1), por exemplo, define Psicologia 
Social como a área da Psicologia que “[...] atua fundamentada na compreensão da dimensão 
subjetiva dos fenômenos sociais e coletivos, sob diferentes enfoques teóricos e 
metodológicos, com o objetivo de problematizar e propor ações no âmbito social.” Já para 
Cornelis van Stralen (2005), pesquisador e docente da área, esta não é uma subdivisão ou uma 
especialidade da Psicologia, mas sim o campo no qual se dá sua interseção com a Sociologia. 
A associação representativa da área
1
, por sua vez, sustenta que toda Psicologia é social, uma 
vez que parte do pressuposto de que ser Psicologia Social significa assumir o compromisso 
ético-sócio-político que todo(a) psicólogo(a) deve ter (ABRAPSO, 2002). 
Essa diversidade de objetos, teorias e práticas já foi abordada por muitos 
pesquisadores(as), de diferentes maneiras, em distintos momentos históricos. Alguns(as) 
apresentaram suas diferenças teóricas e epistemológicas, outros(as) enfocaram as 
transformações que elas sofreram no decorrer de sua história, discutiram suas práticas de 
formação, ou falaram das redes sociais que as desenvolveram. Arthur Ramos seguiu o 
primeiro desses caminhos: no seu livro “Introdução à Psicologia Social” (1936/2003)
2
, o autor 
discorre sobre diferentes teorias e objetos que formam essa disciplina. Para ele, 
 
1
 Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). 
2
 A primeira edição deste livro foi publicada em 1936, período em que, no Brasil, começavam a ser ministrados 
os primeiros cursos e publicadas as primeiras obras de e sobre Psicologia Social – o primeiro curso foi 
ministrado por Raul Briquet, em 1933, na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e o segundo foi 
ministrado dois anos mais tarde, por Arthur Ramos, na Escola de Economia e Direito da extinta Universidade do 
Distrito Federal, no Rio de Janeiro, sendo que, deste último curso, resultou seu livro “Introdução à Psicologia 
Social” (BOMFIM, 2004). Nesses primeiros anos, “[...] a psicologia social estava inserida nos estudos de direito, 
de economia, de educação e de medicina e se beneficiava igualmente de contribuições biológicas, psicanalíticas, 
10 
 
a dificuldade de definição da psicologia social reside na imprecisão dos seus 
objetivos. Sendo uma disciplina relativamente recente, não há acordo, no 
campo de seus cultores, no sentido de delimitar-lhe os objetivos nítidos e a 
extensão de suas aplicações. Enquanto que, para uns, a psicologia social se 
aproxima da psicologia (McDougall), para outros, o seu objeto de estudo 
quase se confunde com o da sociologia (Ellwood, Ross). [...] De um lado, no 
pólo da psicologia, tudo o que não pertencesse à psicologia fisiológica seria 
psicologia social: o homem é um animal gregário e todas as suas funções 
psíquicas só se compreenderiam no jogo das suas reações sociais [...] De 
outro lado, todos os fatos sociais, tendo o homem como centro, 
reconheceriam uma base psicológica, e toda a sociologia se converteria 
numa psicologia social. (RAMOS, 2003, p. 27). 
 
De acordo com Ramos (2003), a Psicologia Social mais “psicológica” – tal como 
aquela proposta por McDougall – preocupar-se-ia, sobretudo, em estudar o processo de 
moralização dos indivíduos; ao passo que a vertente mais “sociológica” de Ross buscaria 
identificar os fenômenos sociais que possibilitam uniformidades de sentimentos, crenças e 
volições
3
. Já para Ellwood, a Psicologia Social seria o estudo dos modos em que grupos e 
indivíduos influenciam-se mutuamente, incluindo nesses estudos não somente aspectos 
sociais da consciência individual, mas também os aspectos mentais da associação. “A 
psicologia social torna-se aqui uma parte da sociologia; será uma „sociologia psicológica‟ [...]. 
Os problemas da psicologia serão [...] os mesmos da sociologia; a psicologia social estudará 
simplesmente o lugar dos fatores psíquicos nesses problemas.” (RAMOS, 2003, p. 28). 
 
comportamentais, sociológicas e antropológicas.” (SÁ, 2007, p. 8). Como era um campo ainda pouco conhecido, 
o objetivo de seus difusores era, sobretudo,apresentar uma visão generalista e panorâmica dessa “nova” área do 
conhecimento (BOMFIM, 2004). 
3
 Aqui é importante ressaltarmos que Ramos (2003) faz referência, sobretudo, a autores norte-americanos da 
primeira metade do Século XX. No entanto, ele reconhece que a Psicologia Social tem raízes muito anteriores: 
ela nasceu “[...] com os filósofos gregos, nas teorias dos sofistas, e mais especialmente na República de Platão e 
na Política de Aristóteles. [...] Mas foi na metade do século XVIII até começos do século XIX, que uma plêiade 
de economistas políticos, moralistas, juristas e criminólogos começou a conceder uma grande importância ao 
fenômeno da interação mental dos homens” (p. 30, grifos do autor). De acordo com ele, participaram desse 
processo autores como Bain, Lazarus e Stemthal, Spencer, Darwin e Bagehot, Sighele, Rossi e Le Bon; mas foi o 
sociólogo francês Gabriel Tarde “[...] o verdadeiro iniciador da psicologia social, tal como é considerada hoje. 
[...] A obra de Tarde influenciou toda uma escola de sociólogos e filósofos norte-americanos, especialmente a 
Edward A. Ross e J. Mark Baldwin. Toda uma escola norte-americana de psicologia social concedeu á imitação 
e à sugestão um papel preponderante no estudo dos fenômenos psicossociais.” (p. 32, 33). Diversos autores 
posteriores a Ramos também consideram que a Psicologia Social moderna é um fenômeno americano. Gordon 
Allport (1954, p. 3, 4), por exemplo, apresenta essa disciplina dizendo que “embora as raízes da psicologia social 
possam ser encontradas no solo intelectual de toda a tradição ocidental, seu atual florescimento é reconhecido 
como sendo um fenômeno caracteristicamente americano”. Já Lindzey (apud FARR, 2000) e Lindzey e Aronson 
(apud FARR, 2000) sustentam que a Psicologia Social possui um “longo passado” – que faz parte de uma 
tradição de pensamento ocidental, principalmente europeia – e uma “curta história”, que começou quando ela se 
tornou uma ciência experimental, sobretudo nos Estados Unidos. De acordo com Robert Farr (2000), essa 
distinção está permeada por uma filosofia de ciência específica – o Positivismo. Além disso, ela acarreta em 
narrativas bastantes parciais sobre a história da Psicologia Social, uma vez que tende a privilegiar apenas as 
formas mais “psicológicas” da disciplina. 
11 
 
Segundo Ramos (2003), F. H. Allport defende outra definição de Psicologia Social. 
Para ele, esta não é uma subárea da Sociologia, mas sim uma parte da Psicologia do Indivíduo 
– ela só não coincide totalmente com esta última pois estuda o comportamento humano 
(individual) em relação com a ambiência social. Já Kimball Young sustenta que o principal 
objeto de estudo dessa área do conhecimento é a personalidade, ou, mais precisamente, o 
desenvolvimento da personalidade em relação à ambiência social. 
Além de apresentar algumas definições e objetos de estudos, no seu livro introdutório, 
Ramos (2003) faz referência a uma “Psicologia Social Instintivista” e a uma “Psicologia 
Social dos Desejos”, a introspeccionistas e a experimentalistas, a behavioristas e a 
psicanalistas, a subjetivistas e a objetivistas, a estruturalistas e a personalistas, ao método 
explicativo-causal e ao método compreensivo-teleológico. Todas essas correntes teórico-
metodológicas parecem determinar, de uma maneira ou de outra, o que a Psicologia Social é. 
Quase sete décadas depois da publicação do manual de Ramos (2003), Rosane Neves 
da Silva publicou o livro “a Invenção da Psicologia Social” (2005)
4
, no qual utiliza uma 
estratégia bastante diferente para apresentar essa disciplina. Nesta obra, a autora não buscou 
encontrar uma (ou várias) resposta(s) satisfatória(s) à pergunta “o que é Psicologia Social?”, 
mas discutir o problema que engendra tal questão. Partindo da hipótese de que o social é 
menos um campo de aplicação da Psicologia moderna do que a condição de possibilidade 
para seu surgimento, a autora buscou entender “[...] como este campo de conhecimento se 
articula, reforçando a própria dicotomia indivíduo x sociedade e anunciando aquilo que, numa 
perspectiva foucaultiana, marca a passagem das sociedades disciplinares para as sociedades 
de controle.” (p. 10). A despeito de falar em transformações que ocorrem com o passar do 
tempo, o objetivo da autora não era reconstruir a história da Psicologia Social, mas sim 
 
[...] tornar explícito o movimento que anima o desenvolvimento de 
diferentes teorizações do campo psi em relação ao social e, ao mesmo 
tempo, exprimir uma certa problemática inerente à própria constituição dos 
objetos em questão, ou seja, à constituição das massas, da família e do grupo 
como objetos de conhecimento. Trata-se principalmente de situar o 
 
4
 Este livro é resultado da tese de doutorado da autora, intitulada “Cartografias do Social: estratégias de produção 
do conhecimento”, defendida em 2001 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob orientação 
da Profa. Dra. Margareth Schäffer. Diferentemente da obra de Ramos (2003), esse trabalho foi realizado em um 
momento histórico em que a Psicologia Social já estava bastante difundida e era ensinada em todos os cursos de 
graduação em Psicologia do país. De acordo com a autora, muitas coisas já haviam sido ditas sobre essa área do 
conhecimento, no entanto, pouca reflexão havia sido proposta acerca do adjetivo “social” que a qualificava. A 
fim de tentar suprir essa lacuna, propôs-se a problematizar (e a desnaturalizar) essa noção: ao invés de tomar o 
social como um fato natural intrínseco ao modo de existência da vida humana, ela buscou pensá-lo como “[...] 
uma multiplicidade necessariamente construída a partir de uma relação de forças num campo historicamente 
dado.” (SILVA, 2004, p. 13). 
12 
 
surgimento de um determinado discurso da psicologia em relação ao social, 
mostrando como ela passa a problematizar a relação indivíduo x sociedade 
tomando o próprio indivíduo como matriz para pensar o social. Procuramos 
assim entender o modo pelo qual o social é objetivado pela psicologia em 
um determinado momento. (SILVA, 2005, p. 10, 11, grifo da autora). 
 
Ainda que não partam da construção discursiva que sugere a priorização da proposta 
genealógica de Foucault, diversos(as) autores(as) – como Silvia Lane (2007a)
5
, Jefferson 
Bernardes (2001)
6
, Ana Bock, Odair Furtado e Maria de Lourdes Teixeira (2003)
7
 – também 
falam das transformações que essa área do conhecimento sofreu no decorrer de sua (curta) 
história. No entanto, o foco deles(as) é outro: eles(as) não falam dos diferentes discursos 
sobre o social, mas das diferenças epistemológicas, metodológicas e, sobretudo, éticas que 
marcaram dois momentos da história da Psicologia Social: um anterior e outro posterior à 
crise de referência que assolou essa área do conhecimento nas décadas de 1960 e 1970. Como 
veremos no capítulo 3, o primeiro fundamenta-se em princípios positivistas e tem como 
principais referências autores norte-americanos. O segundo, por sua vez, critica o 
biologicismo e o individualismo da Psicologia e propõe uma ciência comprometida com a 
transformação social. 
Já Mary Jane e Peter Spink (2007, p. 565)
8
 nos chamam a atenção para o fato de que 
um mesmo momento histórico pode constituir uma arena de diversidade: as observações de 
Peter Lunt (2003) “[...] sobre a variedade de „histórias‟ da psicologia social que se organizam 
em volta de eixos diferentes servem de alerta para a possibilidade que essas diferentes 
„histórias‟ têm, como função principal, o apoio a atualidades também diferentes.” Para falar 
das “múltiplas versões de atualidades” (sic.) da Psicologia Social, os autores buscam, 
 
5
 O texto citado é um capítulo do livro “Psicologia Social: o homem em movimento”, publicado pela primeira 
vez em 1984 com o objetivo de oferecer um “conhecimentoalternativo” ao modelo norte-americano de 
Psicologia Social, que até então embasava a maioria dos textos disponíveis sobre essa área do conhecimento. 
Além de buscar suprir essa lacuna na literatura acadêmica, esta obra visava contribuir com o fortalecimento de 
uma Psicologia voltada para os problemas concretos da realidade brasileira, bem como com a formação de 
profissionais que atuassem como agentes de transformação social (LANE, 2007a, 2007b). 
6
 O texto de Bernardes (2001) também discorre sobre a história dessa “nova” Psicologia Social. Ele foi publicado 
pela primeira vez em 1998, no livro-texto “Psicologia Social Contemporânea” – livro este pensado e produzido 
por membros da ABRAPSO/SUL a fim de apresentar uma síntese “[...] das discussões temáticas que podem 
configurar o campo da Psicologia Social Crítica.” (STREY et al., 2001, p. 9). 
7
 Publicado pela primeira vez em 1988, o texto escrito pelos autores para apresentar a Psicologia Social faz parte 
de um livro didático. Dirigido a um público jovem, este livro busca introduzir as diferentes abordagens teóricas, 
objetos de estudos e áreas de atuação da Psicologia. 
8
 Este texto foi publicado pela primeira vez em 2005, em um livro sobre História da Psicologia. Segundo seus 
organizadores, esse livro foi pensado para servir de apoio a professores de graduação e busca apresentar uma 
visão da História da Psicologia que, diferentemente daquela encontrada na literatura mais conhecida no Brasil, 
não se restringe a que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos: a esta “[...] se acrescenta, sempre, as 
contingências do saber psicológico em terras brasileiras.” (JACÓ-VILELA; FERREIRA; PORTUGAL, 2007, p. 
13). 
13 
 
inicialmente, entender como diferentes livros de texto recentes definem essa disciplina. Após 
ler os índices, introduções e prefácios desses materiais, concluem que 
 
há alguns pontos de intersecção entre essas diferentes “atualidades” que 
permitem identificá-las como psicologias sociais; mas há diferenças 
significativas. De um lado, encontramos uma psicologia social do biológico, 
do intra-individual, do interindividual e do grupo; no meio, uma psicologia 
social da subjetividade, da linguagem, das representações sociais, dos grupos 
e dos processos políticos; e, de outro lado, uma psicologia social centrada na 
interação social, na reprodução, na mudança e nos movimentos coletivos. 
(SPINK, M. J.; SPINK, P., 2007, p. 569). 
 
E, então, se perguntam: “se todos eles são textos recentes sobre a psicologia social, por 
que são tão diferentes?” Para responder a essa segunda questão, recorrem a livros de texto 
“clássicos” – tais como os de Floyd Allport (1924/1994); Henri Tajfel e Colin Fraser (1978); 
Ignacio Martín-Baró (1983) e Silvia Lane e Wanderley Codo (1984/2007) – e nos contam 
como eram as “atualidades” de ontem. 
Em sua dissertação de mestrado, Robson da Cruz (2008)
9
 também abordou diferentes 
Psicologias Sociais a partir de uma perspectiva histórica, mas o fez seguindo outros caminhos. 
Seu objetivo era “[...] traçar possíveis relações entre a produção de conhecimento da 
disciplina e as questões sociológicas que envolvem o desenvolvimento de uma comunidade 
científica.” (p.15). Para isso, analisou os artigos publicados em um dos principais periódicos 
brasileiros da área – a revista “Psicologia & Sociedade” – no período de 1986 a 2007. As 
questões que nortearam essa análise foram: “quais os centros e núcleos de desenvolvimento 
de Psicologia Social no Brasil?”, “qual o perfil dos autores?”, “quais as temáticas dos 
trabalhos?”, “quais as características metodológicas das pesquisas publicadas?” e “qual a 
relação entre a produção de conhecimento e o contexto de produção?”. 
Ao buscar respostas para essas questões, Cruz (2008) acabou percorrendo os caminhos 
sugeridos por várias disciplinas científicas: seguiu tanto os passos dos historiadores – já que 
analisou textos e eventos do passado –, quanto dos sociólogos da ciência e dos cientistas da 
informação – uma vez que visou encontrar possíveis relações entre “[...] a produção de 
conhecimento e as questões sociológicas que envolvem o desenvolvimento de uma 
comunidade científica.” (p. 15), além de compreender “[...] como o processo de informação e 
comunicação do conhecimento estabelece ligações com a formação e o desenvolvimento de 
um campo do saber.” (p. 15). 
 
9
 Esse trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Cornelis Johannes van Stralen e defendido na Universidade Federal 
de Minas Gerais (UFMG). 
14 
 
A tese de doutorado de Ligia de Souza (2005)
10
, por sua vez, não aborda a história da 
Psicologia Social brasileira, mas suas práticas de ensino e as representações sociais que 
circulam a seu respeito entre alunos de graduação em Psicologia. Para isso, a pesquisadora 
analisou currículos, programas e ementas de disciplinas voltadas para essa área e aplicou 
questionários em docentes e discentes. Mais especificamente, ela buscou 
 
[...] através da aplicação de um questionário semi-estruturado; comparar a 
organização das disciplinas Psicologia Social nas grades curriculares de 
diversas universidades brasileiras; analisar os programas das diversas 
disciplinas Psicologia Social presentes nas grades curriculares de diversas 
universidades brasileiras, com o objetivo de descobrir peculiaridades neles 
presentes; comparar as representações sociais da Psicologia Social, 
apresentadas por alunos do curso de psicologia de ingressantes e formandos, 
comparando as representações sociais da Psicologia Social de estudantes 
pertencentes a uma universidade privada e uma universidade pública e, 
finalmente, levantar e analisar a bibliografia das disciplinas Psicologia 
Social em programas e nos questionários. (SOUZA, 2005, p. 2). 
 
Sérgio Ozella também estudou a formação em Psicologia Social. Em sua tese de 
doutorado (1991)
11
, analisou documentos enviados por escolas de Psicologia de todo o país e 
entrevistou 94 professores de Psicologia Social. A partir desses materiais, o autor categorizou 
os programas da disciplina em modelos que iam do “tradicionalista” ao “inovador”. Além 
disso, discutiu “[...] a relação entre o verbal e o comportamental, o pensar e o agir do 
professor, definindo em termos de Postura teórica crítica/não crítica e Ação concreta 
participante/não participante. Finalmente, [fez] uma análise da relação Consciência-Atividade 
do professor.” (p. IV). 
Após defender sua tese de doutorado, Ozella (1996) iniciou outra pesquisa sobre o 
tema, atualizando os dados que já havia produzido e ampliando o universo de estudo para toda 
a América Latina. No entanto, devido à dificuldade de fazer entrevistas com docentes de 
outros países, nessa pesquisa, o autor trabalhou apenas com documentos. Nesses materiais, 
buscou informações sobre os cursos de Psicologia (suas localizações, dependências 
 
10
 Esse trabalho foi orientado pelo Prof. Dr. Edson Alves de Souza Filho e defendido na Universidade Federal do 
Rio de Janeiro (UFRJ). É importante ressaltarmos que o período de sua realização foi marcado por intensos 
debates acerca da formação em Psicologia e pela mobilização de docentes e profissionais de todo o país para 
elaborar propostas que servissem de base para as novas diretrizes curriculares – aprovadas em 2004, pelo 
Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2004). 
11
 Esse trabalho, que contou com a orientação da Profa. Dra. Maria do Carmo Guedes, começou a ser realizado 
em 1981 e foi defendido dez anos mais tarde, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 
Diferentemente da pesquisa de Souza (2005), a tese de Ozella abordou um período em que a formação em 
Psicologia ainda estava bastante marcada pela “crise de referência”: ao mesmo tempo em que a maioria dos 
manuais e livros disponíveis falava de uma Psicologia Social bastantepróxima à corrente norte-americana, em 
algumas universidades, começavam a se fortalecer grupos que criticavam essa corrente e propunham novas 
maneiras de produzir e aplicar conhecimento. 
15 
 
administrativas, datas de criação, objetivos, número de vagas e número de professores); bem 
como sobre as disciplinas voltadas à Psicologia Social (períodos em que são oferecidas, 
professores, objetivos, conteúdos, obras e autores mais utilizados). Esses dados permitiram 
que o pesquisador fizesse uma comparação entre a situação do Brasil em 1983 e 1993, e entre 
Brasil e América Latina em 1993. 
O estudo realizado por Elizabeth de Melo Bomfim (1994) também aborda várias 
maneiras de pensar a Psicologia Social e busca contribuir para sua formação. No entanto, 
diferentemente de Ozella (1991, 1996), a pesquisadora não investigou práticas de ensino, mas 
as atividades realizadas pelos profissionais da área. Para isso, ela realizou dez entrevistas e 
aplicou quinze questionários em psicólogos(as) sociais, sendo que os dados obtidos por meio 
desses procedimentos foram submetidos a uma análise de conteúdo. Esse estudo deu 
continuidade a uma investigação realizada anteriormente por Bomfim e colaboradores (1992), 
na qual “[...] foi apresentado um quadro da produção teórico-metodológica e vários relatos de 
práticas desenvolvidas pelos psicólogos sociais no Brasil.” (BOMFIM, 1994, p. 201). 
Essas pesquisas exemplificam alguns dos inúmeros caminhos que poderíamos 
percorrer para falar da Psicologia Social no Brasil. No entanto, nesta tese, optamos por seguir 
outro rumo: não fizemos uma historiografia, nem analisamos práticas de ensino ou de 
intervenção profissional. Tampouco nos propusemos a fazer uma cartografia dessa disciplina 
– até mesmo porque falar de todas as teorias, instituições, políticas, campos profissionais e 
objetos de estudos que a constituem seria impossível em uma pesquisa de doutorado. Faltar-
nos-iam tempo, páginas e conhecimento para fazê-lo. Além disso, seria demasiadamente 
complicado; e o que queremos não é complicar, mas sim complexificar essa disciplina
12
. Ou 
seja, queremos multiplicar suas realidades, queremos contar histórias sobre alguns lugares e 
situações em que a Psicologia é Social. 
É importante ressaltarmos que “ser” Psicologia Social adquire, nesta tese, um sentido 
bastante preciso. Seguindo a proposta de Annemarie Mol (2002), não usamos esse verbo para 
nos referirmos a um objeto reificado ou a uma realidade que está dada a priori. O “ser”, do 
modo como aqui o compreendemos, é situado. Ele não diz o que a Psicologia Social é 
naturalmente, em qualquer lugar, em qualquer situação. “Ele não estabelece o que está dentro 
e o que está fora dela, pois algo nunca „está‟ sozinho. Estar é estar relacionado. [...] O “ser” 
 
12
 Segundo Latour (1994a; 2001), apesar de ter a mesma etimologia, as palavras complexo e complicado 
possuem significados distintos, que nos permitem diferenciar dois tipos de realidades. O adjetivo complexo 
refere-se à irrupção simultânea de múltiplas variáveis que não podem ser tratadas separadamente; enquanto que 
complicado se refere à presença de diferentes variáveis que podem ser tratadas individualmente e que podem ser 
somadas e transformadas em uma “verdade” – ou, para usar o vocabulário do autor, que podem ser fechadas em 
uma caixa preta. 
16 
 
praxiológico não é universal, é local. Ele necessita de uma especificação espacial.” (p. 54, 
tradução nossa, grifo da autora). 
Nesse gênero ontológico, uma afirmação sobre o que a Psicologia Social é deve ser 
complementada por outra que indica onde isso ocorre. Sendo assim, nesta tese, não falamos 
da Psicologia Social brasileira, mas falamos de alguns lugares em que, no Brasil, a Psicologia 
é Social. Falamos, por exemplo, de trabalhos acadêmicos, documentos e livros introdutórios. 
Além disso, para compreendermos o que o ser faz, não podemos desconsiderar as 
praticidades envolvidas nos processos que performam a realidade (MOL, 2002). Desse modo, 
os caminhos metodológicos que percorremos foram guiados por algumas das práticas que 
performam a Psicologia Social brasileira. Aqui é importante explicitarmos que essas práticas 
não incluem somente as intervenções psicossociais, trabalhos de campo, entrevistas ou 
experimentos. Mas, seguindo a proposta de Isabelle Stengers (2006 apud MORAES; 
ARENDT, 2010, p. 60), nesta tese, 
 
a prática designa as ciências „se fazendo‟, ela engloba o ajuste de 
instrumentos, a escritura de artigos, as relações de cada participante com os 
colegas, mas também com tudo isto que e todos aqueles que contam ou 
poderiam contar em sua paisagem. Nada está pronto. Tudo está por negociar, 
por ajustar, alinhar e o termo prática designa a maneira pela qual tais 
negociações, ajustes, alinhamentos constringem e especificam as atividades 
individuais sem por isso determiná-las. 
 
E como, em diferentes lugares, práticas distintas tendem a acontecer, a Psicologia 
Social tende a variar de um lugar para o outro: aqui, ela é a intersecção da Psicologia com a 
Sociologia; ali, é um mecanismo de transformação da realidade social; acolá, é o estudo 
científico dos processos de influência grupal. Nesta tese, argumentaremos que esses não são 
diferentes aspectos ou atributos de um mesmo objeto, mas elementos que ajudam a performar 
diferentes versões desse objeto. São, portanto, elementos que fazem Psicologias Sociais 
diferentes, embora relacionadas entre si. Que fazem uma Psicologia Social múltipla, ou seja, 
que é mais do que uma ao mesmo tempo em que é menos do que muitas. 
Para sustentar esse argumento, primeiramente, apresentaremos os conceitos e ideias 
que direcionaram nosso percurso. Para isso, no primeiro capítulo, abordaremos, ainda que de 
forma breve, algumas das ideias centrais da Teoria Ator-Rede (TAR), tais como o princípio 
da simetria generalizada e as noções de tradução, mediação, ator-rede e associação. No 
capítulo 2, discutiremos a noção de multiplicidade proposta por Mol (1999, 2002), bem como 
suas implicações metodológicas, epistemológicas e ontológicas. Mais especificamente, 
17 
 
sustentaremos que essa noção não é sinônima de “diversidade” – afinal, como observa a 
autora, a existência de múltiplas versões de um objeto é apenas um de seus aspectos: para ser 
múltiplo, o objeto tem de ser, ao mesmo tempo, igual e diferente, diverso e singular. 
Nos capítulos subsequentes, nosso foco será a multiplicidade da Psicologia Social 
brasileira: no capítulo 3, sustentaremos a primeira parte de nosso argumento e falaremos de 
diversidade. Ou seja, falaremos de alguns lugares e situações em que a Psicologia Social é 
mais do que uma. No capítulo seguinte, dedicar-nos-emos à segunda parte. Nele, falaremos de 
singularidade ao abordarmos as práticas que fazem com que a Psicologia Social seja, 
também, menos do que muitas. 
Para elaborar esses dois últimos capítulos, percorremos diferentes caminhos, usamos 
diferentes materiais, nos referimos a diferentes pessoas. Em nossas primeiras “idas a campo”, 
visitamos duas bibliotecas de referência da área – a Nadir Gouvêa Kfouri, da Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Dante Moreira Leite, do Instituto de 
Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). 
Ao digitar o descritor “Psicologia Social” nos bancos de dados dessas bibliotecas, nos 
deparamos com duas imensas listas de materiais e, como seria inviável lermos e analisarmos 
todos eles, optamos por estabelecer alguns critérios de seleção: dentre todos os livros e 
manuais disponíveis, selecionamos apenas aqueles que haviam sido publicados entre 1990 e 
2011
13
 e que se caracterizavam como livros-texto ou manuais introdutórios de Psicologia 
Social
14
. Não selecionamos, portanto, obras antigas ou que abordavam somente uma subárea, 
conceito ou temática específica. 
Este critérioé, em certa medida, limitador, uma vez que obras que falam, por exemplo, 
de Psicologia Social Comunitária, de Representações Sociais ou de Psicologia Social da 
Saúde também fazem parte dessa disciplina. No entanto, optamos por utilizá-lo porque seria 
impossível, no espaço de tempo de uma tese de doutorado, seguir os atores descritos em todos 
os livros que possuem como descritor a palavra “Psicologia Social”. Além disso, 
 
13
 Algumas das obras selecionadas foram inicialmente publicadas antes desse período, mas como foram 
reeditadas posteriormente, as incluímos no corpus desta tese. A primeira edição do livro “Introdução à 
Psicologia Social”, de Arthur Ramos, por exemplo, data de 1936, mas em 2003, em comemoração ao centenário 
do nascimento do autor, ela foi reeditada. 
14
 Para selecionar aqueles que obedeciam a esse critério, lemos os prefácios, apresentações e sumários dos livros 
que tinham a expressão “Psicologia Social” no título. Consideramos esta etapa importante pois, muitas vezes, o 
título dava a impressão de se referir a um manual introdutório quando, na verdade, tratava-se da publicação de 
conferências proferidas em um evento científico – como no caso do livro “Psicologia Social: temas em debate”, 
que apresentava as conferências e mesas-redondas do V Encontro Regional de Psicologia Social da ABRAPSO- 
Espírito Santo – ou ainda de trabalhos realizados a partir de uma teoria específica – como, por exemplo, o livro 
“Psicologia Social: indivíduo e cultura”, organizado por Faria e Brandão (2004, p. 10), e que visa possibilitar 
“[...] uma leitura que vai da apresentação e discussão de conceitos abrangentes da Teoria Crítica da Sociedade a 
discussões mais específicas de temas, objetos e práticas psicológicas [...]”. 
18 
 
“diferentemente dos livros monotemáticos, o livro-texto é uma tentativa de organizar a 
disciplina; de responder à pergunta „o que é a disciplina hoje‟, seu foco, suas áreas de estudo, 
suas questões principais.” (SPINK, M. J.; SPINK, P. 2007, p. 566). Ou seja, esses manuais 
mais “gerais” tendem a falar de diversas correntes teóricas, áreas de atuação e objetos de 
estudo ao mesmo tempo em que tratam essa disciplina como algo singular. São, portanto, um 
bom “lugar” para acompanharmos alguns dos modos de coordenação de diferentes versões da 
Psicologia Social brasileira
15
. 
Outro critério que utilizamos para selecionar os livros e manuais que compuseram o 
corpus desta tese foi a nacionalidade dos(as) autores(as). Dentre todas as obras introdutórias, 
selecionamos somente aquelas que eram de autoria de pesquisadores(as) brasileiros(as) ou de 
estrangeiros(as) que atuam profissionalmente no Brasil. Para conhecer suas nacionalidades 
e/ou filiação institucional consultamos, primeiramente, o banco de dados da Plataforma Lattes 
(http://lattes.cnpq.br/), sendo que, nos casos em que os(as) autores(as) não estavam aí 
cadastrados, buscamos dados sobre sua atuação profissional por meio do motor de buscas 
Google (www.google.com.br). 
É importante ressaltarmos que, ao estabelecermos esse critério, não estamos propondo 
que livros de autores(as) estrangeiros(as) não contribuam para performar a Psicologia Social 
no Brasil. Afinal, vários deles estão disponíveis nas bibliotecas de nossas universidades, são 
citados em nossas pesquisas e estudados em nossas disciplinas – no curso de graduação em 
Psicologia da USP,
 
por exemplo, um dos textos que compõem a bibliografia básica da 
disciplina Psicologia Social I é o manual do polonês emigrado nos Estados Unidos Solomon 
Asch (1952/1997)
16
. No entanto, como optamos por não fazer uma etnografia, não 
acompanhamos as práticas que esses textos e autores ensejam na realidade brasileira. Os 
livros de autoria de pesquisadores “nacionais”, por sua vez, em geral, falam de pesquisas e 
experiências profissionais realizadas no Brasil. Assim, independentemente do uso que se faz 
 
15
 Consultamos, também, o SciElo – Scientific Electronic Library Online (http://www.scielo.br), uma vez que, 
no Brasil, esta é uma das bases de dados virtuais mais utilizadas para a consulta de textos acadêmicos. No 
entanto, não encontramos nenhum artigo que obedecesse aos nossos critérios de busca. No período da consulta 
(dezembro de 2010), estavam disponíveis 118 textos relacionados à Psicologia Social, mas nenhum deles 
buscava introduzir essa disciplina. A maioria dos artigos escritos por autores brasileiros relatava pesquisas da 
área (como, por exemplo, SATO, 2007; SILVA, QUEIRÓS, 2006; MATTOS, FERREIRA, 2004); outros 
discutiam um conceito ou abordagem teórica específica (como PAIVA, 2000; CROCHÍK, 2008; ARENDT, 
1998); uma subdivisão da Psicologia Social (como FREITAS, 1998; ARENDT, 1997; TRAVERSO-YEPEZ, 
2001) ou ainda aspectos relacionados à história, formação profissional e ao trabalho de campo na área (como 
DIHL, MARASCHIN, TITTONI, 2006; NARITA, 2006; SOUZA, SOUZA FILHO, 2009; SILVA, 2004). 
16
 O programa e a bibliografia básica da disciplina estão disponíveis em: <http://sistemas2.usp.br/ 
jupiterweb/obter Disciplina?sgldis= PST0201&nomdis=>. Acesso em 10 dez. 2010. 
http://lattes.cnpq.br/
http://www.scielo.br/
http://sistemas2.usp.br/%20jupiterweb/obter%20Disciplina?sgldis=%20PST0201&nomdis
http://sistemas2.usp.br/%20jupiterweb/obter%20Disciplina?sgldis=%20PST0201&nomdis
19 
 
deles, esses materiais falam de algumas das Psicologias Sociais que são feitas em nosso 
país
17
. 
Após uma leitura inicial desses livros, observamos que vários deles abordavam a crise 
de referência que assolou a Psicologia Social na década de 1970. Ao descrever esse momento 
histórico, enfatizavam as controvérsias e discrepâncias entre a proposta de Aroldo Rodrigues 
e a de Silvia Lane. Desse modo, decidimos buscar materiais que nos ajudassem a contar 
melhor essa história. Para isso, consultamos os bancos de dados das bibliotecas da PUC-SP, 
do IP-USP e do SciElo (www.scielo.br), usando nesta busca as seguintes palavras-chave: 
“Silvia Lane”, “Aroldo Rodrigues” e “Crise da Psicologia Social”. 
Em um terceiro momento, percorremos os corredores das bibliotecas onde estavam 
dispostas as teses e dissertações defendidas nos programas de pós-graduação em Psicologia 
Social das duas universidades. Após lermos os resumos de todos os trabalhos concluídos entre 
1990 e 2011 e identificarmos seus objetos de estudo, linhas teóricas e estratégias 
metodológicas, selecionamos duas pesquisas (uma de cada universidade) que faziam 
Psicologias Sociais bastante diferentes e que “transitavam” por áreas do conhecimento 
distintas. É importante ressaltarmos que esses trabalhos não representam a totalidade das 
pesquisas realizadas e defendidas nos dois programas de pós-graduação. Eles são apenas 
exemplos de como a Psicologia Social pode ser diferentemente performada. 
A leitura da tese e da dissertação selecionadas nos pareceu tão interessante que 
resolvemos selecionar mais dois trabalhos. No entanto, desta vez não recorremos às 
bibliotecas da PUC-SP e da USP, mas ao site da associação representativa da área, no qual 
buscamos as referências dos dois trabalhos premiados no “II Concurso de Teses, Dissertações 
e Artigos da ABRAPSO”. Optamos por descrever apenas quatro trabalhos (e não cinco, dez, 
vinte ou todos), pois esses nos pareceram suficientes para sustentar o argumento central de 
nossa pesquisa. Afinal, como dissemos anteriormente, nosso objetivo não é fazer uma 
cartografia da Psicologia Social brasileira, mas falar de alguns lugares em que, no Brasil, a 
Psicologia é Social. 
Contar histórias sobre teses e dissertações da área nos pareceu um interessante 
caminho para falar da multiplicidade da Psicologia Social no Brasil pois, de um modo geral, 
esses materiais apresentam de forma detalhada os procedimentos metodológicos utilizados. 
Afinal, ao menos em teoria,as sessões de materiais e métodos de textos científicos “[...] 
especificam tanto quanto possível as práticas de investigação. Elas evidenciam [instantiate] o 
 
17
 Os anexos 1 e 2 apresentam as obras que obedeceram aos nossos critérios de seleção. 
20 
 
reconhecimento de que as práticas que forçam um objeto a falar são cruciais para o que pode 
ser dito sobre ele.” (MOL, 2002, p. 158, tradução nossa). Podem ser, portanto, uma fonte tão 
interessante quanto observações etnográficas para fazer uma praxiografia (MOL, 2002)
18
. 
Outro “lugar” que visitamos para falar da multiplicidade da Psicologia Social 
brasileira foi o debate suscitado pela criação do título de especialista na área. Como veremos 
no capítulo 3, por meio da Resolução 05/03, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) 
reconheceu a Psicologia Social como uma especialidade da Psicologia e estabeleceu as 
normas e os procedimentos para a concessão e o registro do título de especialista na área 
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2003). Por um lado, tal medida representou 
uma tentativa de singularização da Psicologia Social, uma vez que propunha sua definição e 
delimitação. Por outro lado, ela suscitou um intenso debate sobre o que é a Psicologia Social, 
explicitando, com isso, a dificuldade de pensar essa área do conhecimento como algo 
singular. 
Para acompanhar os modos de coordenação dessa diversidade, bem como as 
controvérsias que caracterizaram esse debate, recorremos, sobretudo, a textos acadêmicos e a 
documentos de domínio público, tais como os editais e as provas do concurso que dão acesso 
a essa titulação e o encarte especial dedicado ao tema, publicado no número dezessete da 
Revista Psicologia & Sociedade. Buscamos, assim, compreender em que medida e como a 
Psicologia Social desses materiais é mais do que uma e menos do que muitas. 
É importante ressaltarmos que tratamos todos esses artigos, livros, documentos e 
trabalhos acadêmicos não apenas como “textos”, mas como materialidades que produzem 
efeitos, se conectam, se articulam com outros textos, com outras práticas. Ou seja, os tratamos 
como materialidades que produzem certas realidades da Psicologia Social (MORAES, 2010). 
Uma vez apresentado o caminho metodológico percorrido, apresentaremos, no capítulo 
seguinte, o referencial teórico que embasa esta tese. 
 
 
 
18
 Diferentemente da maioria dos pesquisadores da TAR, não utilizamos técnicas etnográficas tradicionais pois 
consideramos os autores desses trabalhos como seus próprios etnógrafos. Ou seja, os consideramos como atores 
capazes de descrever suas próprias práticas, de fazer suas próprias praxiografias (MOL, 2002). Afinal, segundo 
Latour (2008, p. 27, 28, tradução nossa), em um estudo da TAR, “a tarefa não é mais impor alguma ordem, 
limitar a variedade de entidades aceitáveis, ensinar aos atores o que são ou agregar certa reflexividade a sua 
prática cega. De acordo com uma premissa da TAR, é preciso „seguir os próprio atores‟, ou seja, tratar de 
colocar-se em dia com suas inovações [...] para aprender com elas no que se converteu a existência coletiva na 
mão de seus atores, que métodos foram adotados para fazer com que tudo se encaixasse, que descrições 
poderiam definir melhor as novas associações que se viram obrigados a fazer.” 
21 
 
 
 
CAPÍTULO 1 
PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS 
 
 
 
22 
 
A Teoria Ator-Rede (TAR) é uma etiqueta utilizada para se referir a um conjunto de 
princípios metodológicos, epistemológicos e de trabalhos de campo que há mais de duas 
décadas vem questionando o pensamento social tradicional. Também conhecida como 
“Antropologia Simétrica”, “Sociologia das Associações” e “Sociologia da Tradução", essa 
“teoria”
19
 surgiu a partir de discussões ensejadas no campo dos Estudos da Ciência e 
Tecnologia e hoje suas contribuições abarcam o problema da produção e estabilização da 
ordem social (TIRADO-SERRANO; DOMÈNECH-ARGEMÍ, 2005). Neste capítulo, não 
objetivamos apresentar detalhadamente toda a história e pressupostos da TAR, tarefa 
demasiada extensa para um capítulo “teórico”; objetivamos, apenas, apresentar alguns 
conceitos e princípios que participaram da elaboração deste trabalho. 
 
1.1 O princípio de simetria generalizada 
 
Uma das principais características da TAR é a defesa do princípio de simetria 
generalizada instaurado pela Antropologia das Ciências. Segundo Latour (1994b), esse 
princípio foi proposto inicialmente por Michel Callon (1986) para enfatizar a importância de 
radicalizar o principio de simetria de David Bloor
20
 (1976), que propunha que o erro e a 
verdade tivessem tratamentos semelhantes e fossem explicados com os mesmos termos. 
Em meados da década de 1970, Bloor (1976) publicou a obra Knowledge and Social 
Imagery, na qual apresentava seu Programa Forte para o desenvolvimento da Sociologia do 
Conhecimento. Esse programa era regido por quatro princípios centrais: 1) o princípio da 
causalidade, que propunha que as ciências sociais deveriam explicar o conhecimento 
científico do modo como as ciências naturais explicam a natureza: por meio da explicitação 
de causas e de um método científico; 2) o princípio da imparcialidade, que propunha que o 
analista social deveria explicar tanto a má ciência (dos erros, crenças etc.), quanto a ciência 
bem sucedida (da verdade); 3) o princípio de simetria, que afirmava que o conhecimento 
verdadeiro e o falso deveriam ser explicados pelas mesmas causas; e 4) o princípio de 
 
19
 Estamos colocando a palavra teoria entre aspas pois, segundo Latour (2005), a despeito de se chamar “Teoria 
Ator-Rede”, a TAR não constitui uma teoria propriamente dita. Afinal, propõe que são os atores que sabem o 
que fazem e “[...] nós temos de aprender com eles não somente o que eles fazem, mas como e por que o fazem. 
Somos nós, os cientistas sociais, que desconhecemos o que fazem, e não eles que necessitam de explanações 
sobre por que são involuntariamente manipulados por forças exteriores a eles e conhecidas somente pelo 
poderoso olhar e método dos cientistas sociais. [...] Longe de ser uma teoria do social ou, pior ainda, uma 
explicação do que faz a sociedade exercer pressão sobre os atores, ela sempre foi [...] um método bastante 
rudimentar [crude] de aprender com os atores, sem impor-lhes uma definição a priori de suas capacidades de 
construção do mundo.” (LATOUR, 2005, p. 19, 20, tradução nossa, grifos do autor). 
20
 Considerado um dos principais expoentes da Escola de Edimburgo. 
23 
 
reflexividade, que sugeria que o analista deveria aplicar em sua própria análise os mesmos 
métodos que utilizava para estudar o conhecimento científico. 
O Programa Forte de Bloor tinha como objetivo central contrapor-se à Escola 
Mertoniana – corrente que, na época, dominava o campo da Sociologia da Ciência. De acordo 
com Domènech e Tirado (1998, p.15, 16, tradução nossa), 
 
seguindo os passos de Merton [...], os sociólogos da ciência esmeram-se, durante os 
anos cinqüenta, sessenta e boa parte dos setenta, a explicar a organização da ciência 
como instituição social – valores, normas... – e em manifestar o papel adulterador 
que supostamente teria o social na produção de conhecimento. A ideia que subjaz a 
uma sociologia que possui tais tarefas não é outra que um convencimento cartesiano, 
sumamente enraizado na concepção moderna do conhecimento, de que o verdadeiro, 
o racional, não requer explicação; só o erro, o falso, o irracional necessitam de uma 
justificativa causal. [...] Ao considerar que a verdade surge diretamente dos fatos, 
não sobra espaço para conceber uma sociologia da verdade, só é possível conceber o 
que se chamou de sociologia do erro, ou seja, uma sociologia que toma como objeto 
de análise a ideologia, as falsascrenças e os preconceitos, mas nunca a verdade. 
 
A grande contribuição do Programa Forte de Bloor (1976) foi, justamente, propor uma 
Sociologia que desse conta de explicar tanto o erro quanto a verdade, tanto o conteúdo quanto 
a natureza do conhecimento científico. Nesse Programa, os conhecimentos falsos e os 
verdadeiros deveriam ser tratados da mesma forma e explicados pelas mesmas causas: os 
fenômenos sociais. Sendo assim, não bastava dizer que uma teoria é melhor que outra por ser 
mais verdadeira ou por ser mais bem comprovada pela empiria; era preciso falar das 
condições (argumentos, negociações etc.) que tornaram possível a existência de consenso 
sobre um conjunto de resultados ou sobre os conteúdos de uma experiência. 
No entanto, para Callon (1986), a despeito de tratar simetricamente o erro e a verdade, 
esse princípio continuava a sustentar uma assimetria, pois tratava de forma distinta a natureza 
e a sociedade. Afinal, considerava o domínio do social como um recurso explicativo, 
enquanto que a natureza, a ciência e a tecnologia eram o que deveria ser explicado. Em suas 
palavras, 
 
sabemos que os ingredientes das controvérsias são uma mistura de 
considerações sobre a natureza e sobre a sociedade. Por essa razão, 
propomos que o observador use um único repertório ao descrevê-las. O 
vocabulário escolhido para estas descrições e explicações fica a critério do 
observador. [...] Mas, dado o princípio da simetria generalizada, a regra que 
devemos seguir é não mudar de registro quando nos movemos dos aspectos 
técnicos do problema estudado aos sociais. (CALLON, 1986, p. 4, tradução 
nossa). 
 
24 
 
Afinal, se mudamos de registro, corremos o risco de adotarmos posturas ontológicas distintas, 
ou seja, corremos o risco de sermos construcionistas com a natureza e realistas com a 
sociedade, esquecendo-nos que de a sociedade também é um produto, um efeito, algo tão 
construído quanto a natureza (LAW, 1987). 
Além de propor a utilização de um mesmo repertório para se referir à natureza e à 
sociedade, a generalização do princípio de simetria sugere que todas as coisas e fenômenos 
sejam tratados sob os mesmos termos. Isso implica a utilização de um estilo de descrição que 
não se baseia em dualismos como verdadeiro-falso, humano-não humano, sujeito-objeto, 
micro-macro etc. No entanto, é importante ressaltarmos que problematizar essas dicotomias 
não significa dizer que não existem divisões entre materialidades e pessoalidades, entre o 
natural e o social ou entre verdade e falsidade; mas que essas divisões e distinções são efeitos, 
ou seja, são resultados de uma série de associações entre atores heterogêneos. 
 
1.2 Heterogeneidade material 
 
Assim, ao assumir o princípio da simetria generalizada, os(as) autores(as) da TAR 
acabam problematizando também a concepção de realidade defendida pelas correntes 
tradicionais da Sociologia do Conhecimento. Diferentemente do que ocorre nestas últimas, na 
TAR, a “realidade” não é um fato externo, objetivo e sujeito à interpretação cultural da 
ciência. Pelo contrário, é algo construído e reconstruído ativamente. E para descrever como 
ocorre este processo de construção e reconstrução, é preciso focar na heterogeneidade 
material das redes de atores humanos e não humanos e descrevê-la a partir de uma ontologia 
relacional. Nas palavras de Law e Mol (1993/1994, p. 48, tradução nossa, grifos dos autores), 
as materialidades 
 
[...] não existem por si mesmas, mas são constituídas nas redes de que faz 
parte. Os objetos, as entidades, os atores, os actantes são (algo como) efeitos 
semióticos: os nós das redes são conjuntos de relações ou conjuntos de 
relações entre relações. Isso significa que os materiais são constituídos 
interativamente: podem servir para incrementar a estabilidade, mas não são 
reais, não existem além de suas interações. As máquinas, as pessoas, as 
instituições, o mundo material, a divindade, todas estas coisas são efeitos ou 
produtos.
21
 
 
 
21
 Aqui, cabe observar que a semiótica performada pela TAR é diferente das correntes tradicionais, pois ela 
utiliza o insight semiótico do caráter relacional das entidades e o aplica a todos os materiais (e não simplesmente 
aos linguísticos) – por essa razão, Law (1999) afirma que a TAR faz uma “Semiótica da Materialidade”. 
25 
 
Desse modo, nessa “teoria”, só podemos falar do “real” ao nos referirmos a 
 
[...] uma multiplicidade de materiais heterogêneos conectados em forma de 
uma rede que tem múltiplas entradas, está sempre em movimento e aberta a 
novos elementos que podem se associar de forma inédita e inesperada. 
Todos os fenômenos são efeitos dessas redes que mesclam simetricamente 
pessoas e objetos, dados da natureza e dados da sociedade, oferecendo-lhes 
igual tratamento. (MELO, 2007, p. 170). 
 
Oferecer-lhes igual tratamento significa não estabelecer a priori o que é social, o que é 
natural ou o que é tecnológico. Significa não estabelecer uma hierarquia ou uma ordem de 
prevalência entre os atores de uma rede. Significa considerar que qualquer coisa – pessoa ou 
objeto – cuja incidência modifique um estado de coisas é um ator
22
 (LATOUR, 2008). 
Desse modo, para os(as) autores(as) da TAR, os objetos também são capazes de 
incidir sobre ações
23
. A ação de batermos em um prego com um martelo, por exemplo, é 
diferente da de batermos com a palma da mão, assim como andarmos pela rua com roupas não 
é como andarmos sem elas. Entretanto, isso não significa que os objetos determinem a ação, 
afinal, não é o martelo que impõe que devemos golpear o prego. Segundo Latour (2008), 
existem muitos matizes metafísicos entre a plena causalidade e a mera inexistência: além de 
“determinar”, ou de “servir como pano de fundo da ação humana”, as coisas podem autorizar, 
permitir, sugerir, dar recursos, influenciar, proibir, bloquear etc. Sendo assim, esses autores e 
autoras não propõem a afirmação vazia de que são os objetos – e não os atores humanos – que 
fazem as coisas. Dizem, simplesmente, que nenhuma ciência do social pode existir se não 
explorar, primeiramente, a questão do que e quem participa da ação – ainda que isso 
signifique permitir que se incorporem elementos não humanos à resposta. 
 
22
 Em alguns textos (LATOUR, 1996; AKRICH, LATOUR, 1992; TIRADO-SERRENO, DOMÈNECH-
ARGEMÌ, 2005, entre outros), a palavra “ator” é substituída por “actante”, pois, tanto na linguagem científica 
quanto na cotidiana, a primeira geralmente é usada para se referir apenas a humanos; enquanto que a segunda 
possui menos tradição conceitual e pode mais facilmente ser usada para se referir, também, a não humanos. Em 
um texto escrito em coautoria com Madeleine Akrich, Bruno Latour (1992, p. 259, tradução nossa) afirma que 
um “actante” é qualquer coisa que atue ou modifique a ação. Em outros textos (como em LATOUR, 2008), o 
autor afirma que um actante é um ator que ainda não possui figuração. Nesta tese, usamos os termos “ator” e 
“actante” como sinônimos, ou seja, aqui, ambos referem-se às entidades (humanas e não humanas) que possuem 
agência. 
23
 É importante ressaltarmos que dizer que não há diferença fundamental entre pessoas e objetos é uma atitude 
analítica, e não uma posição ética. Afinal, segundo Law (1992, p. 4, tradução nossa), isso não significa que 
tenhamos de tratar as pessoas como máquinas. “Não temos de negar os direitos, deveres e responsabilidades que 
usualmente atribuímos às pessoas. Na verdade, nós podemos usar [essa atitude] para aprofundar questões éticas 
sobre o caráter especial do efeito humano – como, por exemplo, em casos difíceis tais como os de vida mantida 
artificialmente por conta das tecnologias de tratamento intensivo”. 
26 
 
 Nos trabalhos da TAR, um ator não constitui a fonte de uma ação, mas é o alvo móvel 
de umaquantidade enorme de entidades que convergem em sua direção. Nas palavras de Law 
e Mol (2008, p. 58, tradução nossa), 
 
[...] um ator não age sozinho. Ele age em relação com outros atores, 
vinculado com eles. Isso significa que ele também está sempre sendo atuado 
[acted upon]. Atuando e sendo atuado [enacted] conjuntamente. E mais, um 
ator-atuado [enacted-actor] não está em controle. Agir não é controlar, pois 
os resultados do que está sendo feito frequentemente são inesperados. 
 
Desse modo, a palavra ator assume aqui um sentido bastante diferente do que a 
tradição anglo-saxônica comumente lhe atribui. Segundo Latour (1996), para esta última, um 
ator é sempre um humano individual – na maioria das vezes, do sexo masculino – que busca 
adquirir poder por meio de uma rede de aliados. Já para a TAR, um ator é uma definição 
semiótica que se refere a algo que age e que é alvo da ação dos outros. Nas palavras de Arendt 
(2008, p. 5, grifos do autor), “um ator não age, simplesmente, mas é levado a agir, ele é 
superado por sua ação. Em outros termos, ele não apenas faz, a rede o faz fazer.” 
 
1.3 Ator-Rede 
 
Essa rede que faz fazer difere da rede da Análise de Redes Sociais (ARS) e das redes 
tecnológicas. A principal divergência com a primeira refere-se ao fato de que, segundo Latour 
(1996), esta é composta por relações sociais existentes entre atores humanos individuais e 
pode ser estudada por meio da frequência, homogeneidade, distribuição e proximidade dessas 
relações. Já um ator-rede
24
 é composto também por atores não humanos e não individuais. 
Além disso, os pesquisadores da ARS utilizam a noção de rede social para acrescentar 
informações sobre as relações estabelecidas entre humanos em um mundo social e natural – 
que é mantido intocado pelos analistas – enquanto que a TAR, como dissemos anteriormente, 
problematiza as noções de sociedade e natureza. Desta forma, ela não almeja adicionar as 
redes sociais à teoria social, “[...] mas reconstruir a teoria social a partir das redes. É tanto 
uma ontologia ou uma metafísica quanto uma sociologia [...]. Redes sociais certamente vão 
 
24
 Para evitar a confusão com outras noções de rede, muitos autores da TAR (CALLON, 1998; LATOUR, 2008; 
LAW, 1997, entre outros) preferem utilizar a expressão “ator-rede”. Outra vantagem deste termo é o fato de ele 
garantir a simetria e enfatizar a impossibilidade de separarmos rede de ator. Nas palavras de Callon (1998, p. 
156, tradução nossa), essa expressão ressalta que “o ator-rede não é redutível nem a um simples ator nem a uma 
rede. Está composto [...] de séries de elementos heterogêneos, animados e inanimados, que têm sido conectados 
mutuamente durante certo período de tempo [...] Um ator-rede é, simultaneamente, um ator cuja atividade 
consiste em entrelaçar elementos heterogêneos e uma rede que é capaz de redefinir aquilo do qual está feita.” 
27 
 
ser incluídas na descrição, mas não haverá privilégio nem proeminência [...]” (LATOUR, 
1996, p. 1, tradução nossa). 
Já a divergência em relação às redes tecnológicas (como as ferroviárias, as de internet, 
as de telefone, as de esgoto etc.) reside no fato de que nelas há elementos distantes conectados 
por radares, trilhos, fios e tubulações, sendo a circulação entre esses elementos (ou “nós”) 
obrigatória e pré-determinada. Além disso, essa circulação é estabelecida por tecnologias 
rígidas, que dão a alguns nós um papel central. Segundo Latour (1996), apesar de, em alguns 
casos, a noção de ator-rede poder assumir esse modelo de rede fixa e estável, é muito mais 
frequente que ela assuma características completamente diferentes, ou seja, que se refira a 
algo local, que não possui ligações obrigatórias e que não tem nós estratégicos. Além disso, 
outra importante diferença entre as duas concepções de rede é que, na tecnológica, a 
circulação é vista como mero transporte, enquanto que, na latouriana, ela, necessariamente, 
implica transformação. 
E é justamente este processo de transformação e de construção de fatos, sujeitos, 
objetos e crenças que os(as) autores(as) da TAR buscam descrever (LATOUR, 2008). Isto se 
dá pois eles(as) consideram que o que importa não é somente a ideia de vínculo ou de aliança; 
importa, também, o que esses vínculos produzem, ou seja, os efeitos decorrentes de tais 
alianças. Sendo assim, podemos dizer que, na TAR, ator-rede é sinônimo de fabricação, de 
ação. 
 
Fabricação interessante, porque deve ser considerada como um processo 
distribuído entre todos os atores. Não há um agente primordial, central do 
qual emana a fabricação do mundo. Então há uma ação recíproca e o que 
importa é acompanhar os efeitos desta ação, os muitos deslocamentos que 
ela produz. Será então que devemos considerar a teoria ator-rede como um 
quadro de referências, como uma teoria que podemos aplicar a muitos 
domínios, inclusive à psicologia? [...] A teoria ator-rede não é uma teoria 
cujos princípios estejam dados de antemão. Trata-se antes de um método, 
um caminho para seguir a construção e fabricação dos fatos. (TSALLIS et 
al., 2006, p. 66). 
 
 Sendo assim, na TAR, não mais se discute se o indivíduo é prévio a qualquer coisa e 
configura a sociedade; se as instituições são produzidas por um conjunto de relações 
duradouras; ou ainda, se um emaranhado de fatos unidos pelo cimento da moral gera o 
coletivo. De acordo com Domènech e Tirado (1998, p. 25, tradução nossa), o questionamento 
agora é muito mais simples: “[...] indivíduos, fatos, estruturas ou relações são produtos, 
efeitos a posteriori do que é somente um emaranhado de materiais heterogêneos, justapostos, 
unidos e configurados pelas relações que são capazes de estabelecer ou sofrer.” 
28 
 
No entanto, quando pensamos em nosso cotidiano, não temos dúvidas de que existem 
estruturas, instituições, relações de poder, normas e classificações. Afinal, temos famílias, 
vivemos em um sistema capitalista, aprendemos que não devemos roubar, seguimos 
determinadas regras de etiqueta ao comermos, sabemos que a Terra é redonda e que as 
doenças não são causadas por castigo divino. Se a realidade não passa de um emaranhado de 
materiais heterogêneos, de onde vêm essas regularidades, ou melhor, essas totalidades? 
Callon (1986), Latour (1998a, 1998b, 2008) e Law (1992, 1998) respondem a essa questão 
dizendo que o mundo toma forma por meio dos processos de tradução
25
. 
 
1.4 Tradução 
 
Na Teoria Ator-Rede, a noção de tradução é utilizada para se referir não somente à 
passagem de uma língua a outra, mas também a um deslocamento, a um desvio, a uma 
mediação, à criação de um laço que não existia anteriormente e que, pelo simples fato de 
passar a existir, produz transformações (LATOUR, 1998b). 
Assim como na Filosofia das Ciências e na Epistemologia, esse termo é usado para 
descrever o modo como cientistas passam de enunciados gerais sobre o mundo (teorias) a 
enunciados observacionais (e vice- versa). Dizemos, por exemplo, que um(a) leigo(a) é capaz 
de observar que a agulha de um amperímetro aponta para o número 100; mas um(a) físico(a) 
provavelmente tentará estabelecer equivalências – ou ao menos relações inteligíveis – entre 
esse enunciado observacional, que se exprime na língua ordinária, e os enunciados teóricos 
que recorrem a palavras e a noções inabituais. Tentará, portanto, relacionar o movimento da 
agulha com o fato de que elétrons existem e possuem determinadas características (CALLON, 
2003). 
 
A ciência se encarrega de explorar esse abismo que ela contribui para criar. 
Os filósofos recorreram à noção de tradução para explicar como os cientistas 
em seus laboratórios passam de uma língua que foi feita de noções 
totalmente ordinárias [...] a uma língua que é teórica e que faz uso de noções 
que descrevem entidades que ninguém nunca viu. A noção de tradução 
permite descrever essetransporte misterioso que faz com que possamos 
 
25
 Esse processo também é chamado de “ensamblage”, “translação” e “padrões de ordenação”. Nesta tese, 
optamos por utilizar a expressão “tradução” uma vez que esta é a terminologia usada por muitos autores de 
língua portuguesa (tais como MORAES, 2004; FREIRE, 2006, MELO et al., 2007; BONAMIGO, 2008, entre 
outros). No entanto, consideramos que ela pode trazer certa confusão, pois, frequentemente, utilizamos este 
termo para fazer referência a uma representação fiel de algo e não a uma transformação. Quando, por exemplo, 
citamos a edição brasileira do livro “Jamais fomos modernos”, citamos Latour (1994b), e não Carlos Irineu da 
Costa, seu tradutor. Esquecemo-nos das diferenças linguísticas e das interpretações pessoais do tradutor. 
Tratamos a edição brasileira como se fosse igual à francesa. 
29 
 
passar de observações empíricas, experimentais a enunciados teóricos que, 
de certa maneira, não têm nada a ver com os enunciados observacionais [...]. 
A noção de tradução é uma primeira maneira de descrever esse transporte 
de significações da experiência à teoria. (CALLON, 2003, p. 58, tradução 
nossa, grifo nosso). 
 
 Mas, na TAR, a palavra “tradução” também assume o sentido proposto pelo filósofo 
francês Michel Serres (1974) ao ser usada para explicar como as informações e a 
comunicação em geral operam por meio de uma série de transformações, de transportes e de 
traições. De acordo com Callon (2003, p. 59, tradução nossa), esse duplo significado da 
palavra, “[...] tradução de uma língua a outra e transporte de um mundo a outro, pode ser 
mobilizado para compreender as relações entre a ciência isolada, a ciência confinada e o 
mundo que a rodeia.” 
Para dar um sentido mais preciso a essa noção, o autor propõe que distingamos três 
tipos de tradução comuns no campo científico: o primeiro deles refere-se à atividade de 
transporte do mundo no qual vivemos (do “grande mundo”, do macrocosmo) para dentro do 
laboratório. Esse movimento é de grande importância, pois permite que a ciência aja sobre o 
mundo – de que adiantariam, por exemplo, estudos de Psicologia Social que abordassem 
temas alheios à nossa realidade? Para promover transformações sociais
26
, pesquisadores da 
área precisam fazer entrevistas, observações, experimentos, escrever diários de campo, 
selecionar textos, transcrever... Enfim, precisam transformar fatos, processos e objetos do 
“mundo exterior” em material analisável. Precisam trazer a “realidade psicossocial” para 
dentro do “laboratório”. 
O segundo sentido faz referência ao que acontece dentro do laboratório. Para Callon 
(2003), a obsessão de todo pesquisador é a de questionar a natureza, recolher as respostas que 
ela fornece e, por fim, interpretá-las. Ou seja, seu trabalho é o de “fazer falar” as entidades 
transportadas para dentro do laboratório: “conseguir fazer com que elétrons ou genes falem 
não é nada evidente! Conseguir fazer com que digam quem são, como podem agir, tampouco 
é evidente! A grande força dos cientistas é conseguir isso dentro do mundo fechado dos 
laboratórios.” (CALLON, 2003, p. 59, tradução nossa). 
O terceiro movimento de tradução refere-se ao retorno daquilo que foi produzido no 
laboratório ao mundo “exterior”. 
 
Uma vez que o grande mundo foi transportado, transposto, para o pequeno 
mundo do laboratório, uma vez as entidades assim aclimatadas [...] são 
 
26
 Como veremos no capítulo 4, muitos(as) pesquisadores(as) consideram o compromisso com a transformação 
social a principal característica dessa área do conhecimento. 
30 
 
questionadas, uma vez recolhidas as respostas e, a partir delas, delimitadas – 
ao menos parcialmente – suas identidades, o último problema se coloca: 
como soltar no grande mundo esses seres pacientemente domesticados? [...] 
Não podemos compreender o movimento e a lógica da ciência se 
conservamos a imagem de um laboratório confinado [...] Sim, o laboratório 
se distanciou, mas entre ele e o mundo ocorre um intenso tráfico, nos dois 
sentidos, o laboratório parece uma empresa de importação e exportação que 
não se contentará em fazer circular as mercadorias, mas que também as 
transformará e as recondicionará. A tradução consiste precisamente nesse 
movimento que permite agir sobre o mundo o transportando para dentro do 
laboratório e o fazendo voltar transformado para o exterior do laboratório. 
O laboratório é um poderoso instrumento para a reconfiguração do nosso 
mundo, não é somente um instrumento de observação e interpretação. 
(CALLON, 2003, p. 60, tradução nossa, grifos nossos). 
 
A tradução, portanto, substitui uma coisa por outra coisa: substitui uma língua por 
outra, uma palavra por outra, um grande mundo por um microcosmo. E essa substituição 
implica, necessariamente, transporte. “A ciência sempre começa por essa inversão, essa 
mudança de escala, essa miniaturização [...] ao invés de ter o grande mundo, um macrocosmo, 
você tem um pequeno mundo, um microcosmo [...]” (CALLON, 2003, p. 61, tradução nossa). 
Dizemos, muitas vezes, que esse microcosmo representa o grande mundo; mas para o autor, o 
verbo “representar” é demasiadamente estático e omite o transporte, a transformação inerente 
a esse processo. 
Callon (2003) nos dá um bom exemplo de como os mecanismos de tradução 
contribuem para a construção do conhecimento científico ao relatar o caso de pessoas que 
sofrem de amiotrofia espinhal infantil, uma doença genética rara. De acordo com o autor, até 
o início da década de 1950, esses doentes não tinham interlocutores na área médica nem na 
biológica. Não existia nenhum tipo de registro sistemático e o quadro clínico da doença era 
bastante impreciso. Apenas alguns(as) pacientes mais empreendedores(as) – ou menos 
resignados(as) – se dedicavam a coletar informações sobre os sintomas e sobre o 
desenvolvimento da doença. Em colaboração com profissionais da saúde, eles(as) 
organizavam campanhas de coleta de sangue, visando construir um banco de DNA que 
permitisse a identificação e a localização do gene defeituoso. 
 
Neste caso, em que consiste o movimento de tradução? Você tem uma 
população indeterminada de doentes dentre os quais o trabalho de 
observação e enquete permite estabelecer certas similitudes; em seguida, 
você extrai [prélevez] elementos de seus corpos e os transporta para os 
laboratórios e os pesquisadores [...] começam a analisá-los. Não há 
ilustração mais bela da tradução que este movimento: formular os problemas 
a serem resolvidos, simplificar e reduzir a realidade a ser estudada, extrair 
elementos, transportá-los para o laboratório e se engajar no trabalho de 
produção de inscrições. Aí está o primeiro arco da tradução. Antes dessa 
31 
 
tradução, problemas estavam formulados, questões estavam levantadas, e 
restavam sem resposta [...] Depois da tradução, outras questões mais 
precisas, mais fáceis de delimitar e de estudar são substituídas pelas 
precedentes. (CALLON, 2003, p. 62, tradução nossa, grifo nosso). 
 
Após formular o problema e trazer o material de análise para dentro do laboratório, 
os(as) cientistas precisam fazer com que esse material “fale”, ou melhor, precisam fazer com 
que esse material “escreva”. No entanto, como amostras de sangue não falam nem escrevem 
por si só, eles(as) precisam recorrer a uma série de instrumentos para auxiliar esse processo, 
como reagentes químicos, microscópios, computadores, imagens tridimensionais etc. Esses 
dispositivos tornam visível aquilo que até então era invisível e permitem que o(a) 
pesquisador(a) fabrique inscrições
27
, como artigos científicos, gráficos e relatórios. 
Ao escrever artigos sobre as falhas genéticas que causam a amiotrofia espinhal 
infantil, o(a) pesquisador(a) se torna uma espécie de “porta-voz” do gene:

Outros materiais