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introdução a teoria da literatura

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Prévia do material em texto

Júlio César França Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA DA LITERATURA: 
ANATOMIA DE UM CONCEITO 
ATRAVÉS DA LEITURA DE SEUS GRANDES MANUAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Abril, 2006 
 
 
 
 
 
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1
Júlio César França Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA DA LITERATURA: 
ANATOMIA DE UM CONCEITO 
ATRAVÉS DA LEITURA DE SEUS GRANDES MANUAIS 
 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Letras da Universidade 
Federal Fluminense como requisito parcial 
para a obtenção do título de Doutor em 
Letras. 
 
Área de concentração: Literatura Comparada 
 
Orient.: Prof. Dr. Roberto Acízelo Q. de Souza 
 
 
 
 
 
Niterói 
Instituto de Letras da UFF 
Abril de 2006 
 
 
2
Júlio César França Pereira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA DA LITERATURA: 
ANATOMIA DE UM CONCEITO 
ATRAVÉS DA LEITURA DE SEUS GRANDES MANUAIS 
 
 
 
 
 
Tese de Doutoramento em Letras, defendida e aprovada na Universidade Federal Fluminense, em 28 de 
abril de 2006, pela banca examinadora constituída pelos professores: 
 
 
 
 
 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. Roberto Acízelo Quelha de Souza - Orientador 
Universidade Federal Fluminense 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. Fernando Décio Muniz 
Universidade Federal Fluminense 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. Gustavo Bernardo Galvão Krause 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. José Luís Jobim de Sales Fonseca 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Universidade Federal Fluminense 
 
_____________________________________________ 
Prof. Dr. Maria Conceição Monteiro 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Este trabalho só foi possível graças a 
interlocutores muito especiais: 
 
Meu orientador Roberto Acízelo de Souza, 
Meus professores 
Fernando Décio Muniz e José Carlos Barcellos, 
Meus companheiros de doutorado 
Sérgio Vieira Bugalho e Leonardo Côrtes Macário 
Meus colegas do 
Fórum de Pesquisadores em Literatura. 
 
 
4
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A hostilidade para com a teoria geralmente 
significa uma oposição às teorias de outras 
pessoas, além de um esquecimento da teoria 
que se tem. 
Terry Eagleton (2003:X) 
 
(...) se não sei precisamente o lugar que 
ocupará ou ocuparia um discurso que se sabe 
nem científico, nem ficcional, sei quando nada 
que advogá-lo tem o propósito de tentar romper 
com a idéia que toma a ciência como detentora 
da lógica. 
 Luiz Costa Lima (1981:207) 
 
As descobertas envelhecem, os métodos não. 
Isaías Pessotti (2001:378) 
 
 
 
5
SUMÁRIO 
RESUMO ............................................................................................................................................. 06 
ABSTRACT ........................................................................................................................................ 07 
1 - VESTÍGIOS DE UMA CRISE ...................................................................................................... 08 
1.1 - UMA DISCIPLINA, MUITAS PERSPECTIVAS ............................................................................. 08 
1.1.1 -“O que é Teoria Literária?”........................................................................................... 09 
1.1.2 - “Para que serve a Teoria Literária?”............................................................................. 14 
1.1.3 - “Como funciona nas universidades a Teoria Literária?”.............................................. 17 
1.2 - SISTEMATIZANDO O PROBLEMA............................................................................................. 21 
1.3 - OS ESTUDOS LITERÁRIOS ANTES DA TEORIA DA LITERATURA............................................... 28 
1.4 - A ASCENSÃO DA TEORIA DA LITERATURA............................................................................. 37 
1.5 - OS MANUAIS DE TEORIA DA LITERATURA ............................................................................. 40 
2 - OS PRECURSORES....................................................................................................................... 44 
2.1 - O ENCONTRO ENTRE O FORMALISMO ESLAVO E O NEW CRITICISM ........................................ 45 
2.1.1 - O conceito de Literatura para Wellek & Warren ......................................................... 46 
2.1.2 - Os limites dos Estudos Literários ................................................................................ 56 
2.1.3 - Teoria, Crítica, História ............................................................................................... 68 
2.1.4 - O capítulo esquecido ............................................................. ...................................... 74 
2.1.5 - Os pontos-chave do manual de Wellek & Warren ...................................................... 77 
 2.1.5.1 - O conceito de Literatura .................................................................................... 78 
 2.1.5.2 - A compreensão dos objetivos dos Estudos Literários ....................................... 79 
 2.1.5.3 - O que é a Teoria da Literatura? ......................................................................... 80 
2.2 - O MANUAL DA CIÊNCIA DA LITERATURA ............................................................................. 81 
2.2.1 - O conceito de Literatura em Kayser ............................................................................ 82 
2.2.2 - Os objetivos do estudo da Literatura ........................................................................... 84 
2.2.3 - O projeto teórico de Kayser ......................................................................................... 86 
3 - ANOS 60 E 70: CONSTRUÇÃO OU RUÍNA? ............................................................................ 90 
3.1 - O MANUAL DE AGUIAR E SILVA ........................................................................................ .... 96 
3.1.1 - A relatividade do conceito de Literatura ..................................................................... 96 
3.1.2 - A Teoria da Literatura e os Estudos Literários ............................................................ 100 
3.2 - TEORIA, LATO SENSU ............................................................................................................. 103 
4 - A ERA DAS CRÍTICAS ................................................................................................................ 111 
4.1 - “LITERATURA”, NA FALTA DE UM TERMO MAIS ADEQUADO ................................................. 113 
4.2 - NAS MALHAS DA IDEOLOGIA ................................................................................................. 118 
4.3 - UMA TEORIA DOS DISCURSOS ................................................................................................ 122 
5 - A ERA DAS REVISÕES ........................................................................................... .................... 130 
5.1 - UMA TEORIA DE MUITOS OBJETOS ......................................................................................... 142 
5.1.1 - Diversidade e complexidade ........................................................................................ 143 
5.1.2 - A culturalização dos Estudos Literários ..................................................................... 145 
5.1.3 - Uma teoria sem objeto? ........................................................................ ....................... 146 
5.2 - O QUE OS ESTUDOS LITERÁRIOS AINDA TERIAM PARA OFERECER ......................................... 151 
5.2.1 - Do conceito de Literatura.................................................................................... ....... 151 
5.2.2 - Os estudos literários e as armadilhas das dicotomias .................................................. 153 
5.2.3 - Uma disciplina ambivalente ....................................................................................... 158 
6 - OS MANUAIS DE TEORIA DA LITERATURA NO BRASIL .................................................. 163 
6.1 - TEORIAS OITOCENTISTAS SOBREVIVENTES ............................................................................ 163 
6.2 - A DÉCADA DOS MANUAIS ...................................................................................................... 167 
6.3 - O RENASCIMENTO ................................................................................................................. 175 
7 - OS TRÊS DESAFIOS DA REFLEXÃO TEÓRICA ..................................................................... 179 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 190 
 
 
 
6
 
 
 
 
RESUMO 
 
 A partir de uma leitura crítica que buscou compreender os conceitos de 
Literatura, de Estudos Literários e de teoria formulados nos principais manuais de 
Teoria da Literatura, elaborou-se um sumário dos pontos positivos e dos problemas da 
disciplina, com o intuito de se projetar quais as condições para o desenvolvimento de 
uma reflexão teórica sobre a Literatura em um momento histórico assinalado por 
profundo relativismo nas concepções de conhecimento orientadoras das ciências 
humanas. 
 
Palavras-chave: Teoria da Literatura; Relativismo; Estudos Literários (Crítica) 
 
 
 
7
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
Starting from a critical reading that aimed to understand the concepts within 
Literature, Literary Studies and Literary Theory in the main handbooks, a summary of 
both positive and negative aspects of the discipline was elaborated in an attempt to 
project the conditions to the development of a theoretical thinking concerning Literature 
in a historical moment that is marked by a deep relativism in Humanities. 
 
 
8
 
 
 
 
1 - VESTÍGIOS DE UMA CRISE 
 
1.1 – UMA DISCIPLINA, MUITAS PERSPECTIVAS 
When the study of literature is under fire - as it is 
nowadays - it stands more than ever in need of a 
type of discourse which both objectifies and 
justifies this particular scholastic endeavor1. 
 Wolfgang Iser (in New Literary History, 1983:425) 
 
Há cerca de vinte anos atrás, a revista New Literary History realizou uma 
enquete com um grupo de acadêmicos europeus e norte-americanos. Três foram as 
questões formuladas: (i) Quais os objetivos e funções da Teoria2 Literária no presente? 
(ii) Quais conseqüências práticas teve a Teoria Literária em sua atividade de ensino da 
Literatura e em seu trabalho de produção crítica? (iii) Quais seriam as deficiências, se 
existentes, da Teoria Literária no ensino da pós-graduação? As perguntas foram 
respondidas por mais de trinta scholars3, entre eles alguns grandes nomes dos Estudos 
Literários4 contemporâneos, tais como Terry Eagleton, Hans Ulrich Gumbrecht, 
Wolfgang Iser, Hans Robert Jauss, Adrian Marino e George Steiner. 
Uma das primeiras impressões que se pode ter com a leitura das respostas ao 
questionário é a amplitude de compreensão que o termo Literary Theory suscitava em 
cada um dos professores entrevistados. Essa imprecisão semântica — fruto, por um 
lado, de uma série de usos históricos do termo “teoria”, e, por outro lado, da própria 
 
1 “Quando o estudo da Literatura está sob ataque — como ocorre hoje em dia — torna-se mais do que 
nunca necessário um tipo de discurso que tanto torne objetivo quanto justifique este esforço acadêmico 
específico” [tradução minha]. 
2 Embora alguns autores estabeleçam diferenças conceituais entre "Teoria da Literatura" e "Teoria 
Literária", não farei distinção entre os dois termos neste trabalho, por entender que, mesmo nos 
específicos contextos argumentativos em que se postula a diferenciação, a alternância dos termos não 
remete a disciplinas distintas, mas a diferentes modos de se entender a reflexão teórica sobre a Literatura. 
3 Cinco estudantes de pós-graduação também responderam ao questionário. Como acredito que os pontos 
de vista dos alunos e dos professores pressupõem diferenças importantes, e como a diferença quantitativa 
entre os depoimentos era muito grande, optei por desconsiderar neste trabalho as opiniões dos alunos. 
4 Adotarei neste trabalho a terminologia de Roberto Acízelo de Souza, que chamará de Estudos Literários 
“ao conjunto das disciplinas que historicamente concorreram para delimitar a área de fenômenos 
constituídos pela linguagem verbal elaborada” (Souza , 1987:134). 
 
 
9
negligência com que os conceitos são geralmente tratados no caótico ambiente 
terminológico do campo dos Estudos Literários — revela-se na multiplicidade de 
objetivos e de funções aventadas como pertinentes ao trabalho teórico, bem como no 
caráter muitas vezes contraditório dos problemas e das qualidades da disciplina 
identificados pelos acadêmicos. 
As três questões formuladas pela revista funcionam, em conjunto, como um teste 
da condição de existência de uma suposta disciplina chamada Literary Theory. As duas 
primeiras perguntas tinham um caráter pragmático e claramente perguntavam “para 
que serve a Teoria Literária?”, embora a primeira delas — a interrogação pelos 
objetivos e funções — tenha obrigado os entrevistados a refletirem sobre a ontologia da 
disciplina, a fim de responder ao questionamento implícito “o que é a Teoria 
Literária?”. Já a terceira questão era explicitamente de cunho didático e institucional, 
interrogando pelo desempenho efetivo da teoria como disciplina acadêmica 
institucionalizada e que, como tal, precisa ser “ensinada” e “aprendida”: “como 
funciona, nas universidades, a Teoria Literária?”. 
Embora a enquete tenha sido realizada há vinte anos, as dificuldades, os 
embaraços, as aporias e, principalmente, a falta de clareza do estatuto disciplinar da 
Teoria Literária revelados pelas questões formuladas permanecem, em sua quase 
totalidade, atuais. Tomando a enquete de modo heurístico, procurei então sistematizar as 
respostas dadas pelos entrevistados a cada um desses núcleos temáticos, a fim de 
introduzir, a título de exemplificação, o conjunto de problemas e questões com os quais 
foi necessário lidar. 
 
1.1.1 - “O que é Teoria Literária?” 
The character of critical theory is not (or 
should not be) dazzling or “exciting” (except in 
the sense that any important new theoretical 
idea or argument is exciting if it is important); 
above all, its strength must lie in accuracy and 
precision of formulation5. 
John M. Ellis (ibid., 1983:416) 
 
 
5 “Não é (ou não devia ser) da natureza da teoria crítica ser deslumbrante ou estimulante (a menos no 
sentido em que qualquer nova idéia ou argumentação teórica, quando importante, é estimulante). A força 
de uma teoria reside, sobretudo, na exatidão e na precisão com que é formulada” [tradução minha]. 
 
 
10
As respostas à pergunta acerca dos objetivos e funções da teoria literária revelam 
o quanto se está longe de unanimidade conceitual em torno do que vem a ser Literay 
Theory. Uma primeira classificação possível para as respostas seria dividi- las entre 
aquelas que tomam o termo como designação dos Estudos Literários em geral —
englobando além de abordagens propriamente teóricas, também trabalhos de natureza 
interpretativa, histórica, analítica e crítica — e aquelas que a entendem como um 
procedimento específico dentro do campo da investigação sobre Literatura. No primeiro 
caso, a compreensão ampla de teoria literária promove um desafio a seus defensores: ter 
de conjugar sistematicamenteum conjunto de práticas tão diversificadas como a busca 
de significados da obra, a análise formal de seus elementos de composição, a 
contextualização histórica, o julgamento de valor etc., numa amplitude que abarcasse 
todos os modos já empreendidos de consideração de uma obra literária. Nas atuais 
condições dos Estudos Literários, um sistema conceitual desta monta — embora fosse 
certamente muito bem vindo... — é utópico, pois exigiria a resolução de impasses 
diversos hoje tidos como insuperáveis: a importância do autor para o sentido da obra, a 
relação das obras literárias com o mundo, os limites da interpretação, a legitimidade do 
cânone, para ficar apenas com alguns das questões mais pujantes. 
Há, contudo, variantes desse entendimento lato: Michel Glowinski (ibid.:419-
420), Jerome McGann (ibid.:438) e Adrian Marino (ibid.:435-436) estão entre aqueles 
que compreendem a teoria como tendo uma função sistematizadora e disciplinadora, 
cabendo a ela fornecer as bases e as premissas do trabalho acadêmico, integrar as 
descobertas dispersas em análises particulares e demonstrar que o estudo da Literatura 
não precisa ser uma desorganizada coleção de pequenas informações sobre vários 
temas. Sendo da competência da teoria a análise, a classificação e a definição de 
conceitos literários básicos (cf. Marino, ibid.:435-436), ela poderia, ao unificar 
interesses particulares em um contexto mais amplo, criar um espaço de comunicação e 
entendimento entre os estudiosos. 
Wolfgang Iser (ibid.:425) pensa nessa função sistematizadora como a garantia de 
que a experiência da Literatura possa ser intersubjetivamente verificável. Embora os 
teóricos possam falar em diferentes linguagens, os fundamentos de cada um poderiam 
ser conhecidos graças a um sistema conceitual teórico comum. Mesmo que não se 
concordasse em como se lidar com os problemas, ao menos os acadêmicos poderiam 
 
 
11
compreender-se mutuamente. Tal função seria de extrema necessidade, tendo em vista 
que o número de sentidos e definições de uso quase individual continua crescendo, 
tornando urgente uma crítica da terminologia da área. Sem uma sis tematização coerente 
e bem engendrada a ser realizada pela Teoria, a Crítica e a História Literária estariam 
completamente desorientadas. 
Mas que tipo de teoria poderia dar conta da complexidade não do objeto 
literário, mas dos Estudos Literários, a ponto de se posicionar, hierarquicamente, acima 
das demais abordagens? Iser (ibid.:425) imagina que essa suposta força estruturadora, 
para pretender ser uma teoria, teria que ser algo mais do que um conjunto de premissas. 
Seria necessário um constante esforço de revelação e de teste de seus fundamentos, 
exatamente o que distinguiria o trabalho teórico dos tipos predominantes de Crítica 
Literária. Tal teoria deveria ser estruturada de modo que, tão logo passasse a falhar em 
seus objetivos, fosse retificada, o que normalmente não acontece com outros 
procedimentos dos Estudos Literários, muito tendentes ao dogmatismo. 
O ponto de vista de Iser aproxima-o daqueles que vêem na teoria a instância de 
auto-reflexão do campo de Estudos Literários. Para Hans Ulrich Gumbrecht (ibid.:422-
423) e Murray Krieger (ibid.:432-433), a pergunta primordial a ser feita é se há, de fato, 
um objeto consistente chamado “literatura” sobre o qual teorias (compreendidas como 
um conjunto de conceitos) podem ser construídas. Em outras palavras, a principal 
questão teórica deveria ser não o estabelecimento de “teorias”, mas a definição do 
objeto de nossa disciplina. Krieger (ibid.) afirma que somente após a decisão sobre o 
status disciplinar seria possível determinar as funções da teoria em relação à 
interpretação, à Crítica e à História Literárias. 
Em uma posição aproximada situam-se os que entendem, como Jan 
Kowenhoven (ibid.:431-432), que a Teoria Literária deva ser uma instância autônoma, 
concernente apenas a si própria e aos problemas que ela mesmo se propõe, a despeito de 
modas, utilidades ou apelos do senso comum. Evan Watkins (ibid.:448-450) acredita 
que a principal questão é justamente tentar entender como a Literatura e seu estudo 
ocupam uma posição específica no conjunto de relações culturais. De modo similar, 
Eugene Vance (ibid.:448) defende a função da teoria como sendo a de definir a 
especificidade do texto literário como um elemento constitutivo da cultura ocidental. 
 
 
12
Entre as concepções de Teoria Literária como uma prática reflexiva estão 
também as de John Ellis (ibid.:416-417) e de Lionel Gossman (ibid.:420-422), que 
identificam sua função e seus objetivos com os da teoria em qualquer campo: a 
investigação técnica de um objeto, de sua natureza e de sua relação com outras formas 
culturais, além do esclarecimento relativo a questões mais gerais de uma área de estudos 
(os objetivos, a natureza de seus resultados, a conveniência das metodologias, a 
natureza e prática da crítica, dos tratados e da interpretação). Como as questões centrais 
de uma teoria são já bastante conhecidas, o progresso teórico é sempre lento e deve ser 
feito de modo paciente, através da análise cuidadosa de conceitos, de acurados 
processos de distinção, sistematização e reavaliação das linhas de argumentos mais 
conhecidas na busca de incoerências lógicas. A força de uma teoria está em sua exatidão 
e em suas formulações precisas — e não no seu caráter atraente ou excitante — que 
funcionarão como hipóteses lógicas e filosóficas nas quais se basearão a análise e o 
juízo, de modo o mais “científico” e descritivo possível, a fim de evitar ao máximo 
qualquer tipo de julgamento ideológico. 
Conceber a Teoria Literária como a realização, no campo dos Estudos Literários, 
de ideais teóricos comuns à produção do conhecimento científico dá margem à geração 
de uma instância metateórica que teria por objetivo questionar diretamente as condições 
de existência daquele ramo da saber: “Theoretical work ought to show how and why no 
one class of scholars, and no one subject (including theory) is self-justifying, self-
explanatory, and self-sustaining”6, alerta David Bleich (ibid.:411), indicando que não se 
pode naturalizar a existência da disciplina. A teoria deveria ter de pensar sua própria 
condição acadêmica, seus problemas de identidade, suas funções e seus objetivos no 
conjunto da sociedade, principalmente neste momento, em que a função social do 
teórico/estudioso de Literatura não é clara e a própria coerência interna do corpo teórico 
e de análise é problemática. É neste contexto de questionamentos que a teoria deve 
encontrar seu modo de redirecionar sua atividade crítica e social, ao mesmo tempo que 
administra as pressões por maior efetividade prática (cf. Neil Larsen, ibid.:433-435). 
Não são poucos os que defendem que a Teoria Literária deva ter um 
compromisso político. E muitos também são os sentidos possíveis para “atividade 
política”. Raymond Federman (ibid.:417-418), Vida Markovic (ibid.:437-438) e David 
 
6 “O trabalho teórico deveria mostrar como e porquê nenhum grupo de acadêmicos e nenhuma disciplina 
 
 
13
Punter (ibid.:439-441), por exemplo, entendem que a teoria deve reafirmar o valor da 
Literatura, legitimar sua presença e sua existência em nossa cultura como uma das mais 
importantes atividades humanas. Procedendo assim, ela ofereceria um ponto de partida 
para o combate contra a crise de valores, manteria viva a herança dos Estudos 
Literários, ofereceria diretrizes para o estudo da Literatura e ajudaria a entender qual o 
papel da Literatura no mundo contemporâneo. 
O comprometimento político da teoria implica, em muitos casos, modificar as 
condições de existência cultural de seu objeto, propagar valores e julgamentos, 
estabelecer legitimidades e ilegitimidades, realizar exclusões, reafirmar o papel político 
do intelectual. Para Watkins (ibid.:448-450)e Gossman (ibid.:420-422), não haveria 
maiores problemas com esse aspecto normatizador, uma vez que é uma ilusão 
positivista acreditar que se possam produzir discursos teóricos imaculados que 
transcendam à ideologia. Os discursos humanos seriam sempre embebidos em desejo e 
história. Teorias que se julgam puras agiriam de modo repressivo, enquanto os melhores 
discursos teóricos reconheceriam que sua materialidade, longe de ser uma falha, é o que 
lhes dá sentido, interesse e importância. 
O engajamento tem, contudo, seus riscos. Teorias fortemente politizadas acabam 
tendo pouco interesse na própria Literatura, comenta Alastair Fowler (ibid.:418-419). É 
o que parece acontecer com as iniciativas que visam a aproximar a Teoria Literária do 
campo dos Estudos Culturais. Muitos trabalhos nessa linha colocam-se como se 
houvesse chegado a hora de os teóricos finalmente assumirem a responsabilidade pelas 
conseqüências sociais de suas hipóteses e procedimentos (cf. Annette Kolodny, 
ibid.:429-431), na aspiração de que assim são capazes de contribuir para a 
transformação das instituições (cf. Bleich, ibid.:411-413). No juízo de Larsen (ibid.: 
433-435), a Teoria Literária deveria se transformar definitivamente em teoria da 
ideologia, o que só não ocorre porque ela teme abrir mão da exclusividade do campo do 
literário, sem perceber que, enquanto isso, a Literatura vai-se esvaindo e, com ela, a 
própria relevância da teoria. 
Ainda sob a perspectiva de uma Teoria Literária que extrapole os domínios do 
estudo da Literatura, há um tipo de visão — Eagleton, (ibid.:415-416), Gumbrecht 
(ibid.:422-423) e Watkins (ibid.:448-450) — que atribui a ela a função de promover o 
 
(inclusive a teoria) é autojustificável, auto-explicativa e auto-sustentável” [tradução minha]. 
 
 
14
intercâmbio dos Estudos Literários com os interesses oriundos de pesquisas ou de 
disciplinas afins, como a Filosofia, a História, a Sociologia etc., integrando-a ao campo 
mais vasto dos estudos das relações culturais em geral. Além dessa via interdisciplinar, 
fala-se também em se abrir novos campos de investigação ou em sua substituição por 
campos mais abrangentes, como no caso do projeto de Iser (ibid.:425-426), por uma 
antropologia cultural da Literatura, e no de Jauss (ibid.:428-429), por uma teoria 
interdisciplinar do conhecimento. 
Tendo apresentado, em linhas gerais, as respostas à primeira pergunta da 
enquete, passo à segunda questão, mas não sem antes fazer menção a George Steiner 
(ibid.:444-445), que defendeu uma posição isolada, mas não insólita. Para ele, em 
outros contextos que não o dos Estudos Literários, o termo teoria vincula categorias de 
verificação e de falsificação potencial, experimentos mais ou menos controlados e 
formalizações. No entanto, aplicada à Literatura e às artes, a teoria seria apenas um 
empréstimo metafórico ou, pior, um caso de pretensão obscurantista. Nossos melhores 
argumentos e metodologias seriam “mitologias racionais” ou “cenários discursivos” — 
por exemplo, uma leitura marxista ou psicanalítica de textos literários, construtos 
ontológicos como os de Heidegger, mitos de sujeitos ausentes, como em Mallarmé e 
seus epígonos desconstrutivistas. Tais mitologias programáticas, ainda que possuam 
grande força de persuasão, não seriam teorias, em qualquer sentido confiável. 
 
1.1.2 - “Para que serve a Teoria Literária?” 
My graduate students have read Derrida before 
ever encountering Husserl; they know what is 
“wrong” with Northrop Frye before they can 
locate his name in the card catalogue7. 
Evan Watkins (ibid.:449) 
 
Num esforço de sistematizar as concepções descritas no item anterior, sobre o 
que seja (ou o que deveria ser) a Teoria Literária, creio que seria possível agrupá- las, de 
modo generalizador, em torno de quatro linhas8 fundamentais, a saber: 
(i) uma designação genérica para Estudos Literários; 
 
7 “Meus alunos de pós-graduação lêem Derrida antes de sequer tomarem conhecimento de Husserl; eles 
sabem o que há de errado com Northrop Frye antes de serem capazes de encontrar seu nome nas fichas 
catalográficas” [tradução minha]. 
8 Abstraio aqui a posição de George Steiner, mas sua negativa da possibilidade de existir uma Teoria 
Literária permanecerá como uma hipótese a ser considerada ao longo deste trabalho. 
 
 
15
(ii) uma instância sistematizadora encarregada de estabelecer um sistema de 
fundamentos, conceitos e métodos que possam ser partilhados pelos estudiosos de 
Literatura; 
(iii) uma instância filosófica, auto-reflexiva, voltada para a ontologia de seu 
objeto; 
(iv) uma instância empenhada em articular e relacionar o conhecimento sobre a 
Literatura com um conjunto mais amplo de questionamentos políticos, sociais e 
culturais. 
Neste item, procuro articular esses quatro pontos de vista básicos com as funções 
da Teoria Literária apontadas nas respostas à segunda pergunta da enquete. 
A posição (i) ajusta-se com a concepção lata de Teoria Literária que defende não 
ser possível se falar de um texto literário sem a presença, consciente ou não, implícita 
ou explícita, de um modelo de entendimento daquilo que venha a ser a Literatura — 
posição comum a Ellis (ibid.:416-417), Glowinski (ibid.:419-420), Gossman (ibid.:421), 
Gumbrecht (ibid.:422-423), Krieger (ibid.:432-433) e Carol Jacobs (ibid.:427-428) —, 
pois, nas palavras de Stanley Fish (ibid.:418), qualquer leitura de um texto literário é 
uma tematização da posição teórica do leitor. Raymond Federman (ibid.:417-418) vai 
ainda mais além, entendendo que o próprio autor precisa de uma teoria implícita para 
escrever. A teoria é, portanto, um elemento constitutivo da própria Literatura, o que leva 
Jacobs (ibid.: 428) a identificar o ensino desta com o daquela. 
Harmoniza-se com a posição (ii) uma compreensão da função da teoria como 
reguladora dos Estudos Literários. Bons exemplos encontram-se em Jim Springer Borck 
(ibid.414), que fala do “rigor” que a teoria imprimiu à sua atividade, Markiewicz 
(ibid.:436-437), que se refere à sistematização, precisão e consciência que ela trouxe a 
seu trabalho, Glowinski (ibid.:419-420), defensor de que, sem teoria, os Estudos 
Literários seriam vítimas da ingenuidade, e McGann (ibid.:438), que acha impensável a 
prática do trabalho acadêmico sem a aquisição de uma autoconsciência sobre as 
premissas críticas e conceituais dadas pela reflexão teórica. Esta visão trata a teoria 
como uma espécie de instância autocontroladora dos Estudos Literários, que forçaria o 
estudioso a responder pelas conseqüências de sua prática e a procurar entender o que se 
faz e por que se faz o que se faz, o que, em linhas gerais, é também a opinião de 
Watkins (ibid.:448-450), Punter (ibid.:439-441) e Fish (ibid.:418). Ela criaria uma 
 
 
16
ordem de valores nos Estudos Literários e os capacitaria a promover uma constante 
autocrítica (cf. Ihab Hassan, ibid.:423). A teoria seria assim, comenta Iser (ibid.:425-
426), um lembrete constante para que não se perca de vista o que se pretende saber 
quando se começa a estudar Literatura. 
Responsável por fornecer os parâmetros dos discursos sobre a Literatura, a teoria 
teria desse modo a função de dizer o que deve ser levado em conta e o que deve ser 
descartado na abordagem das obras, pensa Robert Schwartz (ibid.:444), além de precisar 
oferecer uma reflexão metodológica sobre modos de argumentação na Crítica Literária e 
interpretações válidas, chegando mesmo ao extremo de dever propor um cânone de 
descrição das obras literárias (cf. Markiewicz, ibid.:436-437). 
Schwartz (ibid.:444) e McGann (ibid.:438) conferem à teoria a função de exercer 
a consciência históricanecessária para se perspectivar ao máximo afirmações a respeito 
do significado de um texto. É também nesse sentido que Vance (ibid.:448) entende a 
Teoria Literária como responsável por encorajar o estudante a repensar a História de 
Literatura e procurar depreender os modelos históricos nela inerentes. 
 Concordantes com a posição (iii) estão os que defendem as funções da teoria 
literária para além de sua aplicabilidade imediata na leitura de textos, dada sua condição 
disciplinar de instância de reflexão pura. Gossman (ibid.:420-422), Gumbrecht 
(ibid.:422-423) e Ronald Paulson (ibid.:438-439) admitem que a Teoria Literária é a 
filosofia dos Estudos Literários, opinião que parece ser compartilhada por Watkins 
(ibid.:448-450), que viu nela a possibilidade de conciliar sua formação de filósofo com 
a de estudioso da Literatura. Como plano de reflexão filosófica, a teoria estaria 
relacionada com a busca de generalizações, não lhe cabendo, diz Kowenhoven 
(ibid.:431-432), tratar de obras particulares, mas promover uma reflexão sobre as 
regularidades observáveis nos processos literários, com o que concordam Markiewicz 
(ibid.:436-437) e Schwartz (ibid.:444). 
Por fim, a posição (iv), dos defensores da necessidade “expansionista” da Teoria 
Literária, acolheria as concepções a respeito das funções da teoria de Bleich, 
Bloomfield, Braudy, Hermeren e Iser, que seriam, de modo geral, as de ampliar nossos 
modos de estudo, de revitalizar a atividade acadêmica e de permitir que se atente para 
aspectos da Literatura aos quais jamais se deu atenção. Dentro dessa perspectiva, 
haveria concepções de teoria que privilegiariam as possibilidades analíticas: a reflexão 
 
 
17
teórica teria então por objetivo capacitar a leitura da mais ampla gama de textos, 
atentando sempre para a multiplicidade e a complexidade dos processos de escrita e de 
leitura em relação a seus contextos, opinião de Kolodny (ibid.:430), David Lodge 
(ibid.:435) e Wallace Jackson (ibid.:426-427). A teoria seria um caminho para o livre 
pensamento, uma alternativa à rigidez, ao dogmatismo e à ortodoxia de linhas de 
investigação estritamente literárias (cf. Marino, ibid.:435). 
 
1.1.3 - “Como funciona nas universidades a Teoria Literária?” 
We create strange creatures with a huge head 
but no body who speak a rather curious jargon 
which they themselves do not always 
understand9. 
Raymond Federman (ibid.:418) 
 
A terceira questão da enquete indagava dos professores sobre os efeitos da 
Teoria Literária no ensino universitário. Grande parte das respostas apontava para as 
dificuldades enfrentadas pelo ensino da teoria. Os problemas relacionados eram vastos e 
iam desde a denúncia da falta de envergadura intelectual dos alunos para tratar de temas 
filosóficos ou para aplicar seus conhecimentos teóricos em seu trabalho crítico — Iser 
(ibid.:426), Markiewicz (ibid.:437), McGann (ibid.:438) e Sullivan (ibid.:446) — até a 
obscuridade de certas correntes — Eagleton (ibid.:416) e Markiewicz (ibid.:437). 
Outros, como Kolodny (ibid.:430), replicavam que o problema não era a teoria em si, 
mas seu lugar no ensino de pós-graduação. Haveria poucos cursos que reservassem 
espaço para uma introdução sistemática e abrangente da multiplicidade de correntes, 
escolas, teorias e debates. Marino (ibid.:436) acrescentava ainda que faltariam cursos de 
história das idéias sobre Literatura, de Retórica, de Poética etc. 
Através das respostas, pode-se também observar como cada uma das quatro 
concepções da disciplina anteriormente descritas — e as funções a elas atribuídas — é 
criticada sob a perspectiva de um posicionamento diverso, o que parece revelar que tais 
noções de teoria não são complementares, mas mutuamente excludentes. 
Da posição (i), muito genérica, depreende-se o seguinte problema: seus 
defensores acreditam que o professor de Literatura pratica teoria, mesmo que não seja 
ou não se considere um teórico — pois haveria, segundo Kolodny (ibid.:430), uma 
 
9 “Criamos estranhas criaturas com uma enorme cabeça mas sem corpo, que falam um jargão 
 
 
18
teoria que subjaz a todo discurso sobre a Literatura —, o que implica, em tais casos, a 
ausência de um ensino sistemático e coerente (cf. Lodge, ibid.:435). A posição teórica 
que não se percebe como tal é naturalizada e acaba não sendo ensinada como “uma” 
teoria. É a partir desta crítica que se aponta para a necessidade de se organizar a 
disciplina, o que poderia ser feito começando-se por um estudo histórico da mesma (cf. 
Krieger, ibid.:433), pela exploração das estruturas conceituais que resultaram na 
multiplicidade concreta de práticas historicamente desenvolvidas e pelo conseqüente 
questionamento dos interesses ideológicos que fundam suas práticas (cf. Watkins, 
ibid.:449). 
Marino (ibid.:436) lembra, contudo, que, como rareiam os trabalhos de grande 
fôlego, como os de René Wellek, há uma falta de obras de referências, o que tornaria o 
ensino da teoria fragmentado e incompleto, razão por que certamente não seria mais 
possível se falar em um curso completo de Teoria Literária. Neste contexto, Leo Braudy 
(ibid.:415) defende a necessidade de se avaliar, efetivamente, que teorias têm alguma 
utilidade. Assim, como acontece em outras áreas, poder-se- iam estabelecer as teorias 
sobre quais todos deveriam ter algum tipo de conhecimento, ficando as demais restritas 
aos especialistas naquele tópico específico. 
Apesar da grande quantidade de conhecimentos e da crescente multiplicidade de 
práticas críticas, a Teoria Literária raramente se pergunta pelos fatores sociais e 
culturais que a conduziram a esse estado. Com uma bibliografia muito compartimentada 
e em constante expansão, o estudante costuma se sentir perdido, sem saber como os 
temas e as abordagens chegaram a se tornar pontos relevantes. As idéias são descartadas 
tão logo começam a ser disseminadas e não é possível coordenar ou redirecionar o que 
sequer foi compreendido num primeiro momento. 
A teoria deveria então encarar a hipótese de que a multiplicidade de práticas 
críticas não resulta da ausência de modelos metodológicos organizados — aliás 
existentes em um número suficiente para incrementar a confusão —, mas do 
desenvolvimento histórico dos Estudos Literários na universidade e da posição anômala 
dos seus cultores na sociedade contemporânea, incapazes de criticar tais modelos. 
Nenhuma teoria pode seguir adiante sem ser também histórica, completa Watkins 
(ibid.:450). 
 
curiosíssimo que nem sempre elas próprias entendem” [tradução minha]. 
 
 
19
A posição (ii) dá margem à censura de que se exige constantemente do aluno, no 
ensino de correntes de teoria literária, a aplicação de modelos, rebaixando os textos a 
meras ilustrações das premissas teóricas, opinião partilhada por Bleich (ibid.:411-413) e 
iser (ibid.:425-426). Embora seja essencial para o ensino da pós-graduação, a teoria, 
pensa gumbrecht (ibid.:422-423), deve ser dada a partir de uma discussão efetiva que 
possibilite aos futuros profissionais e colegas a capacidade de pensar por conta própria. 
A essa dificuldade soma-se a resistência em se permitir aos alunos a experiência com 
outras correntes, que não as do professor, problema anotado por Bloomfield (ibid.:414), 
Borck (ibid.:414), Krieger (ibid.:433) e Iser (ibid.:426). Uma das causas deste 
embaraço, entende Kolodny (ibid.:429-431), reside no fato de os departamentos 
tenderem a se fechar em torno de apenas um escola ou método. 
Ainda sob a perspectiva da crítica a uma concepção de teoria como instância 
sistematizadora dos Estudos Literários, Bloomfield (ibid.:413-414), Markiewicz 
(ibid.:436-437) e Glowinski (ibid.:419-420)identificam os problemas do trabalho 
teórico com a tendência para minimizar o particular, superestimar o geral, enveredar por 
raciocínios filosóficos e sucumbir a abstrações, especulações e esquematismos. Sob o 
mesmo ponto de vista, Gossman (ibid.:420-422) chega a lamentar que a teoria faça com 
que os estudantes rejeitem idéias e percepções interessantes e sugestivas que não podem 
ser formuladas com suficiente rigor, ou não podem ser justificadas e validadas em 
termos de uma teoria abrangente. Para ele, não se pode trabalhar apenas no escopo de 
uma teoria, mas se deve trabalhar também no “escuro”, onde muitas das questões mais 
interessantes ocorrem. 
A posição (iii) é atacada pelos que entendem que o grande problema da Teoria 
Literária é, exatamente, a sua pretensão de ser um fim em si mesma e não uma 
ferramenta de pesquisa que permita descobrir coisas — opinião de Bleich (ibid.413), 
Gossman (ibid.:422), Vance (ibid.:448), Iser (ibid.:426), Lodge (ibid.:435) e Markovic 
(ibid.:438). A disciplina não seria um campo auto-suficiente de especulação e de 
raciocínio dedutivo, estando por isso obrigada a se justificar em termos de seu uso. O 
desprezo pela aplicabilidade, diz Bleich (ibid.:411-413), apenas reforçaria o estereótipo 
do trabalho intelectual como sem objetivo e inútil, o que ocorre quando muitas correntes 
teóricas, ao encorajarem os aprendizes a questionar, negar ou resistir às afirmativas 
empreendidas por outros, acabam sugerindo que pensar é superior e diferente de fazer. 
 
 
20
Bleich entende que qualquer idéia que surja e termine como estritamente teórica apenas 
reduz o valor e a importância da teoria. 
Göran Hermeren (ibid.:424) entende que a teoria é discutida isoladamente com 
muita freqüência, porque a relação entre as atividades literária, teórica e acadêmica não 
é explícita. Isso torna a relevância do trabalho teórico difícil de ser compreendida pelos 
alunos. A grande dificuldade deles é exatamente entender as transições entre a teoria e a 
interpretação, as poéticas e as descrições de obras concretas, as descrições e a 
hermenêutica (cf. Glowinski, ibid.:419-420). Dissociado das outras práticas dos Estudos 
Literários, o trabalho teórico arrisca-se a degenerar em meras palavras e criar uma teia 
de abstrações que dizem respeito apenas ao próprio teórico, o que afasta o estudo da 
Literatura de outras dimensões da cultura. E o que é pior, diz Norman Holland (ibid.: 
424-425), torna a teoria insensível ao desprezo que lhe vota o senso comum. 
Um grande número de acadêmicos — Bloomfield (ibid.:413-414), Borck (ibid.: 
414), Paulson (ibid.:438-439) e Federman (ibid:417-418) — ressalta que os cursos de 
Teoria Literária, ainda que importantes, não podem substituir o estudo de obras e o da 
História Literária, tampouco se transformar no centro da formação de um estudante de 
Literatura. O conhecimento estrito de obras teóricas, obviamente, não forma bons 
professores e muito do mau uso que se faz da teoria se explicaria justamente pela falta 
de conhecimento que os alunos têm dos textos literários. A solução estaria no melhor 
equilíbrio entre a leitura de teoria e a de Literatura. Outros, porém, como Fowler 
(ibid.:418-419) tratam o problema de modo mais radical, entendendo que aquilo que se 
deve incentivar na pós-graduação é a familiaridade com a Literatura, com o contexto 
histórico, com a periodização, não se devendo assim dissipar tempo com a teoria, nociva 
porque incentivaria o abandono do estudo diacrônico. 
A dicotomia entre texto teórico e texto literário é ironizada por Jacobs 
(ibid.:427-428), para quem a suposição de que se possa optar entre Literatura e teoria, 
como se fosse uma opção política e polêmica, é absurda. Escolher Literatura em 
detrimento da teoria revelaria uma grande ignorância em relação ao seu objeto e ao 
próprio empreendimento crítico, tanto quanto estudar Teoria Literária sem considerar a 
Literatura seria, digo eu, no mínimo um nonsense. Os Estudos Literários, assim pensa 
Ronald Paulson (ibid.:439), deveriam conduzir o estudante à reflexão teórica, mas 
depois levá- lo de volta aos textos literários, então iluminados pela teoria. 
 
 
21
Uma crítica comum à posição (iv) pode ser resumida na postura de Vance 
(ibid.:448), que entende ser o problema da Teoria Literária sua natureza híbrida: não é 
pura história, nem pura filosofia, nem pura antropologia, nem puro estudo de Literatura, 
razão pela qual ela é freqüentemente superficial e assistemática. Krieger (ibid.:432-433) 
também concorda que o grande problema da teoria seja exatamente seu fracasso em 
determinar seus próprios limites. 
Entre as principais causas apontadas como responsáveis pela fluidez das 
fronteiras da Teoria Literária está a aceitação franqueada dos modismos, que faz com 
que qualquer novidade receba prioridade em relação aos métodos clássicos. Ignora-se, 
deste modo, que muitas novidades são repetições ou redescobertas, opinião de Marino 
(ibid.:436) e Morton Bloomfield (ibid.:414). Esse tipo de teoria, que desconhece as 
reflexões sobre as linguagens anteriores a de, por exemplo, Derrida, bem como sobre a 
própria história da disciplina, incentiva tendências narcisistas de crítica e oferece meios 
de se evitar os desafios apresentados pela tradição e pela necessidade da prática da 
confirmação e da refutação, ponto de vista com que concordam Fowler (ibid.:419) e 
Ellis (ibid.:417). 
Em muitos casos, a aceitação de uma perspectiva teórica se dá pelo fascínio 
produzido pelo esplendor da imprecisão grandiosa, ao invés da clareza exigida de 
qualquer pesquisa teórica autêntica, referindo-se Ellis (ibid.) à pretensão de algumas 
correntes de que o comentário do texto seja tão importante quanto o próprio, a ponto de 
poder substituí- lo, ponto de vista também de Alvin Sullivan (ibid.:446). A dependência 
existencial-temporal do último em relação ao primeiro — isto é, do comentário em 
relação ao texto — não é apenas uma questão de lógica elementar, enfatiza Steiner 
(ibid.:445), mas também de percepção moral. 
 
1.2 - SISTEMATIZANDO O PROBLEMA 
 
Uma análise preliminar das respostas à enquete da New Literary History pode 
conduzir a uma primeira hipótese de trabalho: “Teoria da Literatura” não é uma noção 
auto-evidente e muitas das discussões em torno do tema são prejudicadas pela ausência 
de um acordo conceitual prévio. As compreensões muito diversificadas a respeito da 
natureza, dos objetivos e das funções do trabalho teórico produzem diferenciados 
 
 
22
procedimentos de produção, de divulgação e de ensino da Teoria Literária. Se, por um 
lado, a multiplicidade de caminhos de abordagem da Literatura aponta, supostamente, 
para a pujança e complexidade da obra literária, por outro lado, essa pletora de 
possibilidades aparentemente equivalentes em suas irredutíveis especificidades conduz 
os Estudos Literários a uma situação incômoda para uma disciplina institucionalizada. 
Seria efetivamente uma qualidade poder se responder a uma pergunta como o que é ser 
um estudioso de Literatura? de infinita maneiras, ou isso apenas revelaria o quão 
pouco especializada vem se tornando essa área de estudos? 
Não creio que estudiosos atuantes nesta área possam ignorar a relevância dessa 
questão. Por esta razão, sempre entendi que, qualquer que fosse o caminho tomado por 
meu trabalho, eu deveria manter esta pergunta em meu horizonte — irrespondível, mas 
de constante presença — para não me permitir continuar desenvolvendo uma atividade 
sem ter alguma consciência objetiva de suas finalidades. Não estou pensando em 
teleologias extremas, mas apenas tentando entender como minha prática, o estudo da 
Literatura, responde à minha condição humana, sobretudo, como um ser político. 
É claro que reconheço a validade de respostas “afetivas” a essa questão, como 
todas aquelas que entendem que nossa condição de estudiosos de Literatura já se 
justificariapelo simples fato (aliás, nada simples) de estarmos atuando como agentes de 
conservação do patrimônio constituído por algumas das mais radicais e maravilhosas 
aventuras do ser humano: as obras de arte literária. A melhor forma de demonstrar 
gratidão a todos aqueles que permitiram que essas obras chegassem compreensíveis até 
nós seria atuar também como preservadores e transmissores deste legado. Esta seria, por 
si só, uma missão tão nobre quanto quixotesca: atuar como bastião de um patrimônio 
cultural evanescente. Mas não é claro para mim como minha presença na Academia 
contribui, efetivamente, para essa causa. A proliferação desenfreada de discursos sobre 
a obra literária, a diafonia das correntes de pensamento, a exuberância das abordagens 
inter, trans e meta disciplinares parecem estar muito mais se utilizando da Literatura 
para falarem de outras coisas — em geral, delas próprias — do que propriamente 
tratando da Literatura, de seus problemas e de suas qualidades. 
O que poderia ser entendida como apenas uma dúvida existencial deve ser 
também considerada em sua dimensão política: o que significa ser subsidiado — ainda 
que mal — pelo estado para estudar Literatura, se transformar num especialista em 
 
 
23
Literatura e depois atuar como formador de outros especialistas? Mesmo reconhecendo 
não reunir as condições necessárias para fazer desta questão o problema teórico a ser 
enfrentado neste trabalho, devo admitir que prosseguir falando profissionalmente de 
Literatura, sem um esforço prévio de compreender essa função no que ela significa e 
pode significar para meu tempo e para a sociedade em que vivo, vem se transformando 
num hábito suspeito, se não fraudulento, de apenas encher de mais confusões as já 
abarrotadas prateleiras dos Estudos Literários. 
Tendo admitido a validade e a pertinência da pergunta “que é ser um estudioso 
de Literatura?”, o próximo passo será tentar entender em que um estudioso da 
Literatura se diferenciaria do leitor comum. Nossa condição de especialistas — 
legitimados que somos por nossa posição institucional — deve implicar, suponho, o 
domínio de um discurso sobre a obra literária qualitativamente diverso daquele dos 
demais leitores não-especializados. 
Aceito aqui como válida qualquer advertência no sentido de se negar a 
pertinência de se pensar o discurso do especialista como qualitativamente superior aos 
demais discursos sobre Literatura. No entanto, se aceitamos a equivalência entre eles, 
deveríamos imediatamente procurar, nos cadernos de classificados, um novo ofício. 
Para podermos continuar a fazer o que fazemos, precisamos ao menos acreditar, em 
hipótese, que é possível um discurso e um saber sobre a Literatura — dados por um 
conjunto de práticas desenvolvidas no ambiente da universidade — diferenciados, em 
qualidade, da infinidade de discursos e de saberes possíveis sobre qualquer obra 
literária. 
A partir dessa assertiva hipotética — o discurso e o saber do especialista são 
qualitativamente diferentes dos discursos e dos saberes que podem ser produzidos sobre 
uma obra literária por não-especialistas —, uma outra suposição se impõe: onde estaria 
o cerne desta diferença? Entre as respostas possíveis, creio que poderia situar-se no 
esforço de observar a obra: 
(i) não apenas naquilo que significa para mim, leitor, mas naquilo que 
significa e pode significar para o conjunto dos homens; 
(ii) como um documento histórico, um retrato privilegiado de uma época; 
(iii) em suas similaridades com outras obras, chegando-se assim a algum tipo 
de visão sistemática de fenômenos aparentemente sempre tão singulares; 
 
 
24
(iv) em suas relações, diacrônicas ou sincrônicas, com o conjunto das demais 
atividades humanas; 
(v) como singularidade irredutível e absoluta, como algo cuja existência é 
sempre um “existir para alguém”; 
(vi) como artesanato textual, fruto de técnicas de produção que podem ser 
catalogadas e reutilizadas para a produção de outras obras. 
Estas são respostas justas e possíveis, como ainda seriam possíveis e justas 
muitas outras. As seis possibilidades arroladas correspondem, efetivamente, a 
realizações dos Estudos Literários ao longo da história. Cada uma delas se funda em 
algum tipo de pressuposto sobre a Literatura: a obra como documento, como linguagem, 
como pensamento, como objeto que se oferece aos sentidos etc. Cada uma dessas 
tentativas recorta, de um mesmo campo de observação, a linguagem verbal, objetos 
formais bastante diversos que vêm sendo denominados, há pelo menos duzentos anos, 
com maior ou menor imprecisão, Literatura. 
Chegar-se- ia assim, aparentemente, a uma solução para a questão inicial 
proposta: o papel do especialista seria o de construir um discurso sobre obras literárias 
fundamentado em algum pressuposto do que vem a ser a Literatura. Tal conclusão 
poderia mesmo ser demonstrada, sem maiores dificuldades, de modo empírico. Bastaria 
uma visada histórica para perceber que os objetos que chamamos hoje literários têm se 
prestado a compreensões distintas e, por vezes, quase contraditórias, sem nenhum 
prejuízo perceptível do fenômeno literário, que sobrevive e resiste para além dos 
tumultuosos pensares de seus admiradores e estudiosos. 
Minha segunda pergunta — o que diferencia o discurso do especialista do 
discurso do não-especialista? — persiste, porém, sem resposta. Uma outra visada, agora 
empírica, poderia nos mostrar que, num mesmo momento histórico, como o nosso, 
discursos supostamente fundamentados sobre a Literatura parecem se propagar em 
progressão geométrica. Se nos submetermos ao que foi postulado no parágrafo anterior 
(“o papel do especialista seria o de construir um discurso sobre a Literatura 
fundamentado em algum pressuposto do que vem a ser a Literatura”), não acabaríamos 
obrigados a sustentar que qualquer discurso fundamentando em qualquer premissa é 
igualmente legítimo? E tal concepção não deveria também aceitar discursos geralmente 
tomados como não-especializados, como o do diletante que fundamenta seu discurso e 
 
 
25
seu saber sobre a obra literária em, por exemplo, seu gosto individual? Não 
terminaríamos igualando — democraticamente, é bem verdade — uma teoria do 
romance ou um tratado de versificação a declarações tão peremptórias quanto 
incontestáveis do tipo “gosto porque gosto”? 
Para não acabar por se reconhecer que o resultado do estudo profissional da 
Literatura é idêntico ao das muito mais agradáveis horas de leitura e de conversa 
opiniática, deve-se admitir que a exigência simples de um discurso sobre a obra literária 
fundamentado em qualquer pressuposto não é suficiente para que possamos entender o 
que diferencia o saber do especialista do saber do não-especialista. Uma possível saída 
estaria em admitir que devemos ser capazes de empreender uma crítica desses 
fundamentos (e pseudofundamentos) dos discursos sobre a obra literária. Mas tal 
empreendimento é possível na condições de pensamento do mundo atual? 
O pensamento relativista, com a radicalidade que grassa hoje no meio dos 
Estudos Literários, quase nos faz esquecer que estamos obrigados, em nossa existência, 
a fazer escolhas e juízos. Sem algumas presunções temerárias, sem algumas certezas 
operacionais, sem as pequenas decisões “autoritárias” do cotidiano, não somos sequer 
capazes de atravessar uma rua. Em outras palavras, o relativismo, levado ao extremo, 
paralisaria o homem numa sucessão interminável de aporias enquanto se persegue a 
utópica igualdade na diferença, o provável ideal de justiça de nossos dias. 
Não estou assumindo aqui uma posição pragmática, mas indicando que tomar o 
relativismo como fundamento último tem autorizado comportamentos pragmáticos 
diversos, muitos deles pouquíssimo afinados com as boas intenções democráticas dos 
relativistas. O mundo não pára porque alguns homens têm dúvidas sobre a verdade 
última das coisas e dos seres.Os desafios de uma epistemologia relativista não podem ser tomados como 
definitivamente aporéticos. A filosofia kantiana, para ficar num único e bastante 
conhecido exemplo, com seu relativismo gnoseológico, mostra que a relatividade de 
nosso conhecimento — tudo o que conhecemos, conhecemos em função de nossa razão 
— pode ser, ao mesmo tempo, também a promessa e um projeto de universalidade; 
afinal, todos os homens são racionais. Como não estamos dispostos a abandonar as 
importantes e não poucas conquistas que uma consciência relativista tem proporcionado 
ao homem, nem tampouco abrir mão de nossa capacidade crítica — a potência de 
 
 
26
questionar os limites e a validade de nossos pensamentos e ações —, talvez devêssemos 
nos dedicar seriamente a formular novos modos de pensamento que nos permitam um 
contraponto crítico, de onde se possa avaliar, por exemplo, em nome de que tipo de 
democracia ou em nome de que idéia de arte estão sendo proferidos discursos sobre a 
obra literária. Se não formos capazes desta reflexão, continuaremos a ver, à revelia de 
seus defensores, o relativismo servindo de combustível ideológico para atitudes, 
comportamentos e discursos estranhos às pretensões igualitárias de suas premissas. 
Entro agora no segundo questionamento derivado de minha pergunta inicial 
sobre o significado de ser um estudioso da Literatura: num contexto de relativismo 
cultural, quais modelos de Estudos Literários legitimamente fundamentados são 
possíveis? Acredito — e continuo assim no terreno das hipóteses, pois não tenho como 
“provar” a superioridade desta possibilidade — que a resposta a essa pergunta passa 
necessariamente pelo esforço de se reelaborar um estudo metódico e sistemático da 
Literatura. Para tanto, antes de mais nada, seria necessário superar a aversão, no 
ambiente dos Estudos Literários, ao simples proferimento da palavra “teoria”. A 
desconfiança, por parte de estudantes e de professores, em relação ao trabalho teórico é, 
em parte, justificável. A forma como ele vem sendo utilizado tem se revelado por vezes 
inócua, outras vezes iníqua. Na imagem precisa de Gustavo Bernardo, 
A teoria se torna árida, seca, burocrática, somente quando pára de pensar 
sobre si mesma, acreditando-se acima da crítica e da reflexão e se sobrepondo 
totalitariamente ao método e à prática. Quando se coloca a teoria na frente do 
método, ela fica se parecendo com uma chave de fenda que não encontra, na 
dimensão do real, a fenda que lhe cabe, e então arranha o real até forjar a 
fenda e torcer o fenômeno para onde a teoria dizia a priori que ele ia. 
(Bernardo, 1999:161; grifo meu). 
 
Em conseqüência do mau uso do trabalho teórico, a teoria vem sendo 
compreendida apenas como uma tentativa fracassada de transformar o estudo da 
Literatura em uma ciência nos moldes positivistas do século XIX. 
O que normalmente chamamos Teoria da Literatura, com T e L maiúsculos, é, 
de fato, uma realização histórica no âmbito dos Estudos Literários no século XX, que se 
concretizou numa pletora de correntes cujos pressupostos são tão variados, concorrentes 
e contraditórios entre si que somente com um supremo esforço de generalização podem 
ser reunidas em um mesmo rótulo. Nesse sentido, a antipatia pela teoria se justifica: seu 
alastramento como “abordagem” hegemônica trouxe, aos Estudos Literários, muito mais 
confusão e contradições do que conhecimento e soluções para os problemas da área. 
 
 
27
Uma das metas deste trabalho é, em primeiro lugar, mostrar que o que parece ter 
morrido no século passado foi um determinado projeto de teoria, não a necessidade e a 
pertinência do estudo metódico e sistemático da Literatura. Além disso, creio que é 
estratégico demonstrar que nenhuma Teoria da Literatura pode ser tomada como 
substituta ideal de todas as possíveis abordagens do objeto literário, isto é, não pode ser 
considerada “uma espécie de enciclopédia do saber sobre a Literatura, que incorpora, 
como meros capítulos seus, todas as demais disciplinas historicamente discerníveis 
nesse setor” (Souza, 1987:102). A reflexão teórica, assim, seria uma faceta do 
movimento de compreensão da Literatura, juntamente com as abordagens 
interpretativas, analíticas, históricas, judicativas e prescritivas, que constituem o 
conjunto das atitudes possíveis — ao menos até este momento — diante de objetos 
literários. 
Para que a teoria assuma o papel que lhe cabe no estudo especializado da 
Literatura, proponho a observação de quatro princípios orientadores: 
(i) O estudo da Literatura, para ser sistemático e metódico, não deve precisar 
reproduzir fielmente métodos das ciências empíricas modernas ou repetir os caminhos 
trilhados pelos Estudos Literários nos séculos XIX e XX, que se serviram de 
metodologias importadas de outras ciências humanas e sociais, como a Antropologia, a 
Sociologia, a Lingüística, a Psicanálise e a História. 
 (ii) A historicidade da experiência humana não pode redundar, necessariamente, 
em que todo e qualquer sistema teórico esteja fadado a se realizar como absolutização 
de concepções individuais ou históricas. Se o plano da experiência se revela aberto e 
histórico, a teoria deverá ser aberta, para a contínua renovação de seus pressupostos — 
sem que isso signifique formular uma teoria para cada obra literária particular ou 
abandonar princípios teóricos a cada problema que o dinamismo e a diversidade dos 
processos criativos da arte venha a apresentar —, e histórica — por ser concebida como 
uma construção de pensamento que se dá em um tempo e espaço definidos —, sem ser 
historicista, isto é, sem se restringir a concepções causais sobre a obra de arte. 
(iii) O estudo especializado da Literatura precisa estar empenhado no 
estabelecimento, aperfeiçoamento e conservação de uma linguagem conceitual 
universal, com o objetivo de tornar os trabalhos teóricos inteligíveis entre si e passíveis 
de serem comunicados. 
 
 
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(iv) Uma Teoria da Literatura precisa realizar, como uma de suas preocupações 
axiais, uma constante reflexão sobre o papel da Literatura na existência do homem, o 
que implica possuir uma dimensão filosófica cujos postulados sejam ética, lógica e 
epistemologicamente coerentes. 
Atender os quatro princípios orientadores ora propostos exigirá, ao longo da 
reflexão que nos propomos, uma talvez utópica e certamente ambiciosa aspiração de 
compromisso com um novo caminho para as ciências humanas, fundado em novos 
ideais de objetividade. Acredito que um esforço em se realizar uma reflexão rigorosa 
possa permitir pensar o estudo da Literatura, em condições que superem o relativismo 
permissivo que tem marcado o campo de Estudos Literários nos últimos anos. É 
possível imaginar que o estudo especializado da Literatura possa ser legitimado, com 
suas limitações, por ser um modo de compreensão da função do estudioso da Literatura 
solidário com um determinado modo de compreensão da arte, um determinado modo de 
compreender o conhecimento humano, um determinado modo de compreender o 
homem, enfim. 
 
1.3 – OS ESTUDOS LITERÁRIOS ANTES DA TEORIA DA LITERATURA 
 
Até a investigação do fenômeno literário ambicionar, a partir do século XIX, um 
caráter científico, três disciplinas de cunho humanístico disputaram este campo de 
estudos: a Retórica, a Poética e a Estética. As duas primeiras têm suas origens na 
Antigüidade e permaneceram dominantes até pelo menos o fim do século XVIII. A 
Estética só foi conceitualmente formulada como um campo autônomo em meados do 
século XVIII, com a obra de Alexander Baumgarten. Originadas numa tradição 
filosófica estranha à especialização das ciências, Retórica, Poética e Estética não são 
facilmente separadas entre si. Roberto Acízelo de Souza aponta, contudo, para algumas 
especificidades inerentes a cada disciplina, e demonstra como elas ora se relacionaram 
de modo complementar e sem hierarquias, ora com oscilações de proeminênciaque 
passaram “da Retórica à Poética e desta à Estética” (ibid.:30). 
Fazendo inicialmente uma distinção entre Retórica e Poética, diz o ensaísta: 
(...) a primeira se concentra em questões predominantemente técnicas acerca 
da construção do discurso, enquanto a segunda é animada por um empenho 
especulativo que não se confina somente ao âmbito dos recursos de seleção e 
arranjo verbal, interessando-se antes pelos problemas correlativos da origem, 
 
 
29
natureza e função da arte literária. Outras vezes, porém, a Poética sacrifica o 
especulativo ao pragmático e normativo (o que se dá sobretudo na Baixa 
Idade Média e no Classicismo moderno), com o que a preocupação 
absorvente com a técnica da composição a aproxima bastante do âmbito 
retórico (ibid.:49). 
 
As origens da Retórica podem ser relacionadas a um fato político-econômico, 
pois a sistematização e o ensino de técnicas oratórias atendiam a importância que a 
eloqüência assumia em sociedades em que tribunais e assembléias eram os centros de 
todas as decisões. Mas a fixação e o desenvolvimento da disciplina estão intimamente 
relacionados à Sofística, que, muito mais do que uma técnica de manipulação da 
linguagem, era um novo modo de reflexão sobre ela, e, de certo modo, representou a 
fundamentação filosófica da Retórica. 
Do ponto de vista da história tradicional da Filosofia, a Sofística foi relegada, 
durante séculos, a um papel secundário, que não condiz, por exemplo, com a atenção 
reservada a ela pelos próprios Sócrates, Platão e Aristóteles, os quais dedicaram grande 
parte de seu pensamento em dialogar com sofistas. Acízelo lembra, por exemplo, que, 
no tratado aristotélico de retórica, há diversos pontos convergentes com o pensamento 
de sofistas: a potência catártica do discurso, o alcance filosófico da poesia, o poder da 
mímesis etc. Mesmo Platão, deixando-se de lado a perspectiva moral/pedagógica de 
suas críticas à poesia, não negava o imenso poder do lógos — um pressuposto caro à 
Sofística. 
Foi justamente um sofista, Górgias, que acrescentou à codificação dos recursos 
de oratória judiciária e política o gênero epidíctico. Mas, já em Aristóteles, observa-se 
uma distinção — ele escreveu um tratado destinado à Retórica e outro à Poética — que 
se faria presente em Horácio, Ovídio e ao longo do mundo antigo, até que com Tácito, 
quando a oratória política e judiciária tornaram-se proibidas, reunir-se-iam as duas 
disciplinas sob o nome de Eloqüência. 
A Retórica adaptou-se ao Cristianismo e tornou-se, na era medieval, uma das 
disciplinas do Trivium. Nesta altura, ela se encontrava unificada com a Poética, numa 
disciplina que reunia arte oratória, correspondência administrativa e criação poética, até 
que, em fins do século XV, ocorreu a separação entre Primeira Retórica (ou Retórica 
geral) e Segunda Retórica (ou Retórica poética). A Idade Média, contudo, marcaria o 
início do declínio da Retórica. Com o passar do tempo, a perda da finalidade de 
instrumentalizar oradores fez com que ela passasse a se ocupar exclusivamente da 
 
 
30
palavra escrita. De disciplina dominante do Trivium, ela foi perdendo sua preeminência, 
primeiro para a Gramática e depois para a Dialética. No Renascimento, quando a 
redescoberta da Poética, de Aristóteles, deu nova vida aos estudos da arte literária, a 
Retórica encontraria espaço apenas como disciplina escolar do ensino jesuítico. 
Sob a capa da Eloqüência, a Retórica havia absorvido toda a cultura da palavra e 
estava diretamente relacionada à idéia de Literatura como um “bem escrever”. Seu 
esvaziamento está relacionado, nos termos de Acízelo, a um movimento que começa no 
século XVIII e se consuma no XIX: em primeiro lugar, a nova ordem epistemológica 
que deu lugar a uma nova forma de entendimento da linguagem, sob “uma perspectiva 
racionalista (Gramática de Port-Royal), referencial (empirismo) ou sensualista 
(Estética)” (ibid.:51); depois, a ascensão da ideologia romântica e sua incompatibilidade 
com o caráter preceptístico assumido pelas duas disciplinas humanísticas; e, por fim, a 
submissão das Humanidades aos ideais cientificistas, e a ascensão da História como 
disciplina-chave das novas Ciências Humanas. 
Em suas últimas versões, a Retórica, então já uma decadente e ridicularizada 
disciplina, resumia-se a um conjunto de classificações. Seu declínio da condição de 
metalinguagem predominante foi seguido, no plano teórico, por um vazio que seria 
preenchido pelo impressionismo crítico. Escritores, críticos, historiadores e filósofos, 
alternando biografismo, sociologismo e psicologismo, dominaram o ambiente dos 
Estudos Literários. 
Por permitir partir do termo classificatório para o exemplo — mas não o inverso, 
do fato de língua ao nome da figura, o que caracterizaria um procedimento indutivo —, 
a Retórica se aproximaria, mais do que qualquer outra investigação da Literatura, de 
uma ciência empírica baseada na construção de uma teoria hipotético-dedutiva 
(ibid.:32), conforme pode ser observado nas etapas caracterizadas por Acízelo: 
(i) Observação dos enunciados: por exemplo, no enunciado “aurora de róseos 
dedos” detectar-se-ia um fato de linguagem: a relação analógica entre “róseos dedos” e 
“alongados e divergentes traços avermelhados” permitindo a substituição do termo 
próprio pelo figurado. 
(ii) Fixação de proposições singulares (descrições/nomeações): descrição do 
fato detectado. No caso, a relação de analogia entre “róseos dedos” e “alongados e 
divergentes traços avermelhados”. 
 
 
31
(iii) Generalizações: a partir da observação de outros fatos semelhantes, 
estabelecimento de uma proposição geral: ocorre, na linguagem, a transposição, com 
base numa relação de semelhança, do nome de uma coisa para outra. 
(iv) Classificação das proposições singulares: criação de um conceito (no caso 
em questão, o de metáfora) a partir desta generalização. 
(v) Construção de uma “teoria de nível baixo”10: conjugação das proposições, 
das classes e dos conceitos, num sistema coerente. 
Estabelecida, por fim, uma teoria, ela deverá permitir novas generalizações 
conjugadas a suas proposições, promover operações dedutivas que integrem a ela novos 
enunciados e tornar-se um instrumento técnico de produção de enunciados por ela 
classificáveis conceitualmente. 
Outra disciplina clássica, a Poética, tem sua origem em obras fundadoras como 
a Poética, de Aristóteles, a Ars poetica, de Horácio, e o Sobre o sublime, de Longino. A 
partir do século I a.C., ocorre o já referido sincretismo com a Retórica, com o 
predomínio desta sobre aquela — no Septennium medieval, apenas os estudos retóricos 
se fazem presentes. Será apenas no final do século XV, com a distinção entre Retórica 
Geral e Retórica Poética, antes já aqui mencionada, que a Poética, então chamada de 
Segunda Retórica, alcançaria o seu auge. Enquanto a Primeira Retórica ficaria 
confinada ao ambiente escolar, a Poética emergiria, redescoberta no Renascimento, 
como uma disciplina de pesquisa filosófico-técnico-formal que daria origem às artes 
poéticas do Classicismo europeu moderno, até ter sua posição hegemônica arrebatada 
pela Estética, no século XVIII. Para Roberto Acízelo de Souza, os fatores que causam a 
derrocada da Poética teriam sido os mesmos que abalaram a Retórica, já aqui antes 
referidos. 
Outra disciplina da tradição humanística é a Estética, que se organizou 
conceitualmente em 1750, com o trabalho de Alexander Baumgarten. A temática, 
contudo, já era trabalhada desde a Antigüidade Clássica: uma abordagem da Literatura 
que levasse em consideração o conjunto das demais artes. Correspondia a tentativa de se 
estabelecer uma ciência do conhecimento sensível, a partir de uma distinção entre 
 
10 Por “teoria de nível baixo” deve-se entender “(...) um conjunto de proposições/conceitos coerentes 
entre si, apto a permitir adedução de novas generalizações, bem como dotado da capacidade de 
funcionar, isto é, dotado de alcance técnico, ainda que incapaz de desvendar a profundidade do próprio 
funcionamento” (ibid.:32). 
 
 
32
“coisas conhecidas” e “coisas percebidas”. A Estética era, portanto, não apenas um 
estudo da arte, mas um campo de estudo epistemológico. 
Há, na obra de Baumgarten, a tentativa de conceder ao sensível maior 
consideração, integrando-o de algum modo às faculdades cognitivas racionais. Ao 
colocar a arte “sob a jurisdição de uma ‘gnosiologia inferior’” (ibid.:54), ele reforçou 
uma concepção de linguagem como transparência à sensibilidade, impulsionando a 
ideologia romântica da criação artística como obra do gênio. Paradoxalmente, as 
transformações de que a Estética “é simultaneamente fator e produto” (ibid.:55) são 
também as razões de seu rápido declínio, a saber, a escalada da ciência que acabou por 
tomar o lugar das especulações filosóficas características da Estética, e os êxitos do 
Romantismo e do evolucionismo, que conferiram à História o status de modo 
investigativo dominante. 
A emergência dos ideais da ciência moderna, no século XVII, afetaria 
profundamente os Estudos Literários. O operativismo e o substancialismo que 
marcavam os estudos de Literatura de tradição clássica tornar-se- iam progressivamente 
desacreditados. Retórica, Poética e Estética, como modelos de conhecimento e como 
metalinguagem, ficaram incapazes de atender às novas necessidades epistemológicas e 
artísticas. Por um lado, o conhecimento voltado para o artesanal ou para o especulativo 
das disciplinas clássicas distanciou-se da intenção de “submeter também as realidades 
sociais ao âmbito da Ciência” (ibid.:57). Por outro, a produção artística, inspirada pelos 
ideais estéticos do Romantismo, escapava a uma metalinguagem desenvolvida em 
função de uma produção eminentemente clássica. 
Os novos pressupostos epistemológicos gerariam entendimentos diversos sobre 
como abordar a Literatura: como expressão da personalidade do autor, como 
representação social ou como documento histórico. Para cada uma delas, se 
estabeleceria um modo investigativo próprio: o psicológico-biográfico, o sociológico e 
o filológico, todos, porém, submetidos aos fundamentos filosóficos da História. 
A crise do código clássico, somado à convicção romântica de ser o gosto pessoal 
a instância última do juízo e à utilização dos jornais como instrumentos de divulgação 
da Literatura para um público não especializado (cf. ibid.:61), gerariam antes, porém, 
um período intermediário, marcado pelo impressionismo crítico, até que, sob a égide da 
ciência moderna, a Literatura passará a ser tomada como um objeto a que se aplicarão 
 
 
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os métodos científicos das então incipientes Ciências Humanas. Paradoxalmente, 
relegando-se uma premissa da cientificidade, o primeiro momento do cientificismo nos 
Estudos Literários é marcado por um movimento de desespecialização. Sem um método 
de pesquisa que lhe fosse próprio, os estudos da Literatura se caracterizaram pelo 
ecletismo e pela tendência culturalista decorrente da adoção de métodos e modelos de 
outras disciplinas científicas. Sem estarem ainda consolidados em nenhuma disciplina 
científica e sem possuírem nenhum conhecimento especializado, apenas absorveram 
quase indiscriminadamente os esforços e modelos teóricos das novas disciplinas 
científicas. 
A Crítica e a História Literária surgiram como a mediação entre as 
especializadas e não-científicas disciplinas clássicas e a não-especializada e não-
científica crítica impressionista. Ao postularem um ideal de cientificidade e, ao mesmo 
tempo, de não-especialização, elas se tornaram uma espécie de “estágio (...) 
protocientífico da investigação da Literatura” (ibid.:59). 
Nas semelhanças entre Crítica e História Literárias, há uma diferença conceitual 
fundamental, que diz respeito à preocupação com o valor das obras. Mas o que se 
designa, de fato, por Crítica Literária? O primeiro problema que se enfrenta é o fato de 
o termo ter usos muito distintos em cada uma das principais línguas européias. São tão 
misteriosos os motivos que levaram à expansão do termo “crítica”, quanto os que 
levaram a língua inglesa a utilizar a forma criticism — em francês, italiano, espanhol, 
português e alemão, a forma “criticismo” e seus equivalentes referem-se ao método 
epistemológico kantiano — ou à limitação do sentido de kritik, em alemão, às resenhas 
diárias. Acízelo entende então ser mais razoável dizer que a Crítica Literária não se 
constitui como uma disciplina, mas como uma prática comentadora de obras literárias, 
cujas orientações têm se transformado bastante ao longo do tempo (ibid.:85-96). 
O que pode ser percebido é o maior uso da palavra, junto com “história”, em 
referência a obras que se ocupam da “Literatura” a partir de fins do XVIII, em 
substituição aos termos Retórica, Poética, Estética, Eloqüência. Embora correspondesse 
às intenções de se criar uma “alternativa científica para o conhecimento da Literatura, 
em substituição ao complexo humanístico” (ibid.:90) das disciplinas clássicas, e tivesse 
chegado a designar uma suposta disciplina dos Estudos Literários, havia muito pouco de 
 
 
34
“científico” na atividade crítica do século XIX, praticamente imune a qualquer tipo de 
rigor metodológico e conceitual. Em geral, a Crítica Literária 
(...) tendeu a identificar-se com pura emissão de impressões de leitura, 
comentário ligeiro de obras literárias, no máximo servindo-se de minguadas 
idéias gerais provenientes de versões ecléticas e banalizadas de certo(s) 
sistema(s) de conhecimento sobre a Literatura. Assim, a Crítica Literária 
acaba por tornar-se pura publicidade e/ou divulgação jornalística de obras 
literárias; é ela que praticamente se confunde com o que veio a chamar-se de 
impressionismo crítico (...) (ibid.:91). 
 
Ao longo do século XIX, a crítica vai-se distanciando de se tornar uma atividade 
de investigação sistematizada da Literatura e se firmando como uma prática de 
publicidade de obras ou de popularização sumária de sistemas científicos, diretamente 
relacionada com a sociedade industrial moderna e com o circuito de circulação de 
produções culturais. 
As tentativas de se conceder à Crítica Literária um espaço disciplinar próprio 
nem sempre representam um empenho em repensar a possibilidade da prática em si, mas 
apenas, como lembra Roberto Acízelo de Souza, implicam mais em “salvar a palavra do 
que a prática crítica” (ibid.:93). Algumas tentativas de resgatá- la acabam sugerindo um 
certo sentido etimológico profundo que o termo conteria, e que este sentido original se 
teria corrompido, ao longo da história, por práticas críticas que não fariam jus a sua 
essência. Não parece possível, contudo, se evidenciar tal sentido original pelos dados 
históricos que se apresentam. 
Para Roberto Acízelo de Souza, a presença de uma preocupação conceitual, que 
se recusasse a se submeter a valores que lhe são estranhos, consciente da necessidade de 
se ater a seu aparato instrumental e dos riscos de se contaminar ideologicamente, não 
estaria no plano da crítica, mas no da Teoria da Literatura. Para o ensaísta, a palavra 
crítica está inseparavelmente ligada, em nossos dias, a julgamento, valor e opinião, não 
fazendo sentido pretender que ela seja “um corpo organizado de conhecimentos” 
(ibid.:95), justa definição de Teoria da Literatura, ou “a consideração analítica de obras 
particulares, em contínua referência a um quadro teórico inicial de base” (ibid.:95), 
atividade para cuja designação há a palavra “análise”. 
Contemporânea da crítica, a História de Literatura fundamenta-se no 
pressuposto da cientificidade da História. A ascensão do historicismo como ponto de 
vista epistemológico dominante no XIX tem algumas causas recuperáveis: (i) a 
expansão do capitalismo burguês e a exigência de uma reflexão

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