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4 Mandrágora (1)

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26
A MANDRÁGORA
(La mandragola)
de
Nicolau Maquiavel
***
(1518)
Comédia em Cinco Atos
  
PERSONAGENS :
CALÍMACO
SIRO
MESSER NÍCIA
LIGÚRIO
SÓSTRATA
FREI TIMÓTEO
UMA MULHER
LUCRÉCIA
A cena desenrola-se em Florença.
  
ATO I
CENA I
CALÍMACO e Siro
CALÍMACO - Siro, não vá embora. Vou precisar de você.
SIRO - Às ordens.
CALÍMACO - Acho que deve ter se espantado com a minha súbita partida de Paris. E mais ainda, por eu já estar aqui, há um mês, sem fazer nada.
SIRO - Se o senhor está dizendo, é verdade.
CALÍMACO - Se até hoje não disse o que vou te dizer, não foi por falta de confiança, mas apenas por julgar que é melhor não comentar o que queremos manter em segredo, a não ser quando necessário. Como agora vou precisar da sua ajuda, vou explicar tudo.
SIRO - Sou seu criado e os criados nunca devem perguntar nada aos patrões, nem se meter no que fazem. Mas quando os próprios patrões resolvem se abrir, devemos servi-los com fé. É o que eu faço, e vou continuar fazendo.
CALÍMACO - Sei. Acho que você já me ouviu contar mil vezes, mas não faz mal ouvir mil e uma, que aos dez anos, como meu pai e minha mãe haviam morrido, meus tutores me mandaram a Paris, onde vivi vinte anos. Nessa época, com a invasão do Rei Carlos começaram as guerras que destruíram a Itália. Então decidi ficar em Paris julgando que lá viveria mais seguro do que aqui.
SIRO - Sem dúvida.
CALÍMACO - Por isso mandei vender todos meus bens, com exceção desta casa, e só me restou continuar vivendo em Paris na maior felicidade.
SIRO - Eu sei.
CALÍMACO - Dividia meu tempo entre os estudos, os prazeres e os negócios de tal forma que uma coisa não prejudicasse a outra. Levava uma vida tranqüila, procurando agradar a todo mundo e não ofender ninguém; de tal modo que era querido por franceses e estrangeiros, nobres e burgueses, pobres e ricos.
SIRO - É verdade.
CALÍMACO - Mas julgando a Sorte que eu me divertia muito, fez com que aparecesse em Paris um tal Camilo Calfucci.
SIRO - Começo a adivinhar o seu problema.
CALÍMACO - Esse, como outros florentinos, freqüentava a minha casa e, um dia, acabamos discutindo sobre onde as mulheres eram mais bonitas, se na Itália ou na França. Como eu não podia julgar as italianas, pois era bem novinho quando parti daqui, um outro florentino tomou o partido das francesas e Camilo das italianas. Depois de muita discussão, quase possesso, afirmou que, ainda que todas as mulheres da Itália fossem monstros, uma parenta sua bastava para reabilitar a honra de todas elas.
SIRO - Estou começando a entender o que o senhor quer dizer.
CALÍMACO - E falou de Dona Lucrécia, mulher de Messer Nícia Calfucci e fez tantos elogios à sua beleza e a seus modos que nos deixou embasbacados. E me despertou tanto desejo de vê-la que, sem mais me preocupar com as guerras ou com a paz na Itália, vim imediatamente para cá, onde, ao chegar, verifiquei que a fama de Dona Lucrécia não chegava aos pés da verdade, o que é raro acontecer. E fiquei tão obcecado de desejo que não consigo fazer mais nada.
SIRO - Se tivesse me falado disso em Paris eu saberia o que aconselhar, mas agora não sei o que dizer.
CALÍMACO - Não falei disso por querer teus conselhos, mas para desabafar e também para que você vá se preparando para me ajudar quando for preciso.
SIRO- Para isso estou preparadíssimo. Mas o senhor tem alguma esperança?
CALÍMACO - Nenhuma, que desgraça.
SIRO - Porque?
CALÍMACO - A princípio, o que me enlouquece, é a natureza dela, honestíssima, totalmente alheia às questões do amor. O marido é riquíssimo, e se deixa governar totalmente por ela e, se não é moço, também não é totalmente velho, como parece. Além disso nem com parentes ou vizinhos ela se encontra para festas, saraus ou outros prazeres do gênero. Gente de fora não entra na casa. Não há camareira ou criado que não a tema. De modo que é impossível recorrer à corrupção.
SIRO - Então não tem jeito.
CALÍMACO - Quando a vontade e o desejo são grandes, a esperança é a última que morre e não há situação, por mais difícil que pareça, para qual um homem obstinado não encontre solução.
SIRO - Mas o que mantém as suas esperanças?
CALÍMACO - Duas coisas. Uma é a ingenuidade de Messer Nícia que, embora seja Doutor em Leis, é o homem mais simplório e tonto de Florença; a outra é a vontade que eles têm de ter filhos pois, estando casados há seis anos, ainda não têm herdeiros para deixar sua fortuna. E tem uma terceira coisa: a mãe dela gosta de uma boa sacanagem, mas agora está rica, e eu não sei como abordá-la.
SIRO - Já tentou alguma coisa?
CALÍMACO - Já, mas é pouco.
SIRO - O quê?
CALÍMACO - Você conhece Ligúrio, aquele que vem sempre comer aqui. Já foi agente matrimonial, e agora vive de filar ceias e jantares; como é muito simpático acabou íntimo de Messer Nícia, que não o convida para comer, mas empresta-lhe dinheiro de vez em quando. E Ligúrio o ridiculariza. Fiquei amigo dele, contei da minha paixão e ele prometeu me ajudar de corpo e alma.
SIRO - Cuidado com esses profissionais da boca livre, não são nada confiáveis.
CALÍMACO - É verdade. Contudo, quando contamos alguma coisa a alguém que percebe que disso pode tirar vantagem, é certo que conquistamos um aliado fiel. Se tudo der certo prometi a Ligúrio uma boa quantia de dinheiro, e se não der, uma ceia ou outra refeição, que de qualquer modo eu não faria sozinho.
SIRO - E ele prometeu fazer o quê?
CALÍMACO - Convencer Messer Nícia a ir com a esposa a uma estação de banhos agora em maio.
SIRO - E o que o senhor ganha com isso?
CALÍMACO - Talvez a mudança de ares modifique a natureza dela, pois nesses lugares a ordem é se divertir. Eu iria para lá disposto a entregar-me a todos os prazeres que pudesse, sem poupar para isso dinheiro algum. Ficaria íntimo dela e do marido e quem sabe, uma coisa puxa a outra e o tempo governa a todas.
SIRO - Gostei da idéia.
CALÍMACO - Ligúrio me deixou esta manhã dizendo que falaria do assunto com Messer NÍCIA e me daria a resposta.
SIRO - Lá estão eles.
CALÍMACO - Vou falar com Ligúrio depois que ele se livrar do doutor. E se eu precisar de você, o chamarei.
SIRO - Sim senhor.
Cena 2
Messer NÍCIA / LIGÚRIO
Messer NÍCIA - Acho teus conselhos bons e, ontem, falei deles com minha mulher, que ficou de me responder hoje. Mas para falar a verdade, não tenho vontade de ir.
LIGÚRIO - Por que?
MESSER NÍCIA - Porque detesto sair da toca. E ter que carregar mulher, criados e trastes é insuportável. Além disso, falei ontem à noite com vários médicos. Um diz que devo ir aos banhos em São Felipe, outro em Porreta, outro ainda em Vila. Parecem umas bestas. Para falar a verdade, esses médicos não dizem lé com cré. 
LIGÚRIO - No fundo, o senhor não quer mesmo é sair de casa, pois não está acostumado a perder de vista a cúpula da nossa catedral.
MESSER Nicia - Está enganado! Quando era moço, rodei muito. Não houve feira lá em Prato que eu não fosse, nem há castelos nas redondezas onde não tenha estado. E digo mais: Estive em Pisa e Livorno.
LIGÚRIO - Então o Senhor deve ter visto a torre empinada de Pisa?
MESSER NÍCIA - Quer dizer inclinada.
LIGÚRIO - Ah, é, inclinada. E em Livorno viu o mar?
MESSER NÍCIA - É claro que vi!
LIGÚRIO - É muito maior do que o rio Arno?
MESSER NÍCIA - Que Arno! É quatro, seis, sete vezes maior. Só se vê água, água e água.
LIGÚRIO - Fico surpreso que o senhor já tendo mijado em tanto penico por aí, resista tanto a tomar um banhozinho em águas minerais.
MESSER NÍCIA - Você ainda cheira a leite...Acha que é fácil desmontar a casa inteira? Mas eu tenho tanta vontade de ter filhos que farei qualquer coisa. Pergunte aos médicos aonde devo ir. Vou encontrar com a patroa, depois nos falamos.
LIGÚRIO - Ótimo.
Cena 3
LIGÚRIO - Duvido que haja no mundo um homem mais idiota do que este. E como tem sorte! É rico, tem uma mulher bonita, inteligente, honesta e digna de governar um reino! Parece que raras vezes, no casamento, se verifica aquele provérbio que diz: Deus faz os pares e eles se juntam; pois é freqüente ver um homem de categoriacom uma besta ou então uma mulher inteligente com um imbecil. Mas a imbecilidade deste pode trazer vantagem e manter as esperanças de Calímaco. Mas olha ele aí. O que está fazendo aí, Calímaco?
CALÍMACO - Eu te vi com o doutor e estava esperando que se livrasse dele para saber o que você fez.
LIGÚRIO - Sabe como ele é: preguiçoso e desanimado. Não tem a menor vontade de deixar Florença. Mas eu consegui levá-lo em banho-maria e ele acabou me dizendo que fará qualquer coisa. Se você quiser podemos seguir este rumo, mas não sei se nos convém.
CALÍMACO - Por que?
LIGÚRIO - Sei lá. Você sabe que vai todo tipo de gente a esses banhos. Poderia aparecer por lá um homem que também se interessasse por Dona Lucrécia e que fosse mais rico do que você e mais atraente. De modo que corremos o risco de ficar trabalhando para os outros. Com tanto assédio ela pode ficar ainda mais dura, ou amolecer e escolher outro e não você.
CALÍMACO - Acho que você tem razão. Mas o que vou fazer? Que caminho devo seguir? Para onde devo ir? Preciso tentar qualquer coisa, grandiosa, perigosa, criminosa ou infame. Antes morrer do que viver assim. Se eu conseguisse dormir, comer, conversar, ter prazer em alguma coisa, teria mais paciência para esperar. Mas o caso não tem remédio. Se eu não tiver alguma esperança vou acabar morrendo. E como eu vou morrer, não tenho medo de mais nada, e prefiro tomar qualquer decisão, mesmo que brutal, cruel ou nefanda.
LIGÚRIO - Não fale assim, calma.
CALÍMACO - A única coisa que me acalma é pensar nisso. Ou mandamos aquele velho i tomar banho em algum lugar ou temos que encontrar algum outro caminho que me dê esperança, mesmo que seja falsa, para acalmar um pouco a minha ansiedade.
LIGÚRIO - Você está certo. Vou dar um jeito.
CALÍMACO - Acredito em você, apesar de saber que os da tua laia vivem de enganar os outros. Mas espero não ser um deles, porque, se isso acontecer e eu descobrir, vou me vingar e você perderá o privilégio de entrar na minha casa e a esperança de receber o que te prometi.
LIGÚRIO - Não duvide de mim porque, ainda que eu não levasse nenhuma vantagem com isso, o teu sangue combina com o meu, e quero ver esse teu desejo realizado quase tanto quanto você. Mas vamos em frente. O doutor incumbiu-me de achar um médico para saber qual o banho mais indicado. Eu quero que você faça o seguinte: afirme ter estudado medicina e adquirido experiência em Paris. Ele acreditará, porque é um ignorante e você é um homem letrado, capaz de dizer qualquer coisa em bom latim.
CALÍMACO - E isso vai servir pra que?
LIGÚRIO - Poderá servir para mandá-lo ao banho que quisermos ou para seguirmos outro caminho, no qual já pensei e será mais rápido, certeiro e fácil.
CALÍMACO - O que você está dizendo?
LIGÚRIO - Digo que se você tiver coragem e confiar em mim, resolvo tudo até amanhã a esta hora. E, mesmo que ele fosse o homem que não é, capaz de saber se você é ou não é médico, a falta de tempo e a complexidade do assunto não o deixarão raciocinar, e mesmo que ele venha a raciocinar, não haverá tempo para estragar o nosso plano.
CALÍMACO - Você me fez nascer de novo. Essa possibilidade me enche de esperança. Qual o seu plano?
LIGÚRIO - Por enquanto não vou dizer nada. O tempo já é curto para ação quanto mais para explicação. Eu vou buscar o doutor e, quando voltar, preste atenção no que eu disser e vai se encaixando. 
CALÍMACO - Combinado. Ainda que essa esperança que você me deu possa ir por água abaixo.
ATO II
CENA I
LIGÚRIO, messer NÍCIA e Siro
LIGÚRIO – Como já disse, acho que foi Deus quem mandou esse homem para realizar seu desejo. Ele adquiriu grande experiência em Paris e, se não exerce a profissão em Florença, não estranhe. É que além de estar rico, deve voltar em breve à Paris.
MESSER NÍCIA – É, meu caro, mas isso é grave; eu não gostaria que ele me desse uma mãozinha e depois me deixasse chupando o dedo. 
LIGÚRIO – Nem pense nisso. O Senhor só deve se preocupar se ele não se interessar pelo caso. Mas, se o aceitar, não é homem de deixar ninguém na mão. 
MESSER NÍCIA – Isso fica por sua conta; mas, do ponto vista científico, eu te direi, assim que falar com ele, se é um homem preparado, pois não sou homem de comprar gato por lebre.
LIGÚRIO – É por isso que o estou levando para conversar com ele. E se ele não parecer, pelo aspecto, sabedoria e linguagem merecedor de toda confiança, o senhor pode dizer que eu não sou mais eu. 
MESSER NÍCIA – Pois seja o que Deus quiser! Vamos. Onde ele mora ? 
LIGÚRIO – Aqui na praça, naquela porta ali em frente. 
MESSER NÍCIA – Vamos logo com isso. Bata. 
LIGÚRIO – Pronto. Já bati. 
SIRO – Quem é? 
LIGÚRIO – Calímaco está? 
SIRO – Está, sim, senhor. 
MESSER NÍCIA – Porque não diz: doutor Calímaco? 
LIGÚRIO – Ele não liga para essas bobagens. 
MESSER NÍCIA – Fale como deve, e se ele não gostar, que se dane! 
CENA II
CALÍMACO, messer NÍCIA e LIGÚRIO
 CALÍMACO – Quem me procura? 
MESSER NÍCIA – Bona dies, domine magister. 
CALÍMACO – Et vobis bona, domine doctor. 
LIGÚRIO – Que tal ? 
MESSER NÍCIA – Nossa Senhora, ótimo! 
LIGÚRIO – Mas, se querem que eu fique aqui, falem de um jeito que eu entenda, senão eu não posso ajudar.
CALÍMACO – Que bons ventos o trazem? 
MESSER NÍCIA – E eu é que sei! Estou atrás de uma coisa que talvez outros evitassem: não tenho filhos, mas gostaria de ter; para isso é que vim incomodá-lo. 
CALÍMACO – Jamais acharia incômodo ser útil a homens sábios e honrados como o senhor. Foi para isso que passei tantos anos estudando em Paris.
MESSER NÍCIA – Muito obrigado; e se, algum dia, eu puder lhe ser útil, terei o maior prazer em ajudar. Mas voltemos ad rem nostram. (ao nosso assunto) O senhor já pensou qual tipo de banho seria indicado para fazer minha mulher engravidar? Pois sei que Ligúrio já disse tudo que tinha de dizer. 
CALÍMACO – É verdade. Mas, para satisfazer o seu desejo, é necessário conhecermos a causa da esterilidade da sua esposa, pois pode haver várias causas. Nam causae sterilitatis sunt: aut in semine, aut in matrice, aut in instrumentis seminariis, aut in virga, aut in causa extrinseca. 
(SIRO - Pois as causas da esterilidade estão: ou no esperma, ou no ovário, ou nos testículos, ou no caralho, ou em qualquer outro lugar.)
MESSER NÍCIA – Esse é o homem mais sábio que eu já conheci! 
CALÍMACO – Por outro lado a esterilidade poderia originar-se no senhor, por impotência. 
MESSER NÍCIA – Impotente, eu? Que piada! Duvido que haja em Florença homem mais firme e forte do que eu. 
CALÍMACO – Então fique tranquilo que encontraremos um remédio. 
MESSER NÍCIA – Não haveria outro remédio além dos banhos? Porque eu não quero confusão e a patroa detesta sair de Florença. 
LIGÚRIO – Claro! Isso eu posso responder. Calímaco é tão cuidadoso que até exagera. Você não me disse que conhece uma poção que faz engravidar com toda certeza? 
CALÍMACO – Eu disse? Disse sim; mas eu vou devagar com quem não conheço, pois não quero ser chamado de charlatão. 
MESSER NÍCIA – De jeito nenhum. Fiquei tão impressionado que faria qualquer coisa indicada pelo senhor. 
LIGÚRIO – Acho que seria necessário examinar as urinas. 
CALÍMACO – Sem dúvida, é indispensável. 
LIGÚRIO – Mande Siro acompanhar o senhor até a sua casa para buscar as urinas; nós ficamos esperando. 
CALÍMACO – Siro, Vá com ele. E, se quiser, volte logo que daremos algum jeito. 
MESSER NÍCIA – Como, se quiser? Claro que volto, pois tenho mais fé no senhor do que os húngaros em suas espadas. 
CENA III
Messer NÍCIA e Siro
 MESSER NÍCIA – Esse teu patrão é um homem de grande valor.
SIRO – Mais do que o senhor imagina. 
MESSER NÍCIA – O rei da França deve gostar muito dele. 
SIRO – Muito.
MESSER NÍCIA – Por isso que ele deve gostar de morar na França. 
SIRO – Acho que sim. 
MESSER NÍCIA – E faz muito bem. Aqui, nessa terra, são todos uns merdas e não se dá valor à competência. Se ele vivesse aqui ninguém daria a mínima para ele. Eu posso falar, pois caguei as tripas para aprender dois dedos de latim. E, se dependesse disso,estaria frito, pode ter certeza! 
SIRO – O senhor chega a ganhar cem ducados por ano? 
MESSER NÍCIA – Nem cem liras nem, porra nenhuma, até parece! É que nesta terra, quem não está por cima não encontra um cão para lhe abanar o rabo; só servimos para despachar velórios e casamentos, ou então ficar coçando o saco o dia inteiro no banco do cartório. Mas que se dane; não preciso de ninguém; tem gente aí muito pior do que eu. Mas eu não quero que ninguém saiba que eu disse isso, porque senão eu é acabo tomando dentro. 
SIRO – Pode ficar tranqüilo.
MESSER NÍCIA – Estamos em casa. Espere aqui; volto já. 
SIRO - Pode ir.
CENA IV
Siro, sozinho
 SIRO – Se os outros doutores fossem como este, o mundo seria um hospício! A verdade é que esse desgraçado do Ligúrio e o doido do meu patrão vão acabar fazendo esse homem passar vergonha. Para falar a verdade, eu até gostaria que isso acontecesse, desde que ninguém descubra, porque se descobrirem posso perder a vida, e o meu patrão pode perder a vida e os bens. Agora, virou médico! Não sei onde isso vai dar. Mas olha ele aí com um penico na mão. Quem não riria desse idiota? 
CENA V
Messer NÍCIA e Siro
MESSER NÍCIA – Sempre fiz tudo que você queria. Agora, vai ser do meu jeito. Se soubesse que não iria ter filhos, teria casado com uma camponesa em vez de casar com você! Vamos, Siro. Que trabalho me deu para conseguir o mijo dessa tonta! E não é que ela não queira ter filhos, até pensa nisso mais do que eu. Mas, toda vez que lhe peço para fazer alguma coisa, por menor que seja, é uma novela! 
SIRO – Tenha paciência; com uma boa cantada, qualquer mulher pode ser enrabada.
MESSER NÍCIA – Que cantada que nada! Ela já me encheu bastante. Vai depressa dizer ao doutor e a Ligúrio que estou aqui. 
SIRO – Olha eles aí 
CENA VI
LIGÚRIO, CALÍMACO e messer NÍCIA
LIGÚRIO – Convencer Nícia é fácil; a mulher é que vai ser difícil. Mas dá-se um jeito. 
CALÍMACO – Trouxe a urina? 
MESSER NÍCIA – Está ali com Siro, coberta. 
CALÍMACO – Deixe-me ver. Oh! Esta urina revela fraqueza dos rins. 
MESSER NÍCIA – É, parece um pouco turva. E ela acabou de fazê-la. 
CALÍMACO – Não há de que admirar-se. Nam mulieris urinae sunt semper majoris grossitiei et albedinis, et minoris pulchritudinis, quam virorum. Ayus autem, inter caetera, causa est amplitudo canalium, mixtio eorum quae ex matrice exceunt com urina. 
(SIRO - Pois a urina da mulher é sempre mais espessa e esbranquiçada e menos límpida que a do homem. A causa, entre outras, é a largura dos canais, além de a urina vir misturada ao que sai do ovário.)
MESSER NÍCIA – Oh! Uh! Pela xota de São Púcio! Quanta inteligência! Como raciocina bem! 
CALÍMACO – Receio que, de noite, ela seja mal coberta; daí produzir urina crua. 
MESSER NÍCIA – No entanto, dorme com um bom cobertor. Mas é que fica quatro horas de joelhos, no frio, enfiando padre-nossos, antes de ir para a cama. É teimosa como uma mula. 
CALÍMACO – Enfim, doutor, ou o senhor confia em mim ou não; e eu, ou lhe indico o remédio certo, ou não. Por mim, eu lhe dou a receita. Se o senhor tiver fé em mim, sua mulher tomará o remédio, e, se dentro de um ano, ela não estiver com um filhinho no colo, prometo pagar dois mil ducados. 
MESSER NÍCIA – Diga, por favor, estou pronto para acreditar mais no senhor que no meu próprio confessor. 
CALÍMACO – Então, preste atenção: não há nada mais certo para engravidar uma mulher do que fazê-la beber uma poção de mandrágora. É coisa que já receitei várias vezes e sempre deu certo. Se não fosse assim, a rainha da França seria estéril e, como ela, muitas outras princesas daquele país. 
MESSER NÍCIA – Será possível? 
CALÍMACO – É como eu lhe digo. E, o senhor deu tanta sorte que eu trouxe comigo todos os ingredientes necessários, de modo que o senhor poderá ter a poção quando quiser. 
MESSER NÍCIA – E quando ela deve tomar? 
CALÍMACO – Esta noite, depois da ceia, pois a lua está numa posição favorável e o tempo não poderia ser mais apropriado. 
MESSER NÍCIA – Isso é fácil. Prepare a poção e eu farei com que ela a tome. 
CALÍMACO – Agora temos que pensar no seguinte: o primeiro homem que tiver relações com sua esposa, depois que ela tiver tomado a poção, morrerá dentro de oito dias e não há nada neste mundo que possa salvá-lo. 
MESSER NÍCIA – Que cagada é essa!? Não quero saber dessa porcaria não. Comigo não! Que bela merda vocês me arrumaram! 
CALÍMACO – Calma, para isso também há remédio.
MESSER NÍCIA – Qual? 
CALÍMACO – Fazendo um outro homem dormir com ela primeiro, que, ao possuí-la por uma noite, puxe para si toda a infecção da mandrágora. Depois o senhor poderá ter relações com ela, sem perigo. 
MESSER NÍCIA – Não vou fazer isso não. 
CALÍMACO – Por quê? 
MESSER NÍCIA – Porque não quero que minha mulher vire uma puta e eu um chifrudo. 
CALÍMACO – O que é isso? Vejo que o senhor não é tão sábio quanto julguei. Hesitar em fazer o que fez o rei da França e tantos outros nobres de lá? 
MESSER NÍCIA – Mas quem se sujeitaria a semelhante loucura? Se eu contar o caso, ninguém vai querer e se eu não contar, é uma traição e um caso de polícia, e pode acabar muito mal.
CALÍMACO – Se é apenas isso que o preocupa, deixe por minha conta. 
MESSER NÍCIA – Como? 
CALÍMACO – Eu entregarei a poção hoje a noite, logo depois do jantar. O senhor a fará beber e ir para a cama. Depois, nos disfarçaremos, eu, o senhor, Ligúrio e Siro. Vamos circular lá pelo Mercado Novo, o Mercado Velho e outros lugares da região. No primeiro malandro que encontrarmos vadiando, poremos uma mordaça e, debaixo de pancadas, o levaremos para a sua casa e, no escuro, para o seu quarto. Depois, o meteremos na sua cama, dizendo-lhe o que deverá fazer; e é certo, então, que não haverá mais dificuldades. Pela manhã, o senhor o porá para fora antes do sol nascer, dirá à sua esposa para se lavar e poderá ficar com ela quanto quiser, sem qualquer perigo. 
MESSER NÍCIA – Está bem, já que o senhor me diz que reis, príncipes e nobres procederam desse modo; mas o principal é que ninguém saiba! 
CALÍMACO – E quem iria falar nisso? 
MESSER NÍCIA – Ainda resta uma tarefa difícil. 
CALÍMACO – Qual? 
MESSER NÍCIA – Convencer a patroa, pois duvido que ela aceite.
CALÍMACO – É verdade. Mas eu não gostaria de ser marido de uma mulher que não me obedecesse. 
LIGÚRIO – Já achei o remédio. 
MESSER NÍCIA – Qual? 
LIGÚRIO – Por intermédio do confessor. 
CALÍMACO – E quem convencerá o confessor? 
LIGÚRIO – Eu, o dinheiro, a nossa astúcia e a dele. 
MESSER NÍCIA – Duvido que se eu sugerir, ela vá falar com o confessor. 
LIGÚRIO – Também para isso há remédio. 
CALÍMACO – Fale! 
LIGÚRIO – A mãe a levará. 
MESSER NÍCIA – Na mãe ela confia. 
LIGÚRIO – E eu sei que a mãe pensa como nós. Não vamos mais perder tempo, que já anoitece. Vá dar uma volta, Calímaco, às oito horas te encontraremos em casa, com a poção já preparada. Eu e o doutor iremos à casa da sogra, que é minha conhecida para convencê-la. Depois, iremos ver o frade e te contaremos tudo. 
CALÍMACO – Pelo amor de Deus, não me deixe só! 
LIGÚRIO – Parece que bebe. 
CALÍMACO – Aonde você quer que eu vá agora? 
LIGÚRIO – Aqui, ali, numa rua, noutra. Florença é tão grande! 
CALÍMACO – Sou um homem morto! 
ATO III
CENA I
Sóstrata, messer NÍCIA e LIGÚRIO
SÓSTRATA – Sempre ouvi dizer que é dever do homem sensato escolher dos males o menor. Se, para ter filhos, não há outro remédio, deve-se tomar esse, sem a menor culpa.
MESSER NÍCIA – Isso mesmo. 
LIGÚRIO – Fale com sua filha. Eu e Messer Nícia vamos explicar o caso a frei Timóteo, o confessor dela, e poupar a senhora disso. Vamos ver o que ele acha. 
SÓSTRATA – Combinado. Façam a parte de vocês e eu garanto que levo Lucrécia para falar com o frade de qualquer jeito.
  
CENA II
Messer NÍCIA e LIGÚRIO
MESSER NÍCIA – Talvez você se admire, Ligúrio, que seja preciso inventar tanta historia para convencer a patroa; mas se você soubesse tudo, não se admiraria. 
LIGÚRIO – As mulheres são muito desconfiadas mesmo. 
MESSER NÍCIA – Não é nadadisso. Ela era um doce, a mais dócil criatura deste mundo; até que uma vizinha lhe disse que ela engravidaria, se fizesse a promessa de assistir, durante quarenta dias, a primeira missa na igreja dos Servitas. Ela foi umas vinte manhãs. Como era de se esperar um daqueles fradalhões começou a dar em cima dela e ela não quis mais voltar lá. É um absurdo, que aqueles que deveriam nos dar o bom exemplo sejam assim. Não é? 
LIGÚRIO – É um inferno! 
MESSER NÍCIA – Desde então, ela ficou de orelha em pé; e, pra qualquer coisinha cria mil dificuldades. 
LIGÚRIO – Não é para menos. Mas e a promessa? 
MESSER NÍCIA – Foi dispensada. 
LIGÚRIO – Ótimo. Aliás se o Senhor tiver aí vinte e cinco ducados, passe pra cá. Vamos ter que gastar alguma coisa para comprar logo a amizade do frade e deixá-lo na esperança de mais. 
MESSER NÍCIA – Pode pegar. É dando que se recebe. 
LIGÚRIO – Esses frades são muito malandros, astutos, o que é compreensível, pois além dos nossos pecados, conhecem os deles também; e, quem não tem prática com eles não consegue manobrá-los. Portanto seria melhor que o senhor ficasse calado, porque um homem como o senhor, que passa o dia no escritório pode entender de seus livros, mas não sabe lidar com as coisas da vida. (Esse aí é tão burro, que pode estragar tudo) 
MESSER NÍCIA – O que quer que eu faça? 
LIGÚRIO – Deixe que eu fale com ele e só abra a boca se eu fizer um sinal. 
MESSER NÍCIA – Está bem. Mas que sinal? 
LIGÚRIO – Pisco um olho, mordo o lábio. Não! Melhor. Há quanto tempo não fala com o frade? 
MESSER NÍCIA – Há mais de dez anos. 
LIGÚRIO – Ótimo. Vou dizer que o senhor ficou surdo; só responda quando falarmos alto. 
MESSER NÍCIA – Pode deixar. 
LIGÚRIO – Outra coisa: não se preocupe se eu não disser coisa com coisa, que, no fim, tudo se encaixa.
MESSER NÍCIA – Tomara. 
LIGÚRIO – Olha o frade falando com uma mulher. Vamos esperar ele se livrar dela.
CENA III
Frei Timóteo e uma mulher
FREI TIMÓTEO – Se quiser se confessar, estou às ordens. 
MULHER – Hoje, não; estão me esperando. Só quero desabafar um pouco, em pé mesmo, rapidinho. Rezou aquelas missas para Nossa Senhora? 
FREI TIMÓTEO – Rezei, sim, senhora. 
MULHER – Tome este florim: todas as segundas-feiras, durante dois meses, reze uma missa pela alma do meu finado marido. Se bem que fosse um bruto, a carne é fraca; e não consigo parar de pensar nele. Acha mesmo que ele está no purgatório? 
FREI TIMÓTEO – Sem dúvida! 
MULHER – Eu não tenho tanta certeza. O senhor sabe muito bem o que ele fazia comigo. Quantas vezes não vim aqui me queixar! Eu tentava me afastar; mas ele era tão insistente, meu Deus do céu! 
FREI TIMÓTEO – A clemência de Deus é grande; se não falta ao homem a volúpia, não lhe falta, também, tempo para arrepender-se.
MULHER – Acha que os turcos vão invadir a Itália este ano? 
FREI TIMÓTEO – Vão!! Se a senhora não rezar.
MULHER – Credo! Deus nos livre desses diabos! Morro de medo de ser empalada. Ih, mas aquela mulher ali na igreja tem uma encomenda para mim; vou falar com ela. Muito bom dia padre! 
FREI TIMÓTEO – Juízo.
CENA IV
Frei Timóteo, LIGÚRIO e Messer NÍCIA
 FREI TIMÓTEO – As mulheres são as criaturas mais caridosas que existem. E as mais insuportáveis. Quem as enxota, evita os aborrecimentos mas perde as vantagens; quem as atura, tem as vantagens e os aborrecimentos. A verdade é que não há mel sem moscas. Mas não é Messer Nícia quem vejo aí?
LIGÚRIO – Por favor, padre, fale mais alto. Ele está surdo como uma porta.
FREI TIMÓTEO – Bem-vindo, messere! 
LIGÚRIO – Mais alto! 
FREI TIMÓTEO – Bem-vindo! 
MESSER NÍCIA – Obrigado, padre! 
FREI TIMÓTEO – O que vieram fazer aqui?
MESSER NÍCIA – Todos bem, obrigado. 
LIGÚRIO – Fale comigo, padre, pois, para ele ouvir, o senhor teria que perturbar a cidade inteira.
FREI TIMÓTEO – Em que posso ser útil?
LIGÚRIO – Messer Nícia e outro homem de bem, cujo nome direi mais tarde, querem distribuir em esmolas várias centenas de ducados. 
MESSER NÍCIA – Que merda é essa?! 
LIGÚRIO – (Cale a boca) Não se espante, padre, com o que ele disser, pois está surdo mas às vezes pensa que ouve e não diz coisa com coisa.
FREI TIMÓTEO – Continue e deixe que ele fale o que quiser.
LIGÚRIO – Trouxe comigo uma parte desse dinheiro; e eles querem que seja distribuído pelo senhor.
FREI TIMÓTEO – Com muito prazer. 
LIGÚRIO – Mas antes precisamos da sua ajuda num caso estranho, que aconteceu ao doutor; e que põe em risco a honra da sua casa. 
FREI TIMÓTEO – De que se trata? 
LIGÚRIO – Não sei se conhece Camilo Calfucci, sobrinho de messer Nícia. 
FREI TIMÓTEO – Conheço. 
LIGÚRIO – Esse Camilo foi para a França, há um ano; e, sendo viúvo, deixou a filha solteira em um convento, cujo nome, agora não vem ao caso. 
FREI TIMÓTEO – E daí? 
LIGÚRIO – E daí que, por descuido das freiras ou leviandade da moça, ela está grávida de quatro meses; de modo que, se não se reparar o mal com certo cuidado, o doutor aqui, as freiras, Camilo e a casa dos Calfucci ficarão desonrados. Ele teme tanto essa vergonha, que fez promessa, se a história não se espalhar, de dar trezentos ducados pelo amor de Deus. 
MESSER NÍCIA – Que sacanagem é essa? 
LIGÚRIO – (Quieto!) E ele quer dar a esmola por suas mãos; pois somente o senhor e a abadessa podem remediar o caso. 
FREI TIMÓTEO – Como? 
LIGÚRIO – Convencendo a abadessa a dar à menina uma poção que a faça abortar. 
FREI TIMÓTEO – Isso é mais complicado.
LIGÚRIO – Como complicado? Pense em quantos bens advirão daí: preserva-se a honra do convento, da menina, dos parentes, devolve-se uma filha ao pai, contenta-se messer Nícia e toda sua família e com esses trezentos ducados o senhor pode distribuir tantas esmolas quanto possível. Por outro lado, não se ofende senão um pedaço de carne, que ainda não nasceu, que não sente nada e que, de mil maneiras, poderia se perder. Eu acho que o Bem é o que é bom para a maioria e que deixa mais gente feliz.
FREI TIMÓTEO – Seja tudo em nome de Deus. De Deus e da caridade. Pode me dizer qual é o convento, me dar a poção, e se não for inconveniente, também esse dinheiro, para que eu possa começar a fazer o bem. 
LIGÚRIO – Agora sim, estou reconhecendo o religioso que sempre imaginei. Aqui está uma parte do dinheiro. O convento é... Espere. Tem uma mulher, ali na igreja, me chamando. Vou dar duas palavrinhas com ela; volto já. Fique com messer Nícia. 
  
CENA V
Frei Timóteo e messer NÍCIA
 FREI TIMÓTEO – Essa mocinha, que idade tem? 
MESSER NÍCIA – Estou assombrado. 
FREI TIMÓTEO – Perguntei que idade tem a moça. 
MESSER NÍCIA – O diabo que o carregue! 
FREI TIMÓTEO – Por quê 
MESSER NÍCIA – Para que fique com ele! 
FREI TIMÓTEO – Caí numa armadilha. Estou negociando com um louco e com um surdo. Um fugiu, o outro não ouve. Mas se isso não for falso, eu é que saio ganhando! Aí vem Ligúrio. 
  
CENA VI
LIGÚRIO, frei Timóteo e messer NÍCIA
LIGÚRIO – Quieto, messere! Oh, padre! Trago uma grande novidade. 
FREI TIMÓTEO – Qual? 
LIGÚRIO – A mulher com quem falei disse-me que a menina abortou sozinha. 
FREI TIMÓTEO – Muito bem; a esmola será distribuída. 
LIGÚRIO – Que? 
FREI TIMÓTEO – Agora, mais do que nunca, a esmola deve ser distribuída. 
LIGÚRIO – Agora, mais do que nunca a esmola deve ser distribuída...Mas é preciso antes ajudar o doutor em outro caso.
FREI TIMÓTEO – De que se trata? 
LIGÚRIO – Coisa menos grave e de menor escândalo, melhor para o doutor, mais útil para o senhor. 
FREI TIMÓTEO – O que é? Estou tão comprometido com os senhores que não há nada que eu não faça por nosso negócio.
LIGÚRIO – Vamos conversar a sós na igreja. O senhor, Messere, tenha a bondade de esperar aqui. Voltamos já. 
MESSER NÍCIA – Siga em frente, como disse o condenado ao carrasco.
FREI TIMÓTEO – Vamos. 
  
CENA VII
Messer NÍCIA, sozinho
MESSER NÍCIA – É dia ou noite? Estou acordado ou sonhando? Será que estou bêbado, se bem que não bebi nada, para cair nessa conversa? Ficamos de dizer uma coisa ao frade, e ele diz outra. Depois,quis que me fizesse de surdo e era melhor que eu pusesse cera nos ouvidos para não ter de ouvir as maluquices que ele disse, só Deus sabe porque! Já gastei vinte e cinco ducados, do que interessa ainda não se falou e, agora, me deixaram plantado aqui, feito um palerma. Será que eu sou palerma?Mas estão voltando. E vão se dar mal se não cuidaram do meu caso! 
  
CENA VIII
Frei Timóteo, LIGÚRIO e messer NÍCIA
FREI TIMÓTEO – as mulheres podem vir. Sei o que devo fazer; e, se minha autoridade tiver algum valor, ainda hoje resolveremos a questão.
LIGÚRIO – Messer Nícia, frei Timóteo vai cuidar de tudo. Basta que as mulheres venham.
MESSER NÍCIA – Já me sinto outro. Será que vai ser macho? 
LIGÚRIO – Macho. 
MESSER NÍCIA – Eu já choro de alegria. 
FREI TIMÓTEO – Escondam-se na igreja que eu espero aqui pelas mulheres. Depois que elas forem embora, contarei o que disseram.
CENA IX
Frei Timóteo, sozinho
FREI TIMÓTEO – Não sei quem, de nós dois, embrulhou o outro. Esse desgraçado do Ligúrio veio aqui, com aquela história do aborto, para me testar. Se eu não concordasse com ela não me contariam esta outra, para não revelarem seus planos à toa. É verdade que eu fui enganado; mas posso tirar vantagens disso. Messer Nícia e Calímaco são ricos e de cada um deles, por diferentes razões, posso ganhar muito. Convém que a coisa fique em segredo, que isto tanto interessa a eles quanto a mim. Seja lá como for, não me arrependo. É bem provável que não seja tão fácil, pois dona Lucrécia é sensata e honesta; mas eu vou me aproveitar da sua bondade. Afinal, as mulheres tem pouco cérebro e, quando uma delas sabe dizer duas palavras, todo mundo fica sabendo, pois em terra de cegos quem tem um olho é rei. Mas aí vem ela com a mãe, que é uma víbora e vai me ajudar a convencer a filha.
CENA X
Sóstrata e Lucrécia
SÓSTRATA – Você sabe muito bem, minha filha, que ninguém no mundo preza mais a sua honra e seu bem do que eu, e nunca te aconselharia a fazer nada errado. Disse e repito que, se frei Timóteo disser que não há pecado, faça sem pensar.
LUCRÉCIA – Sempre desconfiei que a vontade de Messer Nícia de ter filhos nos levaria a fazer alguma coisa errada; por isso, toda vez que ele me sugeria alguma coisa, ficava receosa e apreensiva, principalmente depois que me aconteceu aquilo na igreja dos Servitas. Mas, de tudo o que se tentou, isso de submeter o meu corpo a essa vergonha e causar a morte do homem que me possuir, me parece a mais estranha. Nem que eu fosse a única mulher do mundo e de mim dependesse o renascer da espécie humana, eu faria isso. 
SÓSTRATA – Eu não sei, minha filha. Fale com o frade, veja o que ele diz e depois faça o que ele aconselhar. Ele e todos que te querem bem. 
LUCRÉCIA – Estou suando de nervoso. 
CENA XI
Frei Timóteo, Lucrécia e Sóstrata
FREI TIMÓTEO – Bem-vindas! Sei do que se trata porque messer Nícia já me falou. E, na verdade, consultei os livros por mais de duas horas, estudando a questão; e, depois de muita pesquisa, encontrei várias coisas que, no particular e no geral, vão nos servir.
LUCRÉCIA – O senhor está falando sério, ou está brincando? 
FREI TIMÓTEO – Ah, dona Lucrécia! Isso é assunto para brincadeira? A senhora não me conhece?
LUCRÉCIA – Claro, padre; mas esta me parece a coisa mais estranha que já ouvi. 
FREI TIMÓTEO – Posso imaginar, mas não deve falar assim. Há muitas coisas que, de longe, parecem terríveis, inadmissíveis, estranhas; mas, de perto, revelam-se humanas, aceitáveis, corriqueiras. Por isto se diz que o medo é maior que o mal, e este é um dos exemplos. 
LUCRÉCIA – Deus queira! 
FREI TIMÓTEO – Voltemos ao nosso assunto. Quanto à consciência, é bom adotar o princípio geral, de que, onde há um bem certo e um mal incerto, nunca se deve deixar esse bem por medo daquele mal. Aqui, temos um bem certo: a senhora vai engravidar e gerar mais uma alma para Deus Nosso Senhor. O mal incerto é que aquele que deitar com a senhora depois de beber a poção, morrerá. Mas há também os que não morrem. Como a coisa é duvidosa, é bom que messer Nícia não corra esse risco. Quanto ao ato ser pecado, é bobagem, porque a vontade é quem peca, e não o corpo; pecado seria desagradar o marido, e a senhora vai agradá-lo; seria ter prazer no ato, e a senhora não vai ter. Além disso, os fins é que importam. E os seus são preencher uma vaga no paraíso e satisfazer seu marido. Diz a Bíblia que as filhas de Lot, julgando que tivessem ficado sós no mundo, se deitaram com o pai; mas, como sua intenção foi boa, não pecaram. 
LUCRÉCIA – Do que o senhor está tentando me convencer? 
SÓSTRATA – Deixe-se convencer, minha filha. Não vê que uma mulher sem filhos é uma mulher sem lar? Se o marido morre, fica como um bicho, abandonada por todos. 
FREI TIMÓTEO – Eu juro, senhora, por este peito sagrado, que obedecer à vontade de seu marido, neste caso, assim como comer carne às quartas-feiras, são pecados que se lavam com água benta. 
LUCRÉCIA – Aonde o senhor quer me levar, padre? 
FREI TIMÓTEO – A coisas que vão fazer a senhora rezar a Deus por mim; e daqui a um ano, estará mais feliz do que agora. 
SÓSTRATA – Ela fará o que o senhor quer. Hoje à noite, eu mesma a enfiarei na cama. Está com medo de que, bobona? Muitas mulheres, neste mundo, ergueriam as mãos ao céu no seu lugar. 
LUCRÉCIA – Está bem. Mas acho que não estarei viva, amanhã de manhã. 
FREI TIMÓTEO – Não duvide, minha filha. Rezarei a Deus pela senhora, direi a oração do arcanjo Rafael, para que te acompanhe. Vá em paz e prepare-se para esse mistério, que já está anoitecendo. 
SÓSTRATA – Fique em paz, padre. 
LUCRÉCIA – Que Deus e Nossa Senhora me ajudem, para que não me aconteça nenhum mal!
CENA XII
Frei Timóteo, LIGÚRIO e messer NÍCIA
FREI TIMÓTEO – Ligúrio! 
LIGÚRIO – Como foi? 
FREI TIMÓTEO – Muito bem. Elas foram para casa dispostas a tudo; e não deve haver mais dificuldades, porque a própria mãe a enfiará na cama. 
MESSER NÍCIA – É verdade? 
FREI TIMÓTEO – Ora! Vejo que a surdez passou! 
LIGÚRIO – Milagre, milagre de São Quemente!!!
FREI TIMÓTEO – Então, é bom o senhor fazer uma doação em nome do santo, para o bem da paróquia.
MESSER NÍCIA – Não vamos entrar em detalhes. Vamos ao que importa. Minha mulher vai criar caso para fazer o que eu quero? 
FREI TIMÓTEO – Já disse que não. 
MESSER NÍCIA – Sou o homem mais feliz do mundo. 
FREI TIMÓTEO – Claro, ainda mais com um filho macho. 
LIGÚRIO – Volte às suas orações, frade, e, se precisarmos de mais alguma coisa, voltaremos aqui. O senhor, messere, vá ficar com a sua mulher, para que ela não mude idéia, enquanto eu vou pedir a doutor Calímaco, para que mande a poção; e, às sete horas, nos encontramos para combinar o que vamos fazer mais tarde.
MESSER NÍCIA – Tudo bem, adeus! 
FREI TIMÓTEO – Vão em paz! 
 
ATO IV
CENA I
CALÍMACO, sozinho
CALÍMACO – Eu só queria saber o que eles fizeram. Será que não vou mais rever Ligúrio? Está mais de uma hora atrasado! Que angústia! A verdade é que a sorte e a natureza mantém sempre o saldo zerado: nunca nos fazem um bem que, em contrapartida, não nos traga um mal. Quanto maior a minha esperança, maior o meu medo. Coitado de mim! Será possível que eu viva tão aflito e perturbado por esses temores e essas esperanças? Sou como um navio levado por dois ventos opostos, quanto mais se aproxima do porto, mais corre perigo. A ingenuidade de messer Nícia me dá esperança, mas a intransigência de Lucrécia me faz tremer. Ai, que não encontro paz em lugar nenhum! Às vezes procuro me dominar, me repreender por este furor e dizer a mim mesmo: “Que está fazendo? Enlouqueceu? E, quando ela for tua, que irá fazer? Reconhecer o teu erro, se arrepender do trabalho e da preocupação que teve? Não sabe que o homem encontra pouca satisfação nas coisas que deseja, em comparação com aquilo que supôs encontrar nelas? Por outro lado, o pior que pode acontecer é morrer e ir para o inferno. Mas já morreu tanta gente! E no inferno estão tantos homens de bem! Está com vergonha de ir para lá? Encare o teu destino de frente; fuja do mal,mas, se não puder fugir, aguente como homem; Não se deixe abater. Não se acovarde como uma mulher”. E, assim, crio coragem, mas por pouco tempo, porque, de todos os lados, me assalta tamanho desejo de estar com ela ao menos uma vez, que fico transtornado da cabeça aos pés: as pernas tremem, as entranhas reviram, o coração arrebenta o peito, os braços pendem, a língua seca, os olhos embaralham tudo, a cabeça gira. Se encontrasse Ligúrio, teria, ao menos, com quem desabafar. Olha ele ali. O que ele me disser fará com que eu ainda viva com um pouco de alegria ou que morra de uma vez. 
CENA II
LIGÚRIO e CALÍMACO
CALÍMACO – Ligúrio, Ligúrio! Que tal as novidades?
LIGÚRIO – Muito boas. 
CALÍMACO – Boas, mesmo?
LIGÚRIO – Ótimas. 
CALÍMACO – Lucrécia concordou? 
LIGÚRIO – Sim. 
CALÍMACO – O frade fez o que devia? 
LIGÚRIO – Fez. 
CALÍMACO – Oh, frade bendito! Rezarei sempre a Deus por ele. 
LIGÚRIO – Devagar! O frade vai querer coisa bem diferente das tuas rezas! 
CALÍMACO – O que ele vai querer? 
LIGÚRIO – Dinheiro! 
CALÍMACO – Receberá. Quanto você prometeu? 
LIGÚRIO – Trezentos ducados. 
CALÍMACO – Fez muito bem. 
LIGÚRIO – O doutor já desembolsou vinte e cinco. 
CALÍMACO – Como? 
LIGÚRIO – Basta saber que os desembolsou. 
CALÍMACO – E o que fez a mãe de Lucrecia? 
LIGÚRIO – Quase tudo. Quando ouviu que a filha podia passar uma bela noite sem pecado, não parou de rogar, mandar, confortar Lucrécia, até que ela fosse falar com o frade; e, lá, procedeu de tal maneira, que ela concordou! 
CALÍMACO – Oh, meu Deus! Eu não mereço isso. Ainda morro de felicidade. 
LIGÚRIO – Mas que gente é essa? Ora de felicidade, ora de tristeza, esse aí quer morrer de qualquer jeito. Já preparou a poção? 
CALÍMACO – Já. Um copo de hipocraz, que é bom pro estômago e alegra o espírito... Ai, ai, ai! Estou perdido! 
LIGÚRIO – Que foi? Que houve? 
CALÍMACO – Não há remédio! 
LIGÚRIO – Que diabo aconteceu? 
CALÍMACO – Não vai dar certo. Estou num beco sem saída.
LIGÚRIO – Por quê? Diga de uma vez! Tire as mãos do rosto. 
CALÍMACO – Você não se lembra de que eu disse a messer Nícia que eu, você, ele e Siro iríamos agarrar alguém para dormir com a mulher dele? 
LIGÚRIO – E daí? 
CALÍMACO – Como, e daí? Se eu estiver com vocês, não posso ser o tal que vai ser agarrado; e, se não estiver, ele vai desconfiar. 
LIGÚRIO – É verdade. Mas será que não tem jeito? 
CALÍMACO – Acho que não. 
LIGÚRIO – Tem que ter. 
CALÍMACO – E qual? 
LIGÚRIO – Preciso pensar um pouco. 
CALÍMACO – Ah, claro! Se você ainda vai pensar, eu estou frito. 
LIGÚRIO – Já sei. 
CALÍMACO – O que?
LIGÚRIO – Farei com que o frade, que nos ajudou até aqui, faça o resto. 
CALÍMACO – Como? 
LIGÚRIO – Todos estaremos disfarçados, não é? Eu farei o frade disfarçar-se também: mudar de cara, de voz, de roupa. Digo a messer Nícia que é você e ele vai acreditar. 
CALÍMACO – Gostei. E eu faço o que?
LIGÚRIO – Vista uma capinha por cima da roupa e, venha por ali, daquela esquina, com o alaúde e cantando uma canção. 
CALÍMACO – Com o rosto descoberto? 
LIGÚRIO – Claro, com uma máscara ele desconfiaria.
CALÍMACO – Ele vai me reconhecer.
LIGÚRIO – Não, porque você vai entortar o rosto, arreganhar a boca e fechar um olho. Tente.. 
CALÍMACO – Assim? 
LIGÚRIO – Não. 
CALÍMACO – E assim? 
LIGÚRIO – Ainda não. 
CALÍMACO – E agora? 
LIGÚRIO – Isso. Lembre-se disso. Tenho um nariz postiço em casa que você vai usar.
CALÍMACO – Está bem. E depois? 
LIGÚRIO – Assim que você aparecer na esquina, nós vamos te agarrar, te arrancar o alaúde das mãos; e, depois de te dar umas pancadas, vamos te levar para casa e te enfiar na cama. O resto, é com você! 
CALÍMACO – O problema é chegar lá! 
LIGÚRIO – Isso é fácil, mas voltar lá só depende de você.
CALÍMACO – Como? 
LIGÚRIO – É preciso conquistá-la esta noite e, antes de ir embora, revelar quem você é, esclarecer a trapaça e confessar teu amor por ela. Depois é preciso demonstrar que ela pode, sem infâmia, ser tua amiga ou, com grande infâmia, tua inimiga. É impossível que ela não concorde com você e não queira repetir a dose. 
CALÍMACO – Tem certeza? 
LIGÚRIO – Tenho. Mas não vamos perder mais tempo: já são duas horas. Chame Siro, mande a poção a messer Nícia e espere por mim em casa. Vou procurar frei Timóteo para combinar o disfarce. 
CALÍMACO – Vá depressa! 
CENA III
CALÍMACO e Siro
CALÍMACO – Siro. 
SIRO – Senhor! 
CALÍMACO – Pegue o copo , e leve-o à casa de messer Nícia. Cuidado para não derramar. Diga-lhe que este é o remédio que a esposa deve tomar, logo depois do jantar e, quanto antes, melhor. E mais, que nós estaremos na esquina à hora combinada e que ele trate de estar lá também. Vai depressa. 
SIRO – Imediatamente. 
CENA IV
CALÍMACO, sozinho
CALÍMACO – Espero que Ligúrio volte com o frade; quem diz que esperar é coisa dura, diz a verdade. Estou perdendo cinco quilos por hora, só de pensar onde estou agora e onde posso estar dentro de duas horas e morro de medo de que alguma coisa possa dar errado. Porque, se isso acontecer, esta será a última noite da minha vida, pois vou me atirar ao Arno ou me enforcar ou me atirar de uma janela ou me esfaquear na porta da casa dela. Faço qualquer coisa para acabar com a vida. Mas quem é aquele que está com Ligúrio? Deve ser o frade disfarçado. Oh, frades! Quem conhece um, conhece todos. Mas quem será esse outro que se aproxima deles? É Siro, que já deve ter dado o recado ao doutor. 
  
CENA V
Siro, LIGÚRIO, frei Timóteo, disfarçado, e CALÍMACO
SIRO – Quem é esse, Ligúrio? 
LIGÚRIO – Um homem de bem. 
SIRO – É coxo ou está fingindo? 
LIGÚRIO – Não é da tua conta. 
SIRO – Oh! Tem a cara de satanás! 
LIGÚRIO – Cala a boca! Onde está Calímaco? 
CALÍMACO – Aqui! 
LIGÚRIO – Ó Calímaco, repreende este idiota do Siro; só diz besteira. 
CALÍMACO – Siro: hoje à noite, você deve fazer tudo que Ligúrio mandar e fazer de conta que sou eu. Você deve guardar segredo sobre tudo que ver, ouvir, perceber, se dá algum valor aos meus bens, a minha honra, a minha vida e ao teu próprio bem. 
SIRO – Sim senhor. 
FREI TIMÓTEO – Esse aí é Calímaco? 
CALÍMACO – Às suas ordens. 
FREI TIMÓTEO – O que vou fazer por você, meu filho, nunca fiz por nenhum outro homem deste mundo. 
CALÍMACO – Não será trabalho perdido. O senhor poderá dispor de mim e dos meus bens como se fossem seus.
FREI TIMÓTEO – Muito obrigado, mas basta que me queira bem.. 
LIGÚRIO – Façam-me um favor!!! Deixem de cerimônias. Calímaco, Siro e eu vamos nos disfarçar. 
FREI TIMÓTEO – Fico aqui esperando.   
CENA VI
Frei Timóteo, disfarçado, sozinho
FREI TIMÓTEO – Falam a verdade os que dizem que as más companhias levam o homem à forca. E, muitas vezes, uma pessoa pode acabar se dando mal, tanto por ser boa e complacente quanto por ser má. Deus sabe que eu jamais pensei em prejudicar ninguém. Ficava em minha cela, rezava minhas missas, cuidava das minhas beatas. Surgiu à minha frente esse diabo do Ligúrio, que me fez meter o dedo num erro, onde acabei por mergulhar o braço e o corpo todo, sem que ainda saiba aonde irei parar. Mas o meu consolo é que, quando uma coisa interessa a muita gente, muita gente cuida dela. 
  
CENA VII
Frei Timóteo, LIGÚRIO e Siro
LIGÚRIO – Que tal o nosso disfarce? 
FREI TIMÓTEO – Ótimo. 
LIGÚRIO – Só falta messer Nícia. Já está na hora. Vamos! 
SIRO – Quem será que está abrindo a porta da casa? O criado? 
LIGÚRIO – Não, é ele. Ah, ah, ah, ah! 
SIRO – Está rindo? 
LIGÚRIO – Quem não haveria de rir? O homem está usando uma capinha, que não cobre nem o cu. E que diabo pôs na cabeça? Parece um chapéu de viking.; e, lá em baixo, tem uma espadinha. Ah, ah! Resmunga não sei o quê. Vamos nos afastar um pouco; deve estar reclamando da mulher.
CENA VIII
Messer NÍCIA, disfarçado
MESSER NÍCIA – Como é mimada essa minha tontinha! Mandou a criada para a casa da mãe e o criado à cidade. Isto eu até gostei; o que eu não gostei é que, antes de ir para a cama, fizesse tanto doce: “Não quero... O que eu vou fazer?...Mamma mia!...” E, se não fosse a mãe dar-lhe um esporro, não se enfiava na cama. Quero mais que ela se dane! Gosto das mulheres recatadas, mas não tanto! Quase me deixou louco esse miolo de gata! Sei que agora a coisa vai entrar no devido lugar e que, antes de retirar-me do jogo, poderei dizer que vi tudo com os meus próprios olhos. Mas como estou bem, neste disfarce! Quem iria me reconhecer? Pareço mais alto, mais jovem, mais esbelto. Não teria que pagar pra dormir com mulher nenhuma. Mas onde estão os outros? 
CENA IX
LIGÚRIO, messer NÍCIA, frei Timóteo e Siro
LIGÚRIO – Boa noite, messere! 
MESSER NÍCIA – Epa! Epa! Epa! 
LIGÚRIO – Calma, somos nós. 
MESSER NÍCIA – Ah bom, ainda bem que os reconheci, porque senão eu os teria cortado em pedacinhos com minha espada. Você é Ligúrio, você Siro, e esse outro o doutor? 
LIGÚRIO – É, o doutor.
MESSER NÍCIA –Ah, como disfarça bem a voz, nem o demônio o reconheceria! 
LIGÚRIO – Mandei que ele enfiasse duas nozes na boca, para não ser reconhecido pela voz. Mas não vamos mais perder tempo. Quero ser o capitão e chefiar o exército para a batalha. No corno direito, fica Calímaco, no esquerdo, fico eu, Siro permanecerá na retaguarda, e entre os cornos messer Nícia. E a senha é São Cornutto. 
MESSER NÍCIA – Quem é São Cornutto? 
LIGÚRIO – É o santo mais venerado que há na Itália. Quietos, estou ouvindo um alaúde.
MESSER NÍCIA – É, um alaúde. Que vamos fazer? 
LIGÚRIO – Vamos mandar à frente um batedor, para descobrir quem é; e, conforme o que ele disser, vamos agir.
MESSER NÍCIA – Quem vai? 
LIGÚRIO – Siro. Você sabe o que fazer
SIRO – Já vou. 
MESSER NÍCIA – Eu não gostaria de perder tempo agarrando algum velho doente, e tivesse que repetir essa brincadeira na próxima noite. 
LIGÚRIO – Não, Siro é esperto. Lá vem ele. Que tal, Siro? 
SIRO – É o rapagão mais bonito que já vi. Não tem nem vinte e cinco anos e vem por aí sozinho, com uma capinha, tocando um alaúde. 
MESSER NÍCIA – Vem a calhar, se for verdade. Mas se você estiver enganado, Siro, vai sobrar para você.
SIRO – É como eu disse. 
LIGÚRIO – Vamos esperar que dobre a esquina para saltar em cima dele. 
CALÍMACO – Ir contigo pra cama possa o demo, já que não me é possível ir lá eu! 
LIGÚRIO – Alto lá e passe pra cá esse alaúde. 
CALÍMACO – Ai! Que foi que eu fiz? 
MESSER NÍCIA – Já vai saber. Cubra a cabeça dele... a mordaça! 
LIGÚRIO – Roda! 
MESSER NÍCIA – Outra volta! Mais uma! agora para dentro de casa! 
FREI TIMÓTEO – Messer Nícia, eu vou descansar, pois estou morrendo de dor de cabeça. E, se não for preciso, não venho amanhã . 
MESSER NÍCIA – Pois não, doutor, podemos fazer tudo sozinhos. 
CENA IX
Frei Timóteo, sozinho
FREI TIMÓTEO – Eles entraram em casa e eu vou para o convento. E os senhores espectadores, nos perdoem. Nesse momento deveria haver um intervalo, e assim, quando vocês voltassem já estaríamos no dia seguinte. Mas, como esta noite ninguém vai dormir, não haverá tempo entre os atos. Eu vou rezar. Ligúrio e Siro vão jantar, porque hoje ainda não comeram nada, e o doutor irá do quarto para a sala, para não deixar o caldo entornar. Calímaco e a dona Lucrécia não vão dormir, porque bem sei, se eu fosse ele e vocês fossem ela, nós também não dormiríamos. 
 
ATO V
CENA I
Frei Timóteo, sozinho
 FREI TIMÓTEO – Esta noite não pude pregar o olho, tal é o meu desejo de saber como Calímaco e os outros se saíram. Mas ouço barulho na casa de messer Nícia. São eles soltando o prisioneiro. Aproveitaram até a última gôta. Já está raiando o dia. Quero ficar aqui, sem ser visto, e ouvir o que dizem. 
CENA II
Messer NÍCIA, CALÍMACO, LIGÚRIO e Siro
 MESSER NÍCIA – Pega daí, que eu pego daqui; Siro, agarra pela capa. 
CALÍMACO – Não me machuquem! 
LIGÚRIO – Vamos soltá-lo aqui mesmo. Mas, antes, vamos fazê-lo rodar, para que não saiba de onde saiu. Porrada, Siro! 
SIRO – Pronto! 
MESSER NÍCIA – Outra vez! 
SIRO – Já foi. 
CALÍMACO – O meu alaúde! 
LIGÚRIO – Cai fora vagabundo, se manda! Mais uma palavra e te corto o saco! 
MESSER NÍCIA – Deu no pé. Vão contar ao Dr. Calímaco que tudo deu certo. 
LIGÚRIO – Que podemos contar? Não sabemos nada. 
MESSER NÍCIA – É verdade. Quanta coisa tenho para contar! A patroa estava na cama, no escuro. Sóstrata me esperava junto à lareira. Cheguei com o danado e, por via das dúvidas, levei-o para a despensa, que é iluminada apenas um por feixe de luz, de modo que ele não podia ver o meu rosto. 
LIGÚRIO – Quanta inteligência. 
MESSER NÍCIA – Mandei que tirasse a roupa e ele nada; aí virei o cão e ele ficou logo pelado. Era feio de cara. Um narigão, a boca torta; mas a carne vocês nem imaginam! Macia, branquinha, polpuda! E do resto nem é bom falar. 
LIGÚRIO – Nem é bom falar. Mas era preciso examinar tudo?
MESSER NÍCIA – Está me gozando. Já que estava com a mão na massa, fui fundo, para ver se era saudável. E se ele tivesse alguma pereba, que seria de mim, agora? 
LIGÚRIO – Tem razão. 
MESSER NÍCIA – Como vi que era sadio, arrastei-o para o quarto e, no escuro enfiei-o na cama. Mas antes de afastar-me, quis ter a prova palpável de como estava a coisa, porque não costumo comprar gato por lebre. 
LIGÚRIO – Quanta sabedoria! 
MESSER NÍCIA – Depois de apalpar e ver tudo, saí do quarto, fechei a porta e passei a noite toda conversando com minha sogra ao pé da lareira. 
LIGÚRIO – Sobre o que? 
MESSER NÍCIA – Sobre as frescuras de Lucrécia e de como teria sido melhor que ela tivesse cedido logo. Depois, falamos do menino, pois já posso sentir o meu nenenzinho no colo!, Aí ouvi o galo cantar e, antes que amanhecesse, entrei no quarto. E quer saber? Não conseguia tirar o safado de lá! 
LIGÚRIO – Acredito. 
MESSER NÍCIA – Gostou do torresmo! Mas, levantou-se, eu os chamei e o pusemos para fora. 
LIGÚRIO – Enfim, deu tudo certo. 
MESSER NÍCIA – Sabe que eu fiquei com pena?
LIGÚRIO – De quê? 
MESSER NÍCIA – Desse pobre rapaz: que vá morrer logo e que esta noite custe tão caro. 
LIGÚRIO – O Senhor não tem mais o que pensar? Deixe isso para lá! Problema dele.
MESSER NÍCIA – É verdade. Não vejo a hora de encontrar Dr Calímaco, para comemorar com ele. 
LIGÚRIO – Ele só sairá daqui há uma hora. Mas já é dia claro. Vamos tirar os disfarces....E o senhor? 
MESSER NÍCIA – Também vou para casa, pôr uma roupa decente. Vou mandar minha mulher se levantar, se lavar e ir à igreja, para a purificação. Gostaria que você e Calímaco estivessem lá para agradecer ao frade e retribuir o que fez por nós. 
LIGÚRIO – Muito bem. Combinado. 
  
CENA III
Frei Timóteo, sozinho
 FREI TIMÓTEO – Gostei dessa história; como um doutor pode ser tão burro!?; mas o que eu gostei mesmo foi o que ele disse no final. E, já que vão me visitar, vou esperar na igreja, onde posso vender melhor o meu peixe. 
CENA IV
CALÍMACO e LIGÚRIO
CALÍMACO – Como já te disse, Ligúrio, até às três da manhã eu fiquei meio insatisfeito; pois, apesar de todo o meu desejo, eu não estava bem. Mas aí eu me abri e declarei o meu amor; disse que seria fácil sermos felizes sem nenhuma desonra, por causa da ingenuidade do marido; e até prometi que, se ele morresse, eu me casaria com ela. Isso sem falar na diferença que ela sentiu entre o meu jeito e o dele, entre os beijos de um amante novo e os de um marido velho. Enfim, depois de alguns suspiros, ela disse:
LUCRÉCIA - Já que a tua astúcia, a burrice do meu marido, a ingenuidade de minha mãe e a má-fé do meu confessor me levaram a fazer o que, por mim, jamais teria feito, creio que tudo tenha sido uma determinação do céu; e quem sou eu para recusar o que o céu quer que eu aceite. Por isso, eu te recebo como senhor, patrão e guia; você: meu pai, meu protetor e meu único bem. E o que o meu marido quis por uma noite, quero que seja para sempre. Você vai virar seu compadre. Para isso irá esta manhã à igreja e depois, almoçará conosco. Ficarmos juntos a qualquer hora e sem despertar suspeitas, só depende de você.
CALÍMACO - Ao ouvir essas palavras, quis morrer de felicidade. Não pude dizer nem a mínimaparte de tudo que desejava. Agora, sou o homem mais contente e feliz deste mundo; e se essa felicidade não acabar, pela morte ou pelo tempo, eu serei o mais beato do beatos, o mais santo dos santos. 
LIGÚRIO – Fico feliz por você. Aconteceu exatamente o que eu disse. Mas e agora? 
CALÍMACO – Vamos à igreja, pois prometi encontrar com ela, a mãe e Messer Nícia. 
LIGÚRIO – Não é a porta da casa deles? elas estão saindo e ele vem atrás. 
CALÍMACO – Vamos esperar na igreja. 
CENA V
Messer NÍCIA, Lucrecia e Sóstrata
MESSER NÍCIA – Lucrécia, é melhor fazer como Deus manda e não como lhe dá na telha.
LUCRÉCIA – E o que devemos fazer, então? 
MESSER NÍCIA – Olha como fala! Parece um galinho de briga! 
SÓSTRATA – Não ligue, ela está um pouco nervosa. 
LUCRÉCIA – O que o senhor quer dizer? 
MESSER NÍCIA – Que é melhor eu ir na frente falar com o frade e dizer-lhe que venha ao teu encontro na porta da igreja, para a purificação, porque hoje, é como se você renascesse. 
LUCRÉCIA – E por que não vai de uma vez? 
MESSER NÍCIA – Está muito atrevida, hoje de manhã! Ontem à noite, parecia que ia morrer. 
LUCRÉCIA – É culpa sua. 
SÓSTRATA – Vá procurar o frade. Não é preciso: já está saindo da igreja. 
MESSER NÍCIA – É mesmo. 
CENA VI
Frei Timóteo, messer NÍCIA, Lucrécia, CALÍMACO, LIGÚRIO e Sóstrata
MESSER NÍCIA – Bona dies, padre! 
FREI TIMÓTEO – Bem-vindos e que Deus lhe dê, minha senhora, um belo filho homem! 
LUCRÉCIA – Deus queira! 
FREI TIMÓTEO – Há de querer. 
CALÍMACO – Deus os abençoe! 
MESSER NÍCIA – Doutor, pegue aqui a mão da minha mulher. 
CALÍMACO – Com prazer. 
MESSER NÍCIA – Graças a esse homem, Lucrécia, teremos um bengala para nossa velhice. 
LUCRÉCIA – Muito obrigada; e quero que seja nosso compadre. 
MESSER NÍCIA – Deus te abençoe, mulher! E quero que ele e Ligúrio venham almoçar conosco. 
LUCRÉCIA – Sem dúvida.
MESSER NÍCIA – Vou dar para ele a chave da porta dos fundos para que possa entrar e sair quando quiser, pois quem não tem mulher em casa leva uma vida muito besta.
CALÍMACO – Aceito, e vou usá-la quando precisar.
FREI TIMÓTEO – E o dinheiro das esmolas? 
MESSER NÍCIA –Bem sabe, domine, que ainda hoje será entregue. 
LIGÚRIO – E não se esqueçam do Siro. 
MESSER NÍCIA – Pode deixar. Lucrecia, quantos “grossos” devemos dar ao frade pela purificação? 
LUCRÉCIA – Dez. 
MESSER NÍCIA – Estou ferrado! 
FREI TIMÓTEO – E a senhora, dona Sóstrata, me parece revigorada. 
SÓSTRATA – Quem não estaria alegre? 
FREI TIMÓTEO – Vamos todos à igreja para a bênção. Mais tarde, depois do ofício, vocês irão almoçar. E os senhores espectadores, não esperem por nós que a missa é longa; eu ficarei na igreja e eles irão para casa saindo pela porta lateral. E passar bem. Fim.
  
CAI O PANO
FIM
NOTAS DO TRADUTOR 
1.     Messere ou, diante do nome, messer (ou, abreviadamente, ser) era o título que se dava na Itália, até o século XVI, a fidalgos, prelados e juristas. Nesse sentido correspondia ao messire dos franceses. Em Florença, onde se desenrola a ação de A Mandrágora, e na Toscana, em geral, indicava a qualidade de notário. Seu uso porém, era bastante generalizado já no tempo de Maquiavel e o termo se empregava um pouco como, entre nós, o “doutor”, tratamento que se dispensa também a quem não é formado, em muitos casos; e, praticamente, podia substituir a palavra “senhor” ou “cavalheiro”, tal como nós a usamos. Tanto assim, que, na ultima fala da terceira cena do quarto ato, o criado Siro, dirigindo-se ao seu amo CALÍMACO, o emprega duas vezes (Messere, na primeira, e messere sì, na segunda), muito embora CALÍMACO não seja notário nem doutor em coisa alguma. Contudo, pareceu-nos útil conserva-lo, no caso de NÍCIA, para marcar um pouco a cor local e já que o homem é doutor em leis. Pronuncia-se com o acento tônico no segundo e. 
2.     Maquiavel estropia, de caso pensado, referindo-se ao personagem de NÍCIA, o nome do filósofo Boécio, que, em italiano, se escreve Boezio, transformando-o em Buezio; ora, bue, em italiano, significa boi, animal chifrudo, que merecia vir à baila, no caso de NÍCIA. 
3.     Para evitar erros de pronúncia, convirá ao leitor saber que o gn italiano soa exatamente como o nosso nh (salvo em poucas palavras e no começo destas). Assim, o sobrenome de CALÍMACO deverá ler-se Guadánhi. Mais adiante, se falará num sobrinho de messer NÍCIA, com o mesmo sobrenome do tio: Calfucci. A pronúncia correta será Calfútchi. 
4.     No cimo de um dos montes que separam Pisa de Lucca, a cerca de quinhentos metros de altura, existem, ainda hoje, os restos da que, outrora, deve ter sido uma fortaleza de certa importância. Chamam-na Verruca, isto é, verruga. É possível que, no tempo de Maquiavel, se denominasse Verrucola, no diminutivo, ou, talvez, assim preferisse chamar-lhe o autor da comédia, para fazer um jogo verbal intraduzível em nossa língua. Com efeito, LIGÚRIO, de propósito, evidentemente, pergunta a NÍCIA se, em Pisa, viu la Carrucola (a roldana), e NÍCIA o corrige: la Verrucola. Na procura de um equivalente, julgamos oportuno substituir a fortaleza por outro monumento mais universalmente conhecido e que já existia e já estava torto fazia cerca de três séculos, no tempo em que A mandrágora foi escrita. 
5.     O grosso (plural: grossi) era uma pequena moeda de prata, cujo valor variava de cidade para cidade, mas que, em geral, valia cinco soldi; um soldo seria a vigésima parte de uma lira. 
6.     No texto de Maquiavel, como era costume na época, não se contêm rubricas, estando a ação da personagem claramente indicada pelas próprias falas. Contudo, talvez convenha assinalar que esta primeira fala de NÍCIA se dirige à esposa, que está dentro de casa. 
7.     Magistratura judiciária e policial, constituida por oito pessoas, em Florença, no tempo de Maquiavel. 
8.     Conservou-se na tradução a indicação da divisão do tempo tal como se encontra no original. Havia as “horas francesas”, vinte e quatro fixas, contadas como atualmente de meia-noite a meia-noite; e havia as “horas italianas”, variáveis, também vinte e quatro, mas contadas de um pôr do sol ao outro, de modo que o meio-dia e a meia-noite deslocavam-se conforme as estações. A hora indicada nesta fala deve entender-se como sendo a Quarta hora despois do sol posto. (Já CALÍMACO, que vem de Paris, no quarto ato expressasse em “horas francesas”.) 
9.    No caso de ser a peça levada à cena, é claro que o frade, ao dizer esta fala, indicará, com um gesto, as moedas que lhe deu LIGÚRIO, pois é a elas que se refere. Quarteruoli, que traduzimos por “rodelas”, eram pedaços de latão com feitio de moedas – uma sorte de fichas. 
10. A frase, ao pé da letra, seria: “Como disse o sapo à grade”. Deriva ela de uma anedota florentina, a propósito de um sapo arranhado de mau jeito por um dos dentes da grade, com que alguém esterroava a terra onde ele estava. 
11. Truão popular em Florença, que tapava os ouvidos com breu, para fazer-se surdo às queixas de seus credores. 
12. Trata-se de vários pontos de Florença, os mais freqüentados da cidade, evidentemente. A praça só pode ser a que ainda hoje se chama della Signoria, onde se encontrava e se encontra o Palazzo Vecchio, sede do Governo, naquele tempo. Pancone significa banco grande, e devia tratar-se de um banco de pedra – como o do Procônsul, do qual se fala no segundo ato – onde iam sentar-se os que não tinham nada melhor para fazer. Spini é o nome da família proprietária de famoso palácio, que, atualmente, tendo mudado de dono, se chama Feroni. A Loggia dei Tornaquinci, porém, é que não pode ser a elegante construção existente atualmente na rua Tornabuoni, pois esta é de 1613, isto é, quase um século depois de Maquiavel ter escrito a comédia. Vê-se que havia outra, com o mesmo nome e, quem sabe, no mesmo lugar. Para a pronúncia correta das palavras italianas: loggia deve ler-se “lodja” e Tornaquinci, “Tornaqüínchi”. 
13. Na comédia toda, NÍCIA é a personagem que mais emprega idiotismos ou rifões populares, por vezes, até vulgares. Neste ponto,há dois seguidos. Diz ele, após seu desabafo contra a esposa: Io so che la Pasquina entrerá in Arezzo, e inanzi che io mi parta da giuoco, io potrò dire come Monna Ghinga: - Di veduta, con queste mani. A tradução, ao pé da letra, seria: Eu sei que a Pasquina entrará em Arezzo e, antes que eu me retire do jogo, poderei dizer, como a senhora Ghinga: - Via-a com estas mãos. Ambas as frases eram proverbiais, para significar o que procuramos indicar mediante equivalentes, devendo notar-se ainda que, naquilo de a Pasquina entrar na cidade de Arezzo, é por demais evidente uma alusão licenciosa ao que está por acontecer à senhora Lucrécia por obra de CALÍMACO.

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