Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ISSN 2446-9823 REVISTA INTERNACIONAL DE DIREITO PÚBLICO - RIDP Publicação semestral Coordenação Augusto Neves Dal Pozzo Rafael Valim Ricardo Marcondes Martins Silvio Luís Ferreira da Rocha RIDP Revista Internacional de DIREITO PÚBLICO *Esse material é protegido por direitos autorais sendo vedada a reprodução não autorizada, gratuita ou onerosamente, sob pena de ressarcimento, em caso de infração aos direitos autorais. É permitido citar os excertos em petições, pareceres e demais trabalhos, desde que seja informada a fonte, garantidos os créditos dos autores dos artigos, do órgão emanador da decisão ou informação e da publicação específica, conforme a licença legal prevista no artigo 46, III da Lei nº 9.610/1998. 85R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 Princípio da soberania nacional e investimentos estrangeiros em infraestrutura: a contribuição de pressupostos metodológicos do construtivismo lógico-semântico para análise interpretativa Carolina Reis Jatobá Coêlho Doutoranda em Direito Administrativo pela PUC-SP. Mestre em Direito das Relações Internacionais pelo Centro Universitário de Brasília/DF. Especialista em Direito Público pela FESMPDFT e em Direito Constitucional pelo IDP/DF. Advogada da Caixa Econômica Federal. E-mail: <carolinarjcoelho@hotmail.com>; <carolina.j.coelho@caixa.gov.br>. Resumo: Trata-se de artigo que busca identificar, à luz da doutrina do Construtivismo Lógico-Semân- tico, o tratamento de tema cuja problematização envolve a importância da infraestrutura enquanto elemento de cidadania e potencialidade do Estado brasileiro, destacando o princípio constitucional da soberania, sob o âmbito interno e externo. Em especial, buscam-se respostas para as situações em que potências mais desenvolvidas têm alocado recursos e investimentos no Brasil, capitalizando em- presas brasileiras (privadas ou públicas) que estão, direta ou indiretamente, implicadas na prestação de infraestrutura e serviços públicos. A primeira premissa metodológica extraída do Construtivismo Lógico-Semântico é que o Direito é linguagem, baseada na concepção filosófica da Teoria da Comuni- cação, que, após o movimento do que se denomina Giro-Linguístico, considerou que a interpretação dos conceitos implica, no âmbito das ciências naturais e das ciências do espírito, nos atos contínuos e constantes de “explicação” e “compreensão” dos símbolos, a partir das pré-compreensões do in- térprete, contexto cultural e histórico e interdisciplinaridade, que podem relativizar o conhecimento. Das referências bibliográficas e propostas metodológicas estudadas à luz do Construtivismo Lógico- Semântico, foi possível extrair várias premissas epistemológicas que se aplicam à proposta de tese: i) a consideração do Direito enquanto linguagem; ii) a interpretação do contexto do direito como ob- jeto histórico e cultural, objeto das ciências do espírito; iii) a verificação das pré-compreensões do intérprete na conclusão da interpretação; iv) a Lógica Formal do sistema jurídico que confere unidade e hierarquização às normas, em relações de coordenação e subordinação; v) consideração dos prin- cípios enquanto normas jurídicas dotadas de sentido e orientadoras de interpretação como vetores; vi) atribuição de sentido de validade da norma constitucional incidindo sobre todo o sistema jurídico; vii) aplicação da Lógica dos Predicados e Lógica dos Conjuntos em situações de intertextualidade do Direito e Economia, justificando intervenção estatal e por fim relações de coordenação e subordinação entre Direito Interno e Internacional. Palavras-chave: Princípio da soberania nacional. Investimentos estrangeiros em infraestrutura. Cons- trutivismo Lógico-Semântico. Premissas. Sumário: 1 Introdução – 2 Direito como linguagem e fenômeno cultural, próprio das ciências do es- pírito – 3 O contexto histórico do Estado brasileiro na Constituição: fixação do contexto de análise – 4 Importância dos princípios na Constituição brasileira e aplicação dos princípios como base do siste- ma normativo, impregnado de valores sociais – 5 Constituição Econômica como sistema e influência da soberania nacional como fundamento da República – Conclusão – Referências RIDP_05_MIOLO.indd 85 19/11/2018 15:16:35 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201886 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO 1 Introdução A importância da infraestrutura é dúplice e serve tanto para caracterizar uma boa administração de serviços públicos na acepção de Estado Constitucional, como para destacar a potencialidade desse mesmo Estado na esfera internacio- nal, na forma de relevo da sua soberania interna e externa. Internamente, a soberania significa ter liberdade de organização política e aplicar da melhor forma o implemento das escolhas constitucionais, bem gerindo as coisas e pessoas que se encontrem no domínio territorial do Estado, na esteira da capacidade de autodeterminação, que é a tomada de decisão governamental realizada de forma totalmente independente, fixando autonomamente os próprios destinos de um povo fixado em um território, sem nenhuma vontade que lhe so- breponha ou lhe submeta. Em que pese a propalada igualdade jurídica entre os Estados, premissa fixada pelo Direito Internacional no princípio regente de não intervenção, há um evidente contraste entre as realidades existentes que expõem o desenvolvimento desigual entre os Estados Soberanos, percebendo-se um desequilíbrio de poder no âmbito das tomadas de decisão do mundo globalizado. Ademais desse fato, que pode diminuir o âmbito de influência geopolítica e geoeconômica de determinados países, verifica-se que este posicionamento tam- bém transporta-se para o modelo de Estado, que reúne não só incidências legais jurídicas, mas também escolhas no plano político e econômico. Embora não se possa enumerar características que comprovem uma interven- ção de fato, com imposição de vontades dos Estados desenvolvidos nos Estados Soberanos menos desenvolvidos, ou atos abusivos internacionais que violem a proteção nacional, é inegável a alocação de recursos de Estados Soberanos que já alcançaram a modernidade em países que ressentem de investimentos e imple- mentação em infraestrutura básica. Por outro lado, o reflexo do Estado no ambiente internacional nada mais é do que a consequência racional de escolhas governamentais e políticas internas tomadas no sentido de viabilizar a importância de determinados assuntos estra- tégicos. Neste ponto, eleva-se a importância da infraestrutura como um grupo de elementos considerados indispensáveis não só para o usufruto do cidadão, mas para o pleno desenvolvimento da indústria, e o direito – de natureza prestacional – tem sido considerado até mesmo como um direito fundamental.1 De acordo com este introito, é possível concluir que a pesquisa aborda Direito buscando relacionar desenvolvimento econômico a partir das perspectivas 1 BERCOVICI, Gilberto; VALIM, Rafael. Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. RIDP_05_MIOLO.indd 86 19/11/2018 15:16:35 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 87 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... jurídicas, do papel do Estado, dos institutos jurídicos e do ordenamento normativo nacional, principalmente não limitando o conceito de crescimento ao crescimento econômico, mas sim como uma expansão das liberdades e capacidades indivi- duais e coletivas que possibilitem a busca de capacidades emancipatórias pela prestação de serviços públicos de qualidade ao cidadão. Portanto, partindo-se da premissa de que a infraestrutura é inseparável da concepção de serviço público, e que ambas forjam a identidade nacional e o sen- timento de bem-estar do cidadão,2 sua realização cumpriria dupla vocação cons- titucional, sejapara concretização de direitos fundamentais, seja para estimular a economia, que tem por fim assegurar a todos uma existência digna, gerando impactos diretos no desenvolvimento econômico e social. Porém, a carência estrutural de investimentos eminentemente públicos de longo prazo para custear infraestrutura e serviços públicos tem sido apresentada como uma das justificativas3 para a interrupção de ciclos do crescimento econô- mico brasileiro,4 motivo pelo qual se nutre – legitimamente ou não – uma grande expectativa de suprimento do déficit de infraestrutura por fontes extraorçamentá- rias, sejam elas advindas de recursos nacionais privados, ou, o que se verifica com frequência, de fontes estrangeiras. Nos últimos anos, muitas potências têm alocado recursos no Brasil,5 em especial capitalizando empresas brasileiras que estão, direta ou indiretamente 2 A insatisfação com a infraestrutura e serviços públicos é um dos elementos que diminui consideravelmente o sentimento nacionalista. Um instituto de pesquisa privado, Ipos, em recente pesquisa, divulgou que “segun- do levantamento realizado entre 25 de agosto e 8 de setembro, em 28 países, aponta que, em média, 30% da população é insatisfeita com a infraestrutura. O Brasil é líder na pesquisa, com 60% dos entrevistados insatisfeitos, seguido por áfrica do Sul (51%), Sérvia (49%) e Itália (43%). Entre os satisfeitos, a média é de 37%, sendo Arábia Saudita, índia e Alemanha os primeiros colocados com 65%, 59% e 53%, respectivamen- te. O Brasil é o penúltimo, com apenas 19% de satisfeitos” (CORREIO BRAZILIENSE. Brasileiro é o povo mais insatisfeito do mundo com infraestrutura. A média global é insatisfeitos com a infraestrutura de cada país é de 30%. O Brasil, com 60% dos entrevistados desgostosos lidera o ranking. Disponível em: <http://www. correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/11/08/internas_economia,639372/brasileiro-e-o- povo-mais-insatisfeito-no-quesito-infraestrutura.shtml>. Acesso em 10 nov. 2017). 3 Em grande parte, deve-se aos sucessivos modelos econômicos e jurídicos de Estado, permeados de enraizadas práticas e culturas de corrupção, autoritarismo e arbítrio estatal. 4 Embora se identifique um contrassenso argumentativo nesse discurso, pois geralmente há volumosos aportes financeiros públicos para setores privados, seja na forma contrapartidas estatais de concessões ou parcerias, seja por intermédio de concessão de empréstimos por agentes financeiros eminentemente públicos (bancos públicos de desenvolvimento, fomento e varejo). 5 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Censo de Capitais Estrangeiros no País. (Ano-Base 2010-2015). Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/Rex/CensoCE/port/resultados_censos.asp?idpai=CAMBIO>. Acesso em: 09 dez. 2017. Segundo o documento, os Estados que mais investem no Brasil são Estados Unidos, Países Baixos, Espanha, Reino Unido e França, nas seguintes modalidades: Investimento Direto no País – IDP; Participação no Capital e Operações Intercompanhia. O volume de participações em capital é o mais significativo, alcançando 80 bilhões, para o investidor norte-americano. Não foram disponibilizados dados mais recentes, mas se sabe que a China, como maior parceiro comercial do Brasil desde 2009 (relação exponencial que saltou de US$ 1 bilhão em 2000 para US$ 40,6 bilhões em 2014), tem não só incre- mentado de forma relevante sua participação no capital social de empresas brasileiras, como também de seguir expandindo, quantitativa e qualitativamente, esse relacionamento. RIDP_05_MIOLO.indd 87 19/11/2018 15:16:35 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201888 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO implicadas na prestação de serviços públicos. E há tendência de que se altere também o eixo de investidores tradicionais, geralmente Estados Unidos, Países Baixos, Espanha, Reino Unido e França, para países em desenvolvimento, como é o caso da China. Uma dessas evidências é a recente criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, um banco multilateral que se apresenta como alternativa para o Fundo Monetário Internacional, integrado por Brasil, Rússia, China e áfrica do Sul que aportou capital inicial de US$ 50 bilhões tendo por principal objetivo o financia- mento de projetos de infraestrutura e desenvolvimento nos países participantes e também em países pobres e emergentes. A recente criação do fundo Brasil-China também poderá viabilizar o financiamento de até US$ 20 bilhões em projetos de investimento para setores prioritários, como infraestrutura, logística e energia, mas serão avaliados também projetos em outros setores, como indústria, recur- sos minerais, agroindústria, novas tecnologias e serviços digitais.6 O tema é pouco explorado na doutrina e na jurisprudência e justifica novos estudos, e embora revele extraordinária importância prática e apresente profundos desdobramentos teóricos multidisciplinares, em especial no Direito Administrativo, Constitucional e Internacional. Exposto o tema a ser tratado na tese de doutoramento, o desafio deste artigo é a correta compreensão do fenômeno jurídico sobre opções metodológicas que caracterizam a Escola da PUC-SP. Neste ponto, ganha relevo a iniciativa de fa- zer entender a temática sob o ponto de vista do construtivismo lógico-semântico, construindo algumas premissas que possam ser úteis ao entendimento do fenô- meno estudado e úteis ao desenvolvimento do trabalho científico. 2 Direito como linguagem e fenômeno cultural, próprio das ciências do espírito O Direito é linguagem. A simples afirmação é carregada de uma orientação epistemológica e uma concepção filosófica importante, que recorta a compreen- são do fenômeno jurídico a partir da Teoria da Linguagem e da Comunicação. A Teoria da Linguagem, pensada desde Platão, baseava-se na ideia de que o ato de conhecer constituía-se na relação entre sujeito e objeto e acreditava-se que a linguagem era só um instrumento para expressar a realidade objetiva das coisas postas na fenomenologia do mundo, pelo conhecimento da verdade. O conhecimento do mundo no período platônico é determinado pela neces- sidade de explicação dos acontecimentos, do imprevisível, do devir e por isso 6 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTãO. Disponível em: <http://www.planejamento. gov.br/assuntos/internacionais/fundo-brasil-china>. Acesso em: 09 dez. 2017. RIDP_05_MIOLO.indd 88 19/11/2018 15:16:35 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 89 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... dominado pela explicação filosófica. A medida que a sociedade avança e as rela- ções intersubjetivas se tornam complexas, migra-se das estruturas de sociedades fechadas, estamentais, religiosas e mitológicas para as sociedades mais abertas, nas quais a religião é menos influente, as classes são mais flexíveis e a mitologia e filosofia são paulatinamente substituídas pela ciência.7 Neste contexto, a fé humana migra para a ciência, a quem é atribuída não só a função de explicar o mundo, mas também a promessa de modificar o mundo das coisas, tornando o ser humano mais racional e a sociedade, uma vez mais tec- nológica, mais previsível, humana e justa. O ápice da fé que se outorga à ciência culmina com as guerras e a descrença no ser humano, que nega sua existência e renova as inseguranças que ele é submetido.8 O conhecimento científico, antes alocado num alto patamar, enaltecido e re- verenciado de forma privilegiada na sociedade, deixa de ser um saber irrefutável, absoluto, definitivo, incontroverso, necessário, indubitável, o que caracteriza uma organização contemporânea científico-tecnológica pós-moderna cética e niilista,9 que é justamente a recusa de resposta aos porquês metafísicos, desvencilhado das perspectivas hígidas do cientificismo. Neste ponto, justifica-se aacepção de uma nova Teoria Comunicacional após o movimento filosófico que se denominou Giro-Linguístico, que escancarou a relatividade do conceito de verdade e a consequente ruína ou superação dos mo- delos científicos tradicionais, representado por métodos aplicáveis aos múltiplos setores da experiência física ou social.10 7 A sociedade aberta remete ao conceito do cientista alemão Karl Popper, na qual as relações interpessoais seriam menos influenciadas pelo grau de parentesco e mais promovidas pelo compromisso democrático e social de cunho pluralista, sugerindo certo grau de independência que permitiria autonomia de crítica aos indivíduos. Embora a aplicação da expressão tenha muito mais relação com características epistemológicas do que políticas, remetendo à amplitude e relatividade da ciência, partilhada por vários atores, é inegável que a disseminação do conceito influenciou vários outros ramos do conhecimento, espraiando consequências em várias obras. Confira-se: POPPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e seus inimigos. Tradução de Milton Amado. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974. 8 Na explicação da verdade a partir de metodologia filosófica, destacam-se os idealistas (Platão, Hegel, Sócrates), os escolásticos (Santo Agostinho e São Tomás de Aquino); os racionalistas (Descartes, Spinoza, Leibniz); empiristas (Locke, Hume, Kant, Popper); pragmatistas (Peirce); fenomenologistas (Husserl, Heidegger); existencialistas (Kiekegaard e Sartre) e os pós-modernos (Nietzsche, Wittgenstein, Kuhn, Foucault, Derrida). 9 O esforço de compreensão da verdade atravessa a existência humana e funda-se desde o legado grego (entre o que aparece, transparece e é compreensível). Há objeções a este pensamento de pelo menos três ordens: i) as que negam a capacidade do espírito de penetrar nas aparências (fenômenos) – ceticismo; ii) as que negam a realidade – niilismo e iii) as que afirmam a impossibilidade de articular e comunicar a penetração (misticismo). 10 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método. 6. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Noeses, 2015, p. 167. RIDP_05_MIOLO.indd 89 19/11/2018 15:16:35 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201890 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO Em outras palavras, a desconstrução da verdade enquanto categoria objetiva e absoluta foi contestada pelo paradigma relativista, que evidenciou a indetermina- bilidade da verdade, que não pode ser compreendida senão considerada a lingua- gem própria de cada utente a partir de suas experiências e pré-compreensões.11 A linguagem deixa de ser um meio ou um instrumento para se tornar ela própria a essência das coisas a serem compreendidas.12 Explica e perpassa o homem e a humanidade. A nova Teoria da Linguagem exprime a ideia de que a linguagem por si só não é suficiente para desvendar a ordem e a estrutura por trás da fenomenologia, mas a compreensão da complexidade e da caoticidade do mundo expressa em linguagem é que compõe a própria existência humana.13 Assim, a linguagem é a forma de expressão humana que incide sobre a hu- manidade e a representa. O espírito humano tenta explicar o mundo, em esforços de catalogação que ocorrem pela formulação e reformulação de conceitos constru- ídos antes mesmo da sua intervenção comunicacional, identificando as relações de hierarquia e coordenação entre eles.14 O conhecimento dos conceitos implica, no âmbito das ciências naturais e das ciências do espírito, nos atos contínuos e constantes de “explicação” e “com- preensão”. Enquanto a explicação prossegue na mesma direção assinalada no momento da sua partida, vinculando efeitos e causas da identificação de um sistema de aparências e comparações com o que já se conhece. A compreensão, ao contrário, avança a partir de um ponto, mas retorna a ele, num círculo que que repassa o mesmo ponto em eterna espiral, sentindo-se avançar em circunferência infinita e todo o retorno em direção à etapa precedente aumenta o conhecimento por compreensão levando-o mais adiante inserindo à explicação elementos históricos justificadores da realidade como se conhece.15 Daí, a concepção de que linguagem é a própria criação da realidade e da verdade pela compreensão do conhecimento, realidade e verdade (sempre em movimento constante) e a língua perpassa o ser humano para além do ser huma- no dominar a língua. Vilém Flusser utiliza-se da analogia de um portal para dizer que somos apenas um receptáculo por onde a língua encontra passagem, sendo o intelecto uma tecelagem que usa as palavras como fios, mas que, na antessala compara o algodão que dá vida e forma ao fio à experiência. Palavras apenas são ouvidas e vistas, mas a partir dos sentidos que captam a mensagem de forma sensitiva, de modo que a realidade é um conjunto de dados 11 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Tradução de Flávio P. Meurer. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 12 SCAVINO, Dardo. La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós Postales, 1999. 13 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. São Paulo: Annablume, 2004. 14 FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. São Paulo: Annablume, 2004. 15 COSSIO, Carlos. La teoria egológica del derecho y el concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Abeledo- Perrot, 1964, p. 78-79. RIDP_05_MIOLO.indd 90 19/11/2018 15:16:36 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 91 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... e dados são percebidos pelas palavras e palavras são percebidas pela visão e audição, dependendo do receptor apreender e compreender a mensagem, já que os sentidos são ao mesmo tempo doadores de dados, mas também dados em si. Apreendidos e compreendidos como símbolos, há dependência do ponto de vista do observador, suas experiências, suas pré-compreensões. Mas, para além disso, são acordos entre vários contratantes, já que para ser compreendida a simbologia pressupõe um prévio acordo dos significados e a existência de um veículo desse acordo, de modo que somos forçados a aceitar a língua e seu caráter simbólico como utentes da mesma. Os resultados interpretativos dependem das possibilidades exegéticas que decorrem da abordagem e das visões que as alimentam. As pré-compreensões e ideologias em geral direcionam aquilo que se vê, se apreende e se compreende. Texto ou fato, diriam os relativistas que consideram o “giro linguístico”, é sempre uma versão daquilo que vemos.16 Entretanto, acaso a interpretação relativista do Direito imperasse na ciência jurídica ter-se-ia uma inevitável e indesejável indeterminação do seu conteúdo, com liberdade de livre estipulação e indeterminação conceitual e metodológica que levariam a suprimir o que o Direito tem de mais valioso: sua função deôntica, de descrever determinadas ações válidas ou inválidas no campo fenomenológico e prescrever as condutas desejadas pelo ordenamento jurídico, orientando com- portamentos humanos. E não é essa a situação que a ciência do Direito deve fomentar e sequer a função que o Direito Positivo lhe reserva. Em nosso entendimento, não há liberdade de livre estipulação. Em absoluto, a suposta livre estipulação ou livre utilização de determinado termo e conceito jurídico não é arbitrária. Com efeito, a relação entre signo e significado não decorre livremente da estipulação do sujeito. Ao contrário. Como fenômeno social, a língua preexiste a ele e lhe impõe conteúdos mínimos de utilização para que haja compreensão, dado o contexto e referencial a que situam.17 Ao contrário. A metodologia que se denomina construtivismo lógico-semân- tico se propõe “a amarrar os termos da linguagem segundo esquemas lógicos que confiram firmeza à mensagem, cuidado especial com o arranjo sintático da frase sem deixar-se de se preocupar com o plano do conteúdo e a fidelidadeda enunciação”.18 16 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2015, p. 123. 17 A este respeito, confira-se, sobre a Teoria da Linguagem, o que propõe SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Isidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1991. 18 CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o Construtivismo Lógico-Semântico. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Construtivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 3-11. RIDP_05_MIOLO.indd 91 19/11/2018 15:16:36 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201892 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO Estruturada com fundamento nos estudos de Lourival Vilanova,19 a metodo- logia se compromete a privilegiar os pressupostos da Teoria Comunicacional e também da Lógica, dimensionando em especial os planos sintático, semântico e pragmático da linguagem, considerando a estrutura lógica, a dimensão semântica de conteúdos e projeção pragmática pelos utentes da língua. Derivada do Círculo de Viena e da Escola de Baden e advinda do positivismo kelsiano,20 a metodologia privilegia o plano sintático da análise textual pela orde- nação lógico-semântica de conceitos e um método lógico uniforme e coerente, que se for bem aplicado gerará excelentes e objetivos resultados, sem considerar textos desconexos, pois isso se deve à falta de rigor científico que cria realidades distintas e sem nexo, segundo Tomazini.21 Desta forma, conceitos são pensados em uma estrutura lógica e amarrados em uma estrutura semântica que possibilita ter uma visão plena da realidade, o que lhe atribuiria credibilidade de uma ciência, atrelada a uma autonomia de pen- samento filosófico, de forma que tal processo racional viabilizaria uma franqueza cognitiva e preservaria a função de que o direito existe para regular condutas intersubjetivas, na região ôntica dos objetos culturais e por isso impregnada de valores.22 Portanto, o intérprete trabalha desde a leitura dos enunciados, de onde o dispositivo ingressa no plano dos conteúdos e o faz na medida que vai atribuindo valores aos símbolos positivados pelo legislador, cuja construção indissociavel- mente será condicionada por referenciais e contexto, pela História, pelos aconte- cimentos sociais, políticos, econômicos e todos os outros que fizeram parte da sua vida e informam os horizontes culturais, todos auxiliares na interpretação do direito, mas que não são direito propriamente dito. O contexto importa para o Direito à medida que o método analítico não é suficiente e a hermenêutica conta, além de variações de sentido dos textos posi- tivados de Estados diferentes, com signos comuns que permitem que intérpretes vivenciem o mesmo referencial linguístico e cultural, o que reforça a ideia de que a linguagem cria o objeto e o texto não é algo dado, mas algo construído segundo a apreensão do intérprete. O sujeito não descobre o sentido daquilo que está velado no texto, mas cria seu significado. Não qualquer significado. O significado apropriado para o contexto 19 CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o Construtivismo Lógico-Semântico. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Construtivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 3-11. 20 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 21 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria Geral do Direito (o Construtivismo Lógico-Semântico). Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp098895.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2018. 22 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria Geral do Direito (o Construtivismo Lógico-Semântico). Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp098895.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2018. RIDP_05_MIOLO.indd 92 19/11/2018 15:16:36 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 93 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... cultural e histórico incidente e de acordo com as estruturas sintáticas da lingua- gem que utiliza. Portanto, as valorações que estão fundamentadas e justificadas no texto e não podem ser arbitrárias, sob pena de se não se caracterizarem como jurídicas.23 Por tudo, o ordenamento não apresenta um emaranhado de disposições cao- ticamente observado. Ao contrário, são disposições que se relacionam mediante liames de subordinação e coordenação que fazem com que o direito adquira uma consistência e organização lógica – uma sintaxe que o caracteriza como sistema.24 Na estrutura das regras, prega o Construtivismo Lógico-Jurídico, que há uma hipótese fática descrita pelo ordenamento, que pode ser falsa ou verdadeira pelos critérios da Lógica Formal no mundo fenomênico e uma vez incidente sua ocor- rência reserva automaticamente a consequência que lhe é prevista no âmbito normativo, sob os critérios da Lógica Deôntica, que prescreve comportamentos específicos para determinados acontecimentos, vinculando-os aos modais “obri- gatório”, “permitido” ou “proibido”. Esta estrutura alimenta as características de generalização e estabilização de expectativas normativas, no âmbito do método empírico-dialético, conforme função do Direito reconhecida por Niklas Luhmann.25 O mesmo autor, ao perce- ber o sistema jurídico como sistema, esclarece que ele precisa ser dotado de autonomia e diferenciação, possuir um código e uma linguagem que o ajude na compreensão (hierarquia e validade).26 No entanto, admite-se que o sistema não seja totalmente fechado, mas possua uma abertura cognitiva ao ambiente que o faz se relacionar com o meio. Essa abertura, denominada irritação, pode ser melhor compreendida através da pesquisa interdisciplinar, afinal o sistema não é completo em si mesmo. Contudo, observa-se que essa abertura não significa uma compreensão do direito a partir dos códigos, pressupostos e linguagem de outro sistema e sim da integração dos conceitos e conhecimentos lá dispostos, aos códigos e à linguagem própria do sistema jurídico (acoplamento estrutural). Chegando-se neste ponto, desenvolveremos premissas considerando uma curta digressão histórica dos modelos político, jurídico e econômico (nem sempre claros, fechados ou estanques) de Estados brasileiros e suas relações com a 23 MCNAUGHTON, Charles William. Sistema Jurídico e Ciência do Direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Construtivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 44. 24 MCNAUGHTON, Charles William. Sistema Jurídico e Ciência do Direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Construtivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 44. 25 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Vol. I e II. Rio de Janeiro: Edições Tempos Brasileiros, 1983. 26 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Vol. I e II. Rio de Janeiro: Edições Tempos Brasileiros, 1983. RIDP_05_MIOLO.indd 93 19/11/2018 15:16:36 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201894 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO Economia, para a partir daí pensar em soberania nacional, vinculando-a à explora- ção da atividade econômica de forma direta pelo Estado brasileiro, por intermédio de Estatais e, verificaremos que nem sempre foram observados os imperativos orientadores da segurança nacional ou do relevante interesse coletivo, o que é explicado – mas não justificado – pela característica patrimonialista do Estado. 3 O contexto histórico do Estado brasileiro na Constituição: fixação do contexto de análise O comportamento estatal brasileiro na economia pode ser comparado com “pêndulos históricos que oscilam constantemente entre as posições políticas na defesa de uma intervenção mínimaou máxima, passando por zonas cinzentas”.27 Para além das regulares ações de fiscalização, incentivo e planejamento dos fato- res de produção, a história brasileira demonstra ao mesmo tempo experiências de nacionalização, monopólios, privatização, desestatização, aumento e diminuição do rol de atividades inseridas na intervenção para exploração da atividade econô- mica de forma direta. Essa percepção pode justificar a persistência de problematizações recentes acerca dos erros e acertos da adoção de determinados modelos jurídicos que se alteraram frequentemente – e algumas vezes de forma arbitrária – na história bra- sileira e que refletem a reprodução de preferências políticas do grupo que detém o poder momentaneamente.28 Dessa alternância, o Brasil conheceu em parte os Estados Liberal e Social e apenas iniciou o período do Estado Democrático de Direito sem que se tivesse ultrapassado plenamente as dificuldades e desafios das estruturas anteriores ou superado as vantagens de cada um dos modelos, na natural cadência lógica e su- cessiva que se vincularam no passado os países de democracia mais consolidada e modernidade já realizada.29 27 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 1-55. 28 No Brasil, pode-se citar que a Constituição de 1934 previu a nacionalização de bancos e fomento ao de- senvolvimento do crédito no artigo 117, bem como a formação de monopólios estatais, conforme artigo 116. A Carta Constitucional seguinte, de 1937, de cunho mais liberal, propugnava a intervenção do Estado na Economia tão somente para suprir deficiências da iniciativa individual e coordenar fatores de produção. Ao Estado moldado pelo neoliberalismo do governo FHC, segue-se um Estado de Bem-Estar Social carac- terizado por um ordenamento jurídico dirigista com apoio em políticas públicas, no governo Lula. Cada modelo econômico corresponde a um modelo de Estado, destacando-se o Estado Absolutista, o Estado de Direito; o Estado Social; o Estado Pós-Social, o Estado Cooperativo. 29 Sobre as origens do Estado Liberal, sabe-se que os membros da Aristocracia que se posicionavam de forma independente militarmente da Monarquia acabaram também por se emancipar financeiramente, formando a Burguesia ou o Terceiro Estado, que irrompeu Revoluções, como a Francesa, para positivar direitos fundamentais reconhecidos atualmente nas constituições modernas, consolidando direitos de liberdade, igualdade formal e fraternidade social, contemplando gerações de direitos ligadas à cronologia do desenvolvimento de direitos fundamentais na seguinte sequência: i) 1ª geração, que indicavam direitos RIDP_05_MIOLO.indd 94 19/11/2018 15:16:37 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 95 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... O que daí advém, acaba por configurar um Estado fraco e incompleto em suas finalidades, com pouca realização e capacidade para efetivar o mínimo vital em termos civilizatórios e que ao pertencer a uma modernidade tardia não con- quistou infraestrutura de bens e serviços públicos para uma população tão carente não só economicamente, mas de vivência da real cidadania estatal. Uma outra consequência dos movimentos citados acima é que o modelo jurídico do Estado Democrático de Direito, sucessor natural no modelo de teoria política em que se situam como antecedentes lógicos o Estado Liberal e o Estado Social, não emergiu ainda de fato na Administração brasileira. Ao contrário, com Faoro,30 entende-se que ainda está em vigência um Estado autoritário e patrimo- nialista, distante das múltiplas pretensões normativas e programáticas da Carta Constitucional. O efetivo Estado Democrático de Direito deve ser identificado como aquele que carrega na Constituição um instrumento de transformação social, o que de- corre da elevada carga de valores e caráter compromissário, contemplando ao mesmo tempo a amplitude de estruturas econômicas e sociais nesse documento. 4 Importância dos princípios na Constituição brasileira e aplicação dos princípios como base do sistema normativo, impregnado de valores sociais Em paralelo a esta constatação sobre o Estado brasileiro, para tratar a te- mática verificamos, do ponto de vista científico-jurídico, a insuficiência do modelo positivista enquanto sistema fechado, imbuído da lógica formal dedutiva neutra e pautado em métodos reducionistas do fenômeno do Direito. Neste ponto, a metodologia dissociada de um conteúdo valorativo acaba sinalizando que a doutrina do positivismo é insuficiente para responder razoavel- mente ao modelo de Estado Democrático de Direito por não ouvir os reclames sociais da realidade fática que lidam com interesses e valores antagônicos como são os presentes na Constituição brasileira de 1988, destacando-se, para o tra- balho, a denominada Constituição Econômica.31 Destaca-se então a deontologia dos princípios para prescrever normatividade aos valores e orientar a racionalidade jurídica. Embora o Brasil ainda não tenha de liberdade e exigiam uma postura negativa/omissiva do Estado); ii) 2ª geração, que indicavam direitos sociais e uma postura positiva ou prestacional do Estado e iii) 3ª geração, que indicavam direitos de solidariedade e difusos que seriam exigidos tanto do Estado como dos particulares enquanto entes cooperativos para a fraternidade. 30 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. 31 Confira-se sobre o tema: BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.revistas.usp. br/rfdusp/article/view/67764>. Acesso em: 10 jun. 2018. RIDP_05_MIOLO.indd 95 19/11/2018 15:16:37 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201896 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO atingido o Estado Democrático de Direito, tem expressa pretensão de alcançá-lo, conforme o conteúdo programático constitucional, o que só se concretizará no ir e devir da história jurídica. Geralmente no contexto constitucional lida-se mais frequentemente com prin- cípios jurídicos, com abertura semântica maior, eis que expressam termos valora- tivos, que a Constituição recolhe, reconhece e positiva. É importante destacar que na escola jurídica pós-moderna, os princípios, na acepção tomada (terceira fase), tem a mesma estrutura das normas jurídicas, ou seja, enunciados positivos dos quais se extraem alta carga valorativa e podem, diretamente, regular situações e relações jurídicas. E esta assertiva não diminui ou mesmo afasta os conceitos pa- ralelos e interdependentes dos princípios que convivem com o significado da sua denominada terceira fase ou mesmo fase pós-moderna, como acima mencionado. Com efeito, enquanto a primeira fase é constituída do significado de que princípios eram fundamentos basilares de um determinado ramo do Direito no plano positivo ou científico, a segunda admite que eles já influem diretamente na ordem jurídica como ordenadores e orientadores das regras que lhe sucedem. Já a terceira fase os entende de forma autônoma, na mesma estrutura das regras ju- rídicas, ou seja, deles se extrai normatividade na maior escala, sem necessidade de qualquer complemento que lhe preencha o sentido.32 O exame desse conceito sobre princípio permite considerá-lo como normas, de cunho valorativo em maior extensão, que exigem cumprimento pleno assim como as regras, mas com diferença estrutural ou de grau. Enquanto as regras estão no plano do tudo ou nada, os princípios se perfazem na realização de uma determinação jurídica na maior medida possível. Assim, são mandados de otimi- zação realizáveis de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas incidentes e exigem do aplicador, quandofor o caso de colidência com outros princípios, da aplicação da ponderação, que não é meramente valorativa, mas pode atingir graus de determinabilidade a partir da atribuição correta de pesos.33 Os princípios constitucionais são tidos como expressão da valoração consti- tucional e assim como as normas têm sua interpretação baseada nas premissas acima destacadas – linguisticidade, contextualidade, pré-compreensões do intér- prete, culturabilidade – e, soma-se, em especial, no âmbito da tarefa hermenêuti- ca constitucional, a mutabilidade, para usar a analogia de Heráclito, pois a norma constitucional renova-se constantemente no ir e devir do rio jurídico. 32 A classificação em fases foi retirada do conteúdo da obra MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de Direito Administrativo Neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 112-114. 33 ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. In: ALEXY, Robert. Derecho y Razón Práctica. 2ª reimpressão. Tradução de Manuel Atienza. México: Fontamara, 2002. RIDP_05_MIOLO.indd 96 19/11/2018 15:16:37 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 97 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... No âmbito das normas jurídicas constitucionais, esta assertiva ganha maior significado, pois a Constituição é o instrumento político do Estado, e sofre as mutabilidades de sentido que lhe são atribuídas no contexto, que abriga geral- mente algumas situações de tensão com as necessidades reais da vida estatal, e, embora o texto possa permanecer imutável, a norma que dele advém acaba por ser fluida e flexível, adaptada que é àss necessidades constantes e imantes do Estado.34 García-Pelayo e Pablo Lucas Verdú afirmam que “mutação constitucional é a separação entre o preceito constitucional e a realidade”, sendo “a realidade constitucional mais ampla do que a normatividade constitucional”.35 Hsü Dau-Lin, jurista chinês que melhor conceituou e classificou a mutação constitucional, já dizia que o fenômeno manifesta-se no ordenamento normativo como um todo, mas que tem sua melhor expressão na Constituição, que tem seu fundamento jurídico na necessidade política, nas exigências e expressões de vita- lidade que se realizam quando o Estado se desenvolve.36 Segundo Reale, o Direito deve alcançar o ideal de ser estático e dinâmico sem ser frenético. As polarizações de sentido e o paradigma gadameriano de idas e vindas – ir e devir – histórico para reforçar o sentido dos textos e suas impressões deve nortear os estudos constitucionais. Assim, duas acepções são consideradas: a mutabili- dade constitucional e as multiplicidades de ideologias e valores que podem gerar aparentes polarizações de princípios colidentes, que devem ser harmonizados. 5 Constituição Econômica como sistema e influência da soberania nacional como fundamento da República Esta é a perspectiva na qual deve ser lida a Constituição Econômica, em clara complementariedade à Constituição Social, conforme descrição do texto enunciado no art. 170 em diante. Nesta linha, a ordem econômica conjuga va- lorização do trabalho humano à livre iniciativa para assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, tendo como exemplo mais claro a vinculação inexorável entre o conceito da iniciativa privada à função social da propriedade e redução das desigualdades sociais, imbrincados que estão também 34 Confira-se a consolidação da classificação de mutação constitucional realizada pela própria autora na obra: COêLHO, Carolina Reis Jatobá. Mutação Constitucional: a Atuação da “Sociedade Aberta” Como Protagonista na Interpretação da Constituição Brasileira de 1988. Revista de Direito Público nº 38. Mar.- Abr./2011. Disponível em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/https://www.portaldeperiodicos. idp.edu.br/direitopublico/index>. Acesso em: 10 jun. 2018. 35 GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. Madrid: Alianza, 1984. 36 DAU-LIN, Hsü. Mutación de la constitución. Oñait: IVAP, 1998. RIDP_05_MIOLO.indd 97 19/11/2018 15:16:37 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 201898 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO com objetivos da República Federativa do Brasil, como o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza. Nessa mesma linha se situa a atuação direta do Estado no domínio eco- nômico, que se constitui ainda hoje em um dos temas centrais da organização política, definindo-se que a prestação de objetos comerciais e industriais pelo próprio Estado só ocorreria na incidência das hipóteses justificadas de imperativo de segurança nacional ou relevante interesse público. Originalmente, entretanto, não foi assim. O setor público não atuava como como mero coadjuvante da economia por intermédio das Estatais. Atuava por subs- tituição do particular, em clara posição empresarial. O próprio Brasil Monárquico simbolizado pela vinda da Família Real Portuguesa ao Brasil, implicou na cria- ção de Empresas Estatais para preencher atividades econômicas inexistentes, inexploradas, tendo como maior exemplo a instituição do Banco do Brasil, com o propósito mais financeiro do que econômico, considerando as necessidades da Coroa e não da população, motivo pelo qual sua extinção deu-se quando do Retorno da Família Real a Portugal.37 Nos países em desenvolvimento, principalmente os de capitalismo tardio como o Brasil,38 a assunção de atividades privadas pelo Estado apresentava-se como principal exercício do papel econômico, em clara posição protagonista e muitas vezes como monopolista ou líder de mercado.39 Assim, o verdadeiro marco do capitalismo brasileiro deu-se somente com investimentos públicos inaugurais e criação de Estatais nos setores siderúrgico, petrolífero, elétrico e bancário, em razão não só de sua importância estratégica, mas também diante de retornos incertos e baixa rentabilidade do setor o que deixou muitos particulares tímidos para assumir os riscos desta seara.40 Como resultado, o que se observou foi a presença das estatais que atuam diretamente na economia brasileira – seja em regime de monopólio ou concorrência 37 O segundo Banco do Brasil nasceu em 1853 no Segundo Reinado diante de conjunturas políticas, já que o centralização do Império requeria uma estrutura nacional governamental que não se restringisse à esfera do financiamento comercial, concedidos também por bancos comerciais. Em 1864 ocorre uma crise financeira circunstanciada pela Guerra do Paraguai, o que desencadeou fechamento de bancos e abalou as finanças públicas. A crise evidencia o uso do Banco do Brasil como instrumento de política econômica, ao autorizar a emissão de papéis para fins de aumento do meio circulante. 38 Diferentemente da experiência, por exemplo, da Europa, onde o fluxo de nacionalização ocorreu depois do capitalismo consolidado. Em verdade, atualmente o cenário europeu aponta para a continuidade da participação estatal nas empresas privatizadas, por intermédio das golden shares, que seriam ações preferenciais de classe especial, que carregariam prerrogativas que concederiam ingerências estatais nas empresas privadas (RODRIGUES, Nuno Cunha. Golden Share: as empresas participadas e os privilégios do Estado. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 14). 39 PINTO JúNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal. Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10-25. 40 PINTO JúNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal. Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10-25. RIDP_05_MIOLO.indd 98 19/11/2018 15:16:38 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 99 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... – de forma bastante significativa (para não dizer exagerada), não só em termosquantitativos mas também quanto à diversificação de atividades exploradas. Para exemplificar, somente as estatais federais – dimensionadas em cen- tenas – exploram variados objetos sociais, em segmentos como os de energia elétrica; tecnologia digital; abastecimento; transporte público; petróleo e petro- química; serviços hospitalares; infraestrutura aeroportuária; gás; processamento de dados; hospitais; serviços postais; telecomunicações etc. A participação do Estado em quase todos os setores para explorar numerosas atividades econô- micas em detrimento da iniciativa privada, pode ser explicada em parte pelo seu caráter patrimonialista. Neste trabalho, a referência patrimonial do Estado designa uma existência marcada principalmente pela soberania e pelo patrimônio, ambas exercidas de forma desviada, como mero instrumento de poder autoritário. Da fusão entre os conceitos, tem-se a utilização dos recursos públicos como meros bens econômi- cos patrimoniais, que ao invés de pertencerem ao povo, estariam à disposição do Estado para que ele use como bem lhe aprouver, geralmente a mando dos interesses pessoais dos governantes e não do interesse público. Entretanto, para esta fenomenologia ôntica, a Constituição Federal tem uma prescrição deôntica, visando a aplicação conjugada de princípios que, estabeleci- dos, levarão ao prestígio não de uma retórica pejorativa que justifique um ou outro modelo de Estado, mas que prioriza a conjugação de visões desenvolvimentistas do ponto de vista social e econômico, em concordâncias práticas segundo o art. 170, CF/88, em que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, con- forme os ditames da justiça social. Por meio desse dispositivo, a CF/88 consagra a existência de uma econo- mia de mercado, de índole capitalista. Isso fica claro ao estabelecer-se que o fundamento da ordem econômica é a livre iniciativa; com efeito, a livre iniciativa é característica central do sistema capitalista. Ao mesmo tempo, percebe-se que o art. 170, CF/88, estabeleceu que a finalidade da ordem econômica é promover a existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social. Nesse sentido, busca-se compatibilizar o desenvolvimento econômico com o princípio da dignida- de da pessoa humana. Norteando os princípios da Ordem Econômica, encontra-se o princípio da soberania nacional, que assenta-se como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, I). Aqui, ela aparece no sentido de “soberania eco- nômica”. Com isso, o legislador constituinte quis deixar claro que o Brasil deve buscar o seu desenvolvimento e evitar a situação de dependência em relação aos países industrializados. RIDP_05_MIOLO.indd 99 19/11/2018 15:16:38 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018100 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO Por sua vez, a disciplina dos investimentos estrangeiros no Brasil está pre- vista no art. 172, CF/88, que dispõe que “a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros”. Esta regulação do investimento estrangeiro é corolário do princípio da soberania nacional. A CF/88 não impede o ingresso de capital estrangeiro no País; ao contrário, ela permite que sejam feitos investimentos estrangeiros, uma vez que estes podem fun- cionar como importante instrumento para o desenvolvimento econômico nacional. A legislação ordinária irá, portanto, disciplinar os investimentos de capital estrangeiro, incentivar os reinvestimentos e regular a remessa de lucros para o exterior. De eficácia contida, o dispositivo deve ser lido com as exceções já delimi- tadas e as situações intrincadas ainda não respondidas pela doutrina nacional. Necessário confirmar se há o reconhecimento (ou a dissociação) do conceito prin- cipiológico da soberania nacional, sob o ponto de vista da Teoria Jurídica do Direito Neoconstitucionalista ou pós-moderna, na qual os princípios são mandados de otimização do sistema jurídico. O enfrentamento do problema perpassa também considerar e analisar as reformas constitucionais e restrições ora existentes, sob o prisma da Teoria de Reforma Constitucional e Teoria Geral da Constituição. Por exemplo, há regra constitucional expressa, ainda não alterada por emenda, proibitiva de participa- ção estrangeira na assistência à saúde (art. 199, §3º, CF), pesquisa e lavra de recursos minerais (art. 176, § 1º), regra expressa, ainda também não alterada, restritiva da participação estrangeira em empresa jornalística e de radiodifusão de sons e imagens (art. 222, §1º, CF). A Emenda Constitucional nº 05/95 alterou o parágrafo 2º do art. 25 para permitir a empresa estrangeira prestar serviço de gás canalizado. A EC 06/95 revogou o art. 171 e o conceito constitucional de empresa brasileira. A Emenda Constitucional 08/95 alterou o inciso XI do art. 21 para permitir a prestação de serviços de telecomunicações por estrangeiros. Já a Emenda 09/95 alterou a re- dação do parágrafo 1º do art. 177 para permitir a exploração do monopólio federal de petróleo e gás natural por empresa estrangeira. Do ponto de vista lógico-semântico, registra-se a igual importância à simbolo- gia dos signos, mas também sua lógica formal, merecendo destaque a Teoria das Classes, a Lógica dos Predicados e a Lógica dos Termos, que compreende o estu- do da composição interna dos significados a partir de seus predicados. Para Paulo de Barros Carvalho, “os nomes são palavras tomadas voluntariamente para de- signar indivíduos e seus atributos, num determinado contexto de comunicação”.41 41 PINTO JúNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal. Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2010, p. 10-25. RIDP_05_MIOLO.indd 100 19/11/2018 15:16:39 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 101 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... O conceito de soberania nacional é provavelmente o ponto nodal da Teoria do Direito Público e base do Estado, em especial se considerarmos algumas pro- blemáticas daí decorrentes, como: i) a aplicação do regime jurídico administrativo e das restrições jurídicas dos serviços públicos nas atividades que recebam apor- tes ou participação de investimentos estrangeiros e como se dará a compatibiliza- ção do regime jurídico administrativo com a regulação internacional dos recursos/ investimentos estrangeiros; ii) tratamento do capital estrangeiro e sua dinâmica com princípios constitucionais e internacionais, como é o caso do princípio in- ternacional da nação mais favorecida – NMF e eventual incompatibilidade com o sistema jurídico nacional ou regime jurídico administrativo; iii) análise do conceito jurídico de parcerias estatais e de oportunidades de negócios no âmbito da Lei nº 13.303/16 e outras formas associativas, societárias e contratuais que pos- sam ser estabelecidas para justificar investimentos das Estatais na participação de empresas estrangeiras (outra face do investimento estrangeiro em empresas brasileiras que atuam em serviços públicos e infraestrutura). A despeito do realce complexo e da dimensão que toma o tema no âmbito não só do Direito Constitucional e Direito Administrativo, mas também do Direito Internacional Econômico, parece-nos que a metodologia do Construtivismo Lógico- Semântico nos fornece material instrumental interessante de grande valia para o desenvolvimento completo das teorias da tese que se propõe estudar. Na esfera multidisciplinar, a metodologia apresenta em linguagem formal a aplicação da Teoria dos conjuntos e subconjuntos, com relação de includência ou não quanto às relações entre Direito Interno e Internacional, que Kelsen con- sidera num mesmoplano jurídico, conforme sua teoria monista, mas que confere validade ou não aos sistemas estatais ainda que produzidas como regras-quadro ou regras em branco a serem preenchidas de acordo com vontade decisória das unidades políticas.42 Outro ponto a ser considerado é o reconhecimento da norma fundamental que dá validade para as demais normas do sistema jurídico, e como tal, o ordena- mento jurídico é escalonado por normas ligadas à ideia de Constituição, que con- fere orientações à comunidade política e lhe dá sentido aos princípios referidos. Também merece relevo, na doutrina tradicional dos referenciais citados por Paulo de Barros Carvalho, a solução de “antinomias” pela “revogação” de uma das “normas conflitantes”, o que seria a confirmação de que há a revogação de uma das normas conflitantes e a consequente expulsão de uma das normas do sistema, mas sim parte-se do pressuposto de que as disposições, ainda que incompatíveis, são igualmente válidas. 42 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 141. RIDP_05_MIOLO.indd 101 19/11/2018 15:16:39 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018102 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO Princípios, mesmo que aparentemente incompatíveis, são válidos e existem. Para a teoria tradicional positivista, há competência exclusiva do aplicador do direito para definir qual é a norma jurídica que se prefere no sistema, fazendo-a incidir e qual é a norma jurídica que deverá ser expulsa. De acordo com o pós- positivismo, as duas normas de forma indireta correspondem a princípios implíci- tos ou explícitos, formais ou materiais, e que lhe darão primazia sobre uma norma ou outra. Uma visão pós-positivista da teoria foi defendida por Robert Alexy e Robert Dworkin, já que não há norma conflitante que expulse outra do sistema, mas sim uma norma que axiologicamente direciona para uma teoria da resposta correta ou mais adequada sob o ponto de vista do sistema. De modo geral, o exercício deste artigo que é a fixação de premissas me- todológicas e dogmáticas para nortear os estudos da tese a ser desenvolvida, considerando alguns conceitos do Construtivismo Lógico-Semântico em especial: i) a consideração do Direito enquanto linguagem; ii) a interpretação do contexto do direito como objeto histórico e cultural, objeto das ciências do espírito; iii) a verificação das pré-compreensões do intérprete na conclusão da interpretação; iv) a Lógica Formal do sistema jurídico que confere unidade e hierarquização às normas, em relações de coordenação e subordinação; v) consideração dos prin- cípios enquanto normas jurídicas dotadas de sentido e orientadoras de interpre- tação como vetores; vi) atribuição de sentido de validade da norma constitucional incidindo sobre todo o sistema jurídico; vii) aplicação da Lógica dos Predicados e Lógica dos Conjuntos em situações de intertextualidade do Direito e Economia, justificando intervenção estatal e por fim relações de coordenação e subordinação entre Direito Interno e Internacional. Conclusão Buscou-se compatibilizar a utilização e dação de pressupostos científico- metodológicos do Construtivismo Lógico-Semântico ao amplo tema a ser tratado na tese de doutoramento junto à PUC-SP. A temática da problematização envolve a importância da infraestrutura enquanto elemento de cidadania e potencialidade do Estado brasileiro, destacando sua soberania interna e externa. Em especial, buscam-se respostas para as situações em que potências mais desenvolvidas têm alocado recursos no Brasil, capitalizando empresas brasileiras (privadas ou públicas) que estão, direta ou indiretamente implicadas na prestação de serviços públicos. A primeira premissa metodológica extraída do Construtivismo Lógico- Semântico que o Direito é linguagem, baseada na concepção filosófica da Teoria RIDP_05_MIOLO.indd 102 19/11/2018 15:16:39 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 103 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... da Comunicação, após o movimento do que se denomina Giro-Linguístico, conside- rando que a interpretação dos conceitos implica, no âmbito das ciências naturais e das ciências do espírito, nos atos contínuos e constantes de “explicação” e “compreensão” dos símbolos. Admite-se que a interpretação está sob a dependência do ponto de vista do observador, suas experiências, suas pré-compreensões, das quais dependem e resultam das possibilidades exegéticas que decorrem da abordagem e das visões que as alimentam. As pré-compreensões e ideologias em geral direcionam aquilo que se vê, se apreende e se compreende. Texto ou fato, diriam os relativistas que consideram o “giro linguístico”, é sempre uma versão daquilo que vemos. Entretanto, acaso a interpretação relativista do Direito imperasse na ciência jurídica ter-se-ia uma inevitável e indesejável indeterminação do seu conteúdo, com liberdade de livre estipulação e indeterminação conceitual e metodológica que levariam a suprimir o que o Direito tem de mais valioso: sua função deôntica, de descrever determinadas ações válidas ou inválidas no campo fenomenológico e prescrever as condutas desejadas pelo ordenamento jurídico, orientando com- portamentos humanos. Daí a importância da ciência do Direito na função de constranger e extrair os sentidos reais do sistema jurídico enquanto ordenamento coerente, fazendo-se atentar para a metodologia que também se compromete a privilegiar os pressu- postos da Lógica, dimensionando em especial os planos sintático, semântico e pragmático da linguagem, considerando a estrutura lógica, a dimensão semântica de conteúdos e projeção pragmática pelos utentes da língua. Ainda, é necessário pensar em contexto, de forma que não se admite que o sistema seja totalmente fechado, mas possua uma abertura cognitiva ao am- biente que o faz se relacionar com o meio, recolhendo e reconhecendo o cultura e história que permeia não só a edição mas a interpretação das normas jurídicas extraídas dos dispositivos, motivo pelo qual o artigo aborda os modelos jurídicos, econômicos e sociais inerentes à norma constitucional que institui o princípio da soberania nacional. Ressalta ainda a importância dos princípios na Constituição brasileira e apli- cação deles enquanto base do Sistema Jurídico, impregnado de valores sociais, que reforçam o movimento dinâmico e cultural do paradigma gadameriano e da concepção do direito enquanto objeto cultural e valorativo, com função deôntica de orientar comportamentos estatais. Dessa interpretação, fixam-se outras premissas e bases metodológicas para verificar a compatibilidade ou não dos investimentos estrangeiros em infraestrutura à luz do conceito operativo de soberania nacional estabelecido. Pretende-se apre- sentar a carga conceitual, os elementos interpretativos e a densidade constitucional do princípio da soberania nacional em sua conformação com o ordenamento jurídico RIDP_05_MIOLO.indd 103 19/11/2018 15:16:39 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018104 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO interno, considerando seu valor histórico como valor fundamental da formação dos Estados Modernos e eventuais mutações ou flexibilizações de seu significado no contexto global e no ordenamento jurídico. Das referências bibliográficas e propostas metodológicas estudadas à luz do Construtivismo Lógico-Semântico, foi possível extrair várias premissas epistemoló- gicas que se aplicam à proposta em questão, todas explicitadas e desenvolvidas, considerando-se os cenários de serviços públicos relativos a elementos estratégi- cos da infraestrutura nacional. Pode-se extrair, em tese, as seguintes premissas: i) a consideração do Direito enquanto linguagem;ii) a interpretação do contexto do direito como ob- jeto histórico e cultural, objeto das ciências do espírito; iii) a verificação das pré- compreensões do intérprete na conclusão da interpretação; iv) a Lógica Formal do sistema jurídico que confere unidade e hierarquização às normas, em relações de coordenação e subordinação; v) consideração dos princípios enquanto normas jurídicas dotadas de sentido e orientadoras de interpretação como vetores; vi) atribuição de sentido de validade da norma constitucional incidindo sobre todo o sistema jurídico; vii) aplicação da Lógica dos Predicados e Lógica dos Conjuntos em situações de intertextualidade do Direito e Economia, justificando intervenção estatal e por fim relações de coordenação e subordinação entre Direito Interno e Internacional. Principle of national sovereignty and foreign investments in infrastructure: the contribution of methodological assumptions of logical-semantic constructivism for interpretative analysis Abstract: This article seeks to identify, in the light of the doctrine of Logical-Semantic Constructivism, the treatment of a topic whose problematization involves the importance of infrastructure as an element of citizenship and potentiality of the Brazilian State, highlighting the constitutional principle of sovereignty, including the internal scope and external. In particular, answers are sought for situations where more developed powers have allocated resources and investments in Brazil, capitalizing Brazilian companies (private or public) that are, directly or indirectly, involved in the provision of infrastructure and public services. The first methodological premise extracted from Logical-Semantic Constructivism is that Law is language, based on the philosophical conception of Communication Theory, which, after the movement of what is called Giro-Linguistic, considered that the interpretation of concepts implies, within the scope of natural sciences and the sciences of the spirit, in the continuous and constant acts of ‘explanation’ and ‘understanding’ of symbols, starting from interpreter pre-comprehension, cultural and historical context and interdisciplinarity, which can relativize knowledge. From the bibliographical references and methodological proposals studied in the light of Logical-Semantic Constructivism, it was possible to extract several epistemological premises that apply to the thesis proposal: i) the consideration of Law as language; ii) the interpretation of the context of law as a historical and cultural object, object of the sciences of the spirit; iii) verification of interpreter pre-comprehension at the conclusion of the interpretation; iv) the Formal Logic of the legal system that confers unity and hierarchy to norms, in coordination and subordination relations; v) consideration of the principles as legal norms that are meaningful and guiding interpretations as vectors; vi) attribution of validity of the constitutional norm affecting the entire legal system; vii) application of the Logic of Predicates and Logic of Sets in RIDP_05_MIOLO.indd 104 19/11/2018 15:16:39 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018 105 PRINCíPIO DA SOBERANIA NACIONAL E INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS EM INFRAESTRUTURA: A CONTRIBUIçãO... situations of intertextuality of Law and Economy, justifying state intervention and finally relations of coordination and subordination between Internal and International Law Keywords: Principle of national sovereignty. Foreign investments in infrastructure. Logical-Semantic Constructivism. Premisses. Referências ALEXY, Robert. Sistema jurídico, principios jurídicos y razón practica. In: ALEXY, Robert. Derecho y Razón Práctica. 2ª reimpressão. Tradução de Manuel Atienza. México: Fontamara, 2002. BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e dignidade da pessoa humana. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rfdusp/ article/view/67764>. Acesso em: 10 jun. 2018. BERCOVICI, Gilberto; VALIM, Rafael. Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. CARVALHO, Aurora Tomazini. Teoria Geral do Direito (o Construtivismo Lógico-Semântico). Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp098895.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2018. CARVALHO, Paulo de Barros. Algo sobre o Construtivismo Lógico-Semântico. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Construtivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2015. COSSIO, Carlos. La teoria egológica del derecho y el concepto jurídico de libertad. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1964. COêLHO, Carolina Reis Jatobá. Mutação Constitucional: a Atuação da “Sociedade Aberta” Como Protagonista na Interpretação da Constituição Brasileira de 1988. Revista de Direito Público nº 38. Mar.-Abr./2011. Disponível em: <https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/https://www. portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/index>. Acesso em: 10 jun. 2018. DAU-LIN, Hsü. Mutación de la Constitución. Oñait: IVAP, 1998. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012. FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. São Paulo: Annablume, 2004. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. 4. ed. Tradução de Flávio P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 2002. GARCIA-PELAYO, Manuel. Derecho constitucional comparado. Madrid: Alianza, 1984. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Vol. I e II. Rio de Janeiro: Edições Tempos Brasileiros, 1983. MARTINS, Ricardo Marcondes. Estudos de Direito Administrativo Neoconstitucional. São Paulo: Malheiros, 2015. MCNAUGHTON, Charles William. Sistema Jurídico e Ciência do Direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Construtivismo Lógico-Semântico. Vol. I. São Paulo: Noeses, 2014. RIDP_05_MIOLO.indd 105 19/11/2018 15:16:39 R. Int. de Dir. Público – RIDP | Belo Horizonte, ano 3, n. 5, p. 85-106, jul./dez. 2018106 CAROLINA REIS JATOBá COêLHO POPPER, Karl Raimund. A sociedade aberta e seus inimigos. Tradução de Milton Amado. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1974. PINTO JúNIOR, Mario Engler. Empresa Estatal. Função Econômica e Dilemas Societários. São Paulo: Atlas, 2002. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Isidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1991. SCAVINO, Dardo. La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidós Postales, 1999. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo da Economia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010. Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): COêLHO, Carolina Reis Jatobá. Princípio da soberania nacional e investimentos estrangeiros em infraestrutura: a contribuição de pressupostos metodológicos do construtivismo lógico-semântico para análise interpretativa. Revista Inter- nacional de Direito Público – RIDP, Belo Horizonte, ano 3, n. 05, p. 85-106, jul./dez. 2018. Recebido em: 10.08.2018 Aprovado em: 20.09.2018 RIDP_05_MIOLO.indd 106 19/11/2018 15:16:40 ESTA REVISTA FAZ PARTE DA PLATAFORMA FÓRUM DE CONHECIMENTO JURÍDICO® https://www.forumconhecimento.com.br/conheca
Compartilhar