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AULA 1 GOVERNANÇA GLOBAL E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS INTERNACIONAIS Profa Ana Cristina Aguilar Viana 2 INTRODUÇÃO A presente disciplina visa apresentar a você aspectos fundamentais sobre governança e formulação de políticas internacionais, focando as perspectivas históricas, natureza e origens conceituais dos termos governança e políticas públicas. Inicialmente, para poder compreendê-los, faz-se necessário uma contextualização histórica, passando por questões relevantes como globalização e perda do poder soberano do Estado nacional. TEMA 1 – O ESTADO – CONCEITUAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO Diz-se que o primeiro a alcunhar como Estado uma ordem jurídica e soberana interna e externamente foi o pensador Maquiavel (1988, p. 5). Em sua obra clássica, O Príncipe, dispõe, em seu primeiro capítulo – “Quantos são os tipos de principado e como conquistá-los” – que “Todos os Estados e todos os governos que exercem certo poder sobre a vida dos homens foram ou são repúblicas ou principados”. Desde então, o estudo desse ente com a referida denominação cresceu exponencialmente, já que seu papel sempre foi de grande relevância na história do homem. Contudo, inobstante as expressivas pesquisas acerca do Estado, a sua conceituação, todavia, se mostra complexa. Entretanto, Bobbio (2009) colabora com o caminho de sua definição e dispõe acerca de quatro estruturas analíticas, quais sejam, formal, material, social e política. Convém frisar, contudo, que tais eixos influenciam a elaboração teórica de diversas disciplinas. Inicialmente, é mister se atentar ao fato de que o Estado Moderno, em sua concepção contemporânea, se fez presente para representar o poder governado por um ente, peculiaridade inerente desse arquétipo estatal. A esse respeito, salienta Bonavides (2008, p. 31): “O Estado Moderno em verdade significa uma nova representação de poder grandemente distinta daquela que prevaleceu em passado mais remoto”. O principal modelo pré-moderno foi o Estado Medieval, o qual teve como características a presença do cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo, sistema no qual se fizeram presentes relações de dependência pessoal, hierarquia e privilégios. Ainda nessa concepção, é importante mencionar que o senhor feudal possuía tanto o poder econômico quanto militar e político. 3 No referido período, os indivíduos respeitavam o seu senhor, mas, por outro lado, não havia uma lei a obedecer, posto que a autoridade era o suserano feudal. Com a transformação do Estado Medieval em Estado Absolutista, passou a emergir um processo de dominação legal racional, ou, como bem salienta Streck (2004, p. 24), "do ex príncipe passa-se ao ex principo. O vassalo do suserano passa a ser súdito do rei”. Assim sendo, a concepção do Estado Moderno tem como o cerne a ideia de que esse ente é legitimado para representar os cidadãos, que, mediante um contrato social1, dão-lhe o poder de governar. A marca fundamental é a centralização do poder, bem como a distinção entre a esfera pública e privada. Skinnier (1996, p. 10) aduz que “O poder do Estado, e não do governante, passou a ser considerado a base do governo. E isso, por sua vez, permitiu que o Estado fosse fonte da lei e da força legítima dentro de seu território e como o único objeto adequado de lealdade de seus súditos”. As deficiências do Estado Medieval foram determinantes para o surgimento do Estado Moderno, assim como as deficiências de cada modelo estatal são o cerne do início do seu sucessor. No que se refere ao Estado Moderno, este se utilizou de características fundamentais como governo, povo, nação, território e poder soberano. O estado procede da institucionalização do Poder, sendo que suas condições de existência são o território, a nação, mais potência e autoridade. Esses elementos dão origem à ideia de Estado. Ou seja, o Estado Moderno deixa de ser patrimonial. Ao contrário da forma estatal medieval, em que os monarcas, marqueses, condes e barões eram donos do território e de tudo o que neles se encontrava (homens e bens), no Estado Moderno passa a haver a identificação absoluta entre Estado e monarca em termos de soberania estatal. L’Etat, c’est moi. (Streck, 2004, p. 27) Sendo assim, o primeiro modelo de Estado Moderno é o absolutista, cuja formação contemplava alta nobreza, baixa nobreza, clero e burguesia das cidades. Tais grupos elaboravam suas normatividades entre si, promovendo o privilégio entre os membros, bem como a adoração e a lealdade aos príncipes. 1 O contrato social é um instituto criado para afirmar que “somente a vontade humana justifica a existência da sociedade” (Dallari, 1995, p. 9). Possui dois eixos analíticos, um proposto por Tomas Hobbes e outro por Jon Locke, Rousseau e Montesquieu. O primeiro sustenta que o homem vive de início em um estado de natureza, em uma guerra de todos contra todos, necessitando de um contrato social para a vida em harmonia. Já a segunda corrente pugna por um contrato social, mas não em virtude de uma inerência maléfica do indivíduo, mas sim por conta da existência de leis naturais que carecem de um contrato em sociedade. 4 O alicerce do domínio absolutista se consubstanciava na associação dos reis a deuses, em que aqueles representavam o poder divino, e dessa forma, soberano, indiscutível, irresponsável e perpétuo. Assim sendo, o modelo absolutista dá ao seu rei um poder soberano e sem controles sem qualquer dependência a outro poder. Quanto às leis divinas e naturais, todos os príncipes da Terra lhe estão sujeitos e não está em seu poder contrariá-las, se não quiserem ser culpados de lesar a majestade divina, fazendo guerra a Deus, sob a grandeza de que todos os monarcas do mundo devem dobrar-se e baixar a cabeça com temor e reverência. São essas, portanto, as únicas limitações ao poder do soberano. Como um poder perpétuo, a soberania não pode ser exercida com um tempo certo de duração. (Dallari, 1995, p. 66) TEMA 2 – O ESTADO LIBERAL Com a evolução do Estado, esse arquétipo passou a sofrer resistências. Os príncipes, ao observar o franco crescimento da elite burguesa, tentaram favorecer o seu crescimento, uma vez que não conseguiriam impedir a expansão capitalista. No entanto, a crise revolucionária se mostrou impossível de ser combatida e novos liames foram moldados; dessa vez, a intenção recaía justamente em criar limitações ao poder e às funções do Estado. Nascia aí o modelo de Estado Liberal, cuja inauguração se deu em 1789, com a Revolução Francesa, emergindo o poder político burguês e já demonstrando igualmente a futura contradição – burguesia versus operários. O Estado Liberal, assim como a sua ideologia, teve como escopo maior a promoção de um Estado Mínimo, em que a atuação estatal se faria presente somente em momentos de necessidade, para garantir a paz e segurança. Dessa forma, o indivíduo seria respeitado de tal maneira onde o todo gira em seu entorno. Roy Macridis (1982 citado por Streck, 2004, p. 39) desenvolveu sua definição acerca do liberalismo sob parâmetros específicos: o moral político e o econômico. No núcleo moral, preponderava a liberdade do indivíduo e sua capacidade de se autorrealizar, promovendo a liberdade de expressão, de pensamento, de crença e outras. Por sua vez, Bobbio (2000, p. 7) conceitua o liberalismo por meio de seus modelos antagônicos: “Liberalismo entende-se uma determinada concepção de Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas e como tal se contrapõe tanto ao Estado Absoluto quanto ao que hoje chamamos de Estado Social”. 5 Convém aclarar que a referida doutrina2 aduz que existem leis que não são inseridas pela vontade do homem, mas são direitos e leis naturais. Tal pensamento se apresenta como uma âncora para a corrente liberal, porquanto estabelece a limitação do poder, uma vez que a natureza do homem não necessita decomprovação empírica ou histórica. TEMA 3 – O ESTADO SOCIAL O início da transformação que marcou a mudança do Estado Liberal Mínimo para Social se mostrou em pertinência à renovação no modelo adotado pelo liberalismo clássico, no qual a autoridade somente promoveria a paz e a segurança. Ainda, a concepção liberal voltada primordialmente ao indivíduo não se mostrava adequada à nova realidade social. Sendo assim, o Estado passou, lentamente, a assumir tarefas como a prestação de determinados serviços públicos, o que acarretaria no denominado Welfare State. “Na ampliação da atuação positiva do Estado, temos a diminuição no âmbito da atividade livre do indivíduo, ou seja, com o crescimento da intervenção, desaparece o modelo de Estado mínimo e abre-se o debate acerca de até que momento se permanece liberal diante de tal situação” (Streck, 2004, p. 58). De acordo com Streck (2004), algumas peculiaridades se apresentaram como fundamentais na transformação do Estado Liberal a Social: a Revolução Industrial, a Primeira Guerra Mundial, a crise econômica de 1929, a Segunda Guerra Mundial, as crises do liberalismo e os movimentos sociais. Ademais, com a proliferação da atuação dos operários, as lutas de contestações aumentaram e a liberdade contratual deu margem à intervenção do Estado em espaços que até então eram restritos à iniciativa privada. O Estado passou a agir, então, como um garantidor das condições mínimas de existência dos indivíduos, bem como atuou como agente financiador, passando a regular o mercado. Streck (2000, p. 62) acredita que todas essas modificações se deram em virtude de um “agigantamento dos centros urbanos e o surgimento 2 Em contrapartida ao jus naturalismo, existem doutrinadores que seguem uma linha totalmente diversa. Um dos grandes críticos à referida doutrina é Hans Kelsen, que propõe uma clara distinção entre o mundo natural e o mundo “ético”. Para o autor, a primeira relação se dá com a causalidade, ao passo que no mundo ético a relação é de finalidade, naquele a consequência natural é o pensamento sobre o “é”, ao passo que nesse se faz um julgamento sobre o que “deve ser”. Kelsen (2000, p. 1) elabora a sua teoria pura do direito e aduz que sua proposta é “libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos”. 6 do proletariado urbano, fruto do desenvolvimento industrial e da consequente destruição de modos de vida antigos e tradicionais”. Tampouco se pode olvidar que a guerra promove distorções nas distribuições da industrialização, predispondo a fragilidade desta por falta de demanda e com a necessária atuação do Estado com o fim de evitar uma crise. Ademais, o equilíbrio econômico financeiro se transportou da Europa aos Estados Unidos. Streck (2004, p. 69) salienta, contudo, que tal transformação não se deu de maneira imediata, mas gradual, por meio inicialmente do intervencionismo, seguido de um dirigismo e por fim de uma planificação que “representa o último e mais acabado estágio de atuação do Estado”. Como já mencionado, a consequência dessa modificação se solidificou no chamado Welfare State – ou Estado de Bem-Estar Social –, o qual envolve diretamente tópicos relacionados com o processo produtivo. Streck (2004, p. 70) elucida que a diferenciação entre o Estado intervencionista e o de Bem-Estar Social se dá que neste “as prestações públicas são percebidas e construídas como um direito e conquista da cidadania”. A promulgação desse modelo de Bem-Estar Social pode ser determinada por duas razões: uma, de ordem política, por meio de uma luta pelos direitos individuais, políticos e sociais; e outra, de natureza econômica, da transmutação agrícola para o urbano. O fim maior do referido Estado, em consonância com o professor Bonavides, se consubstancia na promoção do cidadão e na garantia de pugnar por seus direitos fundamentais para perseguir uma qualidade de vida. “Nesse momento, em que se busca superar a contradição entre a igualdade política e a desigualdade social, ocorre, sob distintos regimes políticos, importante transformação, bem que ainda de caráter superestrutural. Nasce, aí, a noção contemporânea de Estado Social” (Bonavides, 2001, p. 184). O Estado valoriza o indivíduo, o protege, atendendo-lhe e promovendo os valores fundamentais. Sendo assim, a marca maior predominante nos Estados atuais se consubstancia em um Estado Social, com a defesa dos direitos fundamentais, que combinam com um Estado Democrático Participativo. De fato, nesse viés, mostra-se pertinente uma descrição pormenorizada dos institutos do Estado de Direito, Estado Democrático de Direito e a Constituição. 7 TEMA 4 – A MITIGAÇÃO DA SOBERANIA DO ESTADO A delimitação e a identificação das nações mundiais estão amparadas sob a definição da palavra Estado – esse é um ente soberano interno e externo. O modelo de Estado moderno é conhecido por portar as características de reunir uma identidade, uma nação, dentro de um território e sendo exercido por um poder soberano no ambiente externo e interno, o qual se comunica com demais agentes semelhantes em um ambiente internacional. Seu advento ocorreu com o fim do período medieval e do mundo feudal. O surgimento da palavra ainda é controverso. É possível dispor que no que tange à ideia de legitimidade para promover guerra, a concepção de Estado teve início com o Tratado de Westfalia. Maquiavel foi o primeiro a falar de Estado nas concepções que se conhece, e o conceito de soberania surgiu com Jean Bodin, em que foi dito que esta seria um poder absoluto sem qualquer tipo de limitação. Contudo, desde o fim da Segunda Guerra Mundial – e especialmente após o fim da Guerra Fria –, passou-se a observar que diversas circunstâncias apontavam para uma diminuição da legitimidade e soberania. O Estado passou a perder a cada dia o seu poder, com o surgimento de outras organizações supraestatais, mercados e pela globalização. Como ensina Eric Hobsbawm: O estado-nação estava sendo erodido de duas formas, de cima e de baixo. Perdia rapidamente poder e função para várias entidades supranacionais e, na verdade, de forma absoluta, na medida em que a desintegração de grandes estados e impérios produzia uma multiplicidade de estados menores, demasiado fracos para defender- se numa era de anarquia internacional. Perdia, também, como vimos, seu monopólio de poder efetivo e seus privilégios históricos dentro de suas fronteiras, como testemunham a ascensão da segurança privada e dos serviços postais privados competindo com o correio. A mitigação da soberania também sobressalta no que se refere aos direitos humanos. Com efeito, o Estado que violar algum direito dentro do espectro dos direitos humanos protegidos universalmente pode ser responsabilizado pela comunidade internacional, por meio de cortes internacionais, ou regionais, a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Da mesma maneira, aquele sujeito que sentir que teve um direito humano violado e não protegido por seu Estado pode acionar qualquer das entidades internacionais visando obter efetiva proteção. Nessa perspectiva, o dirigente estatal que permitir que sejam perpetrados crimes contra os direitos humanos pode responder perante à referida Corte. 8 A mitigação da soberania estatal no que tange aos direitos humanos teve a expressão maior com a Corte de Nuremberg, quando o tribunal foi instalado em decorrência das mazelas e barbáries praticadas pelo nazismo. Foi naquela ocasião que se vislumbrou a necessidade de se flexibilizar a soberania das nações. Também restou demonstrada que a garantia aos indivíduos dos seus direitos seria uma verdade a ser concretizada. De todo modo, deve-se acentuar que os tribunais internacionais têm um caráter subsidiário e complementar; em outras palavras, são instados apenas no caso de a jurisdição do país ter se silenciadoou suas instâncias não terem sido capazes de julgar o caso. Sob outro aspecto, pode-se considerar que a existência de cortes internacionais não mitiga o poder estatal. Isso porque ele concedeu, por meio do princípio da autodeterminação dos povos, participar de um sistema de proteção internacional, no qual se pune qualquer ato que atente contra a humanidade. TEMA 5 – A GLOBALIZAÇÃO Santos (1997, p. 106) identifica três tensões dialéticas que informam a modernidade ocidental. A primeira se dá entre a regulação social e a emancipação social, que se mostra presente na divisão positivista de ordem e progresso, pois “a crise da regulação social – simbolizada pela crise do Estado regulador e do Estado-Providência – e a crise da emancipação social – simbolizada pela crise da revolução social e do socialismo enquanto paradigma da transformação social radical – são simultâneas e alimentam-se uma da outra”. Para o autor, os direitos humanos se encontram nessa crise (Santos, 1997). A segunda tensão ocorre entre o Estado e a sociedade. A sociedade se autorreproduz por leis e regulações que provêm do Estado. Os direitos humanos se situam nessa tensão, e a primeira dimensão dos direitos humanos exigia uma não atuação estatal, ao passo que a segunda e a terceira pressupõem atividades por parte do Estado. Por fim, a terceira tensão acontece entre o Estado e a globalização. O modelo moderno ocidental político é dos Estados-nação, cada qual coexistindo no mundo internacional, mas com a própria soberania “O sistema interestatal foi sempre concebido como uma sociedade mais ou menos anárquica, regida por uma legalidade muito tênue, e mesmo o internacionalismo da classe operária sempre foi mais uma aspiração do que uma realidade”. 9 Com a globalização, Santos (1997) questiona se a questão da regulação social e da emancipação social também se deslocará para um nível global. O reconhecimento dos direitos humanos como uma política mundial surge nesse ambiente. Mas as violações dos direitos humanos e as lutas em sua defesa possuem uma perspectiva nacional, assim como em determinadas perspectivas os direitos humanos possuem aspectos culturais de um local específico. Daí o questionamento de Santos a respeito da maneira pela qual os direitos humanos podem se firmar em um nível transnacional. Segundo Viana (2012), a globalização é trabalhada por várias maneiras por distintos autores. Ressalte-se que a globalização é um aspecto comum da sociedade contemporânea, e como leciona Sato (2010, citado por Viana, 2012, p. 40), “a globalização é um fenômeno cujas raízes se assentam no próprio conceito de modernidade”. Quando se fala do tema, as razões trazidas não se restringem a um ponto central, mas, pelo contrário, são debatidas diversas questões. A despeito da diversidade na qual os debates em torno da globalização são elucidados, deve-se pontuar, em conformidade com Lima (2002, p. 12), que, inicialmente, a globalização pode ser identificada dentro de cinco espaços ideológicos: econômico, político, social, ambiental e cultural. No entanto, há peculiaridades que são inerentes ao estudo da globalização como um todo, e a desigualdade social aparece como maior atributo desse sistema. Olson, em sua obra sobre relações internacionais, comenta acerca da conexão entre os agentes internacionais e a globalização. “A presente pesquisa de relações internacionais e globalização em linhas gerais, está centrada na premissa de que essas relações estão sendo atingidas pelos efeitos da globalização e em decorrência, os atores internacionais e seus cenários, na sociedade internacional estão sendo alterados e redefinidos. (OLSON, 2003, p. 15)”. Eric Hobsbawm também indica a globalização como um aspecto de suma importância no entendimento das guerras contemporâneas. Para tanto, salienta o crescimento da desigualdade social em decorrência do desenvolvimento da globalização e que tal crescimento está no cerne dos conflitos contemporâneos (Viana, 2012). “A globalização acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e 10 sociais no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade econômica como as que se criaram com os mercados livres globais na década de 1990, está na base das importantes tensões sociais e políticas do novo século (HOBSBAWM, 2007, p. 11)”. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, podemos concluir que o sistema globalizado contemporâneo é inerente do modelo capitalista de governo que anseia e necessita do mercado de produção, da massa e da transnacionalidade, e esta se utiliza da globalização de maneira primordial para a configuração de seu modelo. De acordo com Frois, 2004, citado por Viana (2012, p. 43): A globalização representa, ao mesmo tempo, interpenetração e interconexão marcadas pela supremacia do capital e do mercado, entre regiões, estados nacionais e comunidades e potencialização da demanda por singularidade e por espaço para a diferença. Se nas instâncias econômicas a globalização significa o retraimento da soberania dos estados sobre essas, nas instancias culturais o processo encontra necessária resistência à perda das identidades e à anulação das culturas. 11 REFERÊNCIAS BODIN, J. República I. In: BITTAR, E. C. B. Doutrinas e filosofias políticas. São Paulo: Atlas, 2002. p. 123. BONAVIDES, P. Teoria do Estado. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1996. SANTOS, B. de S. Uma concepção cultural de direitos humanos. Lua Nova, São Paulo, n. 39, p. 105-124, 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n39/a07n39.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2019. VIANA, A. C. A. Conflito entre as nações. Um estudo acerca da Teoria de Huntington e outras perspectivas. 61 f. Monografia (Pós-Graduação em Sociologia Política), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/45432/R%20-%20E%20- %20ANA%20CRISTINA%20AGUILAR%20VIANA.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 16 nov. 2019. AULA 2 GOVERNANÇA GLOBAL E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS INTERNACIONAIS Profª Ana Viana 2 TEMA 1 – DO GOVERNO À GOVERNANÇA A governança é um vocábulo polissêmico, que pode ter diversos significados. Portanto, para se poder compreender a extensão e definição da governança global, é preciso, primeiramente, ter conhecimento sobre a definição de governança e suas múltiplas formas de expressões. Desse modo, a aula de hoje é dedicada a explorar em detalhes todas as acepções da palavra. A origem da palavra governança vem do vocábulo grego que significa direção. Assim, o sentido fundamental é de direção da economia e da sociedade para encontrar fins coletivos. Segundo Baynard Guy Peters, O processo de governança envolve descobrir meios de identificar metas e depois identificar os meios para alcançar essas metas. Embora seja fácil identificar a lógica da governança e os mecanismos para atingir essas metas sejam muito bem conhecidos pela ciência política e administração pública, a governança ainda não é uma tarefa simples. (Peters, 2013) O Banco Mundial, em seu Relatório de Desenvolvimento Mundial 2017 descreve governança como sendo um “processo por meio do qual atores estatais e não estatais interagem para formular e implementar políticas dentro de um conjunto predefinido de regras formais e informais que moldam e são moldadas pelo poder” (Brasil, 2018). A OCDE, na mesma linha, afirma que a boa governança é um meio para atingir um fim, qualseja, identificar as necessidades dos cidadãos e ampliar os resultados esperados (Brasil, 2018). De todo modo, tendo em vista que a palavra implica em diversas acepções, é importante examinar de modo detalhado quais são as perspectivas e correntes teóricas sobre a governança. Isso sobretudo para evitar um mau uso do termo, ou uma cooptação da palavra para fins contrários ao que ela prega. Isto é, é preciso conhecer o que se entende por governança, para, a partir daí poder observar os entendimentos práticos sobre o tema. Para esse trabalho, utiliza-se como base a obra de Orlando Vilas Boas Filho que discorre pontualmente sobre cada um dos significados. O autor esclarece que muitos autores tratam do tema, e buscam delimitar seu contorno conceitual, com suas diferentes formas de manifestação e relações com a globalização, tudo isso em conjunto com as mutações e modificações existentes na sociedade, além da figura do Estado e de modelo democrático (Bôas Filho, 2016). Ou seja, a governança perpassa todos esses elementos, sendo um estudo, portanto, 3 complexo, e de caráter paradigmático, porquanto implica na observância de um governo sem governado, quer dizer, governar sem governo, cuja realidade parece cada vez mais se concretizar, notadamente em épocas de revoluções industriais em que se visualiza uma conversão de um modo analógico para digital. Segundo Orlando Vilas Bôas Filho, Philippe Moreau Defarges indica que o vocábulo surgido na França ainda no século XII, em um modo técnico de designar a direção dos bailados. Historiadores ingleses também teriam se referido ao termo como um modelo de organização do poderio feudal. O seu ressurgimento se deu no século XX, enquanto definição de noção fundamental das empresas e organizações. Atualmente, a governança traria e substanciaria novo modelo de gestão social decorrente das revoluções da informação. Já Philippe Moreau Defarges entende a governança como um modelo onde não existe hierarquia. Dentre as consequências, encontram-se a erosão do modelo top down de decisão e, especialmente, seu potencial como instrumento de participação no exercício da autoridade política, econômica e/ou administrativa para a gestão dos negócios comuns nos níveis global, regional, nacional, local/territorial e empresarial, abrangendo, ademais, todos os setores (público e privado), sobretudo a sociedade civil. (Bôas Filho, 2016, p. 676) Assim, na sociedade global contemporânea, a primeira noção do sentido governança leva a sua distinção aos termos governo, governamentabilidade e governabilidade. Citando Arnauld, a primeira definição de governança, portanto seria como “um estilo de gestão e de administração de questões públicas e privadas não emanado da ordem governamental ou de decisões fundadas em um ente soberano, na medida em que estaria fundado em uma autoridade partilhada” (Bôas Filho, 2016, p. 675). No que tange a distinção entre governo e governança, empresta-se das considerações de James Rosneau a ideia de governo sugeriria uma autoridade oficial, dotada de poder de polícia que garantiria a implementação das políticas devidamente instituídas, enquanto a de governança diria respeito a atividades apoiadas em objetivos, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas sem que seja indispensável a intervenção do poder de polícia. (Bôas Filho, 2016, p. 676) Assim, a governança consistiria em um fenômeno mais amplo do que o governo, de modo a abranger não apenas instituições governamentais, mas também mecanismos informais, de caráter não governamental, por meio dos quais indivíduos e organizações, no âmbito de uma determinada área de atuação, 4 perseguiriam seus interesses próprios. Portanto, a governança expressaria um sistema de ordenação fundado tanto em relações interpessoais como em regras e em sanções explicitas, motivo pelo qual, enquanto sistema de ordenação, implicaria a aceitação da maioria (ou pelo menos dos atores mais poderosos) para poder funcionar ao passo que os governos poderiam, em tese, funcionar mesmo diante de uma forte oposição (Bôas Filho, 2016). O quadro que diferencia um do outro estabelece que: Quadro 1 – Diferenças entre governo e governança Governo Governança Domínio Assuntos públicos Assuntos coletivos Ambiente Escassez Abundância Horizonte Guerra Paz Espírito Vertical/hierárquico Horizontal/democrático Modos decisórios Ordem/instrução Negociação/processos Finalidade Manutenção/unidade Criatividade/diversidade Controle/supervisão Estado Autoridades independentes/ Estado, como recurso último. Como conclui Bôas Filho: A partir desse contraste, fica evidente que o conceito de governo remete a uma organização institucional que procede de maneira verticalizada, ou seja, a partir de uma forma de ordenação hierarquizada (top down), enquanto que o de governança reporta-se a um sistema horizontal, não necessariamente atrelado à autoridade estatal, e ordenado a partir de uma lógica distinta (bottom up). (Bôas Filho, 2016, p. 678) Expõe ainda o autor que, no caso da governança, se observaria um progressivo deslocamento do poder do plano do governo soberano para o da governança eficaz. Alain Supiot descreve esse processo em termos de uma progressiva substituição do “governo pelas leis” pela “governança pelos números.” Segundo o autor, o “governo pelas leis” referir-se-ia ao reino das regras gerais e abstratas que garantem a identidade, as liberdades e os deveres de cada um. Enquanto tal, ele repousaria sobre a faculdade de julgamento, ou seja, sobre operações de “qualificação jurídica”, consistentes em distinguir situações diversas e submetê-las a regras diferentes, e de “interpretação” de textos cujo sentido não pode nunca ser peremptoriamente fixado. Por seu turno, a “governança pelos números” remeteria à autorregulação das sociedades, repousando sobre o cálculo, ou seja, sobre operações de “quantificação” (consistentes em conduzir seres e situações diferentes a um denominador comum) e de “programação de comportamentos”. (Bôas Filho, 2016, p. 680) 5 TEMA 2 – GOVERNANÇA EMPRESARIAL Explica Bôas Filho que, segundo Andre-Jean Arnaud, há uma expansão da governança empresarial como forma de gestão da complexidade. Trata-se de um “um conjunto de procedimentos e de estruturas cuja finalidade seria gerir eficazmente os negócios empresariais de modo a assegurar transparência e equilíbrio de poderes entre administradores, proprietários e seus representantes” (Bôas Filho, 2016, p. 683). De modo a conciliar a dinâmica empresarial, surgiu a corporate governance, como uma ferramenta de gestão que deve possibilitar o equilíbrio dos poderes, bem como garantir transparência. A governança empresarial, assim, relaciona-se com conjunto de dispositivos de regulação econômica e financeira. Segundo Bôas Filho, aludindo à progressiva inserção da governança empresarial no contexto da globalização, André- Jean Arnaud sublinha sua relação com a soft law (normatividade flexível que expressa o progressivo descentramento da regulação jurídica de sua forma estatal de expressão). Por esse motivo, Philippe Moreau Defarges associa a governança empresarial às transformações experimentadas pelo capitalismo na contemporaneidade. É, aliás, nesse contexto que, conforme já ressaltado, Alain Supiot observa que “o governo pelas leis cede espaço à governança pelos números. (Bôas Filho, 2016, p. 684) Notícia publicada em jornal também trabalha com a ideia de governança e qual sua proposta: Atualmente, os conflitos que acontecem em uma organização são diversos, desde aprovação de projetos com foco em bônus, exposição desnecessária a risco até omissão de informações estratégicas. Devido a tantos casos de má gestão e práticas fraudulentas, a governança cresce no mercado. Em 2002, foiaprovada nos EUA a primeira lei envolvendo governança corporativa, conhecida como SOX, que protege investidores e lista regras e requerimentos para empresas de capital aberto. No Brasil, houve um avanço na regulamentação de empresas públicas e as iniciativas do IBGC já trazem regras e normas para certos tipos de empresa. Tais normas são focadas em quatro pilares que são transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa. Dessa forma, hoje, a maioria as empresas consideram práticas de governança e estas passaram para o topo de prioridades porque, sim, trazem muitos benefícios na gestão e perenização do negócio e deixam claras as normas de gestão. Independente da indústria, legislações, tamanho da empresa, estrutura de capital e modelo de gestão, uma empresa precisa de transparência, comunicação clara, foco nos objetivos corporativos, respeito a todos os stakeholders e direcionamento estratégico. (Gonçalves, 2018) 6 TEMA 3 – GOVERNANÇA GLOBAL A chegada de uma governança global, segundo Andre-Jean Arnaud, decorre da mudança da corporate governance para a global. Nesse viés, são importantes para o desenvolvimento de uma governança global os teóricos Joseph Stiglitz, Oliver Williamson e John Williamson. Dispõe o autor que: a governança global teria sido concebida, em seu conjunto, como a gestão dos negócios mundiais no nível das organizações e das agências internacionais. Nesse sentido, o funcionamento de tais instituições (egressas de Bretton Woods) consistiria essencialmente no enquadramento da atividade soberana dos Estados pelos regimes multilaterais de governança, a partir dos princípios componentes do que se convencionou designar “Consenso de Washington”: disciplina fiscal; abertura comercial; estímulo a investimentos estrangeiros; privatização de empresas públicas; desregulação e respeito ao direito de propriedade. (Bôas Filho, 2016, p. 685) Nessa perspectiva, importante pontuar que do Consenso de Washington adotou-se uma agenda para América Latina que inseriu reformas institucionais, para que essas diminuíssem suas amarras burocráticas, reduzindo gastos com funcionalismo, diminuindo a garantia dos direitos de segunda geração e liberalizando inúmeros setores para o mercado (Nohara, 2012). Bôas FIlho explica: Tais princípios, oficialmente assumidos pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, foram convertidos em imperativos administrativos que deveriam nortear as políticas dos países (especialmente os endividados) em nome do que se convencionou designar de good governance, noção, aliás, que se tornou fundamental no âmbito da governança global, na medida em que assumiu o papel de um paradigma de referência para a avaliação das economias dos países por parte das autoridades financeiras internacionais. A noção de good governance, com sua inequívoca carga prescritiva, encontra, como contraponto, a de poor governance, mobilizada para a avaliação dos Estados em matéria de corrupção e de criminalidade global (Bôas Filho, 2016, p. 685) Prossegue o autor aludindo que: a governança global assumiria também a dimensão estratégica de promoção da segurança mundial a partir do impulso à cooperação, ao entendimento e à moderação mútua entre os Estados nacionais, o que, segundo o autor, estaria expresso nos capítulos VI e VII da Carta da ONU, que tratam da resolução pacífica dos conflitos e divergências e das ações relativas às ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão. (Bôas Filho, 2016, p. 685) Seguindo ainda nas indicações de Andre-Jean Arnaud, Bôas Filho discorre que a governança substanciaria, finalmente, 7 a substituição progressiva de um sistema top down de tomada de decisão por um sistema bottom up, caracterizado pela ausência de uma produção normativa ordenada e sem atos de governo impostos a partir de instâncias centrais e de modo verticalizado. Estar- se-ia, assim, diante de uma passagem da “pirâmide” à “rede”, em meio à qual agências multilaterais, ONGs e a sociedade civil se tornam cada vez mais atuantes e decisivas no estabelecimentos de pautas de interesse comum a serem implementadas em nível global, entre as quais, o autor destaca, para fins de sua análise, a questão ecológica. Contudo, a governança global – diferentemente do que ocorre com os governos, cujas decisões se fundam em normas impositivas do direito positivo – enfrentaria, no que concerne aos instrumentos de que dispõem os atores que com ela operam, problemas decorrentes do fato de que a regulação produzida pelas organizações internacionais e globais teria apenas um caráter de soft law. (Bôas Filho, 2016, p. 685) TEMA 4 – GOVERNANÇA DOS BLOCOS REGIONAIS E NACIONAL A Governança Territorial trabalha com a ideia que se necessita reconfigurar os poderes entre governantes, sociedade civil e mercado, o que engendra o confronto de diversas “racionalidades políticas” (Bôas Filho, 2016). Assim, importante considerar que a governança ocorre tanto no âmbito dos territórios, como também no âmbito regional. Explica Bôas Filho: A governança também se faz presente no âmbito dos blocos regionais. É o que André-Jean Arnaud procura explicitar ao aludir à experiência da gouvernance européenne. Observar-se-ia, assim, a progressiva substituição, no debate jurídico, dos conceitos clássicos de “governo”, “lei” e “regulamentação” pelos de “governança”, “políticas públicas”, “ação direta”, “resolução de conflitos”. a ideia de governança implica a redefinição das funções estatais. Para ele, tal como ocorre nos níveis empresarial, global e regional, também no nacional a governança se expressaria (e deveria ser estudada) como uma dinâmica complexa de relações e inter-relações transformadoras que se tecem entre os diversos âmbitos que constituem o Estado nacional. Nesse sentido, sua implementação supõe que se ponha em questão a concepção de Estado legada pela tradição ocidental. (Bôas Filho, 2016, p. 690) Já a governança nacional é a que possui mais relação com questões culturais. Explica Bôas Filho: a representação da governança como uma ameaça à soberania estatal se expressa, sobretudo, em países nos quais se verifica uma visão cultural centralista do Estado moderno. Contudo, procura sublinhar o fato de que o Estado não poderia mais ser visto como a única instância detentora do poder, de modo que, com a governança, afigurar-se-ia possível gerir as questões públicas para além do direito estatal, o que, em outras palavras, expressaria a progressiva passagem de uma ação política outrora fundada no governo para outra amparada na governança. Decorreria daí, inclusive, o declínio da concepção top down que atribui apenas aos governantes a criação do “dever-ser”. (Bôas Filho, 2016, p. 690) São três as maneiras pelas quais a governança é observada em um plano nacional: a) o desenvolvimento de agências reguladoras; b) a ingerência de uma 8 normatividade advinda de standards e indicadores; c) o incremento de formas de intervenção participativa dos cidadãos” (Bôas Filho, 2016). TEMA 5 – GOVERNANCA PÚBLICA O guia da Controladoria Geral da União estabelece de maneira didática o que vem a ser definido como governança pública, sendo aquela relacionada diretamente ao poder estatal, o que enseja inclusive um certo paradoxo, uma vez que a governança tradicionalmente alude a uma perspectiva horizontal, sendo, portanto, contrário ao ideal vertical e soberano da figura estatal. Mas, a CGU já explica que: Na administração pública, poucos termos são utilizados com tanta frequência e em contextos tão diferentes. Nos últimos anos, converteu- se em verdadeiro mantra para designar uma espécie de solução definitiva dos problemas na gestão pública e para o sucesso das políticas governamentais. (Brasil, 2018) O Decreton. 9.203, de 22 de novembro de 2017, dispõe sobre a governança como um “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade” (Brasil, 2018). A cartilha do CGU ainda explica que a governança pública, para fins estatais, “fixa alguns dos mecanismos considerados importantes para o sucesso de uma política de governança e reforça a importância da construção e da coordenação de políticas focadas no cidadão” (Brasil, 2018). Na cartilha da CGU ainda é esclarecido que o conceito de governança tem como finalidade ser “ponto de partida para a formação de um consenso mínimo acerca do que é governança – com a indicação de um conjunto inicial de referências de boas práticas e a delimitação de um objetivo” (Brasil, 2018). A cartilha ainda trabalha com os objetivos a agendas de uma política de governança pública: Esse consenso leva em consideração a multiplicidade conceitual e, principalmente, os objetivos da política de governança [...] Portanto, ainda que se possa considerar a governança como uma abordagem ou agenda de pesquisa interdisciplinar voltada a analisar o funcionamento de diversas dimensões do Estado [...], este guia parte da perspectiva estatal sobre o tema.1 Nesse sentido, o foco da política e do guia estão no papel do Poder Executivo federal na criação de um ambiente institucional mais favorável à implementação dos interesses da sociedade. 9 Esse conceito mais objetivo, que efetivamente orientará a implementação da política de governança, permite fixar duas premissas importantes: i) a política é voltada para as instituições públicas federais e suas ações; e ii) cada órgão e cada entidade já possui um modelo próprio de governança pública. Dessa maneira, a identificação das necessidades prioritárias da sociedade, o estabelecimento de objetivos institucionais e a elaboração de estratégias para atingir essas metas adentram no campo epistemológico da governança pública. A definição desses interesses é tormentosa, sendo fruto de um complexo processo político. Cada instituição pública, em menor ou maior grau, contribui para a identificação e delimitação desses interesses – que, mais tarde, deverão nortear a sua atuação. Ter o cidadão como parceiro nesse processo é uma premissa fundamental. (Brasil, 2018) 10 REFERÊNCIAS BRASIL. Guia a política de governança pública. CGU, 2018. Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/noticias/2018/12/governo-federal-lanca-guia-sobre-a- politica-de-governanca-publica/guia-politica-governanca-publica.pdf>. Acesso em: 3 dez. 2019. BÔAS FILHO, O. V. A governança e suas múltiplas formas de expressão: o delineamento conceitual de um fenômeno complexo. Rev. Est. Inst. v. 2, a. 2, 2016. Disponível em: <https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja &uact=8&ved=2ahUKEwi9ldmo67fjAhWLIbkGHUquA74QFjAAegQIARAC&url=ht tps%3A%2F%2Fwww.estudosinstitucionais.com%2FREI%2Farticle%2Fdownloa d%2F64%2F120&usg=AOvVaw3ahfai6UNETq26aFyf0s5a>. Acesso em: 3 dez. 2019. GONÇALVES, C. M. Afinal, o que é Governança Corporativa? O Estado de S. Paulo. 2018. Disponível em: < https://outline.com/yfD2VJ>. Acesso em: 3 dez. 2019. NOHARA, I. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012. PETERS, B. G. O que é governança. Revista do TCU. n. 127, 2013. Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/87>. Acesso em: 3 dez. 2019. AULA 3 GOVERNANÇA GLOBAL E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS INTERNACIONAIS Profª Ana Cristina Aguilar Viana 2 TEMA 1 – TENSÕES DA MODERNIDADE – ASPECTOS MULTICULTURAIS DOS DIREITOS HUMANOS Falar sobre governança em um mundo globalizado implica falar sobre globalização, direitos humanos e suas tensões. Boaventura de Souza Santos (1997) explica que os direitos humanos constituíram questões fundamentais no âmbito da Guerra Fria, sendo considerado por parte dos pensadores de esquerda como elemento da política desse momento, o que o tornava suspeito para uma política emancipatória. Todavia, segundo o autor, com a crise dos projetos emancipatórios, esses intelectuais voltaram-se aos direitos humanos como saída (Santos, 1997) a fim de identificar quais são as condições para que os direitos humanos sejam utilizados dentro de uma política progressista e emancipatória. Boaventura Santos identifica três tensões dialéticas que informam a modernidade ocidental. A primeira se dá entre a regulação social e a emancipação social, que se mostra presente na divisão positivista de ordem e progresso, pois a crise da regulação social – simbolizada pela crise do Estado regulador e do Estado-Providência – e a crise da emancipação social – simbolizada pela crise da revolução social e do socialismo enquanto paradigma da transformação social radical – são simultâneas e alimentam-se uma da outra. (Santos, 1997) Para Boaventura Santos (1997), os direitos humanos se encontram nessa crise. A segunda tensão se dá entre o Estado e a sociedade. A sociedade se autorreproduz por leis e regulações que provêm do Estado. Os direitos humanos se encontram nessa tensão, sendo que a primeira dimensão dos direitos humanos exigia uma não atuação estatal, ao passo que a segunda e terceira dimensões pressupõem atividades por parte do Estado. A terceira tensão se dá entre o Estado e a globalização. O modelo moderno ocidental político é dos Estados- nação, cada qual coexistindo no mundo internacional, mas com sua própria soberania: “O sistema interestatal foi sempre concebido como uma sociedade mais ou menos anárquica, regida por uma legalidade muito tênue, e mesmo o internacionalismo da classe operária sempre foi mais uma aspiração do que uma realidade” (Santos, 1997). Com a globalização, Santos (1997) questiona se a questão da regulação social e da emancipação social também se deslocará para um nível global. O reconhecimento dos direitos humanos enquanto uma política mundial surge nesse ambiente. 3 Mas as violações dos direitos humanos e as lutas em sua defesa possuem uma perspectiva nacional, assim como em determinadas perspectivas os direitos humanos possuem aspectos culturais de um local específico. Daí o questionamento de Boaventura Santos (1997) sobre a maneira pela qual os direitos humanos podem se firmar em um nível transnacional. TEMA 2 – A GOVERNANÇA EM UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA É possível notar a relação intrínseca entre governança e globalização, porquanto a governança se trata de um fenômeno observado na contemporaneidade, tal como a globalização. Como ensina Eiti Sato (2010, p. 142), “a globalização é um fenômeno cujas raízes se assentam no próprio conceito de modernidade”. Segundo explica Viana (2016), no que tange ao tema da globalização, não há como estabelecer um ponto central de debate. Ao revés, debate-se uma ampla gama de questões. A despeito disso, é possível elencar cinco espaços ideológicos de debate sobre o tema, isto é, econômico, político, social, ambiental e cultural. Não obstante tais dimensões acima apontadas, existem singularidades que abrangem o estudo da globalização como um todo. Com efeito, a desigualdade social exsurge como relevante atributo. De todo modo, há certo consenso na literatura de que não se pode examinar o fenômeno em sua totalidade, pois a sociedade se encontra nele submersa. Por outro lado, é possível constatar e identificar alguns efeitos causados pela globalização, notadamente na sociedade internacional, foco da aula. Olsson (2003, p. 2), em obra sobre relações internacionais, dispõe sobre a conexão entre agentes internacionais e a globalização: A presente pesquisa de relações internacionais e globalização em linhas gerais, estácentrada na premissa de que essas relações estão sendo atingidas pelos efeitos da globalização e em decorrência, os atores internacionais e seus cenários, na sociedade internacional estão sendo alterados e redefinidos. Eric Hobsbawm (2007), célebre autor sobre o tema, descreve a globalização como um aspecto de grande relevância para a compreensão das guerras e conflitos que ocorrem na contemporaneidade. Salienta e menciona o crescimento da desigualdade social como uma consequência da globalização. 4 Para ele, é tal desigualdade que tem relação intrínseca nos conflitos contemporâneos: A globalização acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e sociais no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade econômica como as que se criaram com os mercados livres globais na década de 1990 está na base das importantes tensões sociais e políticas do novo século. (Hobsbawm, 2007, p. 11) Assim, diante de tais posicionamentos, pode-se deduzir que o sistema globalizado contemporâneo é parte necessária do regime capitalista de governo. Modelo que necessita do mercado de produção, da massa e da transnacionalidade. Esse modelo se utiliza da globalização para sua configuração nos tempos atuais. É como ressalta Fróis (2004, p. 6): A globalização representa, ao mesmo tempo, interpenetração e interconexão marcadas pela supremacia do capital e do mercado, entre regiões, estados nacionais e comunidades e potencialização da demanda por singularidade e por espaço para a diferença. Se nas instâncias econômicas a globalização significa o retraimento da soberania dos estados sobre essas, nas instancias culturais o processo encontra necessária resistência à perda das identidades e à anulação das culturas. Nesse mesmo sentido, Boaventura Santos (1997) define globalização como o “processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival”. Boaventura cita como exemplo o fato de a globalização estar condicionada à localização a língua inglesa, que se tornou a língua global (Santos, 1997). Santos (1997) ainda ressalva que uma relevante transformação da globalização é a compreensão do espaço/tempo, que ocorre não apenas pela classe capitalista transnacional, mas também pelos grupos de refugiados e migrantes, os quais nas últimas décadas têm realizado movimentações fronteiriças. Por isso, o autor (1997) fala de quatro formas de produção da globalização. O primeiro é localismo globalizado, que é quando algo local se globaliza com sucesso; o segundo é globalismo localizado, que trata do impacto dos transnacionais nas condições locais. Cosmopolitismo, defesa de interesses em comuns, para interação para bem comum, patrimônio comum da humanidade são todos temas relativos ao globo como um todo. 5 Assim, é possível distinguir entre globalização de cima para baixo e globalização de baixo para cima, ou entre globalização hegemônica e globalização contra- hegemónica. O que eu denomino de localismo globalizado e globalismo localizado são globalizações de cima para baixo; cosmopolitismo e patrimônio comum da humanidade são globalizações de baixo para cima. (Santos, 1997) TEMA 3 – TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – PERSPECTIVA REALISTA Para que se torne possível a compreensão do sistema de formulações de políticas internacionais em um mundo globalizado e de governança, primeiramente é necessário compreender, ainda que sucintamente, a maneira pela qual se dá o sistema internacional. Assim, trabalha-se com algumas teorias sobre relações internacionais. Norberto Bobbio (2007) há muito já disse que o Estado pode ser visualizado sob uma perspectiva formal, material, social e política. O modelo estatal, de nações soberanas, adveio de um pensamento moderno e proveio do fim da Era feudal, e tem como característica no âmbito internacional ser considerado como anárquico, isto é, as nações são vistas como entidades soberanas. Essa visão do Estado como uma entidade soberana em um mundo anárquico é uma visão ordinária daqueles que perfilam de uma perspectiva teórica chamada de realista. É esta a corrente teórica adotada pela grande maioria dos agentes políticos e Estados nacionais. Essas concepções sobre o Estado decorrem de um tratado chamado de Paz de Westfalia, promovido em 1648 e que teve como fundamento reconhecer o Estado como poder supremo tanto interna quanto externamente. Foi aí que se deu fim a supremacia do clero. Nesses termos, os ensinamentos de Bedin (2000, p. 106) nos orientam para o seguinte: A paz de Westfália é o marco inicial da sociedade internacional moderna, uma vez que suas regras reconhecem, de maneira inovadora e definitiva, que o poder de arbitramento do Papa tinha desaparecido e que os estados soberanos passavam, a partir de então, a ser o núcleo fundamental de articulação política da emergente sociedade internacional moderna. Clássicos teóricos sobre o Estado, como Maquiavel e Thomas Hobbes, tiveram grande influência no desenvolvimento da teoria realista. Os pensadores Hans Morgenthau e Edward Carr, por sua vez, são considerados como os 6 emergentes e expoentes dessa teoria. Em regra, os realistas detêm uma visão pessimista acerca dos seres humanos e creem que o mundo internacional é marcado por um ambiente anárquico entre os agentes estatais. Desse modo, Hans Morgenthau ditou a busca pelo poder como o ponto nevrálgico das relações políticas. Nesse sentido, cumpre colacionar trecho do pensamento de Morgenthau (2003, p. 49): A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo poder. Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder constitui sempre o objetivo imediato. Os povos e os políticos podem buscar, como fim último, liberdade, segurança, prosperidade ou poder em si mesmo. Eles podem definir seus objetivos em termos de um Ideal religioso, filosófico, econômico ou social. Podem desejar que esse ideal se materialize, quer em virtude de sua força interna, quer graças à intervenção divina ou como resultado natural do desenvolvimento dos negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua realização mediante o recurso a meios não políticos, tais como cooperação técnica com outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que buscam realizar o seu objetivo por meio da política internacional, eles estarão lutando pelo poder. Por outro lado, Raymond Aron (1995) buscou identificar algumas peculiaridades dessas relações. Para tanto, utilizou-se do pensamento weberiano e defendeu, portanto, o Estado como detentor legítimo do uso da força. Logo, segundo o pensamento de Aron (1995), o que diferencia as correlações das comunidades politicamente organizadas das demais relações sociais reside no fato de que, no cenário de tais comunidades (Estados soberanos), a violência desponta como um instrumento legal de utilização. Nessa perspectiva, vale pontuar de que maneira os teóricos clássicos defendiam e visualizavam o Estado. Thomas Hobbes, por exemplo, preconizava que os homens no seu estado de natureza se encontravamm em constante luta uns com os outros. Daí sua famosa frase que “o homem é o lobo do homem”, bem como toda sua referência teórica bem definida na obra Leviatã. Assim, no aspecto externo, de acordo com a perspectiva realista, o Estado era tratado como uma unidade essencial do sistema internacional, em constante estado de guerra com os outros. Leva-se então a compreender a teoria realista como pessimista, sendo que a paz irá emanardo equilíbrio de poder entre os Estados. 7 TEMA 4 – TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – PERSPECTIVA IDEALISTA Sob outro aspecto, uma versão mais otimista do cenário internacional pode ser encontrada na perspectiva idealista. Ela decorre de pensadores que se influenciaram nas ideias e teses de Immanuel Kant, com sua teoria da paz perpétua, e também na perspectiva de Locke de contrato social. Moral e política não apresentam uma distinção no sentido de serem afastadas. Isto é, não creem os pensadores que elas podem ser apartadas. Locke, ao contrário de Hobbes, não parte de uma natureza negativa do sujeito. Ao revés, ele defende a liberdade dos homens e acredita que deve ser concedido aos homens as liberdades necessárias para que sejam autodeterminados. Seguindo essa linha, a vontade do sujeito, moral e racional, pode acarretar nas ações humanas uma construção de uma sociedade pacífica e libertária. Trata- se de uma sociedade em que a realização individual e o crescimento material corresponde a uma realidade. Sendo assim, seria factível assegurar a paz por outros mecanismos, já que o Estado seria um instrumento a ser manejado pelos indivíduos. Dentro da perspectiva liberal, compreende-se que a lei que assegura a ordem no aspecto interno dos Estados também tem o condão de ser aplicada no âmbito externo. Isso porque se acredita na interdependência internacional. Essa linha de raciocínio, que teve grande repercussão quando do fim da Primeira Guerra Mundial, exerceu grande influência na criação da Liga das Nações, que acabou posteriormente a fracassar, mas que foi o pontapé inicial para o surgimento da ONU. Nesse aspecto, não se pode deixar de elucidar e fazer menção aos esforços trazidos pelo ex-presidente estadunidense Wodroow Wilson. Ele buscou inserir uma proposta idealista nas relações de âmbito internacional, pretendendo abolir o pensamento realista nas relações internacionais. Sua tese foi bem- sucedida por um curto período. Todavia, a premissa não foi forte o suficiente para resistir às guerras que estavam por vir e acabou por sucumbir, o que permitiu a manutenção e o retorno da corrente realista. Com efeito, a corrente realista mostrou-se mais eficiente e conveniente aos interesses dos agentes políticos, os quais se utilizavam das teses elaboradas pelos renomados teóricos da área, sendo que, inclusive, alguns deles foram contratados em governos. Ademais, deve-se convir que, no âmbito internacional, 8 cada nação busca defender o seu próprio crescimento, sendo natural, portanto, que exista um ambiente anárquico. A constatação de uma perspectiva idealista equivale ao seu próprio nome, é um ideal, e, portanto, utópica, mas difícil de ser visualizada na prática. TEMA 5 – TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – DEMAIS PERSPECTIVAS Grande parte da literatura das relações internacionais se dividiu por um bom período entre realistas e idealistas. No entanto, estudiosos também se propuseram em analisar a ordem internacional no Pós-Guerra Fria sob outras lentes, uma vez que houve uma desestabilização da formação, que até então era bipolar. Novos pensamentos e discussões passaram a trazer ao debate questões sobre governabilidade e suas contribuições para uma ordem política internacional. Este último tema da presente aula irá abordar as novas correntes do ambiente internacional. Os famosos teóricos Jackson e Sorensen, na obra Introduction to internactional relations, apresentam as diversas teorias das relações internacionais. Na parte final da obra, dedicam uma seção às teorias denominadas pós-positivistas. Os teóricos dessa linha questionam a racionalidade preponderante nas correntes clássicas, em especial a realista. O ponto de partida das teorias pós-positivias reside em problematizar as lacunas deixadas pelas teorias comuns das relações internacionais. Para tanto, promovem questionamentos que não se mostravam elucidados nas correntes tradicionais, a exemplo da ética no âmbito do poder. Ainda, a proposta desses teóricos resta em debater questões sobre a separação entre valores, conhecimento e poder. Postmodern IR theorists dispute the notions of reality, of truth, of the Idea that there is or can be an ever-expanding knowledge of the human world. They reject the notion of objetctive truth. Such beliefs are intellectual ilussions: they are subjective beliefs, like a religious faith. (Jackson; Sorensen, 1999, p. 235) As singularidades identificadas nos pensamentos dos pós-positivistas são de grande relevância para a reflexão da sociedade internacional atual. Elas podem ser sintetizadas em: problematização do Estado como ente soberano, moldagem anárquica estatal e discussão de uma proposta ética. A crítica desses autores quanto à agenda internacional se mostra mais adequada ao modelo contemporâneo de sociedade. Isso porque se defende a 9 discussão da ética no ambiente internacional e essa consideração se apresenta de extrema importância em todo debate acerca das relações interestatais. De todo modo, existem diversas novas perspectivas teóricas dentro das relações internacionais. Algumas se voltam para o próprio regime inerente de estudo, ao passo que outros buscam novos vieses elucidativos. Os pesquisadores da escola inglesa, por exemplo, abandonaram uma visão hobbesiana de estado de natureza e promoveram debates sobre a sociedade internacional, o que possibilitou compreender novos modelos e normas, trazendo o debate sociológico para o mundo das relações internacionais. Na corrente institucionalista, desponta o estudioso Robert Keohane. Herdeiro da corrente cooperativista da década de 80, o autor acredita que as instituições podem provocar a cooperação entre os agentes. Isso porque podem reduzir as incertezas, bem como abaixar o custo das transações, o que irá mudar, por consequência, a questão do custo-benefício para o ambiente internacional. Monica Herz (1997, p. 26) crê ser esta a proposta a ser seguida atualmente: “As instituições que puderem ser construídas a partir dessa concepção de cooperação serão o pilar da nova ordem internacional”. Contudo, há um ponto de divergência entre a corrente institucionalista e a neorrealista, a qual reside na própria natureza do sistema internacional. Segundo os neorrealistas, como Kenneth Waltz, os sujeitos se movimentam num esquema de lógica do jogo em soma zero, ou seja, em busca de relativos ganhos. Assim, as possibilidades de cooperação se restringem àqueles que são visualizados como aliados. Todavia, independente dessas discordâncias, as duas propostas têm em comum uma perspectiva utilitarista, em contraposição a um contrato internacional. Os pensadores pós-positivistas questionam a racionalidade preponderante nas correntes clássicas, notadamente a realista. A discussão pós-positivista tem, nos chamados estudos críticos, aqueles que se consideram como herdeiros dos trabalhos da Escola de Frankfurt. Ou seja, a Escola é usada como referência para contestar o mainstream teórico dominante na disciplina, a qual se orienta de uma maneira empiricista-positivista, notadamente, o realismo e neorrealismo (Fernandes, 2004, p. 108) . Nesse sentido, deve-se pontuar a necessidade de trabalhar com outras perspectivas, que podem se apresentar de forma mais adequada à contemporaneidade. 10 É importante mencionar que a teoria normativa das relações internacionais, em conformidade com Jackson e Sorensen (1999), não se mostra pós-positivista, mas sim pré-positivista. Isso porque, segundo eles, a teoria proclama a dimensão moral como fator essencial na interpretação das relações internacionais. Nessa perspectiva, faz-se necessário um pequeno apontamento sobre as características do momento contemporâneo, conhecido por alguns teóricos como pós-positivistas e pós-modernos. Com efeito, o pós-positivismoé aquela corrente que rompe com a ideia positivista, moderna, de relação objetiva entre o homem e o objeto. Uma quebra já enunciada por atores por Michael Foucault, por exemplo. Por sua vez, a perspectiva pós-moderna fala da quebra da continuidade e da solidez. O ambiente contemporâneo é fluido e caótico. As questões e os ambientes são fragmentados. Não há uma continuidade. Isso significa ser pós- moderno. As teorias mais recentes são feitas, destarte, partindo-se desta perspectiva. 11 REFERÊNCIAS ARON, R. Max Weber. In: _____. Etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 461-540. BEDIN, G. A. O realismo político e as relações internacionais. In: _____. (Org.). Paradigmas das relações internacionais. 3. ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011, p. 57- 134. BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. FERNANDES, J. P. T. 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O fenômeno da globalização e o novo cenário dos atores das relações internacionais. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2001). SANTOS, B. S. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova, n. 39, p. 105-124, 1997. 12 SATO E. A agenda internacional depois da Guerra Fria: novos temas e novas percepções. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 43, p. 138-169, 2000. VIANA, A. C. A. Democracia, representação e participação: uma análise do debate político-partidário sobre a política nacional de participação social. Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2016. AULA 4 GOVERNANÇA GLOBAL E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS INTERNACIONAIS Profª Ana Cristina Aguilar Viana 2 TEMA 1 – INTRODUÇÃO E CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS Para que possamos falar de modelos de formulação de políticas em um ambiente internacional, é necessário, primeiro, conhecer o ambiente internacional e suas respectivas teorias. Mas, para além disso, é preciso igualmente ter conhecimento teórico mínimo sobre políticas públicas. Desta maneira, a aula de hoje trabalhará aspectos teóricos sobre as políticas públicas, com modelos de análise de políticas públicas, suas correntes, características, entre outros fatores. As políticas públicas constituem, atualmente, uma disciplina específica (Faria, 2003), voltada para a análise dos comportamentos dos atores e do processo de formação de determinada política pública. Tal análise tem como finalidade compreender por que e para quem determinada política foi elaborada. Não se trata, portanto, de verificar unicamente o seu conteúdo. Sua definição, mesmo na disciplina, não é única. De qualquer modo, Thomas Dye é quem consegue condensar as principais ideias ao conceituar a política pública como aquilo que o governo escolhe fazer ou não fazer (Dye, 2008). Harold Laswell, criador da expressão “análise de política pública”, corrobora nessa definição, destacando que as políticas públicas não representam apenas o que o Estado faz, mas também o que deixa de realizar (Souza, 2006). Juridicamente, a melhor definição de políticas públicas é conferida à Maria Paula Dallari Bucci. Primeiramente, a autora distingue os conceitos em inglês de politics e policy. Enquanto o primeiro faz alusão à atividade estatal em si, o segundo se refere a programas de ações estatais. A política pública, portanto, que se relaciona a essa segunda acepção, é definida como: [...] o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial- visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados. (Bucci, 2006, p. 39) Dessa pequena exposição, pode-se perceber que a análise de políticas públicas colabora na compreensão do que os governos fazem e não fazem e de 3 que maneira ocorrem os processos políticos que acarretam determinadas formas de governo (Gordon, 1997). Tome-se como exemplo a opção de um governante por uso de um determinado contrato público de prazo prolongado. Isso se constitui uma forma de política pública, pois se trata de uma opção da administração em se utilizar um instrumento contratual, de determinada forma, em determinado tempo e com determinada pessoa. Daí a relevância do tema da análise de política pública, que busca explorar e explicar esse processo. TEMA 2 – MODELOS DE ANÁLISES DE POLÍTICAS A análise de política pública pode ser realizada por meio de vários modelos. No entanto, como um modelo significa uma representação primária de determinada particularidade do real (Dye, 2009), o modelo a ser escolhido dever ser aquele que mais se encaixa no objeto de estudo. Thomas Dye, em trabalho que busca identificar as principais formas de se realizar uma análise de política pública, aponta nove modelos. Em apertada síntese, os modelos e suas definições são as seguintes: institucional, modelo de processo, modelo de grupo, modelo de elite, modelo racional, modelo incremental, modelo da teoria dos jogos, modelo da opção pública e modelo sistêmico1. Cabe reiterar a advertência do autor quanto à relevância do modelo escolhido, porquanto cada um deles oferece uma forma distinta de pensar sobre a política pública (Dye, 2008). Existe, de outro modo, uma parcela da literatura de políticas públicas que distribui os modelos de análise dentro de dois grandes grupos, a Estadocêntrica e a Sociocêntrica (Secchi, 2010). 2.1 Perspectiva sociocêntrica Autores da ciência política distribuem teorias de análises de poder em dois grandes grupos, a Estadocêntrica e a Sociocêntrica (Dye, 2009). Na visão Sociocêntrica, cujo domínio de estudo ocorreu nas décadas de 1950 e 1960, 1 Os modelos apresentados são os seguintes: institucional, modelo de processo, modelo de grupo, modelo de elite, modelo racional, modelo incremental, modelo da teoria dos jogos, modelo da opção pública e modelo sistêmico. 4 acredita-se que a máquina estatal se encontra a serviço da sociedade, isto é, políticos e burocratas consideram as demandas sociais e buscam respondê-las. Fazem parte desse grupo os enfoques marxistas, pluralistas, elitistas e da escolha pública. Para os pluralistas, há na sociedade uma convivência de diversos centros de poder. O Estado é uma arena neutra, que depende da sociedade, e diferentes grupos sociais determinamas escolhas políticas. O maior expoente desta corrente é Robert Dahl (1998). Distinto dos elitistas, que dispõem serem pequenos grupos de elite que determinam as formas de governo (Mills, 1981). Em apertada síntese, pode-se dispor que, para os pluralistas, há na sociedade uma convivência de diversos centros de poder. O Estado é uma arena neutra, que depende da sociedade (Dahl, 1988) e diferentes grupos sociais determinam as escolhas políticas. Distinto dos elitistas, que são pequenos grupos de elite que determinam as formas de governo (Mills, 1981). Como se sabe, os marxistas partem da distinção econômica de classes, da infra e superestrutura. Wright Mills, teórico do elitismo, dispõe sobre o surgimento de uma minoria no poder, composta de hierarquias em que, no estado norte-americano, imperam as elites econômica, política e militar. As rodas do poder são formadas pelos círculos políticos econômicos e militares, que como um conjunto intrincado de “compadres”, se sobrepõem nas decisões de impacto nacional; os homens e mulheres “correntes” nas suas relações de trabalho, família e vizinhança encontram-se circunscritos a forças que não conseguem compreender nem governar sob o “diretório político” (1981). 2.2 Perspectiva estadocêntrica Por outro lado, a partir da década de 1980, começaram a ser difundidas novas premissas teóricas, as quais visualizavam o Estado no centro das relações. Assim, para os pensadores da perspectiva Estadocêntrica, é o Estado que explica a natureza das políticas governamentais. Compõem tal enfoque os vieses decisionistas e burocráticos, isto é, modelos racionais, de racionalidade limitada, incremental e modelo do garbage can (Serafim). Em suma, tal perspectiva vê no Estado um grau de autonomia em relação à sociedade, de maneira que as decisões são tomadas na seara estatal, podendo ou não respeitar as demandas sociais. As teorias que se encontram nesse enfoque tomam como pressuposto que o aparelho estatal é controlado por 5 políticos e burocratas, os quais, autonomamente, tomam decisões e as passam para a sociedade, que de maneira obediente as acatam. Embora essas teorias lidem com o caráter da incerteza do mundo, elas minimizam sua importância. É o caso, por exemplo, de Anthony Downs, filiado à corrente da escolha racional, que acredita que “um homem pode ter um grau extremamente alto de confiança em relação a algumas de suas decisões mesmo que viva num mundo de extrema incerteza” (Downs, 1999). A relevância de tais teorias se dá na forma como simplificam o vasto campo de decisões e que caracterizam o processo de decisão de uma política, saindo da complexidade do mundo e se aportando a uma dimensão específica e concreta. A par disso, essas teorias serviram e, ainda servem, de base para o desenvolvimento de categorizações mais modernas, o que, portanto, faz com que não se ignore ou sobreleve a importância desses mapeamentos analíticos. Ocorre que o processo de formação de uma política pública é complexo e caótico. Necessita-se, assim, de tipos analíticos que busquem lidar, e não afastar sua ocorrência. Por isso, faz-se primordial analisar o processo de formação de uma política pública em condições de ambiguidades e incertezas, admitindo sua existência. Paralelamente a isso, aludidas perspectivas apresentam outras limitações. Primeiro, não se pode compreender o Estado tão somente como uma máquina sem qualquer influência da sociedade. Segundo, também não prospera uma visão que acredite tão somente na função estatal como promotora de políticas públicas, alheias aos anseios da sociedade. Vale dizer que a complexidade das relações que ocorrem no seio de estado e sociedade não pode ser resumida de maneira linear, tal como propõem os modelos que veem o Estado como instituição promotora de políticas alheias à sociedade, ou, ainda, a sociedade como promotora de políticas sem qualquer influência da sociedade. TEMA 3 – PERSPECTIVAS PÓS-POSITIVISTAS Nas últimas décadas, novos estudos de análises de políticas se dedicaram às pesquisas empíricas e aos estudos conceituais, voltados a discutir o papel das ideias e do conhecimento nos problemas que aparecem na formação da agenda. Peter John distribuiu as diversas postulações teóricas de políticas públicas em cinco correntes analíticas, quais sejam: as institucionais, as que analisam os 6 impactos das redes, as que visualizam as condicionantes sociais e econômicas nas produções de políticas, a teoria da escolha racional e, por fim, as abordagens que se vinculam à importância das ideias e do conhecimento (teorias pós- positivistas). Portando como pressupostos a análise empírica em condições de ambiguidade, as teorias pós-positivistas conseguem explicar os diversos fenômenos que interferem na implementação de uma política, dando especial atenção à questão do tempo e dos atores envolvidos. Peter John explica que as correntes filiadas a uma concepção pós-positivista rechaçam a concepção de que, na área política, existem atores racionais buscando seus interesses. Ao contrário, acreditam que a interação de valores, normas e diferentes formas de conhecimento caracterizam o processo de formação de uma política pública. Fazem parte dessa corrente as propostas da advocacy coalitions, múltiplos fluxos, equilíbrio pontuado, pentágonos de ouro e comunidades epistêmicas. A vertente aadvocacy coalitions tem como intuito desvendar as categorias de transformações políticas em um mundo interdependente e marcado pela incerteza. O modelo dos múltiplos fluxos, por sua vez, desenvolvido primeiramente por John Kingdon e, posteriormente, por Nikolaos Zaharidis, apresenta-se como uma lente que busca explicar como as políticas públicas são realizadas pelos governos em condições de ambiguidade (Zaharidis, 2007). A proposta é explicar a maneira como um problema é racionalizado, para onde a alternativa é conduzida e de que forma é a realizada a seleção por determinada política pública (Zaharidis, 2007). São cinco os elementos que compõem os múltiplos fluxos, a saber: o fluxo dos problemas, o fluxo das alternativas (policy), o fluxo da política (politic), a janela da oportunidade (policy window) e os empreendedores. Durante uma janela aberta, os empreendedores tentam acoplar os três fluxos e o sucesso é maior quando todos os três fluxos estão acoplados. O mais importante dessa teoria é que, em vez de ver como uma aberração à ambiguidade, tal como as teorias tradicionais, aceita-se tal circunstância como um fato na vida política, o que faz a policy making algo complexo e pouco compreensível (Zaharidis, 2007). Já a teoria do equilibro pontuado dispõe que os processos políticos são muitas vezes guiados por uma lógica de estabilidade e incrementalismo, mas às vezes também produzem mudanças em grande escala (Capella, 2006). Por sua 7 vez, a vertente que propõe um pentágono de ouro destaca o papel central dos três atores que compõem o triângulo de ferro (políticos, burocratas e grupos de interesse), mas também sinaliza a importância dos mercados financeiros globais e atores não governamentais de atuação transnacional. Por fim, a vertente teórica que trata das comunidades epistêmicas adverte que os atores estatais diminuem as incertezas, mas admite a importância das comunidades (redes de profissionais) em virtude da crescente incerteza técnica e complexidade dos problemas nas agendas internacionais. A relevância de tais teorias resta na forma como simplificam o vasto campo de decisões e formas que caracterizam o processo de decisão de uma política, saindo da complexidade do mundo e se aportando a uma dimensão específica e concreta. A par disso, essas teorias serviram e, ainda servem, de base para o desenvolvimento de categorizações mais modernas, o que, portanto, faz com que não se ignore ou sobreleve a importânciadesses mapeamentos analíticos. TEMA 4 – TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL A teoria da escolha racional resulta de trabalhos pioneiros de autores como Anthony Downs, James Buchanan, Gordon Tullock e Mancur Olson. Embora tenham pontos de discordância entre si, todos concordam que os agentes sociais buscam a maximização da riqueza, de votos, que fazem suas escolhas de modo racional. John Ferejohn e Pasquale Pasquino explicam que “um ato racional é um ato que foi escolhido porque está entre os melhores atos disponíveis para o agente, dadas as suas crenças e os seus desejos. Atos racionais maximizam preferências ou desejos, dadas deter- minadas crenças”. Ou seja, a racionalidade exige que determinadas crenças, os desejos das pessoas e suas ações têm uma relação particular com o indivíduo. A racionalidade é condição de sustentação para que uma relação seja considerada válida (Ferejohn, 2001). O professor de ciência política George Tsebelis (1998), em seu livro Jogos Ocultos, analisa o campo da política por meio de teoria da escolha racional. O enfoque é explicar fenômenos políticos com o escopo de permitir a previsão de comportamento de determinados atores políticos. Para tanto, o autor deixa claro que a teoria da escolha racional não é a única teoria utilizada para análise de comportamento político, mas, ao mesmo tempo, defende a importância da escolha racional. 8 TEMA 5 – PERSPECTIVAS TEÓRICAS DA RACIONALIDADE Tsebelis (1998) distingue a racionalidade de duas categorias teóricas: as teorias sem atores e as teorias com atores não racionais, de maneira que, na primeira, podem ser encontrados os trabalhos estruturalistas, funcionalistas e da modernização, ao passo que, no segundo, a fonte reside em objetivos egoístas, altruístas, idealistas ou materialistas, podendo ser encontrada nos trabalhos de Bourdieu, Engels etc. A respeito dessa última categoria, Tsebelis (1998) indica que as ações que aparentemente se apresentam irracionais podem traduzir um enfoque racional. Em um segundo momento, o autor apresenta o que seria o enfoque da escolha racional, distinguindo as exigências fracas de racionalidade (questões internas) das exigências fortes de racionalidade (obediência à teoria dos jogos, probabilidade subjetiva com proximidade à frequência objetiva, crenças que se aproximam da realidade). Por conseguinte, o autor trata de demonstrar a factibilidade de teoria da escolha racional, delimitando o campo de análise racional a comportamentos nos quais podem ser verificados em cinco situações especificas, isto é, a relevância das questões e da informação, o aprendizado, a heterogeneidade dos indivíduos, a seleção natural e a estatística. Para o autor, as vantagens na aplicação da referida teoria correspondem à clareza e parcimônia teóricas, ao argumento do equilíbrio, ao raciocínio dedutivo e à intercambialidade de indivíduos (Tsbelis, 1998). Esse modelo pode ser usado para modelar uma variedade de interações sociais em que os atores têm a capacidade de exercer poder sobre os outros. É uma teoria neutra em relação ao uso da coerção. O enfoque da escolha racional assume que o comportamento do indivíduo é uma resposta ótima às condições de seu meio e ao comportamento de outros atores. Segundo o autor, uma explicação bem-sucedida da escolha racional descreve instituições prevalecentes e contextos existentes. 5.1 Noções-chave da teoria da escolha racional Pode-se resumir a teoria da escolha racional em algumas noções-chaves. Patrick Baert resume as noções mais relevantes da teoria. A ação intencional e consequências não intencionais: as elucidações da 9 escolha racional são um subconjunto das anotações propositadas; consequências negativas não intencionais ocorrem nesta perspectiva e devem ser levadas em consideração. A racionalidade: as anotações da escolha racional são um subconjunto das elucidações intencionais que atribuem racionalidade à ação social. Tem como pressuposto a premissa da conectiva aliada à função de utilidade. E, para que seja considerado racional, é necessário agrupar a informação passada de modo adequado a concretizar suas convicções. A incerteza e risco: os autores que trabalham com a teoria da escolha racional definem a existência de informações imperfeitas mediante a distinção entre “incerteza e risco”. A teoria da escolha racional parte da premissa de que os indivíduos são capazes de conjecturar a “utilidade esperada” ou o “valor esperado” de cada ação quando enfrentam risco (Baert, 1997). Assim, como se pode notar, o exame das políticas públicas pode ser realizado de diversas maneiras. Existe uma divisão bipolar entre as correntes estadocêntricas e as correntes sociocêntricas. Para além disso, existem as teorias pós-positivistas, que lidam com as questões das imprevisibilidades da vida entre outros fatores. Finalmente, passou-se pela teoria racionalista, utilizada em grande medida no âmbito de formulações de políticas, pelo seu propósito de exame de custo benefício. 10 REFERÊNCIAS BAERT, P. Algumas limitações das explicações da escolha racional na Ciência Política e na Sociologia. Rev. bras. Ci. Soc.[online]. 1997, v. 12, n. 35. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 69091997000300005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 29 nov. 2019. DAHL, R. Análise política moderna. Brasília, DF: Editora UnB, 1988, p.25. DOWNS, A. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Editora da USP, 1999. DYE, T. D. Mapeamento dos modelos de análise de políticas públicas. In: HEIDERMAN, F. G.; SALM, J. F. Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília, DF: Editora UnB, 2009, p.99. FEREJOHN, J.; PASQUINO, P. A teoria da escolha racional na ciência política: conceitos de racionalidade em teoria política. RBCS, v. 16, n. 45, fev. 2001. MILLS, C. A elite do poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. TSBELIS, G. Em defesa do enfoque da escolha racional. In: Jogos Ocultos – Escolha racional no campo da política comparada. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 33-56. ZAHARIDIS, N. The multiple streams framework. structure, limitations, prospects. In: SABATIER, P. A. Theories of the policy process. 2.ed. Boulder: Westview Press, 2007. AULA 5 GOVERNANÇA GLOBAL E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS INTERNACIONAIS Profª Ana Viana TEMA 1 – CIDADES GLOBAIS COMO PAUTA DE AGENDA As cidades globais são constantemente objeto de pautas nas agendas internacionais de governança global. Sinteticamente, são definidas como as metrópoles que “possuem influência em nível mundial. Portanto, as cidades globais possuem influência nos centros urbanos do próprio país e em regiões de outros países do mesmo e de outros continentes”. Em cidades globais, há uma forte economia, recepção de estudantes, estrangeiros, relações internacionais, comércios em nível global, mercado intenso, presença de grandes multinacionais, entre outros. Michele Acuto discorre sobre a relevância das cidades globais para a política mundial, bem como sobre as conexões globais entre as cidades e sobre a governança global. Assim, retrata que, ainda que haja uma crescente e relevante parte da literatura especializada preocupada nas explicações das modificações da ordem internacional, tais teorizações assumiram apenas as principais metrópoles contemporâneas como elementos dessas revoluções. Assim, Michele busca preencher uma lacuna com a pretensão de evidenciar como as cidades globais são relevantes na governança global contemporânea. A literatura que fala das cidades globais aponta para três vantagens substanciais sobre os paradigmas tradicionais de Relações Internacionais. Primeiro, elas facilitam mudançasrumo a análises mais sutis da política mundial. Em segundo, ampliam o horizonte da disciplina por meio de uma perspectiva em múltiplas escalas da governança global. Finalmente, destaca-se como as cidades globais têm uma posição estratégica (Acuto, 2013). Saskia Sansen, referência mundial no âmbito da sociologia urbana, com intenso estudo sobre globalização, também dá atenção especial às cidades globais. A autora traz à tona discussão sobre cidades detentoras de recursos que impulsionam empresas e mercados a níveis globais. A autora trabalha com a concepção de uma intensidade distinta da ordinária, bem como em atenção à complexidade dos sistemas de produção, finanças e gerenciamento conectados globalmente. Ressalva que esses sistemas podem ser dispersos da produção, mas devem fornecer uma arquitetura organizacional e de gerenciamento. Segundo a autora, tais características produzem novos desenhos geográficos, assim como novas hierarquias das cidades e regiões específicas que acabam por deter papel relevante na globalização. Nessa perspectiva, Sassen esclarece que muitas dessas cidades acabam por se tornar mais conectadas à economia global do que muitas economias nacionais e regionais. Para ela, tal condição pode incorrer em consequências no âmbito local, pois 3 podem acabar por expulsar aquelas empresas e pessoas que não estão relacionadas a esse setor internacionalizado (Sassen, 2002). Ainda, Sassen aponta para a dependência das cidades globais entre si. Ela sinaliza que a globalização econômica junto às telecomunicações tem corroborado na produção do que ela chama de espacialidade para o urbano. Essa espacialidade se movimenta em redes transfronteiriças e locais territoriais com concentrações de recursos de modo massivo. Mas Sassen argumenta que não se trata de algo novo, pois ao longo dos séculos as cidades sempre estiveram no âmbito de processos evolutivos. O que modifica nos dias atuais são a intensidade, a complexidade e o alcance em nível global dessas redes (Sassen, 2002). Discute-se até que ponto a economia já está desmaterializada e digitalizada. Hoje, o que é diferente são a intensidade, a complexidade e o alcance global dessas redes, e se questiona até que ponto partes substanciais dessas economias são desmaterializadas e digitalizadas. Ou seja, qual é o limite das relações em grandes velocidades por meio de algumas dessas redes. Nos dias de hoje, segundo a autora, é distinta também a elaboração de regimes regulatórios transfronteiriços. Nessa perspectiva, há a indagação sobre de que maneira os Estados nacionais estão lidando para produzir mecanismos legais necessários para se harmonizar com o sistema econômico global (Sassen, 2002). A autora, então, sinaliza que as transações especializadas entre cidades as conectam e formam também redes padronizadas. Nisso está incluído, para além das redes globais de empresas afiliadas, o desenho particular de conexão que emerge dos interesses dos atores que possuem poder para moldar tal arquitetura. Ainda, inclui-se a formação de hierarquias regionais transfronteiriças que ocorrem através de zonas de livre comércio. Finalmente, constata-se a integração de um crescente número de centros financeiros no mercado de capitais global (Sassen, 2002). A autora ressalta que se exigiram da cidade grandes transformações em razão do envolvimento nas transações acima especificadas, por serem altamente especializadas. Exigiu-se, também, adequação política por parte dos Estados nacionais envolvidos. O progresso dos desempenhos globais das cidades pode ser visualizado nos desenvolvimentos de infraestrutura e política. Para autora, isso pode incorrer numa nova ordem política, econômica e espacial 4 nessas cidades, cumulada, ainda, com a dinâmica contínua das ordens mais antigas (Sassen, 2002). TEMA 2 – QUALIDADE DE VIDA DAS CIDADES GLOBAIS Saskia Sassen busca discorrer sobre novos métodos para as cidades atingirem qualidade de vida. Relata inicialmente que Los Angeles e San Francisco detinham maior qualidade de vida que Chicago e Houston nas décadas de 1980 e 1990, assim como houve uma queda na qualidade de vida em Nova York durante a década de 1980. A autora ressalta que, a priori, pode parecer que o impacto das cidades nos sistemas internacionais é irrelevante, ou pelo menos é um impacto marginal, quando se está defronte de outras questões, como despesas militares anuais de US$ 400 bilhões dos governos nacionais do mundo. Contudo, também relata que o crescimento do envolvimento dos governos locais na governança global resulta de mudanças nas missões das organizações governamentais globais e locais, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas e sua Missão de Proteção. Ela relata que os governos locais em todo o mundo estão comprometidos com uma democracia local, além de ressaltar que algumas organizações de governo local, mas que atravessam as fronteiras do Estado, estão concentradas em questões específicas, como a paz, a reciclagem e o meio ambiente. Agora, existem medidas de coordenação dessas organizações através da Coordenação das World Associations of Cities and Local Authorities Coordination (WACLAC). Há, também, o Comitê Consultivo para as Autoridades Locais. Em junho de 2008, ocorreu a Primeira Conferência Mundial sobre Diplomacia das Cidades, questão que forneceu visão geral desses e de outros desenvolvimentos e examina seu potencial para a futura governança global. As cidades são sistemas complexos, mas ao mesmo tempo incompletas. Saskia defende que é justamente nessa incompletude que reside a possibilidade de fazer o urbano, o político, e o cívico, uma história. Assim, para ela, o âmbito urbano não está sozinho nessas características, sendo elas componentes do DNA do urbano. Toda cidade é distinta, assim, para realizar estudo da cidade, sendo preciso considerar essas características-chave. Isto é, a incompletude, a complexidade e possibilidade de criar (Sassen, 2012). 5 Vale apontar que as cidades são locais estratégicos para a estudo de muitos assuntos relevantes enfrentados pela sociedade. Todavia, não são espaços heurísticos, isto é não são capazes de produzir conhecimento de algumas das principais transformações de uma época (Sassen, 2012). Atualmente, está-se diante de uma era global, na qual a cidade emerge como local estratégico para compreender algumas das mais relevantes tendências na reconfiguração da ordem social. Cada uma dessas tendências tem seu próprio conteúdo e consequências específicas (Sassen, 2012). TEMA 3 – PARTICIPAÇÃO ESTATAL EM AMBIENTE DE DESREGULAMENTAÇÃO O Estado tem participação na economia global, mas evidentemente de modo distinto, pois deve lidar com um espaço dominado por desregulamentação, privatização e crescimento crescente de autoridades e atores não estatais. Saskia Sassen sustenta que se deve estudar o papel do Estado, levando- se em consideração a existência de uma incorporação do global, mas que se exige uma recuperação parcial das autonomias nacionais. Ou seja, ela defende a participação do Estado, ainda quando se refere à economia (Sassen, 2004). A autora acredita que se assiste à formação de um modo de autoridade e estado de coisas parcialmente nacionalizado. Ela ressalta que a desnacionalização incide em múltiplos processos específicos, os quais incluem a reorientação das agendas nacionais para as globais, bem como a circulação de agendas privadas que se vestem de políticas públicas. Para a autora, isso representa uma mudança de paradigma no exame da autoridade privada (Sassen, 2004). Dispõe a autora que o setor privado é uma das organizações mais relevantes no âmbito global, incluindo formas de autoridade privadas. Segundo ela, trata-se de forma distinta da conceituação acadêmica de Estado capturado, concentrado na cooptação de Estadospor atores privados. Em contraste com essa tradição mais antiga, Sassen destaca a privatização das capacidades de elaboração de normas e a promulgação de normas privadas no domínio público (Sassen, 2004). Ela menciona que, em regra, os setores de influência dos atores nacional e global, e dos atores estatais e não estatais, são visualizados como separados e mutuamente exclusivos. Ainda que muitos componentes de cada um desses 6 esferas sejam separados e mutuamente exclusivos, Sassen argumenta que tal concepção deixa uma lacuna de um conjunto específico de condições ou componentes que não se encaixam nessa estrutura dupla. Segundo ela, encontram-se nessa lacuna alguns componentes do trabalho dos ministérios das finanças, bancos centrais e reguladores técnicos especializados, como os que se ocupam de finanças, telecomunicações e política de concorrência (Sassen, 2004). Mediante o uso da análise em múltiplas escalas, a autora revela que os processos e as instituições subnacionais igualmente são locais críticos para a globalização. Aceitar a proposição de que o global ocorre em múltiplas escalas faz com que se considere, ao menos em parte, que há uma desnacionalização de espaços específicos (Sassen, 2004). Surge, portanto, um novo modelo de autoridade ainda não estabelecido nesse estado da arte. A autora enfoca empiricamente grande parte do exame aos Estados que se encontram no molde de um Estado de Direito. Nesse sentido, busca saber o que é realmente “nacional” em alguns dos componentes institucionais dos Estados ligados à implementação e regulamentação da globalização econômica (Sassen, 2004). A hipótese da autora, nesse sentido, seria que alguns componentes de instituições nacionais, ainda que formalmente nacionais, não são nacionais no sentido em que se desenvolve o significado desse termo nos últimos cem anos. Ela ressalta que um dos papéis do Estado no que tange à economia global contemporânea reside em negociar a interseção das leis nacionais e de atores estrangeiros – firmas, mercados ou organizações supranacionais. Ela, então, indaga sobre a necessidade de distinguir na fase distintiva da economia (Sassen, 2004). Ressalta, em seguida, ser necessária uma compreensão mais profunda sobre a natureza desses compromissos que são traduzidos por conceitos como desregulamentação. Ela dispõe, então, que está ficando claro que o papel do Estado no processo de desregulamentação envolve a produção de novos tipos de regulamentos, itens legislativos, decisões etc. (Sassen, 2004). Mas os “direitos” do capital global, isto é, a proteção de contratos e direitos de propriedade, representa legitimador de reivindicações. Daí é que a autora entende que o Estado incorpora o projeto global por si próprio. Ela explica que o papel do regulador é regular as transações econômicas e a capacidade de 7 executar poder militar, mesmo que não seja uma opção em muitos países, e com poder global na caixa de alguns Estados. Ainda, torna-se privatizado pelo crescimento da arbitragem comercial internacional e por elementos-chave do novo arranjador institucional privatizado para governar a economia global (Sassen, 2004). Por sua vez, normas legislativas, ordens executivas, adesão a padrões técnicos, entre outras, serão elaboradas por meio das estruturas institucionais e políticas particulares de cada Estado. Mesmo quando imposto de fora, há um trabalho específico que os Estados individuais o internalizem. Assim, ressalta a autora que a participação do Estado não apenas gera um ambiente próspero para o capital corporativo global, mas traz maior responsabilização e passa pelo escrutínio público. No entanto, segundo ela, de modo distinto do que ocorreu com o capital corporativo global, foram desenvolvidos os instrumentos e regimes legais e administrativos necessários que permitiriam aos cidadãos participar da governança global por meio de instituições estatais, além dos trade-offs e recursos que podem ser mobilizados no contexto da globalização da capacidade e acessibilidade globais (Sassen, 2004). A autora conclui pela incorporação institucional e local da globalização. Ela mostra que o Estado está engajado na globalização, e não sujeito a ela. Isso alimenta a proposta de desnacionalização de determinadas funções e capacidades estatais (Sassen, 2004). Além disso, dispõe que é possível que o Estado seja mais relevante do que o é nos dias de hoje, que está diminuto em razão do avanço da globalização econômica. TEMA 4 - DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO COMO PAUTA POLÍTICA As questões relativas ao desenvolvimento de Estados, bem como ao subdesenvolvimento, são pautas de agendas políticas no âmbito internacional, causa de grandes estudos nas relações internacionais, dada a relevância no ambiente internacional. Mark Duffield, em estudo sobre governança global e as novas guerras, trata da questão do desenvolvimento e discute ações humanitárias da ONU e da Cruz Vermelha após as intervenções no Iraque e no Afeganistão. Discute também o direcionamento de trabalhadores humanitários em zonas de conflito. 8 Mark esclarece que, nos anos 1990, após a Guerra Fria, o tema do desenvolvimento não era mais importante. As políticas de desenvolvimento voltavam-se cada vez mais ao subdesenvolvimento e o indicavam como a verdadeira causa de conflito. Havia, portanto, ou melhor, entendia-se que eram mais observáveis guerras interestaduais na era pós-bipolar, estando-se, portanto, sob uma grande ameaça. Assim, no âmbito do discurso do desenvolvimento, o que mais se defendia eram a prevenção de conflitos e a resolução de conflitos. O autor esclarece que naquele momento a liberalização econômica não era mais o ponto de pauta, sendo insuficiente no debate. Assim, o mal-estar do desenvolvimento seria combatido por meio de apoio à democratização, às instituições pluralistas, às sociedades transformadoras e aos valores indígenas da imagem liberal da rede global de governança (Duffield, 2014). Duffield aponta para uma reinvenção da política de desenvolvimento, centralizada na sua radicalização. E essa radicalização é realizada com o apoio de modo unânime da rede global que se expande em uma governança global. Essa rede é composta por ONGs, coalizões militares, instituições financeiras, agências e governos. O escopo dessa rede de governança global é o estabelecimento de liberdades liberais; contudo, trata-se de impor liberdades liberais de economias de mercado operacionais como um meio de evitar futuras guerras (Duffield, 2014). A segurança e o desenvolvimento tornaram-se vinculados de modo intrínseco em razão de a resolução e a prevenção de conflitos terem se tornado foco precípuo da política de desenvolvimento. Ao mesmo tempo que a estabilidade foi considerada inexequível sem o desenvolvimento, considerou-se que o desenvolvimento não seria sustentável sem estabilidade. Nesse aspecto, o autor narra como tal se deu nas Nações Unidas, mediante a criação da missão integrada. Ele destaca que ela segue sendo de considerável importância, notadamente porque possui a gestão da institucionalização da gestão internacional (Duffield, 2014). TEMA 5 – O “NOVO HUMANITARISMO” Duffield também explora a questão do novo humanitarismo, isto é, para além da relação de segurança, desenvolvimento, resolução de conflitos e transformação social, destaca o surgimento de um “novo humanitarismo”. Trata- 9 se, segundo ele, de uma nova tendência que se relaciona com a noção de desenvolvimento e traz uma politização do auxílio humanitário (Duffield, 2014). A crítica de Duffield está em colocar ou indicar a ação humanitária como algo realizado em decorrência de interesses de segurança dos Estados nacionais. Embora as ações humanitárias tenham sido criadas no sentido mais virtuoso possível, com o estabelecimento de princípioscomo de independência, neutralidade e imparcialidade, segundo o autor elas foram integradas às estratégias políticas e de segurança (Duffield, 2014). Assim, acabou, segundo ele, ocorrendo a corrupção no sentido de utilização desvirtuada do humanismo. A corrupção do humanismo humanitário é a sua descaracterização, é o seu desvirtuamento, para um uso desassociado daquele que é seu fim. Daí a corrupção (Duffield, 2014). Antonio Donini afirma que a vasta expansão da agenda humanitária resultou em uma evacuação das amarras tradicionais do humanitarismo e da sua função precípua de salvar e proteger vidas em perigo imediato. Também segundo ele, mostra-se improvável que a relação tão profunda entre os Estados ocidentais e a ação humanitária prossiga no século XXI. Ele destaca que, para isso ocorrer, seria fundamental que persistissem duas questões: primeiro, a ação humanitária deve atender aos interesses de segurança dos países que a financiam; em segundo, a dominância continuará sendo dos valores ocidentais (Duffield, 2014). De todo modo, Donini ressalta finalmente que não haverá prejuízo em retornar à ideia precípua e fundamental da ação humanitária: incrementar e inserir medidas de humanidade em situações onde ela não existe (Duffield, 2014). REFERÊNCIAS ACUTO, M. Global cities, governance and diplomacy. Abingdon: Routledge, 2013. DUFFIELD, M. Global governance and the new wars: the merging of development and security. Londres: ZED Books, 2014. SASSEN, S. Cities: a window into larger and smaller worlds. European Educational Research Journal, v. 11, n. 1, 2012. __________. Locating cities on global circuits. Environment & Urbanization, v. 14, n. 1, abr./2002. __________. The state and globalization: denationalized participation. Michigan Journal of International Law, v. 25, n. 4, 2004. AULA 6 GOVERNANÇA GLOBAL E FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS INTERNACIONAIS Prof.ª Ana Cristina Aguilar Viana 2 TEMA 1 – NAÇÕES UNIDAS E TERCEIRO SETOR As Nações Unidas e o setor privado trabalham em cooperação desde os anos 1990, principalmente. Segundo as Nações Unidas em sua cartilha (United Nations, 2008), trata-se de uma cooperação diante do reconhecimento de que os objetivos-fins das Nações Unidas são bastante distintos, mas que abrangem a construção de mercados, o combate à corrupção, o aumento da segurança do meio ambiente e o aumento da segurança social. As Nações Unidas esclarecem que as empresas que operam no mundo de hoje são afetadas por desafios sociais, políticos e econômicos. Mencionam ainda que grande parte das entidades das Nações Unidas trabalham com um rol de questões amplos, tais como mudança climática, trabalho, sistemas de saúde, reforma educacional e desastres humanitários (United Nations, 2008). São diversas abordagens, que incluem coalizões internacionais e iniciativas comunitárias, projetos com prazo determinado e estruturas de ação amplas, assim como compromissos individuais das empresas e iniciativas coletivas de múltiplas partes interessadas. Não obstante, há três grandes categorias que descrevem os métodos de contribuição do setor privado para os objetivos das Nações Unidas: 1. Operações principais de negócios e cadeias de valor. 2. Investimentos sociais e contribuições filantrópicas 3. Advocacia, diálogo sobre políticas e estruturas institucionais (United Nations, 2008). A Estrutura para o envolvimento comercial com as Nações Unidas serve como um auxílio nas publicações mais detalhadas sobre mudanças climáticas e a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (United Nations, 2008). No que se refere às operações de negócio e correntes de valor, as Nações Unidas apontam para a criação de valores compartilhados positivos para países e comunidades anfitriões, por meio de mobilização de tecnologias, processos, produtos e habilidades inovadoras do setor privado para ajudar a alcançar metas internacionais por meio do que é chamado de modelos de negócios inclusivos, base da pirâmide ou modelos criativos do capitalismo. Ressalta-se que essas alianças podem ser comercialmente viáveis em determinados casos (United Nations, 2008). Em outras situações, exigem-se financiamentos ou abordagens híbridas que podem incluir apoio público ou doador filantrópico em andamento. 3 De todo modo, as empresas necessitam buscar minimizar os impactos negativos, internalizando princípios, códigos e padrões internacionais do setor nas atividades principais do negócio (United Nations, 2008). No que se refere aos investimentos e contribuição filantrópica, as Nações Unidas elencam distintos modos de ajuda financeira não comercial, que passam da filantropia tradicional aos fundos de risco social ou ainda mecanismos de financiamento híbridos de valor misto, voluntários e experiência de funcionários, doações de produtos e outras contribuições em espécie (United Nations, 2008). Já com relação à advocacia pública, ao diagnóstico público e a empresas institucionais, as Nações Unidas esclarecem que empresas ou associações empresariais individuais que estejam envolvidas em advocacy busquem dialogar sobre políticas públicas, sobre regulamentação conjunta bem como busquem esforços para gerar ou incrementar instituições públicas. Ressalta-se ainda a possibilidade de colmatar os vazios de governança, aprimorar o ambiente e sustentar mudanças mais sistêmicas nos níveis local, nacional ou global. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) busca a promoção da colaboração com o setor privado, servindo como uma interface para as Nações Unidas (United Nations, 2008). Já o Pacto Global das Nações Unidas agrupa negociações com agências da ONU, sociedade civil e governos visando promover universidades nas áreas de direitos humanos. No que tange à corrupção, a expectativa é que as empresas participantes do Pacto Global operem seus negócios de modo a envolver-se em parcerias para apoiar objetivos como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, lançados pelo Secretário-Geral em 2000 (United Nations, 2008). TEMA 2 – MULTINACIONAIS E GOVERNANÇA Jana Hönke (2012) observou o impacto de empresas multinacionais e suas operações, evidenciando que as práticas participativas contemporâneas foram substituídas por técnicas de disciplina e coerção vistas no passado colonial. Por outro lado, demonstra que o discurso de propriedade e participação está pari passu a formas excludentes de exercer poder, o que já vem de longa data. Ressalva ainda que, dessa forma, a promessa liberal de autodeterminação fica comprometida (Hönke, 2012). Hönke (2012) aponta que não são apenas agências de desenvolvimento, organizações internacionais e ONGs internacionais que intervêm nas sociedades pós-coloniais e promovem a construção de estados liberais e sociedades civis. 4 Isso porque empresas multinacionais estão cada vez mais se envolvendo no desenvolvimento participativo da comunidade (United Nations, 2008). A autora foca seu interesse nas continuidades e mudanças das intervenções liberais ocidentais, analisando multinacionais de tamanho médio de um país de origem da OCDE e listadas nas trocas internacionais de ações em Toronto, Nova York ou Londres, as quais recebem ainda mais atenção internacional que outras (United Nations, 2008). Hönke (2012) ressalta haver intenso destaque na participação acionária da população na sua própria governança, incluindo amplas discrepâncias entre as primeiras buscas de pedidos corporativos coloniais e contemporâneas no mundo pós-colonial. Discursos de propriedade e participação têm efeitos despolitizantes e excludentes e também operam em conjunto com poderosas técnicas de coerção e regra indireta (United Nations, 2008). Segundo Hönke (2012), a reivindicação liberal à autodeterminação e aos procedimentos democráticos fica comprometida em um compromisso da comunidade corporativa no qual o principal focoé a estabilidade da proteção de ativos e da garantia da produção. Estados, empresas e líderes comunitários envolvem grupos intermediários, como cidadãos, profissionais, associações voluntárias, parceiros sociais e empresas privadas, nas suas próprias governanças. Essa nova lógica de governança e gerenciamento realizado à distância tem como característica a governança dos instrumentos de mercado e a promoção da responsabilidade individual e dos valores empresariais (United Nations, 2008). É contrário ao estado de bem-estar social, não sendo paternalista. A lógica dessa governança pela liberdade é de um gerenciamento de riscos, isto é, gerenciando os riscos e problemas de atuação preventiva em possíveis áreas problemáticas e grupos de pessoas. Finalmente, Hönke (2012) compreende as políticas da comunidade corporativa como integrante de um projeto de policiamento ou de ordenação. Explica Hönke (2012) que o domínio colonial é um estado de direito no campo do Estado, que se baseia no princípio da descentralização do despotismo e na evidência de áreas rurais. Desde o século XX esse termo conduz a um exercício de arbitragem e racismo. Por sua vez, aludindo a Mbembe, Hönke (2012) destaca que o governo privado indireto é uma nova forma de governar os espaços contemporâneos nas periferias, mas compartilha de algumas características om a governança no início do período colonial. Há uma soberania privatizada dentro de “bolsões mais ou menos autônomos” (Hönke, 2012). 5 Antony Detomasi (2007) explica que a globalização aumentou o poder econômico das corporações multinacionais e gerou maior responsabilidade social corporativa dessas empresas. Mas ele entende que os mecanismos atuais de governança global são inadequados. Um método pelo qual as organizações podem impactar positivamente a governança global são as Redes Públicas Globais de Políticas (GPPN), as quais se baseiam na força individual das empresas multinacionais, governos nacionais e organizações não governamentais para criar padrões de comportamento nessas áreas, padrões ambientais e condições de trabalho (Detomasi, 2007). Atualmente, existe um grupo diversificado de atores que convive com os governos nacionais pelo direito de exercer poder e autoridade dentro desse sistema (Rosenau; Czempiel, 2000). Destes, a empresa multinacional moderna (MNC) é talvez a mais poderosa (Detomasi, 2007). As Redes Públicas Globais de Políticas (GPPN) são um modelo que combina os pontos fortes do Estado, do mercado e dos atores da sociedade civil. Eles se combinam entre si para criar um sistema de governança internacional eficaz que supere as fraquezas que afetam cada um individualmente (Detomasi, 2007). TEMA 3 – INFLUÊNCIAS DE ATORES NÃO GOVERNAMENTAIS NAS AGENDAS INTERNACIONAIS Michele Betsill e Elisabeth Corell (2008) dedicam-se a estudar a influência de atores não governamentais nas agendas internacionais, sobretudo o terceiro setor. Esclarecem que o aumento da participação de ONGs em instituições globais reflete a mudança do Estado nas democracias. Se, em 1972, eram apenas 39 países democráticos no mundo, em 2002 o número passou para 139 (Betsill; Corell, 2008). A União Europeia e a democracia na América Latina tiveram influência do aumento da sociedade civil. Há um descontentamento com modelos tradicionais representativos da eleição de democracia. Em pesquisas, cidadãos afirmam confiarem mais ONGs que em governos (Betsill; Corell, 2008). Com efeito, as ONGs podem ter um peso político considerável. Por exemplo, no Reino Unido, a Sociedade Real para a Proteção de Aves possui mais membros do que os três principais partidos políticos reunidos (Betsill; Corell, 2008). 6 Além disso, as ONGs têm sido um dos mais relevantes apoiadores da ONU, porquanto veem a necessidade de uma estrutura legal internacional para preservar bens comuns globais (Betsill; Corell, 2008). Mas as autoras ressaltam que houve uma redução de financiamento para ONGs (Betsill; Corell, 2008) e destacam ainda a relevância da participação das ONGs em processos políticos. Nas relações internacionais, a diplomacia é visualizada como algo que os Estados fazem, sendo considerada um aspecto importante da política estatal e da política externa (Betsill; Corell, 2008). Nesse sentido, vale frisar que a locução ONG se refere a um extenso espectro de atores, de grupos de advocacia enraizados na sociedade civil, empresas multinacionais e associações comerciais de capital fechado até organismos orientados para a pesquisa que participam de processos internacionais de negociação ambiental usando as ferramentas da diplomacia (Betsill; Corell, 2008). As negociações internacionais são uma arena política da qual as ONGs participam, mas elas também se envolvem em outras arenas, como formulação de políticas domésticas, formação da sociedade civil global e tomada de decisões de atores privados (por exemplo, as corporações). Embora as atividades das ONGs nesses ambientes possam ter implicações na governança global, as autoras destacam que é provável que cada um desses setores envolva dinâmicas políticas diferentes que, por sua vez, moldam a maneira como as ONGs participam, os objetivos que elas buscam, as estratégias que irão utilizar, entre outros (Betsill; Corell, 2008). TEMA 4 – TEORIAS QUE TRAÇAM RELAÇÕES INTERNACIONAIS Dobbin, Simmons e Garrett (2007), em artigo fundamental sobre o tema, esboçam quatro teorias distintas para as relações internacionais no âmbito da governança global. Esses autores (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007) explicam que os construtivistas observam a propagação de políticas liberais como uma questão de ideologia, largamente compreendida. Reforçam ter surgido nos últimos cem anos uma política global em que houve um consenso instável sobre os meios ideais para alcançar o crescimento econômico, a estabilidade e a participação política. Reforçam que países que se consideram membros de grupos sub-globais com base na história, cultura, idioma, nível de desenvolvimento ou geografia podem copiar as políticas uns dos outros porque inferem que o que funciona para um colega funcionará para eles (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007). 7 Já os teóricos da coerção desenham um mundo no qual alguns jogadores poderosos exercem influência de modo desproporcional sobre os outro, por pontos focais ou por ideias hegemônicas. Nesse sentido, os Estados Unidos, o FMI e o Banco Mundial promovem políticas específicas para promover interesses estadunidenses ou porque acreditam que são eficientes ou justos. Mas o fato é que os países adotam políticas que de outra forma não escolheriam ou que poderiam ou não ser eficazes para eles. Daí o porquê da coerção. Por sua vez, os teóricos da concorrência descrevem um modelo bem distinto. Trata-se de uma política que confere um país uma vantagem competitiva que leva outros a seguirem o exemplo, ainda que esses países tenham preferido, anteriormente, não adotar a política. Por exemplo, os formuladores de políticas brasileiras podem favorecer altas tarifas de importação que protegem as indústrias domésticas, mas seguem reduções de tarifas na Argentina e no Chile apenas para poder competir pelos mercados de exportação e por capital estrangeiro. Assim, as preferências dos negócios globais pelo livre comércio e baixas taxas de impostos superam as preferências dos grupos domésticos por proteção e redistribuição. O poder desempenha um papel nesses modelos, mas é o poder do mercado como força econômica descentralizada, e não o poder das nações convencionalmente entendidas. Os teóricos da concorrência, como a maioria dos teóricos da coerção, traçam mudanças nas políticas para mudanças nos incentivos externos (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007). Finalmente, os teóricos da aprendizagem esboçam modificações na política e nas ideias, implicando uma análise de custo-benefício. Suas raízes são psicológicas, sendo que a questão principalé de que maneira os formuladores de políticas tiram lições das experiências de outros países. Pode ser observando os efeitos das políticas adotadas por outros países, por exemplo. É verdade que os formuladores de políticas podem tirar as lições erradas da observação, mas a ideia é que os países busquem aprender a ir atrás de políticas eficazes (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007). TEMA 5 – DEMOCRATIZAÇÃO DA GOVERNANÇA POR MEIO DE UMA ESFERA PÚBLICA TRANSNACIONAL Nanz e Steffek (2003), por meio de uma teoria deliberativa de democracia, defendem que a democratização da governança global depende da criação de uma esfera pública transnacional. Destacam que, nessa esfera, os processos de tomada de decisões políticas, administrativas e judiciais em organizações internacionais seriam conectados aos parlamentos nacionais, sociedade civil, 8 mídias, o que exigiria alto grau de transparência nas organizações internacionais, assim como dever de responder aos interesses das partes interessadas, por meio de uma arena participativa (Nanz; Steffek, 2003). Os autores entendem que a sociedade civil ocupa papel fundamental no aprimoramento de uma esfera pública ampla, uma vez que pode permear as fronteiras entre as instituições formais de governança global e seu eleitorado global (Nanz; Steffek, 2003). No que tange à democratização, Nanz e Steffek (2003) esclarecem que a sociedade civil transnacional tem três tarefas específicas: expor a regulamentação global ao escrutínio público, colocar as preocupações dos cidadãos na agenda das organizações internacionais e capacitar os grupos mais desfavorecidos de partes interessadas a participar ativamente das deliberações políticas. A OMC, segundo elas, está de modo gradual abrindo-se ao escrutínio público e à participação de atores não estatais. Assim, torna-se mais receptiva às preocupações das partes interessadas. Idealmente, os acordos de governança global podem se tornar locais de deliberação pública e investigação cooperativa de uma variedade de atores sociais (por exemplo, representantes de organizações internacionais, conhecimento científico, ONGs, partes interessadas etc.) que geram legitimação democrática em uma política global heterogênea (Nanz; Steffek, 2003). Finalmente, Nanz e Steffek (2003) afirmam que, ao contrário de admitir que a legitimação democrática pressupõe homogeneidade dos cidadãos numa sociedade, a legitimação pode ser criada por meio da deliberação entre uma variedade de atores sociais: funcionários do governo de diferentes comunidades nacionais, especialistas, ONGs. Assim, as decisões políticas seriam obtidas por meio de um processo deliberativo em que os participantes examinam interesses heterogêneos e justificam suas posições em vista do bem comum de um determinado círculo eleitoral (Nanz; Steffek, 2003). 9 REFERÊNCIAS BETSILL, M.; CORELL E. NGO Diplomacy: the influence of nongovernmental organizations in international environmental negotiations. Cambridge: MIT Press, 2008. DETOMASI, D. A. The Multinational Corporation and Global Governance: Modelling Global Public Policy Networks. Journal of Business Ethics, v. 71, n. 3, p. 321-334, mar. 2007. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/s10551-006-9141-2>. Acesso em: 21 nov. 2019. DOBBIN, F.; SIMMONS, B.; GARRETT, G. The global diffusion of public policies: social construction, coercion, competition, or learning? Annual Review of Sociology, v. 33, p. 449-472, 23 mar. 2007. Disponível em: <https://scholar.harvard.edu/files/dobbin/files/2007_ars_dobbin_simmons.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2019. HÖNKE, J. Multinationals and Security Governance in the Community: Participation, Discipline and Indirect Rule. Journal of Intervention and Statebuilding, v. 6 , n. 1, 2012. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/17502977.2012.655569>. Acesso em: 21 nov. 2019. NANZ, P.; STEFFEK, J. Global governance, global governance, participation and the public sphere. ECPR Joint Session, Workshop 11: The Governance of Global Issues – Effectiveness, Accountability, and Constitutionalization. Edinburgh (UK), 28 mar. a 2 abr. 2003 Disponível em: <http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.875.2022&rep=rep1&t ype=pdf>. Acesso em: 21 nov. 2019. ROSENAU, J. N.; CZEMPIEL, E. O. Governança sem governo: ordem e transformação na política mundial. Brasília: Ed. UnB; São Paulo: Imprensa Oficial, 2000. UNITED NATIONS. The United Nations and the privated sector. Global Compact Office – UN, set. 2008. Disponível em: <https://www.un.org/millenniumgoals/2008highlevel/pdf/background/UN_Busines s%20Framework.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2019.