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BIOMECÂNICA E EDUCAÇÃO FÍSICA: FORMAÇÃO DE PESSOAL E DESENVOLVIMENTO DE PESQUISA 1 Flávia Porto, 1Thiago Casali Rocha, 1Roberto Cláudio da Fonseca e Silva da Costa, 1Cordeiro 2Jonas, Lírio Gurgel 1 Universidade Gama Filho Ciências do Exercício e do Esporte (PPGCEE/UGF) 2 Universidade Federal Fluminense RESUMO INTRODUÇÃO: A Biomecânica é uma ciência interdisciplinar de recente consolidação no Brasil e tem sua trajetória atrelada à evolução do campo da Educação Física (EF). Na região Sudeste, o RJ destaca-se com a grande quantidade de cursos de Ensino Superior em EF. O objetivo deste estudo foi analisar o contexto da Biomecânica no RJ, no que se refere à formação dos profissionais de EF, ao perfil dos professores que ministram tal disciplina e à natureza das pesquisas desenvolvidas sob esta temática. MÉTODO: Através de informações oficiais do MEC e CREF1, 23 instituições de ensino superior (IES) foram contatadas via e-mail e telefone. Na impossibilidade de contato ou de resposta ao envio dos questionários desta pesquisa, foram investigados os sites das IES. Foram analisados os perfis da disciplina de Biomecânica na IES, do professor que ministrava a disciplina e da pesquisa em Biomecânica na instituição, além da participação da IES nas edições do Congresso Brasileiro de Biomecânica (CBB). RESULTADOS: Não houve consenso sobre em qual período a Biomecânica deve ser oferecida aos alunos de EF no RJ. A maioria das IES,(36,9%) oferece carga horária de 60h por semestre e os conteúdos introdutórios e básicos da Biomecânica são apresentados na maioria delas, mas conteúdos aplicados, apenas, em algumas. Nem todos os professores que ministram a disciplina tem sua formação em EF. Por fim, 80% das IES, apresentam TCC em biomecânica, 40% apresentam grupos de pesquisas em Biomecânica cadastradas no CNPq, e 50% das IES participam do CBB com apresentação de trabalhos. Palavras-chaves: Prática profissional; currículo; organização & administração. ABSTRACT INTRODUCTION: Biomechanics is an interdisciplinary science of recent consolidation in Brazil and has its history linked to the evolution of the field of Physical Education (PE). In the Southeast, the RJ stands out with a lot of courses in Higher Education EF. The aim of this study was to analyze the context of Biomechanics in RJ, with regard to the professional formation, the profile of teachers who teach this discipline and the nature of research conducted under this theme. METHODS: Using official information of MEC and CREF1, 23 higher education institutions (HEIs) were contacted via email and telephone. Failing contact or response to sending the questionnaires this study, we investigated the sites of IES. We analyzed the profiles of the discipline of Biomechanics in IES, the teacher who administered the discipline and research in biomechanics at the institution, besides the participation of HEIs in the editions of the Brazilian Congress of Biomechanics (CBB). RESULTS: There was no consensus about which period the Biomechanics must be offered to students in EF, at RJ. Most HEIs (36.9%) offers a workload of 60 hours per semester and content of introductory and basic biomechanics are presented in most of them, but content applied only in some. Not all teachers who teach discipline has its formation in EF. Finally, 80% of IES, TCC present in biomechanics, 40% have research groups in Biomechanics registered at CNPq, and 50% of HEIs participating in the CBB with homework. Key-Words: Professional practice; curriculum; organization & administration. INTRODUÇÃO A história da Biomecânica, no Brasil, tem estreita relação com a formação em nível superior de professores de Educação Física (EF), sobretudo com o estabelecimento de programas de Pós-Graduação nesta área. Inicialmente, para compor a estrutura curricular dos cursos de EF no Brasil, foi incluída a disciplina Cinesiologia (1), que é o estudo científico do movimento humano. Como subdisciplina da Cinesiologia (2), acredita- se que conteúdos da Biomecânica eram inseridos na tal matéria, mas não se sabe, ao certo, quando a Biomecânica passou a ser oferecida separada da Cinesiologia. Nesse caso, primeiramente apresentada como disciplina eletiva; após, como Biomecânica e Educação Física – formação e pesquisa Brazilian Journal of Biomechanics, Year 2013, vol14, n.26 2 disciplina obrigatória. Essa divisão em Cinesiologia e Biomecânica, no entanto, pode ser justificada porque o enfoque da primeira está nos aspectos morfológicos, segundo Vilela Junior (3). Porém, isso parece também ter favorecido para uma formação acadêmica bastante divergente de muitos dos atuais professores de EF que ministram Biomecânica aos acadêmicos de EF, no Brasil. Ou seja, durante a sua formação uns podem ter tido algum contato com a Biomecânica enquanto outros, não. Caso a ementa da disciplina e o conteúdo programático não estejam adequadamente formulados, sendo devidamente seguidos pelos professores, e se não houver um mínimo de estrutura laboratorial para as práticas de aula, é possível também que haja considerável discrepância no processo de ensino- aprendizagem dessa matéria na formação acadêmica dos professores de EF no país. Apesar do histórico da Biomecânica no Brasil e da proximidade com a própria história da profissão da EF, percebe-se, ainda hoje, uma marginalização da Biomecânica ou a formação de um ‘gueto acadêmico’, conforme já citava Vilas- Boas (4), existindo, portanto, uma dificuldade de compreensão dos conteúdos da Biomecânica e a capacidade de os profissionais e estudantes em aplica-los de maneira coerente. A Biomecânica, como ciência advinda de outra ciência mãe, a Física (5), apropria-se de ferramentas da Mecânica para análise do movimento (2, 3, 6) e apresenta perfil matematizado com uma linguagem que pode ser de difícil compreensão, dependendo da área profissional que a esteja fazendo uso. Inclusive, essa linguagem própria da Biomecânica, somada à utilização de instrumentos de medição para a análise do movimento e ao uso de modelos matemáticos que descrevem os gestos motores, parecem ser os pontos-chaves, segundo Vilas- Boas (4), para que haja um distanciamento entre os acadêmicos e a Biomecânica, transformando-a numa disciplina de reconhecida importância, mas de difícil acesso para indivíduos de áreas profissionais com menos familiaridade com a Matemática, como é o caso da EF. A Biomecânica apresenta vários conceitos na literatura científica, o que pode ser um indicativo da interdisciplinaridade da área (5). Pode-se dizer que a característica interdisciplinar da Biomecânica propiciou o desenvolvimento desta ciência como área de conhecimento e na sua consequente divisão em ‘especialidades’ ou setores de aplicação, como Biomecânica do Esporte, da Lesão, Ocupacional, do Equilíbrio, da Marcha, entre tantas outras (6). Ou seja, ainda que seja usada por profissionais de uma mesma categoria – como a EF - há a possibilidade de os mesmos estarem empregando-a com diferentes objetivos e perspectivas. No caso da Biomecânica dos Esportes, por exemplo, Vilas-Boas (4) aponta que os objetivos da Biomecânica são: 1) a otimização das técnicas desportivas, incluindo aspectos de controle de treinamento, avaliação e melhoria do rendimento do atleta; 2) a simulação de movimentos e técnicas alternativos e de suas exigências morfofuncionais para o atleta, priorizando a economia de movimento e; 3) a prevenção e reabilitação de lesões provenientes da prática desportiva. Esses objetivos podem ser extrapolados e adaptados para as demais áreas de aplicação da Biomecânica, visto que, apesar de haver setores de aplicação diversos, a base do conhecimento é a mesma, ou seja, a Física. E essas possibilidades de aplicação do conhecimento da Biomecânica aos assuntos de domínio da EF devem ser de conhecimento dos professores da área para não incorrer em um sub-aproveitamento daspotencialidades que tal ciência pode oferecer à EF, já que, independentemente da habilitação profissional, o objeto de estudo é o mesmo: movimento do corpo humano. Quanto à habilitação profissional, no Brasil, a EF é profissão regulamentada (7) e os campos de atuação são bastante amplos. A Licenciatura forma profissionais para atuarem na Educação Básica, enquanto que o Bacharelado (ou Graduação) qualifica pessoas para atuarem com atividades físicas e esportivas fora da Educação Básica (8). Considerando, porém, que, são campos de intervenção da EF a docência, o treinamento desportivo, a avaliação física, a orientação de atividades físicas, a gestão desportiva, a preparação física e a recreação e lazer (9), pode-se afirmar que a Biomecânica atende perfeitamente a formação e atuação de ambos os perfis de profissionais, mesmo que se admita que tal afirmativa não seja consensual na profissão. Ou seja, apesar de fazerem parte do campo de atuação da Biomecânica: os esportes de alto nível de rendimento, o esporte escolar e as atividades de recreação, a prevenção e a reabilitação orientados à saúde bem como as atividades do cotidiano e do trabalho (10), autores defendem a EF como uma área estritamente pedagógica (11), sugerindo, então, que a Biomecânica e demais ditas “ciências do esporte” não deveriam fazer parte da área de conhecimento da EF, correndo-se o risco de fragmentar o conhecimento da EF a ponto de descaracteriza-la completamente como campo pedagógico. Para que se diminua o abismo existente entre a Biomecânica e os atores do campo da EF, é importante que se promovam melhores opções didáticas para o ensino da disciplina, como o incentivo às aulas práticas laboratoriais (4) de modo a estimular o interesse do aluno pela temática e facilitar seu entendimento do conteúdo. Nesse sentido, sabe-se que a análise detalhada dos movimentos corporais deve ser realizada por meio de instrumentos específicos de F. Porto, T. C. Rocha, R. C. da F. e S. da C. Cordeiro, J. L. Gurgel 3 Brazilian Journal of Biomechanics, Year 2013, vol14, n.26 medição, seja nas análises da ação muscular (com o uso da Eletromiografia), das forças envolvidas no movimento (através da Dinamometria) e da descrição do gesto motor (pela cinemetria) (12) ou aspectos que envolvam Antropometria, Eletrofisiologia e Termometria (13). Essas técnicas podem ser usadas em conjunto ou separadamente para uma avaliação mais apurada da técnica do movimento. E, como encaminhamento mais adequado da Biomecânica na formação dos professores de EF, sugere-se que a abordagem inicial deva ser calcada numa perspectiva mais qualitativa dos movimentos e que as práticas laboratoriais, conforme aponta Vilas-Boas (4), propiciem experiências e conhecimentos para que o aluno seja capaz de analisar movimentos de maneira útil. Apesar desses aspectos, em que se concebe a Biomecânica como disciplina de linguagem áspera aos estudantes de EF (4) somada à constante reestruturação dos cursos de EF no país, principalmente a partir de 1987, com o surgimento do Bacharelado (14), ainda assim, as pesquisas sobre a temática no Brasil parecem crescer. Inclusive, em Universidades nas quais o curso de Educação Física é alocado como um curso não pertencente à área da saúde, a quantidade de pesquisas e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) realizados sob esta temática é, proporcionalmente, expressiva. No exemplo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos primeiros treze anos de edição da Semana de Iniciação Científica (1992- 2005), trabalhos do Curso de EF envolvendo o tema Biomecânica totalizaram quase 20% (n=19) do total, levando em conta que o curso de EF nessa Universidade não é visto como da área da Saúde, mas inserido como um curso da área de Ciências Humanas (15). Outro exemplo a ser destacado é que, em 2009, a Universidade Federal Fluminense (UFF), também no RJ, abriu seleção para docente na área de Biomecânica aplicada à EF escolar, considerando que apenas existe a opção de Licenciatura aos alunos que cursam EF nessa Instituição de Ensino Superior (IES) (16). Neste caso, evidencia a constante transformação que o campo da EF vem sofrendo. Dada a recente consolidação da Biomecânica no país (2-4, 6) aliada à sua trajetória estabelecida com os cursos de EF (1, 17), é necessário um estudo aprofundado sobre a formação e a pesquisa na área. De um lado, como fora dito, a Biomecânica apresenta-se como ciência recente e de constante evolução; de outro, nota-se um crescimento exacerbado de cursos de EF no país, sendo esta profissão caracterizada como uma área que ainda busca sua identidade científica. Quanto ao aumento expressivo do número de cursos de EF no Brasil, dados oficiais informam elevação de, aproximadamente, 400% da quantidade desses cursos entre os anos de 1991 e 2004, sendo a região Sudeste a que apresenta a maior oferta de cursos de EF no Brasil (18). Além da distribuição de cursos não ser homogênea (o que vai interferir, inclusive, na distribuição de editais de fomento à pesquisa no país), também percebe-se que o currículo de formação é divergente. Desta forma, o objetivo do presente estudo foi o de analisar o contexto da Biomecânica no Estado do Rio de Janeiro, no que se refere à formação dos profissionais de EF, ao perfil dos professores que ministram tal disciplina e à natureza das pesquisas desenvolvidas sob esta temática no Estado. Considera-se que esta pesquisa é relevante por organizar a área de conhecimento e gerar um panorama da situação no RJ, que consta como um Estado importante dentro da região Sudeste no que se refere à quantidade de cursos de Ensino Superior em EF. Desta forma, espera-se contribuir, inclusive, como incentivo à redistribuição e formulação de editais de fomento à pesquisa e desenvolvimento científico do Estado. As hipóteses trabalhadas são que a disciplina Biomecânica não é igualmente oferecida nas instituições do Estado do RJ, tanto do ponto de vista de perfil dos docentes, como conteúdos abordados e pesquisas desenvolvidas sobre a temática. MATERIAL E MÉTODOS Para esta pesquisa descritiva, foram usadas as técnicas de Survey (19) e análise de conteúdo. Inicialmente, buscaram-se informações nos sites oficiais do Ministério da Educação (MEC) (18) e do Conselho Regional de EF (CREF1) (20), sobre quantas e quais IES oferecem curso de EF no RJ. As informações em ambos os sites foram coincidentes e, ao todo, foram verificadas 30 IES cadastradas. Procedimentos: Inicialmente, foi feito contato por e-mail com os coordenadores das IES convidando-os para a participação na pesquisa como voluntário. Decorrida uma semana do envio dos e-mails e, não havendo resposta, foi feito contato por telefone com as mesmas instituições a fim de se conseguir colaboração para a realização desta pesquisa. Após um mês sem retorno das pessoas contatadas, foi necessária também uma pesquisa nos sites das IES. Os contatos com as IES e a tabulação dos dados ocorreram entre junho a novembro de 2012. No contato por e-mail, uma carta de apresentação precedia o questionário contendo os objetivos da pesquisa e o convite para a participação do coordenador de curso da IES como voluntário. O questionário continha perguntas fechadas e abertas alocadas em três temas: 1) sobre a disciplina de Biomecânica (se Biomecânica e Educação Física – formação e pesquisa Brazilian Journal of Biomechanics, Year 2013, vol14, n.26 4 era ou não oferecida para os alunos de graduação, em qual curso – Bacharelado ou Licenciatura – e quais a carga horária e a ementa da disciplina); 2) sobre o professor que ministrava a disciplina (área e nível de formação, e se era membro da SBB); 3) sobre pesquisa em Biomecânica na instituição e sua participação nas edições do Congresso Brasileiro de Biomecânica (CBB), evento oficial de Biomecânica no país, promovido pela SBB.RESULTADOS Das 30 IES listadas nos sites do CREF1 e do MEC, foram consideradas para análise 23, porque se admitiu uma única IES, mesmo na existência de um ou mais campi. Dessas, 43,5% (n=10) participaram da pesquisa via questionário, 56,5% (n=13) por informações coletadas nos seus sites e 8,7% não ofereciam curso de EF, apesar de estarem listadas nas fontes buscadas (Quadro 1). Grupo 1) Participaram da pesquisa respondendo o questionário Grupo 2) Participaram da pesquisa através de dados coletados no site Grupo 3) Não oferecem EF 1. FAMATH 2. FUNITA 3. UCB 4. UERJ 5. UFF 6. UNESA 7. UNIFOA 8. UNISUAM 9. UVA 10. UNIG 1. CELSO LISBOA 2. FASAP 3. FIJ 4. ISECENSA 5. UBM (Barra Mansa) 6. UCP/ Petrópolis 7. UFRJ 8. UFRRJ 9. UGB 10. UGF 11. UNIABEU 12. UNIGRANRIO 13. UNIVERSO 1. BENNET 2. UNIPLI Quadro 1 – Instituições de Ensino Superior situadas no Estado do Rio de Janeiro que oferecem curso regular de Educação Física (dados de 2012). Sobre a disciplina de Biomecânica No que se refere à qual período de formação do aluno de EF a disciplina Biomecânica é oferecida, há casos em que a matéria é ministrada em períodos mais baixos na Licenciatura que no Bacharelado, como na UCB, e no mesmo período, seja Licenciatura ou Bacharelado, como na UCP. A Tabela 1 mostra que não há consenso sobre em qual período a Biomecânica deve ser oferecida aos alunos de EF no RJ. Além disso, é importante destacar que essa informação não pôde ser inteiramente obtida nos sites das IES. Tabela 1 – Período acadêmico no qual a disciplina é oferecida nos cursos de Educação Física no Rio de Janeiro. Período em que a disciplina Biomecânica é oferecida Grupo 1 Grupo 2 (total, 8) 2° ----- 20,3% 3° 36,7% 60,1% 4° 24,4% 60,1% 5° 12,2% 20,3% 7° 24,4% ----- Grupo 1 – Respostas obtidas por questionário; Grupo 2 – Respostas obtidas por informações contidas nos sites institucionais. Nota: Somente foi possível coletar essas informações em oito das IES; o percentual descrito se refere ao total do grupo, 13 IES. No que tange à carga horária da disciplina de Biomecânica, os resultados do Grupo 1 mostraram que a maioria a oferece com carga horária de 60h por semestre (36,9%), como a UCB e a UVA. Mas, esta carga horária podia variar de 54h por semestre (FAMATH) às 80h por semestre (como UNIFOA e UNISUAM). Já as informações coletadas no Grupo 2, também mostraram divergências entre as IES, conforme o período e a habilitação do curso. Isto é, na presença de Licenciatura e Bacharelado, há uma carga horária maior para a Biomecânica oferecida aos alunos de Bacharelado que aos alunos de Licenciatura. Sobre a ementa e o conteúdo oferecidos Dentro do Grupo 1, apenas uma IES particular não forneceu essas informações. Pela análise dos resultados, constatou-se que os conteúdos introdutórios sobre histórico da Biomecânica, áreas de atuação, periódicos especializados da área, terminologia básica empregada, além de conceitos básicos de cinemática e cinética constam como base da disciplina na maioria das instituições, exceto na UVA e UNIG. Dentro do que se considera ‘Biomecânica Aplicada’, os conteúdos apresentados foram bastante diversificados. Os principais temas apontados foram: Biomecânica dos membros superiores e inferiores, da coluna vertebral, da locomoção, articular, muscular e óssea. Em menor escala, um numero menor de IES abordam também a Biomecânica do equilíbrio, da postura, F. Porto, T. C. Rocha, R. C. da F. e S. da C. Cordeiro, J. L. Gurgel 5 Brazilian Journal of Biomechanics, Year 2013, vol14, n.26 do esporte, dos calçados e da reabilitação. Apenas uma respondeu que aborda o tema de Biomecânica de fluidos e uma outra afirmou que contempla conteúdo de Instrumentação Biomecânica. Há que se destacar que aquelas que apresentam uma maior quantidade de conteúdos são as que, justamente, apresentam uma maior carga horária destinada à disciplina. Entretanto, como a maioria oferece uma carga horária de 60h por semestre, observando as respostas nesse pequeno grupo, percebeu-se uma não coerência ou padronização dos conteúdos. Quanto ao Grupo 2, a maioria absoluta não apresenta tais informações em suas homepages. Porém, foi possível observar, nas informações disponíveis, que os conteúdos básicos encontrados no Grupo 1, repetiram-se no Grupo 2. Vale destacar a organização estipulada pela UFRJ para a Biomecânica uma vez que já consta como pré-requisito para que os alunos possam cursar esta matéria, a conclusão da disciplina Cinesiologia. No total de 90h semestrais oferecidas como Biomecânica 1 e 2, tanto para Licenciatura como Bacharelado, conteúdos diversos são ministrados aos alunos, inclusive base mais sólida de eletromiografia (área de Instrumentação Biomecânica). Sobre o perfil do professor Sobre este quesito, foi investigado se: o docente que leciona Biomecânica na IES tem sua formação em Educação Física; qual o maior nível de sua formação acadêmica e; se o mesmo é membro da SBB. Os resultados mostraram que, em todas as IES do Grupo 1, esse professor é formado em Educação Física. Em uma delas, porém (UNESA), também existem fisioterapeutas ministrando a mesma disciplina dentro das várias filiais no Estado. Quanto ao nível de formação, 70% (n=7) são Mestres, 10% (n=1) são Doutores e 10% (n=1) tem pós-doutorado. Ressalta-se que, em duas das IES, o docente (que é o mesmo) está cursando seu Doutorado. Sobre a filiação do docente na SBB, 50% (n=5) afirmaram ser filiados, 30% (n=3) não são, 10% (n=1) não sabia informar e 10% (n=1) informou que parte dos seus docentes de Biomecânica são filiados na SBB e outros, não. No Grupo 2, todas essas informações não puderam ser obtidas nos sites da IES. Sobre a pesquisa em Biomecânica desenvolvida na IES Sobre isso, foi investigada a existência de TCCs sob a temática Biomecânica e de grupos de pesquisa em Biomecânica na IES cadastrados no CNPq. Também, foi conferido se a dada IES participa do CBB com apresentação de trabalhos. Entretanto tais informações não puderam ser verificadas nos sites das IES do Grupo 2. A Tabela 2 mostra os resultados obtidos do Grupo 1. Tabela 2 – Pesquisa em Biomecânica nas IES do Estado do Rio de Janeiro (dados de 2012). Há TCCs sobre Biomecânica na IES? Há grupo de pesquisa em Biomecânica na IES cadastrado no CNPq? A IES participa do CBB com apresentação de trabalhos? Sim 80% 40% 50% Não 20% 50% 30% Não sabe informar ----- ----- 10% Não informou ----- 10% 10% DISCUSSÃO Este estudo verificou a organização da Biomecânica nos cursos de EF no Estado do RJ, através de informações coletadas em 2012 via questionários formulados para este fim e via sites institucionais. As hipóteses levantadas foram confirmadas uma vez que não há uma uniformidade no que tange à carga horária oferecida tanto nos Bacharelados quanto nas Licenciaturas em EF no Estado do RJ, bem como na comparação entre as diferentes habilitações da mesma IES. Concomitantemente, os conteúdos abordados foram bastante discrepantes, porém, na maioria das IES estudadas, há uma tendência em oferecer um conteúdo introdutório relacionado aos aspectos históricos, campos de aplicação, terminologia específica e bases de cinemática e cinética. Verdade que, na maioria das vezes, quando havia mais carga horária disponível para a Biomecânica, conteúdos mais diversos de Biomecânica aplicada eram abordados. Finalmente, vale destacar que os conteúdos introdutórios básicos abordados pela maioria das IES, não foi contemplado pela UFRJ, provavelmente porque, nessa Instituição, existe a disciplina de Cinesiologia dada obrigatoriamente antes de o aluno poder se inscrever em Biomecânica. Quanto à metodologia empregada no estudo, já era esperado o reduzido número de questionários respondidos(19). Entretanto, acredita-se que a baixa adesão não comprometeu o desenvolvimento da pesquisa. Sobre a disciplina de Biomecânica Biomecânica e Educação Física – formação e pesquisa Brazilian Journal of Biomechanics, Year 2013, vol14, n.26 6 De acordo com Amadio e Serrão (1), a disciplina de Biomecânica está presente na quase totalidade dos cursos de formação de professores de EF no país. Entretanto, o crescimento da Biomecânica como disciplina acadêmica, ainda, é recente. Portando, o tempo transcorrido não se tornou suficiente para que a disciplina se consolide e esteja completamente integrada às perspectivas curriculares da EF (5). Sobre a ementa e o conteúdo oferecidos Da mesma forma que os objetos de pesquisa em Biomecânica, no Brasil, dependem do interesse do pesquisador principal (21), parece que os conteúdos ministrados na disciplina caminham para esta mesma linha. Mas, o fato de a maioria das IES abordar conteúdos muito básicos para introduzir os demais assuntos dessa disciplina, acredita-se, que pode ser um indício de: 1) existir uma deficiência na formação do aluno em Cinesiologia e Anatomia aplicada, sendo assim, tais conteúdos tornam-se necessários de serem abordados durante o curso de Biomecânica para que conteúdos mais específicos da matéria possam ser introduzidos ou 2) há (também?) uma deficiência do professor para ministrar conteúdos mais aprofundados de Biomecânica para os alunos. Nessa perspectiva, vale lembrar que docentes horistas de IES particulares, muitas vezes, ministram aulas que não são exatamente da sua área de atuação e/ou ainda, podem estar sobrecarregados com diferentes e muitas matérias e turmas. Isso reflete na qualidade do ensino, mas, sobre especificamente o conteúdo da Biomecânica como disciplina, pode o docente preferir ficar num patamar mais superficial da mesma. Além disso, tomando como exemplo a UFRJ, em que se têm separadamente as duas disciplinas, Cinesiologia e Biomecânica, favorece a Biomecânica ser conduzida com mais profundidade nos diferentes aspectos aplicados, incluindo os instrumentos de medição. Quanto a isso, há que se refletir que, quando, em algum momento da história da EF, as disciplinas de Cinesiologia e Biomecânica foram separadas – por se entender que eram assuntos diferentes (3) – parece que, ao longo do tempo, optou-se por substituir a Cinesiologia pela Biomecânica. Mas, parece, também, os conteúdos voltaram a se misturar nos últimos anos. De qualquer modo, vale lembrar que, na formação do professor de EF, a partir de 1987, a Biomecânica foi inserida no grupo de disciplinas que se enquadravam na temática de ‘conhecimento do corpo humano’, junto com a disciplina de Anatomia Aplicada (23). Entendendo-se, portanto, que deveriam ser abordadas, separadamente. Nesta pesquisa, constatou-se que, em algumas IES a Biomecânica era ministrada com mais nível de detalhamento comparada a outras, no mesmo Estado (RJ). Quanto a isso, é importante considerar que havia curso de Pós- graduação (PG) na área atrelada ao curso de Graduação (caso UFRJ) ou o docente estava vinculado a outros programas de PG na própria Instituição (exemplo UFF). Sobre isso, Cury (22) comenta do importante papel que as PGs têm para o desenvolvimento das Graduações e que deve ser papel da IES buscar montar e criar seu PPG. A qualidade do docente está associada em atrelar ensino, pesquisa, inovação e extensão no curso. Sobre o perfil do professor Os resultados evidenciaram que a maioria dos docentes tem formação em EF e que 70% dos professores apresentaram como maior nível de formação o título de Mestre. Todavia, é difícil saber se os professores que ministram a disciplina de Biomecânica a tiveram durante sua formação acadêmica e de que forma foram ministrados os conteúdos. Esse pode ser fator desencadeador do problema da dificuldade de aplicabilidade do conteúdo à realidade dos alunos (1). Outra questão que chamou a atenção nos resultados deste estudo foi a presença de professores com formação em Fisioterapia ministrando aulas de Biomecânica a estudantes de EF. Apesar de poderem ser consideradas áreas correlatas, há preocupação quanto ao enfoque dado nas aulas, já que se trabalha com objetos e objetivos distintos. Sobre a pesquisa em Biomecânica desenvolvida na IES Boa parte das pesquisas em Biomecânica, no Brasil, envolve análises cinemáticas do movimento, sobretudo com o uso de equipamentos de cinemetria baseada em vídeo (3, 21), mas várias outras áreas da instrumentação Biomecânica são atendidas. As temáticas das pesquisas parecem atender, primeiramente, ao interesse do pesquisador, e, em seguida, ao dos estudantes. E para que seja possível desenvolver pesquisas em Biomecânica no país, é preciso um mínimo de estrutura laboratorial (6, 21) e recursos humanos qualificados, o que depende, muitas vezes, de financiamentos do Governo (via editais de fomento), parcerias com empresas, fornecimento de bolsas para pesquisa, doação de equipamentos, verba própria (principalmente, no caso de instituições particulares) e a autonomia para desenvolver produtos tecnológicos (21), além de PPGs que atendam esta área. Tomando como base a Revista Brasileira de Biomecânica, F. Porto, T. C. Rocha, R. C. da F. e S. da C. Cordeiro, J. L. Gurgel 7 Brazilian Journal of Biomechanics, Year 2013, vol14, n.26 periódico científico oficial da SBB, Acquesta et al. (17) verificaram que a maioria dos estudos publicados entre 2000 e 2006 focavam a área de Métodos e Instrumentação, seguida de Locomoção Humana, Biomecânica de Calçados e Pisos. Isso pode ser explicado pelos avanços tecnológicos que propiciam uma consolidação e uma reestruturação do conceito da Biomecânica (3). Importante destacar, também, que a pesquisa científica brasileira em Biomecânica encontra-se dissipada em demais periódicos nacionais e internacionais, com predomínio naqueles (6). Fato de se ter publicações internacionais é interessante e bastante positivo no quesito de projeção internacional do docente ligado a PPG, conforme critérios estipulados pela Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para avaliação de cursos inseridos na área 21 – Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional (23). REFERÊNCIAS 1. Acquesta FM, Iwamizu JS, Ferreira IC, Boaretto RA, Mendes DR, Hermann F, et al. O estudo da biomecânica do movimento humano no Brasil através da análise da distribuição das publicações da Revista Brasileira de Biomecânica no período 2000- 2006. Rev bras biomec. 2007;8(15 ):67-73. 2. 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