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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO DO CONSUMIDOR LIMITES À RESPONSABILIDADE CIVIL DO INTERMEDIÁRIO COMERCIANTE DE PRODUTOS E SERVIÇOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO WANESSA LYSIANE MOREIRA DIAS Rio de Janeiro 2018 UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO DO CONSUMIDOR LIMITES À RESPONSABILIDADE CIVIL DO INTERMEDIÁRIO COMERCIANTE DE PRODUTOS E SERVIÇOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO WANESSA LYSIANE MOREIRA DIAS Monografia apresentada à Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para a conclusão do curso de pós- graduação lato sensu em Direito do Consumidor. Professora orientadora: Amanda Rodrigues Rio de Janeiro 2018 WANESSA LYSIANE MOREIRA DIAS LIMITES À RESPONSABILIDADE CIVIL DO INTERMEDIÁRIO COMERCIANTE DE PRODUTOS E SERVIÇOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação em Direito do Consumidor da Universidade Cândido Mendes, como parte dos requisitos para a obtenção do título de especialização. Aprovada pela Banca Examinadora em __________ BANCA EXAMINADORA ____________________________________________ Prof. UCAM/RJ ____________________________________________ Prof. UCAM/RJ ___________________________________________ Prof. UCAM/RJ Rio de Janeiro 2018 RESUMO O presente trabalho teve como objetivo a análise e o estudo específico acerca limites à responsabilidade civil do intermediário comerciante de produtos e serviços no comércio eletrônico. Relevante e essencial se fez a abordagem de tal responsabilidade civil na vigente concepção processual, uma vez que a vulnerabilidade do consumidor se percebe ainda maior frente à cadeia de inúmeros eventuais fornecedores e intermediadores, bem como ao despreparo da legislação brasileira vigente a este fenômeno. Nesta esteira, primeiramente, verifica-se a exposição das pesquisas realizadas acerca dos temas da proteção ao consumidor na relação de consumo via comércio eletrônico e da legislação aplicável vigente, seguidamente da análise da responsabilidade civil nas relações de consumo, bem como suas vertentes quanto à responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço e à responsabilidade civil pelo vício do produto e do serviço. Por conseguinte, discorre-se a pesquisa realizada acerca dos limites à responsabilidade civil do intermediário comerciante de produtos e serviços no comércio eletrônico, assim como sobre a natureza jurídica da intermediação de produtos e serviços no comércio eletrônico, a responsabilidade civil objetiva e subsidiária do intermediário comerciante e a responsabilidade civil subjetiva do intermediário comerciante. Por derradeiro, para a realização deste trabalho de pesquisa foram utilizados os métodos monográfico e hipotético-dedutivo como métodos de procedimento e de abordagem, respectivamente, a documentação indireta como técnica de pesquisa, bem como tendo sido consideradas suficientes as fontes primárias e secundárias para o alcance do conteúdo proposto. Palavras-chave: Comércio eletrônico. Proteção do consumidor. Responsabilidade civil. Intermediário comerciante. ABSTRACT The present paper aimed to analyze the specific study of the civil liability of the intermediary trader for products and services in e-commerce. Relevant and essential was the approach of such civil liability in the current procedural design, since the vulnerability of the consumer is perceived even greater in the chain of innumerable possible suppliers and intermediaries, as well as the lack of preparation of the Brazilian legislation in force to this phenomenon. Firstly, the research carried out on consumer protection issues in the relation of consumption through e-commerce and the applicable legislation in force, followed by the analysis of civil liability in consumer relations, as well as its aspects regarding the civil liability for the fact of the product and service and for civil liability for product and service addiction. Consequently, the research is conducted on the limits on civil liability of the intermediary trader of products and services in electronic commerce, as well as on the legal nature of the intermediation of products and services in electronic commerce, objective civil liability and subsidiary of the intermediary trader and the subjective liability of the intermediary trader. Finally, for the purpose of this research, the monographic and hypothetical-deductive methods were used as methods of procedure and approach, respectively, indirect documentation as research technique, as well as the primary and secondary sources for the scope of the proposed content. Keywords: E-commerce. Consumer protection. Civil liability. Intermediary trader. SUMÁRIO 1 2 2.1 2.2 2.2.1 3 3.1 3.2 3.3 4 4.1 4.2 5 5.1 5.2 5.3 6 INTRODUÇÃO DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO DE CONSUMO VIA COMÉRCIO ELETRÔNICO A BOA-FÉ OBJETIVA COMO PREVENÇÃO DE DANOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO A TEORIA DA APARÊNCIA DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL O CÓDIGO CIVIL E A LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO A ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (PLS Nº 281/2012) E O COMÉRCIO ELETRÔNICO (DEC. Nº 7.962/2013) O MARCO CIVIL DA INTERNET (LEI Nº 12.965/2014) DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO DOS LIMITES À RESPONSABILIDADE CIVIL DO INTERMEDIÁRIO COMERCIANTE DE PRODUTOS E SERVIÇOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO A NATUREZA JURÍDICA DA INTERMEDIAÇÃO DE PRODUTOS E SERVIÇOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBSIDIÁRIA DO INTERMEDIÁRIO COMERCIANTE A RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO INTERMEDIÁRIO COMERCIANTE CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 6 8 12 16 19 22 22 24 26 30 31 35 39 39 41 47 51 53 6 1 INTRODUÇÃO O comércio eletrônico ou e-commerce representa parte do presente e do futuro do comércio. Pela grande demanda de acesso e, consequentemente, negócios jurídicos praticados, torna-se necessário cada vez mais um olhar protetor ao consumidor tido como – ainda mais – vulnerável. Nesta seara se insere a questão da extensão da responsabilidade civil nos negócios realizados por meio da internet, sobretudo dos intermediários comerciantes. Neste contexto, a essência da presente monografia se dá na abordagem específica atinente limites à responsabilidade civil do intermediário comerciante de produtos e serviços no comércio eletrônico, promovendo o estudo dos contornos dispensados ao assunto. A escolha do tema se justifica por possuir grande relevância jurídica e social, eis que, com o advento do comércio eletrônico, a vulnerabilidade dos consumidores se percebe exponencialmente maior, principalmente ante à cadeia de fornecedores e intermediadores que eventualmente possa existir, bem como o despreparo da legislação brasileira para uma efetiva aplicação. Neste sentido, autores de distintos renomes se lançam às críticas e sugestões sobre a amplitude de responsabilização civil referente ao comércio eletrônico, motivo pelo qual, também, se agracia o presente estudo de abordagem. Para tanto, tendo em vista o possível desenrolar contextual, fora realizada pesquisa sobre a proteção dispensada ao consumidor na relação de consumo via comércioeletrônico, seu conceito e seus princípios de embasamento, assim como sobre a legislação aplicável existente no ordenamento jurídico brasileiro. Em sequência, fora elaborada análise acerca da responsabilidade civil nas relações de consumo, com enfoque na responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço e na responsabilidade civil pelo vício do produto e do serviço, análise esta que se faz fundamental para o possível cotejo referente ao tema principal. Por sua vez, e finalmente ao cerne do presente estudo, realizou-se pesquisa acerca dos limites à responsabilidade civil do intermediário comerciante de produtos e serviços no comércio eletrônico, abordando desde a natureza jurídica da intermediação de produtos e serviços no comércio eletrônico até a responsabilidade civil objetiva e subsidiária do intermediário comerciante e a responsabilidade civil subjetiva do intermediário comerciante. Cumpre referir que para a realização deste fora adotado o método de procedimento monográfico, posto que realizado estudo profundo acerca do tema referente à responsabilidade civil do intermediário comerciante de produtos e serviços no comércio eletrônico, abarcando a 7 análise dos temas que perfazem a justa aplicação da mesma pelo ordenamento jurídico, bem como entendimentos jurisprudenciais brasileiros, além da exposição do entendimento de manifesta doutrina conceituada. Nesta senda, refere-se que também fora adotado o método hipotético-dedutivo de abordagem, vez que se parte da análise do tema em sua concepção jurídica vigente frente ao comércio eletrônico. 8 2 DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO DE CONSUMO VIA COMÉRCIO ELETRÔNICO Inicialmente, registra-se que o comércio foi, é sempre será um fator de integração entre os países, principalmente como meio de manutenção à paz. Nas palavras de Frédéric Bastiat, “quando bens e serviços param de cruzar fronteiras, exércitos o fazem”. Longinquamente, essa integração fomentada pelo livre comércio demandava esforços incríveis, como no caso das “grandes navegações”. Entretanto, atualmente, o avanço tecnológico venceu todas as barreiras geográficas e a internet permite a negociação com indivíduos de qualquer parte do planeta, obviamente que tenha sinal.1 A internet, conforme sua definição abaixo, é o cenário perfeito para aqueles consumidores que, por falta de tempo ou mesmo por escolha, celebrem negócios por meio do comércio eletrônico: A Internet pode ser definida como uma rede de computadores ligados entre si, perfazendo-se a conexão e a comunicação por meio de um conjunto de protocolos, denominados TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol), de maneira que a identificação das suas fronteiras físicas se torna impossível, em virtude da sua difusão pelo planeta.2 Tradicionalmente, sabe-se que as negociações eram instrumentalizadas em meio físico – o papel, restando o contato pessoal imprescindível na maioria das vezes. Com o advento da internet, contudo, permite-se o contato e a manifestação de vontade por meio virtual, sendo denominado pela doutrina de comércio eletrônico.3 O doutrinador André Luiz Santa Cruz Ramos ilustra sobre o ponto em questão: Assim, caracteriza-se o comércio eletrônico sempre que a venda de produtos ou serviços é instrumentalizada por meio de transmissão eletrônica de dados, o que ocorre no ambiente virtual da rede mundial de computadores (internet). Perceba-se que não importa se o objeto do negócio é virtual (uma música ou vídeo) ou físico (um relógio, uma geladeira ou uma roupa), mas se a manifestação de vontade é instrumentalizada em meio virtual ou físico. Neste caso, as partes costumam assinar de próprio punho os contratos (às vezes se exigindo o reconhecimento da assinatura por tabelião e até mesmo a assinatura conjunta de testemunhas). Naquele, as partes se utilizam de assinaturas digitais.4 1 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 509. 2 MARTINS, Guilherme Magalhães. Contratos Eletrônicos de Consumo. 3ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2016. p. 24. 3 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. op. cit. p. 509. 4 Idem. 9 Na mesma perspectiva, Fábio Ulhôa Coelho5 comenta sobre o comércio eletrônico, já costumeiro nos dias atuais: “Comércio eletrônico, assim, significa os atos de circulação de bens, prestação ou intermediação de serviços em que as tratativas pré-contratuais e a celebração do contrato se fazem por transmissão e recebimento de dados por via eletrônica.” Em outro viés, para a correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor, dos seus princípios e normas, faz-se necessária a caracterização de uma relação jurídica de consumo, a qual se caracterizará quando em polos opostos estiverem o consumidor e o fornecedor, tendo como objeto produtos ou serviços.6 O Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90, em seu artigo 2º, 7 estabelece uma noção objetiva de consumidor, assentando que o consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Felipe Braga Netto agrega: Percebe-se que a legislação brasileira, tendo optado por definir a figura do consumidor, limitou sua configuração àqueles que adquirem ou utilizam produtos ou serviços como destinatários. Não é consumidor, assim, quem adquire o produto como etapa na cadeia de produção, como a empresa que compra cola para inserir no processo produtivo dos calçados que fabrica. Não é fácil nem simples definir o que seja o destinatário final.8 Ao encontro, conforme bem narra o doutrinador Antonio Herman Benjamin,9 o consumidor, para efeitos jurídicos, caracteriza-se mormente pela destinação que dá ao bem do que pelo seu próprio status social, ou pela qualidade ou valor do bem em si, cabendo-lhe a expectativa no sentido de receber produtos e serviços de qualidade, a preço justo e com informação adequada. Já o fornecedor, exposto no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, 10 é definido de forma ampla a não deixar de abranger quem, com sua atividade, disponibilize produtos ou serviços mediante pagamento no mercado de consumo: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, 5 COELHO apud BARBALHO, Anna Beatriz Cabral. Contratos internacionais de comércio eletrônico: características e regulamentação. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,contratos- internacionais-de-comercio-eletronico-caracteristicas-e-regulamentacao,588687.html>. Acesso em: 30 mai. 2018. 6 NETTO, Felipe Braga. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. 13ª ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. p. 125. 7 BRASIL. Lei º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 25 mai. 2018. 8 NETTO, Felipe Braga. op. cit. p. 126. 9 BENJAMIN apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit. p. 111-112. 10 BRASIL. Lei º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 25 mai. 2018. 10 importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” Ainda, de acordo à conceituação, explana Netto sobre a importância da habitualidade: Sem habitualidade no desempenho da atividade dificilmente teremos a figura do fornecedor. Nãoé fornecedor, por exemplo, o escritório de advocacia que, pretendendo remodelar o ambiente de trabalho, põe à venda os imóveis antigos. Será, à evidência, uma relação civil de compra e venda. Diferente, no entanto, seria se os imóveis fossem adquiridos em loja que os comercializa, porquanto a habitualidade, presente aqui, estaria ausente lá.11 Ocorre que a despersonalização e massificação das relações jurídicas próprias da contratação eletrônica revisitam a figuram dos sujeitos de direito envolvidos no negócio.12 Afinada ao entendimento, Claudia Lima Marques bem elucida sobre o sujeito fornecedor ser agora um ofertante profissional automatizado e globalizado, presente em uma cadeia sem fim de intermediários (portal, website, link, provider, empresas de cartão de crédito etc.), sem sede e sem tempo (a oferta é permanente, no espaço privado e público), falando todas as línguas (ou ao menos a língua franca, o inglês) e se utilizando ainda da linguagem virtual (imagens, sons, testos em janelas, textos interativos, ícones etc.) para marketing, negociação e contratação.13 Nessa toada, não podem os contratos de consumo na internet serem vistos isoladamente, verificando-se, na prática moderna, que os agentes econômicos envolvidos tendem a se especializar visando cada etapa da produção em que sejam mais eficientes. O mercado se regula eficientemente, formando-se assim a corrente contratual, a partir da variedade de agentes nos diferentes níveis da cadeia produtiva.14 Dito isto, afere-se uma maior complexidade na cadeia de fornecimento quanto a novas formas de atuação frente aos consumidores, possibilitada pela Internet, tornando a vulnerabilidade dos mesmos ainda mais evidenciada.15 Nas palavras de Guilherme Magalhães Martins: A ausência de uma regulação, tratando-se de relações de consumo cuja insegurança e risco avultam, num meio eletrônico reconhecidamente passível de violação, por meio de uma rede aberta, como a Internet, agrava o quadro da vulnerabilidade do consumidor, tido como a mais fraca das partes envolvidas. Diante disso não pode ser recusada aplicação às normas da Lei 8.078/1990, erigidas ao status de garantia constitucional e princípio geral da ordem econômica, respectivamente, na forma dos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF/1988.16 11 NETTO, Felipe Braga. op. cit. p. 131. 12 MARTINS, Guilherme Magalhães. Responsabilidade Civil por Acidente de Consumo na Internet. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 65. 13 MARQUES apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op.cit. p. 65. 14 MARTINS, Guilherme Magalhães. op.cit. p. 142. 15 Ibidem, p. 140-142. 16 MARTINS, Guilherme Magalhães. op.cit. p. 44-45. 11 Consoante explanação de Cristiano Vieira Sobral Pinto, os sítios eletrônicos onde são realizadas as ofertas ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, informações referentes ao nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; endereço físico e eletrônico, além de demais informações necessárias para a sua localização e contato; salientar as características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores; a discriminação no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros, bem como as condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega do produto; e por fim, informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.17 Ademais, com o objetivo de garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá: I - apresentar sumário do contrato antes da contratação, com as informações necessárias ao pleno exercício do direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas que limitem direitos; II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para identificação e correção imediata de erros ocorridos nas etapas anteriores à finalização da contratação; III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta; IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a contratação; V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato; VI - confirmar imediatamente o recebimento das demandas do consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado pelo consumidor; e VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para pagamento e para tratamento de dados do consumidor.18 A contratação eletrônica de consumo por meio da internet certamente acentua a vulnerabilidade do consumidor, pois todo o controle informacional, técnico e de linguagem está plenamente concentrado do lado do fornecedor. Tal situação é ainda evidenciada por fatores como a própria autoria da mensagem, a identidade e a localização do fornecedor.19 17 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Sistematizado. 9ª ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. p. 397. 18 BRASIL. Decreto 7.962, de 15 de março de 2013. Regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/d7962.htm>. Acesso em: 28 mai. 2018. 19 MARQUES apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit. p. 68. 12 Neste contexto, uma maior proteção ao consumidor se faz necessária quando do comércio eletrônico, demandando um fortalecimento da legislação consumerista e a observância dos princípios incidentes. 2.1 A BOA-FÉ OBJETIVA COMO PREVENÇÃO DE DANOS NO COMÉRCIO ELETRÔNICO De acordo com Felipe Braga Netto, a boa-fé objetiva talvez seja o mais importante princípio do direito contratual contemporâneo, caracterizando-se por ser um dever, imposto a quem quer que tome parte em relação negocial, de agir com lealdade e cooperação, abstendo- se de condutas que possam lesar a legítima expectativa da outra parte. 20 O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, foi a primeira norma a prever expressamente a boa-fé objetiva e efetivamente aplica-la de modo correto no campo das obrigações entre consumidores e fornecedores.21 Em seu artigo 4º, inciso III, fixou a boa-fé como cláusula geral de abertura, a qual permite ao aplicador ou intérprete o teste de compatibilidade das cláusulas ou condições gerais dos contratos de consumo.22 No artigo 51, inciso IV, do referido diploma legal, a boa-fé está associada à equidade: Art. 4º, inciso III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; Ante o dispositivo em comento, oportuno o comentário elaborado por Judith Martins- Costa, que esclarece acerca da atuação do magistrado nos casos em que incidem os dispositivos: No caso concreto, o juiz deverá precisar o que a sociedade onde vive tem para si com “incompatibilidade com a boa-fé”, tarefa eminentementehermenêutica. Essa valoração determinará sua premissa. Uma vez configurada, o caso é simplesmente de aplicar a norma, havendo como consequência jurídica a nulidade de disposição contratual.23 O atual Código Civil Brasileiro (2002) adota a dimensão concreta da boa-fé, como já fazia o Código de Defesa do Consumidor e, nesta seara, prevê o Enunciado nº 27 do CJF/STJ: 20 NETTO, Felipe Braga. op. cit. p. 90. 21 GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor Comentado: artigo por artigo. 13ª ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 61. 22 NETTO, Felipe Braga. op. cit. p. 90. 23 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 327. 13 “Na interpretação da cláusula geral da boa-fé objetiva, deve-se levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos”. Flávio Tartuce elucida que um desses estatutos normativos é justamente a Lei 8.078/1990, devendo- se, pois, preservar o tratamento dado à boa-fé objetiva pelo CDC.24 Fernando Noronha,25 diferenciando a boa-fé subjetiva da objetiva, doutrina que a boa- fé subjetiva diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito; ao passo que a boa-fé objetiva diz respeito a elementos externos, a normas de conduta que determinam como ele deve agir. Isto é, em um caso está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica e, em outro caso, está de boa-fé quem tem motivos para confiar na contraparte. Uma é boa-fé estado, a outra, boa-fé princípio: O princípio da boa-fé, portanto, propugna o justo equilíbrio nas relações negociais consumeristas, em uma correta harmonia entre as partes, em todos os momentos relativos à prestação de serviços e ao fornecimento de produtos.26 Na mesma linha, Cristiano Vieira Sobral Pinto27 aduz que a boa-fé objetiva consiste em um dever de probidade entre as partes, de transparência e lisura. Não está ligada ao ânimo interior das pessoas envolvidas na relação – na realidade, constitui um conjunto de padrões éticos de comportamento, devendo, inclusive, ser observada em todas as fases do contrato, seja na fase pré-contratual, seja na fase de conclusão do contrato, ou na fase pós-contratual. Em verdade, consoantes os ensinamentos de Cristiano Heineck Schmitt e Fernanda Nunes Barbosa,28 o dever de reparar gerado a partir da ideia de uma responsabilidade pré- contratual não é o de uma obrigação de fazer decorrente de um contrato anterior (pré-contrato ou contrato preliminar) ao principal, mas de deveres decorrentes da boa-fé objetiva, de preservação das expectativas dos contratantes e de não-indução a gastos inúteis face à não- firmação de um acordo por uma das partes: Os aspectos fundamentais para o estabelecimento da responsabilidade pré-contratual são a noção de boa-fé objetiva, de confiança, de contato social e a ideia de que a obrigação é um processo de atos destinados a um fim, e que é o perfeito adimplemento. [...]. No caso da responsabilidade pós-contratual, assim como ocorre no momento anterior à celebração do contrato, o fundamento ensejador da reparação do prejuízo auferido por uma das partes é a quebra de um dever da boa-fé objetiva. Tanto na responsabilidade pós-contratual como na pré-contratual, podemos observar 24 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016. p. 624. 25 NORONHA apud GARCIA, Leonardo de Medeiros. op. cit., p. 61. 26 LEHFELD, Lucas de Souza. Revisaço - Questões comentadas e organizadas por disciplina e assunto: Procuradoria do Estado. 4ª ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1124. 27 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. op. cit., p. 362. 28 SCHMITT, Cristiano Heineck; BARBOSA, Fernanda Nunes. Manual de Direito do Consumidor. Porto Alegre: [s.n.], 2016. p. 109. 14 deveres de omitir comportamentos que venham a macular o contrato, bem como deveres de agir que asseguram o melhor adimplemento ou o fim do contrato.29 Os autores advertem, ainda, que o escopo da responsabilização posterior ao contrato é o de conferir segurança ao tráfico jurídico, e proteger a confiança, por meio de imposição de deveres acessórios independentes da obrigação principal. Trata-se a responsabilidade pós- contratual como uma projeção para frente da responsabilidade pré-contratual.30 Não obstante, o atual Código Civil apresenta três funções importantes da boa-fé objetiva, as chamadas funções tríplices da boa-fé.31 Flávio Tartuce32 explana com distinção sobre o tema: 1º) Função de interpretação (art. 1 O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quandodo CC33) – os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração. A boa-fé é consagrada neste dispositivo como meio auxiliador do aplicador do direito para a interpretação dos negócios de maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé; 2º) Função de controle (art. 187 do CC34) – aquele que contraria a boa-fé objetiva comete abuso de direito. A quebra ou desrespeito à boa-fé objetiva conduz ao caminho sem volta da responsabilidade independentemente de culpa, seja pelo Enunciado nº 2435 ou pelo Enunciado nº 3736, ambos da I Jornada de Direito Civil; 3º) Função de integração (art. 422 do CC37) – relativamente à aplicação da boa-fé em todas as fases negociais, foram aprovados dois enunciados doutrinários pelo Conselho de Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, Enunciado nº 2538 da I Jornada e Enunciado nº 17039 da III Jornada. Tais enunciados, ainda que se pareçam, possuem conteúdos diversos, dirigindo-se o primeiro ao juiz, ao aplicador da norma no caso concreto e, o segundo, às partes do negócio jurídico. Assim, vê-se que da boa-fé objetiva decorrem múltiplos deveres anexos, deveres de conduta que impõem às partes, ainda na ausência de previsão legal ou contratual, o dever de 29 SCHMITT, Cristiano Heineck; BARBOSA, Fernanda Nunes. op. cit., p. 109-111. 30 Ibidem, p. 111. 31 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. op. cit., p. 368. 32 TARTUCE, Flávio. op. cit., p. 626. 33 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. 34 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 35 Enunciado nº 24: Em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. 36 Enunciado nº 37: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico. 37 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 38 Enunciado nº 25: O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual. 39 Enunciado nº 170: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato. 15 agir lealmente.40 As obrigações principais, como as de fazer, de dar e não fazer, são os deveres principais. Já os deveres anexos (acessórios, laterais) não possuem lista certa, mas podem ser exemplificados pela proteção, informação, cooperação, lealdade e confiança.41 Portanto, tem-se que os princípios que regem as relações de consumo dialogam entre si, estando, naturalmente, interligados. O dever de informarbem e lealmente decorre da boa-fé objetiva, pois, na ausência das informações, a própria aferição do cumprimento ou não dos padrões desejáveis resta prejudicada.42 O Superior Tribunal de Justiça, atento a este ponto, firma jurisprudência: Direito do consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais e materiais. Viagem ao exterior. Passageira boliviana que adquiriu bilhete aéreo com destino à França e teve seu ingresso negado naquele país por não possuir visto consular. Fornecedor que não prestou informação adequada sobre a necessidade de obtenção do visto. Vício do serviço configurado. - De acordo com o § 2º do art. 20 do CDC, consideram-se impróprios aqueles serviços que se mostram inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam. - A aferição daquilo que o consumidor razoavelmente pode esperar de um serviço está intimamente ligada com a observância do direito do consumidor à informação, previsto no inciso III do art. 6º do CDC. - Além de claras e precisas, as informações prestadas pelo fornecedor devem conter as advertências necessárias para alertar o consumidor a respeito dos riscos que, eventualmente, podem frustrar a utilização do serviço contratado. - Para além de constituir direito básico do consumidor, a correta prestação de informações revela-se, ainda, consectário da lealdade inerente à boa-fé objetiva e constitui o ponto de partida a partir do qual é possível determinar a perfeita coincidência entre o serviço oferecido e o efetivamente prestado. - Na hipótese, em que as consumidoras adquiriram passagens aéreas internacionais com o intuito de juntas conhecer a França, era necessário que a companhia aérea se manifestasse de forma escorreita acerca das medidas que deveriam ser tomadas pelas passageiras para viabilizar o sucesso da viagem, o que envolve desde as advertências quanto ao horário de comparecimento no balcão de "check-in" até mesmo o alerta em relação à necessidade de obtenção do visto. - Verificada a negligência da recorrida em fornecer as informações necessárias para as recorrentes, impõe-se o reconhecimento de vício de serviço e se mostra devida a fixação de compensação pelos danos morais sofridos. Recurso especial provido para condenar a recorrida a pagar às recorrentes R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de compensação por danos morais. Ônus sucumbenciais redistribuídos.43 (grifo nosso) 40 NETTO, Felipe Braga. op. cit., p. 90. 41 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. op. cit., p. 366. 42 NETTO, Felipe Braga. op. cit., p. 91. 43 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 988595/SP. Recorrente: Rosely Ortiz Chamma e outro. Recorrido: Compagnie Nationale Air France. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Brasília/DF, 18 de setembro de 2017. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?data=%40DTDE+%3E%3D+20091119&livre=%28%28cor reta+presta%E7%E3o+de+informa%E7%F5es%29+E+%28%22NANCY+ANDRIGHI%22%29.min.%29+E+% 28%22Terceira+Turma%22%29.org.&&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true>. Acesso em: 27 mai. 2018. 16 Por fim, a lição de Leonardo de Medeiros Garcia rememora que a boa-fé deverá ser utilizada com vistas a equilibrar as relações de consumo. A proteção conferida ao consumidor por meio do brocardo “tratar desigualmente os desiguais” deve ser realizada na medida a proporcionar equilíbrio entre as partes. Jamais poderá ser utilizada de forma a beneficiar desproporcionalmente o consumidor em detrimento do fornecedor, pois assim se estaria admitindo a permanência do desequilíbrio já existente, porém em favor do consumidor.44 Neste viés, sábias as palavras da Ministra Nancy Andrighi: Assim, embora haja o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo – art. 4º, I, do CDC – os direitos a ele conferidos pela legislação consumerista não são absolutos, razão pela qual sua aplicação deve ser analisada sempre com as vistas voltadas ao desejável equilíbrio da relação estabelecida entre o consumidor e o fornecedor. A proteção da boa-fé nas relações de consumo, portanto, não implica necessariamente favorecimento indiscriminado do consumidor, em detrimento de direitos igualmente outorgados ao fornecedor.45 2.2 O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO A boa-fé objetiva e a confiança são conceitos que se aproximam. A confiança é, em regra, a base de comportamentos sociais ou jurídicos individuais e, tendo-se em conta a perspectiva da comunidade, há nestes comportamentos a crença de uma conduta correra por parte dos demais, ou à falta desta, a ocorrência de sanções (consequências) na hipótese de violação. Daí porque a proteção da confiança abranger essencialmente as expectativas de cumprimento de determinados deveres de comportamento.46 Cláudia Lima Marques clarifica que confiar é acreditar, manter com fé e fidelidade a conduta, as escolhas e o meio. A confiança é aparência, transparência, informação, diligência e ética ao exteriorizar vontades negociais. Nesse sentido, a autora, referindo-se ao novo espaço no comércio, via a internet, indaga sobre como conquistar a confiança dos consumidores nesta nova forma de fazer comércio e proteger suas expectativas normativas e legítimas.47 Segundo a própria, o Direito pode auxiliar a estabelecer este novo paradigma se conseguir firmar a devida proteção ao usuário leigo, por meio da exigência de transparência; da 44 GARCIA, Leonardo de Medeiros. op. cit., p. 68. 45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.120.113/SP. Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido: Makro Atacadista S/A. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Brasília/DF, 15 de fevereiro de 2011. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1037248&num_re gistro=200900161040&data=20111010&formato=PDF>. Acesso em: 27 mai. 2018. 46 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 254. 47 MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 32. 17 redução da assimetria informacional; do respeito ao direito de o comprador se arrepender da compra; de mais segurança com os meios de pagamento no ambiente virtual; e de mais diligência com os dados coletados. Por isso, a confiança seria o paradigma necessário para adaptar o direito do consumidor ao comércio eletrônico.48 Assim como a boa-fé objetiva, o princípio da confiança é incidente sobre cada fase dos contratos eletrônicos de consumo, desde o momento pré-contratual, formação e execução do negócio, até o momento pós-contratual, posterior ao cumprimento da obrigação principal por pelas partes.49 No tocante às relações de consumo, Miragem traz que a proteção da confiança é antes de tudo uma resposta à massificação das contratações e das práticas negociais de mercado. Uma das consequências deste fenômeno nas relações de consumo é a crescente despersonalização do contrato, fazendo com que os consumidores sejam identificados pelos fornecedores não mais pessoalmente, senão a partir de toda a espécie de informação, como um número ou uma senha, por exemplo.50 Em adendo, Marques corrobora: [...] a fluidez ou a desmaterialização da contratação é um elemento adicional de insegurança a ser considerado, pois o fornecedor não aparece materializado na figura do vendedor; o fornecedor não tem mais “cara”, apenas uma marca, um nome empresarial, uma determinada imagem [um nome de domínio]; “o fornecedor não tem endereço comprovável, mas apenas “informável”.51 Entretanto, o comércio eletrônico ainda desperta a desconfiança de alguns, especialmente consumidores que teriam receio de adquirir via internetpor não confiar no ambiente virtual, ou de outros que, embora já tenham adquirido, experimentaram alguma frustração com a negociação (como a não entrega do bem, a dificuldade de devolução em razão de arrependimento ou de troca por vício, o receio de fornecer dados bancários ou número do cartão de crédito etc.).52 Neste cenário, os vendedores intermediários assumem um papel relevante no ambiente eletrônico, pois seus nomes (e marcas) dão credibilidade aos contratos realizados a partir de sua plataforma. É comum encontrar pessoas que apontam um ou alguns poucos sites de compras em que confiam e realizam negócios, ou simplesmente não confiam53. Nesse seguimento, cita- se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: 48 MARQUES apud TEIXEIRA, Tarcísio. Comércio eletrônico: conforme o Marco Civil da Internet e a regulamentação do e-commerce no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 45. E-book. 49 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 109. 50 MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 254. 51 MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 95-96. 52 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 43. 53 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 47. 18 APELAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PACOTE TURÍSTICO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. VALOR DA VERBA. Sentença que julgou procedente a pretensão exordial, para condenar a ré a pagar à autora a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por danos morais, além do pagamento de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. Incontroversa a falha na prestação do serviço. Lide que deve ser julgada à luz do Código de Defesa do Consumidor. Fornecedora que não produziu qualquer prova de que tivesse efetuado a reserva em nome da cliente na forma contratada. Desrespeito ao princípio da vinculação à oferta, previsto no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor. Dano moral, configurado, não só pela frustração da legítima expectativa do consumidor e da sensação de enganosidade, como também pelo desrespeito à boa-fé objetiva em suas vertentes de lealdade, confiança e transparência. Precedentes do desta Corte de Justiça. Verba reparatória fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que não merece ser reduzida, por não ser exorbitante, mas sim irrisória, embora não possa ser majorada por força da vedação à reformatio in pejus. Artigo 557, caput, do Código de Processo Civil. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.54 Titulares de sites intermediários de vendas, denominados por Teixeira como comerciantes, têm trabalhado cada vez mais para conquistar a confiança de seus clientes, haja vista que sua clientela é seu maior patrimônio. Teixeira segue elucidando que esse fato está relacionado ao aviamento do estabelecimento empresarial.55 Nas palavras de Oscar Barreto Filho, “aviamento é a aptidão de produzir lucro conferido ao estabelecimento pelo resultado de variados fatores: pessoais, materiais e imateriais. Trata-se de um atributo do estabelecimento, sendo a clientela um dos fatores do aviamento.”56 O aviamento pode ser classificado em objetivo e subjetivo. O aviamento objetivo relaciona-se a aspectos extrínsecos à atividade do empresário, como é o caso da localização do estabelecimento (local goodwill); por sua vez, o aviamento subjetivo decorre de aspectos intrínsecos e conceituais quanto à atuação do empresário, como a sua competência e a sua boa fama diante de seu negócio (personal goodwill).57 É sob a perspectiva do aviamento subjetivo que os sites de intermediação estão almejando fortificar a relação com seus clientes, pois essas empresas, conforme bem evoca Teixeira, não gozam de grandes estruturas físicas patrimoniais, sendo que o seu aviamento (aptidão para produzir lucro) está pautado fundamentalmente na confiança da clientela. Para tanto, elas têm implantado práticas de melhor utilização da plataforma, bem como estão atuando junto aos seus fornecedores, a fim de aumentar o nível de segurança e a qualidade nas relações contratuais.58 54 BRASIL. Apelação Cível nº 0045913-46.2013.8.19.0001/RJ. Apelante: Averiano Machado da Boa Morte Apelados: Mapfre Vera Cruz Seguradora S/A. Relator: Desembargador Alcides da Fonseca Neto. Rio de Janeiro/RJ, 11 de dezembro de 2015. Disponível em: <http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ProcessarConsJuris.aspx?PageSeq=1&Version=1.0.3.54>. Acesso em: 29 mai. 2018. 55 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., loc. cit. 56 BARRETO FILHO apud TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., loc. cit. 57 VERÇOSA apud TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., loc. cit. 58 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 48. 19 Assim, acentua-se a ponderação de Tarcísio Teixeira sobre a conjuntura que se encontram os intermediários de compras pela internet: Quanto mais esclarecerem e informarem seus clientes e potenciais clientes acerca das peculiaridades da contratação eletrônica mais confiança obterão dos consumidores. Como se sabe, aqueles sites de negócios que insistem em omitir seus dados, como nome empresarial, endereço físico, formas alternativas de contato, entre outros, estariam perdendo espaço para aqueles que pretendendo ampliar a confiança de seus clientes procurariam ser o mais transparentes possível.59 No mais, para além dos parâmetros da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, o princípio da confiança, em alguns casos, funda-se em uma aparência de legitimidade jurídica,60 que a doutrina denomina teoria da aparência, a qual trataremos a seguir. 2.2.1 A TEORIA DA APARÊNCIA Antes mesmo à vigência do Código de Defesa do Consumidor, diante da insuficiência do Código Civil (então em vigor, 1916), doutrina e jurisprudência já desenvolviam soluções inspiradas no direito comparado, visando determinar o alcance da responsabilidade, mesmo sem existência de uma relação jurídica formal, mas decorrente apenas da confiança gerada na parte.61 Sob tal inspiração, desenvolveu-se na doutrina e jurisprudência brasileira a teoria da aparência, fundamento da responsabilidade daqueles a quem, em face da boa-fé despertada na contraparte, no outro sujeito da relação negocial, ou por uma conduta social típica, ensejava responsabilidade daquele a quem se aparentava representar.62 Bruno Miragem, cobre o tema, complementa: A teoria da aparência, neste sentido, tem seu fundamento no princípio da confiança, o qual, de certo modo, objetiva o fundamento da responsabilidade das partes (excluindo a exigência de culpa), do mesmo modo como vai suprimir a importância sobre a fonte da responsabilidade, se contratual ou extracontratual, uma vez que sua proteção será exigível em qualquer um dos regimes, determinando-lhes um tratamento unitário.63 Neste passo, Martins menciona sobre a identificação da aparência com o aparecimento do irreal como real, quando um fenômeno, por si mesmo, gera outro fenômeno, fazendo-o parecer real, embora seja, na verdade, irreal. 64 Sobre a função da aparência, o autor, distinguindo três concepções que divergem sobre o tema (a alemã, a francesa e a italiana), 59 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 50. 60 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 108. 61 MIRAGEM, Bruno. op. cit., p. 263. 62 Idem. 63 Idem. 64 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 112. 20 ressalta que é aquela de legitimar o terceiro a tratar com aquele que parece titular de uma situação jurídica, como se este o fosse realmente.65 A aplicação da teoria da aparência supõe a existência de três pessoas: o titular real do direito, o titular aparente e o terceiro contratante (bem como um conflito de interesses entre o primeiro e o último).66 Já quantoao seu objetivo, em nome da proteção do sujeito de boa-fé, é desconsiderar o vício interno de uma situação aparente válida para fazer valer a situação como se perfeita e regular fosse – e para assegurar o agente que, de boa-fé, negocia com um falso titular do direito, a lei impõe a produção dos mesmos efeitos jurídicos que o negócio surtiria se ocorresse com o assentimento do verdadeiro legitimado.67 Ainda sobre os comentários do autor Martins, essencial citar que, além da boa-fé do terceiro contratante, faz-se necessário o elemento objetivo consistente em uma aparência suficientemente forte, assim como a existência de algum tipo de ação ou omissão por parte do titular efetivo do direito, a justificar a exigibilidade da situação aparente.68 Nesse tema, elucidativas são as palavras de Anderson Schreiber69 ao aduzir que a hipótese da representação aparente pode ser analogicamente aplicada ao caso concreto, devendo-se atentar se a confiança depositada pelo terceiro é legítima, de modo que, se este agiu de forma descuidada, não se pode vincular o representado. Ademais, essencial sedimentar o entendimento consoante o ilustre doutrinador Orlando Gomes: [...] deve-se permitir que tomem a aparência como realidade por três razões principais: 1.ª para não criar surpresas à boa-fé nas transações do comércio jurídico; 2.ª para não obrigar os terceiros a uma verificação preventiva da realidade do que evidencia a aparência; 3.ª para não tornar mais lenta, fatigante e custosa a atividade jurídica. A boa-fé nos contratos, a lealdade nas relações sociais, a confiança que devem inspirar as declarações de vontade e os comportamentos exigem a proteção legal dos interesses jusformizados em razão da crença em uma situação aparente, que tomam todos como verdadeira.70 As regras da aparência se justificam pela necessidade de atribuir uma obrigação a cargo da pessoa que, de uma forma ou de outra, contribuiu para criar uma situação enganosa.71 65 Ibidem, p. 113. 66 BÉNABENT apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., loc. cit. 67 KONDER apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., loc. cit. 68 BÉNABENT; RIZZARDO apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 114. 69 SCHEREIBER apud TEPEDINO, Gustavo. A parte Geral do Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 247. 70 GOMES apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 118. 71 CALAYS-AULOY apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 119. 21 Em vista disso, adequando o tema ao presente estudo, nota-se que, acerca da responsabilidade do fornecedor aparente, ou seja, o site comerciante, se este não quiser ser tido como fornecedor, com o ônus daí decorrente, precisará esclarecer por técnica de marketing adequada que não se trata do fabricante do bem, o que implicará confiança junto ao público.72 Para Martins, enquanto perdurar a situação e o site intermediador não der publicidade à pertinente realidade, o mesmo deverá assumir os efeitos dos atos estipulados aos terceiros de boa-fé.73 Ao final, essencial mencionar que a aplicação da teoria da aparência pressupõe rigorosa verificação dos seus pressupostos, como modo de se evitar a sua banalização, ou ainda sob pena de se atentar contra a própria segurança jurídica que a inspira. A teoria da aparência se trata se trata de uma solução excepcional, passível de aplicação em caráter residual, quando não houver tutela específica pelo ordenamento.74 72 SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1999 (Colecção Teses). p. 550-552. 73 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., loc. cit. 74 Ibidem., p. 122. 22 3 DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL Como será visto, aos negócios celebrados pela internet se aplica, especialmente, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, que em boa medida têm atendido aos problemas derivados de contratos celebrados no âmbito virtual. Ademais, cita-se a entrada em vigor do Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, que regulamenta o Código de Defesa do Consumidor para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico; bem como a vigência do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que, apesar de não tratar especificamente sobre o comércio eletrônico, traz uma série de regras e princípios que implicam maior segurança para consumidores via internet. 3.1 O CÓDIGO CIVIL E A LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO Considerando-se que a internet pode ser acessada de qualquer lugar do globo terrestre onde haja sinal e inexistam controles governamentais restritivos, o comércio eletrônico não encontra limites geográficos. Nesse diapasão, tratando-se de contrato celebrado eletronicamente entre partes contratantes em países diversos, é preciso ter em conta que se trata de um assunto que envolve o direito internacional privado. O Decreto-lei nº 4.657/1942, LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 9º, caput e § 2º, prevê que, nestes casos, se aplica a lei do país onde se constituírem as obrigações. Nesta perspectiva, o local da constituição da obrigação será tido como o lugar onde residir o proponente, isto é, daquele que estiver ofertando o produto ou o serviço na internet. 75 Igualmente, as partes que contratam pela internet têm autonomia para eleição de foro e legislação aplicável, sem prejuízo da existência de cláusula compromissória pela qual as partes elegem a arbitragem como forma alternativa de solução de conflitos.76 Referida autonomia, frisa-se, apenas poderá ser exercida quando da existência de contratos internacionais (externos), uma vez que nos contratos internos não há a possibilidade de escolha sobre o sistema jurídico que irá regular o contrato.77 75 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 92. 76 Ibidem, p. 93. 77 BARBALHO, Anna Beatriz Cabral. op. cit. 23 Na seara de contratos internacionais, Teixeira repisa que, apesar de não tratar expressamente sobre comércio eletrônico, poderá ser aplicável a Convenção de Viena, em vigor no Brasil por força do Decreto Legislativo nº 538/2012, por meio do qual foi aprovado o Tratado sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, no âmbito da Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional.78 Entretanto, a presente monografia concentra esforços nos estudos quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, apreciando as relações jurídicas estabelecidas entre partes sediadas em território nacional. No Brasil, os contratos celebrados pela internet estão sujeitos às mesmas regras e princípios aplicáveis aos demais contratos firmados fisicamente no território brasileiro. Logo, sem prejuízo da aplicação de outras normas especiais, aplicam-se as regras do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor (neste caso, quando configurada uma relação de consumo) aos negócios concretizados eletronicamente, especialmente o regime da responsabilidade civil.79 Ressalta-se que, em relação à forma do contrato celebrado no comércio eletrônico, o Direito Civil a classifica como essencialmente livre, visto que é regido pela autonomia da vontade (ainda que por vezes limitado pelas normas cogentes e de ordem pública), bem como em razão de o princípio da liberdade da forma ser norteador do sistema como um todo. Nesse passo, tem-se que o artigo 107 do atual Código Civil é expresso ao referir que a validade da declaração de vontade nos contratos apenas será requisitada por meio de forma especial quando a lei expressamente exigir. Destarte, mencionada liberdade concedida pela lei também há de ser validada quanto aos contratos pactuados no meio eletrônico.80 Tarcísio Teixeira81 apresenta diversas posições acerca da necessidade de uma norma específicaa respeito do comércio eletrônico. Alguns doutrinadores afirmam que não há necessidade de uma norma específica para as relações de consumo travadas na internet, pois se tornaria obsoleta muito rapidamente ante à dinâmica da tecnologia da informação. Para demais doutrinadores, seria necessária uma regulamentação específica haja vista o grande crescimento do setor e a vulnerabilidade dos usuários. Outros ainda observam que a contratação por meio da internet não abre espaço a uma nova teoria das obrigações, permanecendo válidos os princípios clássicos do direito privado. 78 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 93. 79 CARVALHO, Ana Paula Gambogi. Contratos via internet segundo os ordenamentos jurídicos alemão e brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 60. 80 BARBALHO, Anna Beatriz Cabral. op. cit. 81 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 95. 24 Para Ros,82 a internet seria apenas um novo espaço de contratação, devendo os princípios serem reavaliados e atualizados de acordo com essa nova realidade tecnológica que rompe uma tradição de séculos quanto ao modo pelo qual as pessoas se contatam, se relacionam, negociam, contratam, bem como modificam, extinguem, cumprem ou descumprem as obrigações e reclamam seus direitos. Ao encontro deste entendimento, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa indaga se do ponto de vista jurídico teria havido uma mudança relevante por conta da internet: O que teria acontecido corresponderia a uma sofisticação técnica quanto aos mecanismos utilizados para a contratação em razão do advento da internet. É claro que há problemas sobre a formação e a caracterização do acordo, o momento da conclusão, do conteúdo e da prova das obrigações contratadas, sendo preciso verificar se as categorias jurídicas clássicas podem albergar esses negócios ou se será preciso construir novos institutos jurídicos para regrar a matéria.83 Neste quadro, relevante a percepção de Tarcísio Teixeira, doutor e professor com forte experiência nas áreas de Direito eletrônico; digital; da informática; da internet; das Novas Tecnologias; relações de consumo; Código de Defesa do Consumidor:84 Somos partidários da tese de que uma legislação específica sobre comércio eletrônico estaria fadada a uma rápida obsolescência, haja vista as constantes inovações e alterações de comportamentos que este ambiente proporciona aos agentes econômicos. Além do mais, o que se observa nas últimas décadas é que na medida em que o tempo evolui cada vez mais as mudanças são aceleradas, muitas vezes não possibilitando a sua maturação pelo ser humano. Por isso, compreendemos que o mais importante é o ordenamento jurídico dispor de princípios (cláusulas gerais) que possam ser interpretados conforme o tempo e a circunstância. Entretanto, normas que tratam sobre o comércio eletrônico podem até advir, mas não devem se desprender totalmente da construção consolidada, ao longo de séculos, dos institutos jurídicos clássicos, como o contrato e a responsabilidade civil; deverão elas estabelecer princípios gerais para o comércio eletrônico dadas as suas peculiaridades e constantes alterações.85 3.2 A ATUALIZAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (PLS Nº 281/2012) E O COMÉRCIO ELETRÔNICO (DEC. Nº 7.962/2013) Trata-se o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/1990, de lei básica e significativa ao exercício da cidadania brasileira, devendo receber o aprimoramento que necessita para se reciclar e continuar a regular, efetivamente, as relações de consumo da 82 ROS apud TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., loc. cit. 83 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Contratos mercantis e a teoria geral dos contratos – o Código Civil de 2002 e a crise do contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 292-293. 84 TEIXEIRA, Tarcísio. Áreas de atuação. Disponível em: <http://www.tarcisioteixeira.com.br/novo/areas-de- atuacao>. Acesso em: 30 mai. 2018. 85 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 97. 25 sociedade atual - mais tecnológica e com maior acesso ao crédito.86 Neste diapasão, transcreve- se o discurso de Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin, Ministro do STJ e ex-Presidente do Brasilcon87: O CDC é uma grande conquista da cidadania brasileira, mas como toda lei, sofre os efeitos do tempo. Daí a necessidade de atualizar esta magnífica obra do legislador brasileiro, em especial no que concerne ao comercio eletrônico - que nem existia na época - as ações coletivas e a prevenção do superendividamento do consumidor. Estes temas são estratégicos para que o CDC continue efetivo e central na regulação do pujante mercado de consumo brasileiro. Saúde-se, pois, as iniciativas do Brasilcon de liderança e acompanhamento desse processo, como ponto de encontro entre as expectativas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, dos esforços da Comissão de Juristas do Senado Federal, que tive a honra de coordenar e do Parlamento Brasileiro. É uma garantia de sucesso e transparência desta caminhada em direção a consolidação das conquistas da política e direito do consumidor no Brasil.88 Do movimento de atualização do Código de Defesa do Consumidor, iniciado pela equipe de juristas, instalada no Senado Federal a partir de 07.12.2010 e sob a presidência do Ministro Herman Benjamin, espera-se que o mesmo traga o vigor e fortalecimento ao diploma legal em comento. Aprovado em novembro de 2015 pelo Plenário do Senado Federal, o trabalho resultou na edição do Projeto de Lei nº 281/2012, posteriormente convertido no Projeto de Lei nº 3.514/2015.89 Ademais, o Código de Defesa do Consumidor é o regramento básico do mercado de consumo brasileiro, tendo por objeto assegurar direitos individuais e coletivos aos consumidores, tratando-se de norma de ordem pública e interesse social. Por conseguinte, não pode ser afastada pelas partes, sendo suas regras imperativas, obrigatórias e inderrogáveis. Quanto as normas cogentes de proteção do consumidor, as mesmas têm a função de intervir e garantir o equilíbrio e a harmonia das relações jurídicas entre fornecedor e consumidor.90 Desenvolvendo-se paralelamente ao Projeto de Lei 281/2012, o governo brasileiro editou o Decreto nº 7.962/2013, o qual regulamenta a Lei nº 8.078/1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, dispondo em sua principiologia aspectos referentes (i) a informações claras a respeito do produto, do serviço e do fornecedor; (ii) ao atendimento facilitado ao consumidor; e (iii) ao direito de arrependimento.91 86 MORAES, Voltaire de Lima. Comissão de acompanhamento dos anteprojetos do Código de Defesa do Consumidor do BRASILCON. Disponível em: <http://brasilcon.org.br/atualizacao-do-cdc>. Acesso em: 1 jun. 2018. 87 Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON). 88 BENJAMIM, Antonio Herman de Vasconcelos. Comissão de acompanhamento dos anteprojetos do Código de Defesa do Consumidor do BRASILCON. Disponível em: <http://brasilcon.org.br/atualizacao-do-cdc>. Acesso em: 1 jun. 2018. 89 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 215. 90 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 104. 91 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 216. 26 Tem-se que o Decreto nº 7.962/2013 sofreu forte influência da redação dos dispositivos do Projeto de Lei nº 281/2012 – transcritos textualmente em grande parte. Consoante lição de Miragem, nas contratações via internet, não basta a incidência do direito à informação sobre o produto ou serviço, já tido como objeto do artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, restando necessário que o próprio fornecedor seja abrangido. A vulnerabilidade específica do consumidor na internet exige informações claras sobre a identificação do fornecedor, assim como prescrito no artigo 2º, incisos I e II do Decreto nº 7.962/2013, o qual reproduz o artigo 45-B do Projeto de Lei nº 3.514/2015.92Sob este prisma, o Decreto nº 7.962/2013 advém para propiciar maior segurança aos consumidores que compram via internet, bem como para estabelecer um comportamento mais adequado de vendedores, prestadores de serviço e intermediários, deixando assim as relações jurídicas mais seguras e transparentes, facilitando o acesso às informações sobre produtos e serviços, inclusive fornecedores.93 Contudo, importante referir conclusão de Teixeira sobre o assunto, uma vez que referido decreto não cuida com precisão da extensão da responsabilidade civil nas compras pela internet, cujo tema está pautado fundamentalmente pelo Código Civil, arts. 927 e 931, e pelo Código de Defesa do Consumidor, especialmente os arts. 12 e 13.94 3.3 O MARCO CIVIL DA INTERNET (LEI Nº 12.965/2014) O chamado Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, tem sido louvado como significativo avanço quanto as práticas digitais, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres para o devido uso da internet no país.95 Em um primeiro momento, conforme analisa Teixeira, poderia se imaginar que a referida norma não trata claramente sobre comércio eletrônico em sentido estrito (quanto à compra e venda de produtos e prestação de serviços), mas apenas acerca de outras operações realizadas no comércio eletrônico em sentido amplo (como questões envolvendo a proteção à privacidade e a vedação da captação indevida de dados e da sua comercialização). Contudo, suas regras e princípios têm implicação direta em tudo o que ocorre na internet em âmbito brasileiro, inclusive o comércio eletrônico, enquanto operações envolvendo a produção e a 92 MIRAGEM apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 216. 93 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 131. 94 Idem. 95 NETTO, Felipe Braga. op. cit., p. 135. 27 circulação de bens e de serviços. Também, o Marco Civil, ao definir o que vem a ser provedor de aplicações de internet, acaba permitindo a inclusão dos intermediários de negócios pela internet neste conceito.96 Mencionada lei estabelece em seu artigo 2º como fundamento, ao disciplinar o uso da internet, o respeito à liberdade de expressão, assim como o reconhecimento da escala mundial da rede; os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; a pluralidade e a diversidade; a abertura e a colaboração; a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e a finalidade social da rede.97 Referente ao seu objetivo, o Marco Civil busca promover o direito de acesso à internet a todos, tido como essencial ao exercício da cidadania, conforme artigos 4º e 7º, respectivamente. Já o artigo 6º dispõe que, na interpretação da lei, serão levados em conta, além dos fundamentos, princípios e objetivos previstos, a natureza da internet, seus usos e costumes particulares e sua importância para a promoção do desenvolvimento humano, econômico, social e cultural.98 A iniciativa do Marco Civil acompanha a tendência atual da União Europeia, tendo em vista a aprovação, pelo Parlamento Europeu, de um conjunto de reformas na legislação sobre telecomunicações, definindo e protegendo a neutralidade.99 Essencialmente, tem-se que a neutralidade da internet representa a garantia de que os dados receberão tratamento isonômico independentemente de seu conteúdo, dispositivo de acesso, origem e destino. De forma mais objetiva, vídeos, textos e imagens serão transmitidos de igual forma na internet.100 Sobre o tema, Teixeira esclarece: A neutralidade (ou princípio da neutralidade) no uso da internet consiste no fato de que o acesso à internet pelo usuário pode dar-se de forma livre para quaisquer fins: realizar pesquisas ou compras, estabelecer comunicações como por e-mail, utilizar redes sociais em geral, visualizar e postar textos, fotos e vídeos etc. Dessa forma, o tratamento deve ser neutro, não podendo haver diferenciação em razão do uso realizado pelo internauta, sendo possível apenas serem oferecidos pacotes com valores diversos para fins da velocidade na navegação. Dessa forma, o usuário pode usar a conexão à internet para o fim que desejar (e-mails, blogs etc.) sem precisar pagar valores distintos para tanto e sem estar sujeito à fiscalização do provedor.101 96 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 137-138. 97 BRASIL. Lei 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 1 jun. 2018. 98 BRASIL. Lei 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 1 jun. 2018. 99 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 326. 100 ACTANTES, et. al. Neutralidade da rede no marco civil da internet. Disponível em: <http://marcocivil.cgi.br/contribution/neutralidade-da-rede-no-marco-civil-da-internet/139>. Acesso em: 2 jun. 2018. 101 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 140. 28 No tocante ao comércio eletrônico, Netto alude sobre a responsabilidade objetiva do prestador de serviço e registra: Convém registrar, aqui, uma diferença relevante: a) uma coisa são os provedores de serviço que, além de oferecerem o serviço de buscas de mercadorias, fornecem a estrutura virtual para a realização da compra (nesse caso, passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, de modo solidário); b) outra situação, bem distinta, é aquela em que o prestador de busca de produtos se limita a apresentar ao consumidor o resultado da busca, após o que o consumidor é direcionado ao site do vendedor do produto (não haverá, nessa situação, responsabilidade solidária do site que ofereceu os resultados de busca). Não há, nessa hipótese, ademais, cobrança de comissões sobre as operações realizadas, sendo a remuneração desses sites oriunda das publicidades veiculadas em suas páginas.102 Neste viés, importante trazer à baila o que diz respeito à atividade dos provedores. Via de regra, o Marco Civil não impõe responsabilidade objetiva aos provedores de conexão (acesso) ou de aplicações de internet (conteúdo), como convenientemente aborda Teixeira. De acordo com o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, a responsabilidade objetiva tem lugar nos casos previstos em lei ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por suas características, riscos a outras pessoas. Deste modo, pelas disposições da Lei nº 12.965/2014, a responsabilidade dos provedores de acesso e de conteúdo deve ser atribuída conforme as regras da responsabilidade subjetiva. Conforme prevê o VI do art. 3º do Marco Civil, a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei, é um princípio que há de ser respeitado. Logo, Teixeira aduz que se a lei não prevê responsabilidade objetiva aos provedores, aplicar-se-ão as regras ordinárias da responsabilidade civil, isto é, da responsabilidade subjetiva.103 E segue articulando sobre o tópico no entendimento do Superior Tribunal de Justiça: Aliás, como já vem entendendo o STJ sobre a responsabilidade subjetiva dos provedores, como, por exemplo, nas decisões proferidas nos Recursos Especiais n. 1.193.764-SP e 1.186.616-MG, em que ficou assentado que não cabe ao provedor de conteúdo o dever de fiscalização prévia do teor das informações que são postadas pelos usuários de suas páginas (redes sociais). Isso porque não é uma atividade intrínseca ao serviço prestado, ficando, portanto, o provedor de responsabilidade exonerado de responsabilidade ao considerar que esse fato não constitui risco inerente à sua atividade a fim de que lhe seja atribuída responsabilidade objetiva.104 Com isso, vê-se que o Marco Civilda Internet mantém o sistema da responsabilidade subjetiva, permitindo a livre manifestação de pensamento e de conteúdo sem prévio controle de provedores e/ou intermediários. A positivação de certas questões foi necessária, uma vez que o avanço tecnológico acabou criando situações que o ordenamento jurídico não tratava expressamente, permitindo assim interpretações variadas. Entretanto, uma norma por demais 102 NETTO, Felipe Braga. op. cit., p. 137-138. 103 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 150. 104 Idem. 29 específica no campo da internet (e da tecnologia da informação em geral) restaria fadada à obsolescência de forma muito rápida.105 Assim, a promulgação do Marco Civil da Internet é vista com bons olhos, na medida em que se trata de lei principiológica, mas com a capacidade de promover uma maior transparência e confiança no uso da internet, bem como ampliar a segurança jurídica no país, produzindo consequentemente bons efeitos para o comércio eletrônico brasileiro.106 105 Ibidem, p. 157. 106 Idem. 30 4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO Acorde ao abordado anteriormente, a relação jurídica de consumo possui o elemento subjetivo (referente às partes envolvidas na relação jurídica, ou seja, consumidor e fornecedor) e o elemento objetivo (referente ao produto ou serviço, ou seja, o objeto sobre o qual recai a relação jurídica propriamente dita. Nesse viés, a relação de consumo será efetiva quando ocorrer direta transação entre o consumidor e o fornecedor, assim como será presumida quando realizada por simples oferta ou publicidade inserida no mercado de consumo.107 Segundo lição de Pablo Stolze: Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada — um dever jurídico sucessivo — de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.108 A responsabilidade civil assume significativa relevância no sistema de consumo, inclusive, trazendo o advento do Código de Defesa do Consumidor (estando ainda em vigência no ordenamento jurídico o Código Civil de 1916) novos ventos ao direito privado,109 dotando- se de instrumentos flexíveis à responsabilização nas relações de consumo. Na sistemática de consumo, a responsabilidade é objetiva, isto é, prescinde-se da culpa. O artigo 14 do CDC,110 nesse sentido, prescreve que “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”; e consta, em seu parágrafo 4º,111 que “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, tornando-se essa uma exceção à responsabilidade objetiva. Ademais, informa-se que a responsabilidade, na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, é solidária. Desta feita, o parágrafo único do artigo 7º do CDC112 aponta que “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” e, mais adiante, o parágrafo 1º do artigo 25 do mesmo 107 PINTO, Cristiano Vieira Sobral. op. cit., p. 681. 108 STOLZE, Pablo. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. Vol. 3, 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 47. 109 NETTO, Felipe Braga. op. cit., p. 170. 110 BRASIL. Lei º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 06 jun. 2018. 111 Idem. 112 Idem. 31 diploma legal113 preceitua que “Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas seções anteriores.” Consoante a lição de Guilherme Magalhães Martins,114 o Código de Defesa de Consumidor distingue a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, consistindo o defeito em uma falha de segurança e, o vício, em uma falha na adequação e prestabilidade: Nos defeitos, não há a necessidade de vínculo contratual entre o consumidor prejudicado e o fornecedor responsável. Já nos vícios, apesar da ampliação do sistema de solidariedade (art. 25, §§1.º e 2.º, do CDC) entre os fornecedores, há necessidade de uma cadeia contratual a unir o consumidor e o fornecedor responsável. Finalmente, os vícios e os defeitos apresentam regimes jurídicos diversos. Nos vícios, a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é mais restrita: substituição do produto, reexecução do serviço, rescisão do contrato, abatimento no preço, perdas e danos. Nos defeitos, a responsabilidade é mais extensa, devendo ser reparada a totalidade dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos pelo consumidor.115 Neste diapasão, interessante também a doutrina de Sanseverino116, o qual assevera que, quanto ao defeito, o bem jurídico tuteado é a segurança física e patrimonial do consumidor, ao passo que, quanto ao vício, busca-se a proteção da adequação do produto ou serviço à finalidade a que se destina – e prossegue: Finalmente, os vícios e os defeitos apresentam regimes jurídicos diversos. Nos vícios, a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é mais restrita: substituição do produto, reexecução do serviço, rescisão do contrato, abatimento no preço, perdas e danos. Nos defeitos, a responsabilidade é mais extensa, devendo ser reparada a totalidade dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais sofridos pelo consumidor. Ademais, nada impede que coexistam as responsabilidades pelo fato e pelo vício.117 No campo do comércio eletrônico, tido como extensão do comércio convencional, é possível a ocorrência de fatos que gerem a aplicação da responsabilidade civil, não havendo qualquer impedimento para a aplicação do instituto conforme o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor.118 Neste contexto, a responsabilidade civil demanda maior análise, posto que o escopo desta pesquisa é quanto à sua incidência referente aos sites de intermediação de negócios relativos a produtos e serviços existentes no comércio eletrônico. 4.1 A RESPONSABILIDADE CIVIL PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO 113 Idem. 114 MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 132. 115 SANSEVERINO apud MARTINS, Guilherme Magalhães. op. cit., p. 133. 116 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil do Consumidor e a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 155. 117 NETTO, Felipe Braga. op. cit., p. 172. 118 TEIXEIRA, Tarcísio. op. cit., p. 260. 32 A responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço, também denominada responsabilidade por acidente de consumo,119 consiste no efeito de imputar ao fornecedor a responsabilização dos danos causados em razão de defeito na concepção, produção, comercialização ou fornecimento de produto ou serviço, devendo indenizar pela violação do dever geral de segurança inerente a sua atuação no mercado de consumo.120 O artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor dispõe sobre o fato do produto – “O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização
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