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AULA 1 
GOVERNANÇA GLOBAL E 
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS 
INTERNACIONAIS 
Profa Ana Cristina Aguilar Viana 
2 
INTRODUÇÃO 
A presente disciplina visa apresentar a você aspectos fundamentais sobre 
governança e formulação de políticas internacionais, focando as perspectivas 
históricas, natureza e origens conceituais dos termos governança e políticas 
públicas. Inicialmente, para poder compreendê-los, faz-se necessário uma 
contextualização histórica, passando por questões relevantes como globalização 
e perda do poder soberano do Estado nacional. 
TEMA 1 – O ESTADO – CONCEITUAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO 
Diz-se que o primeiro a alcunhar como Estado uma ordem jurídica e 
soberana interna e externamente foi o pensador Maquiavel (1988, p. 5). Em sua 
obra clássica, O Príncipe, dispõe, em seu primeiro capítulo – “Quantos são os 
tipos de principado e como conquistá-los” – que “Todos os Estados e todos os 
governos que exercem certo poder sobre a vida dos homens foram ou são 
repúblicas ou principados”. 
Desde então, o estudo desse ente com a referida denominação cresceu 
exponencialmente, já que seu papel sempre foi de grande relevância na história 
do homem. Contudo, inobstante as expressivas pesquisas acerca do Estado, a 
sua conceituação, todavia, se mostra complexa. Entretanto, Bobbio (2009) 
colabora com o caminho de sua definição e dispõe acerca de quatro estruturas 
analíticas, quais sejam, formal, material, social e política. Convém frisar, contudo, 
que tais eixos influenciam a elaboração teórica de diversas disciplinas. 
Inicialmente, é mister se atentar ao fato de que o Estado Moderno, em sua 
concepção contemporânea, se fez presente para representar o poder governado 
por um ente, peculiaridade inerente desse arquétipo estatal. A esse respeito, 
salienta Bonavides (2008, p. 31): “O Estado Moderno em verdade significa uma 
nova representação de poder grandemente distinta daquela que prevaleceu em 
passado mais remoto”. 
O principal modelo pré-moderno foi o Estado Medieval, o qual teve como 
características a presença do cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo, 
sistema no qual se fizeram presentes relações de dependência pessoal, 
hierarquia e privilégios. Ainda nessa concepção, é importante mencionar que o 
senhor feudal possuía tanto o poder econômico quanto militar e político. 
 
 
3 
No referido período, os indivíduos respeitavam o seu senhor, mas, por outro 
lado, não havia uma lei a obedecer, posto que a autoridade era o suserano feudal. 
Com a transformação do Estado Medieval em Estado Absolutista, passou a 
emergir um processo de dominação legal racional, ou, como bem salienta Streck 
(2004, p. 24), "do ex príncipe passa-se ao ex principo. O vassalo do suserano 
passa a ser súdito do rei”. 
Assim sendo, a concepção do Estado Moderno tem como o cerne a ideia 
de que esse ente é legitimado para representar os cidadãos, que, mediante um 
contrato social1, dão-lhe o poder de governar. 
A marca fundamental é a centralização do poder, bem como a distinção 
entre a esfera pública e privada. Skinnier (1996, p. 10) aduz que “O poder do 
Estado, e não do governante, passou a ser considerado a base do governo. E 
isso, por sua vez, permitiu que o Estado fosse fonte da lei e da força legítima 
dentro de seu território e como o único objeto adequado de lealdade de seus 
súditos”. 
As deficiências do Estado Medieval foram determinantes para o surgimento 
do Estado Moderno, assim como as deficiências de cada modelo estatal são o 
cerne do início do seu sucessor. No que se refere ao Estado Moderno, este se 
utilizou de características fundamentais como governo, povo, nação, território e 
poder soberano. 
O estado procede da institucionalização do Poder, sendo que suas 
condições de existência são o território, a nação, mais potência e 
autoridade. Esses elementos dão origem à ideia de Estado. Ou seja, o 
Estado Moderno deixa de ser patrimonial. Ao contrário da forma estatal 
medieval, em que os monarcas, marqueses, condes e barões eram 
donos do território e de tudo o que neles se encontrava (homens e bens), 
no Estado Moderno passa a haver a identificação absoluta entre Estado 
e monarca em termos de soberania estatal. L’Etat, c’est moi. (Streck, 
2004, p. 27) 
Sendo assim, o primeiro modelo de Estado Moderno é o absolutista, cuja 
formação contemplava alta nobreza, baixa nobreza, clero e burguesia das 
cidades. Tais grupos elaboravam suas normatividades entre si, promovendo o 
privilégio entre os membros, bem como a adoração e a lealdade aos príncipes. 
 
1 O contrato social é um instituto criado para afirmar que “somente a vontade humana justifica a 
existência da sociedade” (Dallari, 1995, p. 9). Possui dois eixos analíticos, um proposto por Tomas 
Hobbes e outro por Jon Locke, Rousseau e Montesquieu. O primeiro sustenta que o homem vive 
de início em um estado de natureza, em uma guerra de todos contra todos, necessitando de um 
contrato social para a vida em harmonia. Já a segunda corrente pugna por um contrato social, mas 
não em virtude de uma inerência maléfica do indivíduo, mas sim por conta da existência de leis 
naturais que carecem de um contrato em sociedade. 
 
 
4 
O alicerce do domínio absolutista se consubstanciava na associação dos 
reis a deuses, em que aqueles representavam o poder divino, e dessa forma, 
soberano, indiscutível, irresponsável e perpétuo. Assim sendo, o modelo 
absolutista dá ao seu rei um poder soberano e sem controles sem qualquer 
dependência a outro poder. 
Quanto às leis divinas e naturais, todos os príncipes da Terra lhe estão 
sujeitos e não está em seu poder contrariá-las, se não quiserem ser 
culpados de lesar a majestade divina, fazendo guerra a Deus, sob a 
grandeza de que todos os monarcas do mundo devem dobrar-se e baixar 
a cabeça com temor e reverência. São essas, portanto, as únicas 
limitações ao poder do soberano. Como um poder perpétuo, a soberania 
não pode ser exercida com um tempo certo de duração. (Dallari, 1995, 
p. 66) 
TEMA 2 – O ESTADO LIBERAL 
Com a evolução do Estado, esse arquétipo passou a sofrer resistências. 
Os príncipes, ao observar o franco crescimento da elite burguesa, tentaram 
favorecer o seu crescimento, uma vez que não conseguiriam impedir a expansão 
capitalista. No entanto, a crise revolucionária se mostrou impossível de ser 
combatida e novos liames foram moldados; dessa vez, a intenção recaía 
justamente em criar limitações ao poder e às funções do Estado. 
Nascia aí o modelo de Estado Liberal, cuja inauguração se deu em 1789, 
com a Revolução Francesa, emergindo o poder político burguês e já 
demonstrando igualmente a futura contradição – burguesia versus operários. 
O Estado Liberal, assim como a sua ideologia, teve como escopo maior a 
promoção de um Estado Mínimo, em que a atuação estatal se faria presente 
somente em momentos de necessidade, para garantir a paz e segurança. Dessa 
forma, o indivíduo seria respeitado de tal maneira onde o todo gira em seu entorno. 
Roy Macridis (1982 citado por Streck, 2004, p. 39) desenvolveu sua 
definição acerca do liberalismo sob parâmetros específicos: o moral político e o 
econômico. No núcleo moral, preponderava a liberdade do indivíduo e sua 
capacidade de se autorrealizar, promovendo a liberdade de expressão, de 
pensamento, de crença e outras. 
Por sua vez, Bobbio (2000, p. 7) conceitua o liberalismo por meio de seus 
modelos antagônicos: “Liberalismo entende-se uma determinada concepção de 
Estado, na qual o Estado tem poderes e funções limitadas e como tal se contrapõe 
tanto ao Estado Absoluto quanto ao que hoje chamamos de Estado Social”. 
 
 
5 
Convém aclarar que a referida doutrina2 aduz que existem leis que não são 
inseridas pela vontade do homem, mas são direitos e leis naturais. Tal 
pensamento se apresenta como uma âncora para a corrente liberal, porquanto 
estabelece a limitação do poder, uma vez que a natureza do homem não necessita 
decomprovação empírica ou histórica. 
TEMA 3 – O ESTADO SOCIAL 
O início da transformação que marcou a mudança do Estado Liberal 
Mínimo para Social se mostrou em pertinência à renovação no modelo adotado 
pelo liberalismo clássico, no qual a autoridade somente promoveria a paz e a 
segurança. Ainda, a concepção liberal voltada primordialmente ao indivíduo não 
se mostrava adequada à nova realidade social. Sendo assim, o Estado passou, 
lentamente, a assumir tarefas como a prestação de determinados serviços 
públicos, o que acarretaria no denominado Welfare State. “Na ampliação da 
atuação positiva do Estado, temos a diminuição no âmbito da atividade livre do 
indivíduo, ou seja, com o crescimento da intervenção, desaparece o modelo de 
Estado mínimo e abre-se o debate acerca de até que momento se permanece 
liberal diante de tal situação” (Streck, 2004, p. 58). 
De acordo com Streck (2004), algumas peculiaridades se apresentaram 
como fundamentais na transformação do Estado Liberal a Social: a Revolução 
Industrial, a Primeira Guerra Mundial, a crise econômica de 1929, a Segunda 
Guerra Mundial, as crises do liberalismo e os movimentos sociais. Ademais, com 
a proliferação da atuação dos operários, as lutas de contestações aumentaram e 
a liberdade contratual deu margem à intervenção do Estado em espaços que até 
então eram restritos à iniciativa privada. 
O Estado passou a agir, então, como um garantidor das condições mínimas 
de existência dos indivíduos, bem como atuou como agente financiador, passando 
a regular o mercado. Streck (2000, p. 62) acredita que todas essas modificações 
se deram em virtude de um “agigantamento dos centros urbanos e o surgimento 
 
2 Em contrapartida ao jus naturalismo, existem doutrinadores que seguem uma linha totalmente 
diversa. Um dos grandes críticos à referida doutrina é Hans Kelsen, que propõe uma clara distinção 
entre o mundo natural e o mundo “ético”. Para o autor, a primeira relação se dá com a causalidade, 
ao passo que no mundo ético a relação é de finalidade, naquele a consequência natural é o 
pensamento sobre o “é”, ao passo que nesse se faz um julgamento sobre o que “deve ser”. Kelsen 
(2000, p. 1) elabora a sua teoria pura do direito e aduz que sua proposta é “libertar a ciência jurídica 
de todos os elementos que lhe são estranhos”. 
 
 
6 
do proletariado urbano, fruto do desenvolvimento industrial e da consequente 
destruição de modos de vida antigos e tradicionais”. 
Tampouco se pode olvidar que a guerra promove distorções nas 
distribuições da industrialização, predispondo a fragilidade desta por falta de 
demanda e com a necessária atuação do Estado com o fim de evitar uma crise. 
Ademais, o equilíbrio econômico financeiro se transportou da Europa aos Estados 
Unidos. 
Streck (2004, p. 69) salienta, contudo, que tal transformação não se deu de 
maneira imediata, mas gradual, por meio inicialmente do intervencionismo, 
seguido de um dirigismo e por fim de uma planificação que “representa o último e 
mais acabado estágio de atuação do Estado”. 
Como já mencionado, a consequência dessa modificação se solidificou no 
chamado Welfare State – ou Estado de Bem-Estar Social –, o qual envolve 
diretamente tópicos relacionados com o processo produtivo. Streck (2004, p. 70) 
elucida que a diferenciação entre o Estado intervencionista e o de Bem-Estar 
Social se dá que neste “as prestações públicas são percebidas e construídas 
como um direito e conquista da cidadania”. 
A promulgação desse modelo de Bem-Estar Social pode ser determinada 
por duas razões: uma, de ordem política, por meio de uma luta pelos direitos 
individuais, políticos e sociais; e outra, de natureza econômica, da transmutação 
agrícola para o urbano. O fim maior do referido Estado, em consonância com o 
professor Bonavides, se consubstancia na promoção do cidadão e na garantia de 
pugnar por seus direitos fundamentais para perseguir uma qualidade de vida. 
“Nesse momento, em que se busca superar a contradição entre a igualdade 
política e a desigualdade social, ocorre, sob distintos regimes políticos, importante 
transformação, bem que ainda de caráter superestrutural. Nasce, aí, a noção 
contemporânea de Estado Social” (Bonavides, 2001, p. 184). 
O Estado valoriza o indivíduo, o protege, atendendo-lhe e promovendo os 
valores fundamentais. Sendo assim, a marca maior predominante nos Estados 
atuais se consubstancia em um Estado Social, com a defesa dos direitos 
fundamentais, que combinam com um Estado Democrático Participativo. 
De fato, nesse viés, mostra-se pertinente uma descrição pormenorizada 
dos institutos do Estado de Direito, Estado Democrático de Direito e a 
Constituição. 
 
 
7 
TEMA 4 – A MITIGAÇÃO DA SOBERANIA DO ESTADO 
A delimitação e a identificação das nações mundiais estão amparadas sob 
a definição da palavra Estado – esse é um ente soberano interno e externo. O 
modelo de Estado moderno é conhecido por portar as características de reunir 
uma identidade, uma nação, dentro de um território e sendo exercido por um poder 
soberano no ambiente externo e interno, o qual se comunica com demais agentes 
semelhantes em um ambiente internacional. Seu advento ocorreu com o fim do 
período medieval e do mundo feudal. 
O surgimento da palavra ainda é controverso. É possível dispor que no que 
tange à ideia de legitimidade para promover guerra, a concepção de Estado teve 
início com o Tratado de Westfalia. Maquiavel foi o primeiro a falar de Estado nas 
concepções que se conhece, e o conceito de soberania surgiu com Jean Bodin, 
em que foi dito que esta seria um poder absoluto sem qualquer tipo de limitação. 
Contudo, desde o fim da Segunda Guerra Mundial – e especialmente após o fim 
da Guerra Fria –, passou-se a observar que diversas circunstâncias apontavam 
para uma diminuição da legitimidade e soberania. O Estado passou a perder a 
cada dia o seu poder, com o surgimento de outras organizações supraestatais, 
mercados e pela globalização. Como ensina Eric Hobsbawm: 
O estado-nação estava sendo erodido de duas formas, de cima e de 
baixo. Perdia rapidamente poder e função para várias entidades 
supranacionais e, na verdade, de forma absoluta, na medida em que a 
desintegração de grandes estados e impérios produzia uma 
multiplicidade de estados menores, demasiado fracos para defender- se 
numa era de anarquia internacional. Perdia, também, como vimos, seu 
monopólio de poder efetivo e seus privilégios históricos dentro de suas 
fronteiras, como testemunham a ascensão da segurança privada e dos 
serviços postais privados competindo com o correio. 
 A mitigação da soberania também sobressalta no que se refere aos direitos 
humanos. Com efeito, o Estado que violar algum direito dentro do espectro dos 
direitos humanos protegidos universalmente pode ser responsabilizado pela 
comunidade internacional, por meio de cortes internacionais, ou regionais, a 
exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 
Da mesma maneira, aquele sujeito que sentir que teve um direito humano 
violado e não protegido por seu Estado pode acionar qualquer das entidades 
internacionais visando obter efetiva proteção. Nessa perspectiva, o dirigente 
estatal que permitir que sejam perpetrados crimes contra os direitos humanos 
pode responder perante à referida Corte. 
 
 
8 
A mitigação da soberania estatal no que tange aos direitos humanos teve 
a expressão maior com a Corte de Nuremberg, quando o tribunal foi instalado em 
decorrência das mazelas e barbáries praticadas pelo nazismo. Foi naquela 
ocasião que se vislumbrou a necessidade de se flexibilizar a soberania das 
nações. Também restou demonstrada que a garantia aos indivíduos dos seus 
direitos seria uma verdade a ser concretizada. 
De todo modo, deve-se acentuar que os tribunais internacionais têm um 
caráter subsidiário e complementar; em outras palavras, são instados apenas no 
caso de a jurisdição do país ter se silenciadoou suas instâncias não terem sido 
capazes de julgar o caso. Sob outro aspecto, pode-se considerar que a existência 
de cortes internacionais não mitiga o poder estatal. Isso porque ele concedeu, por 
meio do princípio da autodeterminação dos povos, participar de um sistema de 
proteção internacional, no qual se pune qualquer ato que atente contra a 
humanidade. 
TEMA 5 – A GLOBALIZAÇÃO 
Santos (1997, p. 106) identifica três tensões dialéticas que informam a 
modernidade ocidental. A primeira se dá entre a regulação social e a emancipação 
social, que se mostra presente na divisão positivista de ordem e progresso, pois 
“a crise da regulação social – simbolizada pela crise do Estado regulador e do 
Estado-Providência – e a crise da emancipação social – simbolizada pela crise da 
revolução social e do socialismo enquanto paradigma da transformação social 
radical – são simultâneas e alimentam-se uma da outra”. Para o autor, os direitos 
humanos se encontram nessa crise (Santos, 1997). 
A segunda tensão ocorre entre o Estado e a sociedade. A sociedade se 
autorreproduz por leis e regulações que provêm do Estado. Os direitos humanos 
se situam nessa tensão, e a primeira dimensão dos direitos humanos exigia uma 
não atuação estatal, ao passo que a segunda e a terceira pressupõem atividades 
por parte do Estado. 
Por fim, a terceira tensão acontece entre o Estado e a globalização. O 
modelo moderno ocidental político é dos Estados-nação, cada qual coexistindo no 
mundo internacional, mas com a própria soberania “O sistema interestatal foi 
sempre concebido como uma sociedade mais ou menos anárquica, regida por 
uma legalidade muito tênue, e mesmo o internacionalismo da classe operária 
sempre foi mais uma aspiração do que uma realidade”. 
 
 
9 
Com a globalização, Santos (1997) questiona se a questão da regulação 
social e da emancipação social também se deslocará para um nível global. O 
reconhecimento dos direitos humanos como uma política mundial surge nesse 
ambiente. Mas as violações dos direitos humanos e as lutas em sua defesa 
possuem uma perspectiva nacional, assim como em determinadas perspectivas 
os direitos humanos possuem aspectos culturais de um local específico. Daí o 
questionamento de Santos a respeito da maneira pela qual os direitos humanos 
podem se firmar em um nível transnacional. 
Segundo Viana (2012), a globalização é trabalhada por várias maneiras por 
distintos autores. Ressalte-se que a globalização é um aspecto comum da 
sociedade contemporânea, e como leciona Sato (2010, citado por Viana, 2012, p. 
40), “a globalização é um fenômeno cujas raízes se assentam no próprio conceito 
de modernidade”. 
Quando se fala do tema, as razões trazidas não se restringem a um ponto 
central, mas, pelo contrário, são debatidas diversas questões. A despeito da 
diversidade na qual os debates em torno da globalização são elucidados, deve-se 
pontuar, em conformidade com Lima (2002, p. 12), que, inicialmente, a 
globalização pode ser identificada dentro de cinco espaços ideológicos: 
econômico, político, social, ambiental e cultural. 
No entanto, há peculiaridades que são inerentes ao estudo da globalização 
como um todo, e a desigualdade social aparece como maior atributo desse 
sistema. Olson, em sua obra sobre relações internacionais, comenta acerca da 
conexão entre os agentes internacionais e a globalização. “A presente pesquisa 
de relações internacionais e globalização em linhas gerais, está centrada na 
premissa de que essas relações estão sendo atingidas pelos efeitos da 
globalização e em decorrência, os atores internacionais e seus cenários, na 
sociedade internacional estão sendo alterados e redefinidos. (OLSON, 2003, p. 
15)”. 
Eric Hobsbawm também indica a globalização como um aspecto de suma 
importância no entendimento das guerras contemporâneas. Para tanto, salienta o 
crescimento da desigualdade social em decorrência do desenvolvimento da 
globalização e que tal crescimento está no cerne dos conflitos contemporâneos 
(Viana, 2012). 
“A globalização acompanhada de mercados livres, atualmente tão em voga, 
trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e 
 
 
10 
sociais no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa 
polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma 
diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade, especialmente 
em condições de extrema instabilidade econômica como as que se criaram com 
os mercados livres globais na década de 1990, está na base das importantes 
tensões sociais e políticas do novo século (HOBSBAWM, 2007, p. 11)”. 
Assim, seguindo essa linha de raciocínio, podemos concluir que o sistema 
globalizado contemporâneo é inerente do modelo capitalista de governo que 
anseia e necessita do mercado de produção, da massa e da transnacionalidade, 
e esta se utiliza da globalização de maneira primordial para a configuração de seu 
modelo. De acordo com Frois, 2004, citado por Viana (2012, p. 43): 
A globalização representa, ao mesmo tempo, interpenetração e 
interconexão marcadas pela supremacia do capital e do mercado, entre 
regiões, estados nacionais e comunidades e potencialização da 
demanda por singularidade e por espaço para a diferença. Se nas 
instâncias econômicas a globalização significa o retraimento da 
soberania dos estados sobre essas, nas instancias culturais o processo 
encontra necessária resistência à perda das identidades e à anulação 
das culturas. 
 
 
 
11 
REFERÊNCIAS 
BODIN, J. República I. In: BITTAR, E. C. B. Doutrinas e filosofias políticas. São 
Paulo: Atlas, 2002. p. 123. 
BONAVIDES, P. Teoria do Estado. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. 
HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX (1914-1991). São 
Paulo: Companhia das Letras, 1996. 
SANTOS, B. de S. Uma concepção cultural de direitos humanos. Lua Nova, São 
Paulo, n. 39, p. 105-124, 1997. Disponível em: 
<http://www.scielo.br/pdf/ln/n39/a07n39.pdf>. Acesso em: 16 nov. 2019. 
VIANA, A. C. A. Conflito entre as nações. Um estudo acerca da Teoria de 
Huntington e outras perspectivas. 61 f. Monografia (Pós-Graduação em Sociologia 
Política), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em: 
<https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/45432/R%20-%20E%20-
%20ANA%20CRISTINA%20AGUILAR%20VIANA.pdf?sequence=1&isAllowed=y
>. Acesso em: 16 nov. 2019. 
 
 
AULA 2 
GOVERNANÇA GLOBAL E 
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS 
INTERNACIONAIS 
Profª Ana Viana 
 
 
2 
TEMA 1 – DO GOVERNO À GOVERNANÇA 
A governança é um vocábulo polissêmico, que pode ter diversos 
significados. Portanto, para se poder compreender a extensão e definição da 
governança global, é preciso, primeiramente, ter conhecimento sobre a definição 
de governança e suas múltiplas formas de expressões. Desse modo, a aula de 
hoje é dedicada a explorar em detalhes todas as acepções da palavra. 
A origem da palavra governança vem do vocábulo grego que significa 
direção. Assim, o sentido fundamental é de direção da economia e da sociedade 
para encontrar fins coletivos. Segundo Baynard Guy Peters, 
O processo de governança envolve descobrir meios de identificar metas 
e depois identificar os meios para alcançar essas metas. Embora seja 
fácil identificar a lógica da governança e os mecanismos para atingir 
essas metas sejam muito bem conhecidos pela ciência política e 
administração pública, a governança ainda não é uma tarefa simples. 
(Peters, 2013) 
O Banco Mundial, em seu Relatório de Desenvolvimento Mundial 2017 
descreve governança como sendo um “processo por meio do qual atores estatais 
e não estatais interagem para formular e implementar políticas dentro de um 
conjunto predefinido de regras formais e informais que moldam e são moldadas 
pelo poder” (Brasil, 2018). 
A OCDE, na mesma linha, afirma que a boa governança é um meio para 
atingir um fim, qualseja, identificar as necessidades dos cidadãos e ampliar os 
resultados esperados (Brasil, 2018). 
De todo modo, tendo em vista que a palavra implica em diversas acepções, 
é importante examinar de modo detalhado quais são as perspectivas e correntes 
teóricas sobre a governança. Isso sobretudo para evitar um mau uso do termo, ou 
uma cooptação da palavra para fins contrários ao que ela prega. Isto é, é preciso 
conhecer o que se entende por governança, para, a partir daí poder observar os 
entendimentos práticos sobre o tema. 
Para esse trabalho, utiliza-se como base a obra de Orlando Vilas Boas Filho 
que discorre pontualmente sobre cada um dos significados. O autor esclarece que 
muitos autores tratam do tema, e buscam delimitar seu contorno conceitual, com 
suas diferentes formas de manifestação e relações com a globalização, tudo isso 
em conjunto com as mutações e modificações existentes na sociedade, além da 
figura do Estado e de modelo democrático (Bôas Filho, 2016). Ou seja, a 
governança perpassa todos esses elementos, sendo um estudo, portanto, 
 
 
3 
complexo, e de caráter paradigmático, porquanto implica na observância de um 
governo sem governado, quer dizer, governar sem governo, cuja realidade parece 
cada vez mais se concretizar, notadamente em épocas de revoluções industriais 
em que se visualiza uma conversão de um modo analógico para digital. 
Segundo Orlando Vilas Bôas Filho, Philippe Moreau Defarges indica que o 
vocábulo surgido na França ainda no século XII, em um modo técnico de designar 
a direção dos bailados. Historiadores ingleses também teriam se referido ao termo 
como um modelo de organização do poderio feudal. O seu ressurgimento se deu 
no século XX, enquanto definição de noção fundamental das empresas e 
organizações. Atualmente, a governança traria e substanciaria novo modelo de 
gestão social decorrente das revoluções da informação. 
Já Philippe Moreau Defarges entende a governança como um modelo onde 
não existe hierarquia. Dentre as consequências, encontram-se a 
erosão do modelo top down de decisão e, especialmente, seu potencial 
como instrumento de participação no exercício da autoridade política, 
econômica e/ou administrativa para a gestão dos negócios comuns nos 
níveis global, regional, nacional, local/territorial e empresarial, 
abrangendo, ademais, todos os setores (público e privado), sobretudo a 
sociedade civil. (Bôas Filho, 2016, p. 676) 
Assim, na sociedade global contemporânea, a primeira noção do sentido 
governança leva a sua distinção aos termos governo, governamentabilidade e 
governabilidade. Citando Arnauld, a primeira definição de governança, portanto 
seria como “um estilo de gestão e de administração de questões públicas e 
privadas não emanado da ordem governamental ou de decisões fundadas em um 
ente soberano, na medida em que estaria fundado em uma autoridade partilhada” 
(Bôas Filho, 2016, p. 675). 
No que tange a distinção entre governo e governança, empresta-se das 
considerações de James Rosneau 
a ideia de governo sugeriria uma autoridade oficial, dotada de poder de 
polícia que garantiria a implementação das políticas devidamente 
instituídas, enquanto a de governança diria respeito a atividades 
apoiadas em objetivos, que podem ou não derivar de responsabilidades 
legais e formalmente prescritas sem que seja indispensável a 
intervenção do poder de polícia. (Bôas Filho, 2016, p. 676) 
Assim, a governança consistiria em um fenômeno mais amplo do que o 
governo, de modo a abranger não apenas instituições governamentais, mas 
também mecanismos informais, de caráter não governamental, por meio dos 
quais indivíduos e organizações, no âmbito de uma determinada área de atuação, 
 
 
4 
perseguiriam seus interesses próprios. Portanto, a governança expressaria um 
sistema de ordenação fundado tanto em relações interpessoais como em regras 
e em sanções explicitas, motivo pelo qual, enquanto sistema de ordenação, 
implicaria a aceitação da maioria (ou pelo menos dos atores mais poderosos) para 
poder funcionar ao passo que os governos poderiam, em tese, funcionar mesmo 
diante de uma forte oposição (Bôas Filho, 2016). 
O quadro que diferencia um do outro estabelece que: 
Quadro 1 – Diferenças entre governo e governança 
 Governo Governança 
Domínio Assuntos públicos Assuntos coletivos 
Ambiente Escassez Abundância 
Horizonte Guerra Paz 
Espírito Vertical/hierárquico Horizontal/democrático 
Modos decisórios Ordem/instrução Negociação/processos 
Finalidade Manutenção/unidade Criatividade/diversidade 
Controle/supervisão Estado Autoridades 
independentes/ Estado, 
como recurso último. 
Como conclui Bôas Filho: 
A partir desse contraste, fica evidente que o conceito de governo remete 
a uma organização institucional que procede de maneira verticalizada, 
ou seja, a partir de uma forma de ordenação hierarquizada (top down), 
enquanto que o de governança reporta-se a um sistema horizontal, não 
necessariamente atrelado à autoridade estatal, e ordenado a partir de 
uma lógica distinta (bottom up). (Bôas Filho, 2016, p. 678) 
Expõe ainda o autor que, no caso da governança, se observaria 
um progressivo deslocamento do poder do plano do governo soberano 
para o da governança eficaz. Alain Supiot descreve esse processo em 
termos de uma progressiva substituição do “governo pelas leis” pela 
“governança pelos números.” Segundo o autor, o “governo pelas leis” 
referir-se-ia ao reino das regras gerais e abstratas que garantem a 
identidade, as liberdades e os deveres de cada um. Enquanto tal, ele 
repousaria sobre a faculdade de julgamento, ou seja, sobre operações 
de “qualificação jurídica”, consistentes em distinguir situações diversas 
e submetê-las a regras diferentes, e de “interpretação” de textos cujo 
sentido não pode nunca ser peremptoriamente fixado. Por seu turno, a 
“governança pelos números” remeteria à autorregulação das 
sociedades, repousando sobre o cálculo, ou seja, sobre operações de 
“quantificação” (consistentes em conduzir seres e situações diferentes a 
um denominador comum) e de “programação de comportamentos”. 
(Bôas Filho, 2016, p. 680) 
 
 
5 
TEMA 2 – GOVERNANÇA EMPRESARIAL 
Explica Bôas Filho que, segundo Andre-Jean Arnaud, há uma expansão da 
governança empresarial como forma de gestão da complexidade. Trata-se de um 
“um conjunto de procedimentos e de estruturas cuja finalidade seria gerir 
eficazmente os negócios empresariais de modo a assegurar transparência e 
equilíbrio de poderes entre administradores, proprietários e seus representantes” 
(Bôas Filho, 2016, p. 683). 
De modo a conciliar a dinâmica empresarial, surgiu a corporate 
governance, como uma ferramenta de gestão que deve possibilitar o equilíbrio dos 
poderes, bem como garantir transparência. A governança empresarial, assim, 
relaciona-se com conjunto de dispositivos de regulação econômica e financeira. 
Segundo Bôas Filho, 
aludindo à progressiva inserção da governança empresarial no contexto 
da globalização, André- Jean Arnaud sublinha sua relação com a soft 
law (normatividade flexível que expressa o progressivo descentramento 
da regulação jurídica de sua forma estatal de expressão). Por esse 
motivo, Philippe Moreau Defarges associa a governança empresarial às 
transformações experimentadas pelo capitalismo na 
contemporaneidade. É, aliás, nesse contexto que, conforme já 
ressaltado, Alain Supiot observa que “o governo pelas leis cede espaço 
à governança pelos números. (Bôas Filho, 2016, p. 684) 
Notícia publicada em jornal também trabalha com a ideia de governança e 
qual sua proposta: 
Atualmente, os conflitos que acontecem em uma organização são 
diversos, desde aprovação de projetos com foco em bônus, exposição 
desnecessária a risco até omissão de informações estratégicas. Devido 
a tantos casos de má gestão e práticas fraudulentas, a governança 
cresce no mercado. Em 2002, foiaprovada nos EUA a primeira lei 
envolvendo governança corporativa, conhecida como SOX, que protege 
investidores e lista regras e requerimentos para empresas de capital 
aberto. No Brasil, houve um avanço na regulamentação de empresas 
públicas e as iniciativas do IBGC já trazem regras e normas para certos 
tipos de empresa. Tais normas são focadas em quatro pilares que são 
transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa. 
Dessa forma, hoje, a maioria as empresas consideram práticas de 
governança e estas passaram para o topo de prioridades porque, sim, 
trazem muitos benefícios na gestão e perenização do negócio e deixam 
claras as normas de gestão. Independente da indústria, legislações, 
tamanho da empresa, estrutura de capital e modelo de gestão, uma 
empresa precisa de transparência, comunicação clara, foco nos 
objetivos corporativos, respeito a todos os stakeholders e 
direcionamento estratégico. (Gonçalves, 2018) 
 
 
 
6 
TEMA 3 – GOVERNANÇA GLOBAL 
A chegada de uma governança global, segundo Andre-Jean Arnaud, 
decorre da mudança da corporate governance para a global. Nesse viés, são 
importantes para o desenvolvimento de uma governança global os teóricos 
Joseph Stiglitz, Oliver Williamson e John Williamson. 
Dispõe o autor que: 
a governança global teria sido concebida, em seu conjunto, como a 
gestão dos negócios mundiais no nível das organizações e das agências 
internacionais. Nesse sentido, o funcionamento de tais instituições 
(egressas de Bretton Woods) consistiria essencialmente no 
enquadramento da atividade soberana dos Estados pelos regimes 
multilaterais de governança, a partir dos princípios componentes do que 
se convencionou designar “Consenso de Washington”: disciplina fiscal; 
abertura comercial; estímulo a investimentos estrangeiros; privatização 
de empresas públicas; desregulação e respeito ao direito de 
propriedade. (Bôas Filho, 2016, p. 685) 
Nessa perspectiva, importante pontuar que do Consenso de Washington 
adotou-se uma agenda para América Latina que inseriu reformas institucionais, 
para que essas diminuíssem suas amarras burocráticas, reduzindo gastos com 
funcionalismo, diminuindo a garantia dos direitos de segunda geração e 
liberalizando inúmeros setores para o mercado (Nohara, 2012). 
Bôas FIlho explica: 
Tais princípios, oficialmente assumidos pelo Banco Mundial e pelo 
Fundo Monetário Internacional, foram convertidos em imperativos 
administrativos que deveriam nortear as políticas dos países 
(especialmente os endividados) em nome do que se convencionou 
designar de good governance, noção, aliás, que se tornou fundamental 
no âmbito da governança global, na medida em que assumiu o papel de 
um paradigma de referência para a avaliação das economias dos países 
por parte das autoridades financeiras internacionais. A noção de good 
governance, com sua inequívoca carga prescritiva, encontra, como 
contraponto, a de poor governance, mobilizada para a avaliação dos 
Estados em matéria de corrupção e de criminalidade global (Bôas Filho, 
2016, p. 685) 
Prossegue o autor aludindo que: 
a governança global assumiria também a dimensão estratégica de 
promoção da segurança mundial a partir do impulso à cooperação, ao 
entendimento e à moderação mútua entre os Estados nacionais, o que, 
segundo o autor, estaria expresso nos capítulos VI e VII da Carta da 
ONU, que tratam da resolução pacífica dos conflitos e divergências e 
das ações relativas às ameaças à paz, ruptura da paz e atos de 
agressão. (Bôas Filho, 2016, p. 685) 
Seguindo ainda nas indicações de Andre-Jean Arnaud, Bôas Filho discorre 
que a governança substanciaria, finalmente, 
 
 
7 
a substituição progressiva de um sistema top down de tomada de 
decisão por um sistema bottom up, caracterizado pela ausência de uma 
produção normativa ordenada e sem atos de governo impostos a partir 
de instâncias centrais e de modo verticalizado. Estar- se-ia, assim, diante 
de uma passagem da “pirâmide” à “rede”, em meio à qual agências 
multilaterais, ONGs e a sociedade civil se tornam cada vez mais atuantes 
e decisivas no estabelecimentos de pautas de interesse comum a serem 
implementadas em nível global, entre as quais, o autor destaca, para fins 
de sua análise, a questão ecológica. Contudo, a governança global – 
diferentemente do que ocorre com os governos, cujas decisões se 
fundam em normas impositivas do direito positivo – enfrentaria, no que 
concerne aos instrumentos de que dispõem os atores que com ela 
operam, problemas decorrentes do fato de que a regulação produzida 
pelas organizações internacionais e globais teria apenas um caráter de 
soft law. (Bôas Filho, 2016, p. 685) 
TEMA 4 – GOVERNANÇA DOS BLOCOS REGIONAIS E NACIONAL 
A Governança Territorial trabalha com a ideia que se necessita reconfigurar 
os poderes entre governantes, sociedade civil e mercado, o que engendra o 
confronto de diversas “racionalidades políticas” (Bôas Filho, 2016). 
Assim, importante considerar que a governança ocorre tanto no âmbito dos 
territórios, como também no âmbito regional. Explica Bôas Filho: 
A governança também se faz presente no âmbito dos blocos regionais. 
É o que André-Jean Arnaud procura explicitar ao aludir à experiência da 
gouvernance européenne. Observar-se-ia, assim, a progressiva 
substituição, no debate jurídico, dos conceitos clássicos de “governo”, 
“lei” e “regulamentação” pelos de “governança”, “políticas públicas”, 
“ação direta”, “resolução de conflitos”. a ideia de governança implica a 
redefinição das funções estatais. Para ele, tal como ocorre nos níveis 
empresarial, global e regional, também no nacional a governança se 
expressaria (e deveria ser estudada) como uma dinâmica complexa de 
relações e inter-relações transformadoras que se tecem entre os 
diversos âmbitos que constituem o Estado nacional. Nesse sentido, sua 
implementação supõe que se ponha em questão a concepção de Estado 
legada pela tradição ocidental. (Bôas Filho, 2016, p. 690) 
Já a governança nacional é a que possui mais relação com questões 
culturais. Explica Bôas Filho: 
a representação da governança como uma ameaça à soberania estatal 
se expressa, sobretudo, em países nos quais se verifica uma visão 
cultural centralista do Estado moderno. Contudo, procura sublinhar o fato 
de que o Estado não poderia mais ser visto como a única instância 
detentora do poder, de modo que, com a governança, afigurar-se-ia 
possível gerir as questões públicas para além do direito estatal, o que, 
em outras palavras, expressaria a progressiva passagem de uma ação 
política outrora fundada no governo para outra amparada na 
governança. Decorreria daí, inclusive, o declínio da concepção top down 
que atribui apenas aos governantes a criação do “dever-ser”. (Bôas 
Filho, 2016, p. 690) 
São três as maneiras pelas quais a governança é observada em um plano 
nacional: a) o desenvolvimento de agências reguladoras; b) a ingerência de uma 
 
 
8 
normatividade advinda de standards e indicadores; c) o incremento de formas de 
intervenção participativa dos cidadãos” (Bôas Filho, 2016). 
TEMA 5 – GOVERNANCA PÚBLICA 
O guia da Controladoria Geral da União estabelece de maneira didática o 
que vem a ser definido como governança pública, sendo aquela relacionada 
diretamente ao poder estatal, o que enseja inclusive um certo paradoxo, uma vez 
que a governança tradicionalmente alude a uma perspectiva horizontal, sendo, 
portanto, contrário ao ideal vertical e soberano da figura estatal. 
Mas, a CGU já explica que: 
Na administração pública, poucos termos são utilizados com tanta 
frequência e em contextos tão diferentes. Nos últimos anos, converteu-
se em verdadeiro mantra para designar uma espécie de solução 
definitiva dos problemas na gestão pública e para o sucesso das políticas 
governamentais. (Brasil, 2018) 
O Decreton. 9.203, de 22 de novembro de 2017, dispõe sobre a 
governança como um “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle 
postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à 
condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da 
sociedade” (Brasil, 2018). 
A cartilha do CGU ainda explica que a governança pública, para fins 
estatais, “fixa alguns dos mecanismos considerados importantes para o sucesso 
de uma política de governança e reforça a importância da construção e da 
coordenação de políticas focadas no cidadão” (Brasil, 2018). 
Na cartilha da CGU ainda é esclarecido que o conceito de governança tem 
como finalidade ser “ponto de partida para a formação de um consenso mínimo 
acerca do que é governança – com a indicação de um conjunto inicial de 
referências de boas práticas e a delimitação de um objetivo” (Brasil, 2018). 
A cartilha ainda trabalha com os objetivos a agendas de uma política de 
governança pública: 
Esse consenso leva em consideração a multiplicidade conceitual e, 
principalmente, os objetivos da política de governança [...] Portanto, 
ainda que se possa considerar a governança como uma abordagem ou 
agenda de pesquisa interdisciplinar voltada a analisar o funcionamento 
de diversas dimensões do Estado [...], este guia parte da perspectiva 
estatal sobre o tema.1 Nesse sentido, o foco da política e do guia estão 
no papel do Poder Executivo federal na criação de um ambiente 
institucional mais favorável à implementação dos interesses da 
sociedade. 
 
 
9 
Esse conceito mais objetivo, que efetivamente orientará a 
implementação da política de governança, permite fixar duas premissas 
importantes: i) a política é voltada para as instituições públicas federais 
e suas ações; e ii) cada órgão e cada entidade já possui um modelo 
próprio de governança pública. 
Dessa maneira, a identificação das necessidades prioritárias da 
sociedade, o estabelecimento de objetivos institucionais e a elaboração 
de estratégias para atingir essas metas adentram no campo 
epistemológico da governança pública. 
A definição desses interesses é tormentosa, sendo fruto de um complexo 
processo político. Cada instituição pública, em menor ou maior grau, 
contribui para a identificação e delimitação desses interesses – que, 
mais tarde, deverão nortear a sua atuação. Ter o cidadão como parceiro 
nesse processo é uma premissa fundamental. (Brasil, 2018) 
 
 
 
10 
REFERÊNCIAS 
BRASIL. Guia a política de governança pública. CGU, 2018. Disponível em: 
<https://www.cgu.gov.br/noticias/2018/12/governo-federal-lanca-guia-sobre-a-
politica-de-governanca-publica/guia-politica-governanca-publica.pdf>. Acesso 
em: 3 dez. 2019. 
BÔAS FILHO, O. V. A governança e suas múltiplas formas de expressão: o 
delineamento conceitual de um fenômeno complexo. Rev. Est. Inst. v. 2, a. 2, 
2016. Disponível em: 
<https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja
&uact=8&ved=2ahUKEwi9ldmo67fjAhWLIbkGHUquA74QFjAAegQIARAC&url=ht
tps%3A%2F%2Fwww.estudosinstitucionais.com%2FREI%2Farticle%2Fdownloa
d%2F64%2F120&usg=AOvVaw3ahfai6UNETq26aFyf0s5a>. Acesso em: 3 dez. 
2019. 
GONÇALVES, C. M. Afinal, o que é Governança Corporativa? O Estado de S. 
Paulo. 2018. Disponível em: < https://outline.com/yfD2VJ>. Acesso em: 3 dez. 
2019. 
NOHARA, I. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2012. 
PETERS, B. G. O que é governança. Revista do TCU. n. 127, 2013. Disponível 
em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/87>. Acesso em: 3 
dez. 2019. 
AULA 3 
GOVERNANÇA GLOBAL E 
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS 
INTERNACIONAIS 
Profª Ana Cristina Aguilar Viana 
2 
TEMA 1 – TENSÕES DA MODERNIDADE – ASPECTOS MULTICULTURAIS DOS 
DIREITOS HUMANOS 
Falar sobre governança em um mundo globalizado implica falar sobre 
globalização, direitos humanos e suas tensões. Boaventura de Souza Santos 
(1997) explica que os direitos humanos constituíram questões fundamentais no 
âmbito da Guerra Fria, sendo considerado por parte dos pensadores de esquerda 
como elemento da política desse momento, o que o tornava suspeito para uma 
política emancipatória. Todavia, segundo o autor, com a crise dos projetos 
emancipatórios, esses intelectuais voltaram-se aos direitos humanos como saída 
(Santos, 1997) a fim de identificar quais são as condições para que os direitos 
humanos sejam utilizados dentro de uma política progressista e emancipatória. 
Boaventura Santos identifica três tensões dialéticas que informam a 
modernidade ocidental. A primeira se dá entre a regulação social e a emancipação 
social, que se mostra presente na divisão positivista de ordem e progresso, pois 
a crise da regulação social – simbolizada pela crise do Estado regulador 
e do Estado-Providência – e a crise da emancipação social – simbolizada 
pela crise da revolução social e do socialismo enquanto paradigma da 
transformação social radical – são simultâneas e alimentam-se uma da 
outra. (Santos, 1997) 
Para Boaventura Santos (1997), os direitos humanos se encontram nessa 
crise. 
A segunda tensão se dá entre o Estado e a sociedade. A sociedade se 
autorreproduz por leis e regulações que provêm do Estado. Os direitos humanos 
se encontram nessa tensão, sendo que a primeira dimensão dos direitos humanos 
exigia uma não atuação estatal, ao passo que a segunda e terceira dimensões 
pressupõem atividades por parte do Estado. A terceira tensão se dá entre o 
Estado e a globalização. O modelo moderno ocidental político é dos Estados-
nação, cada qual coexistindo no mundo internacional, mas com sua própria 
soberania: “O sistema interestatal foi sempre concebido como uma sociedade 
mais ou menos anárquica, regida por uma legalidade muito tênue, e mesmo o 
internacionalismo da classe operária sempre foi mais uma aspiração do que uma 
realidade” (Santos, 1997). Com a globalização, Santos (1997) questiona se a 
questão da regulação social e da emancipação social também se deslocará para 
um nível global. O reconhecimento dos direitos humanos enquanto uma política 
mundial surge nesse ambiente. 
 
 
3 
 Mas as violações dos direitos humanos e as lutas em sua defesa possuem 
uma perspectiva nacional, assim como em determinadas perspectivas os direitos 
humanos possuem aspectos culturais de um local específico. Daí o 
questionamento de Boaventura Santos (1997) sobre a maneira pela qual os 
direitos humanos podem se firmar em um nível transnacional. 
TEMA 2 – A GOVERNANÇA EM UMA SOCIEDADE GLOBALIZADA 
 É possível notar a relação intrínseca entre governança e globalização, 
porquanto a governança se trata de um fenômeno observado na 
contemporaneidade, tal como a globalização. Como ensina Eiti Sato (2010, p. 
142), “a globalização é um fenômeno cujas raízes se assentam no próprio conceito 
de modernidade”. 
 Segundo explica Viana (2016), no que tange ao tema da globalização, não 
há como estabelecer um ponto central de debate. Ao revés, debate-se uma ampla 
gama de questões. A despeito disso, é possível elencar cinco espaços ideológicos 
de debate sobre o tema, isto é, econômico, político, social, ambiental e cultural. 
Não obstante tais dimensões acima apontadas, existem singularidades que 
abrangem o estudo da globalização como um todo. Com efeito, a desigualdade 
social exsurge como relevante atributo. 
De todo modo, há certo consenso na literatura de que não se pode 
examinar o fenômeno em sua totalidade, pois a sociedade se encontra nele 
submersa. Por outro lado, é possível constatar e identificar alguns efeitos 
causados pela globalização, notadamente na sociedade internacional, foco da 
aula. 
Olsson (2003, p. 2), em obra sobre relações internacionais, dispõe sobre a 
conexão entre agentes internacionais e a globalização: 
A presente pesquisa de relações internacionais e globalização em linhas 
gerais, estácentrada na premissa de que essas relações estão sendo 
atingidas pelos efeitos da globalização e em decorrência, os atores 
internacionais e seus cenários, na sociedade internacional estão sendo 
alterados e redefinidos. 
Eric Hobsbawm (2007), célebre autor sobre o tema, descreve a 
globalização como um aspecto de grande relevância para a compreensão das 
guerras e conflitos que ocorrem na contemporaneidade. Salienta e menciona o 
crescimento da desigualdade social como uma consequência da globalização. 
 
 
4 
Para ele, é tal desigualdade que tem relação intrínseca nos conflitos 
contemporâneos: 
A globalização acompanhada de mercados livres, atualmente tão em 
voga, trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades 
econômicas e sociais no interior das nações e entre elas. Não há indícios 
de que essa polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, 
apesar de uma diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de 
desigualdade, especialmente em condições de extrema instabilidade 
econômica como as que se criaram com os mercados livres globais na 
década de 1990 está na base das importantes tensões sociais e políticas 
do novo século. (Hobsbawm, 2007, p. 11) 
Assim, diante de tais posicionamentos, pode-se deduzir que o sistema 
globalizado contemporâneo é parte necessária do regime capitalista de governo. 
Modelo que necessita do mercado de produção, da massa e da 
transnacionalidade. Esse modelo se utiliza da globalização para sua configuração 
nos tempos atuais. É como ressalta Fróis (2004, p. 6): 
A globalização representa, ao mesmo tempo, interpenetração e 
interconexão marcadas pela supremacia do capital e do mercado, entre 
regiões, estados nacionais e comunidades e potencialização da 
demanda por singularidade e por espaço para a diferença. Se nas 
instâncias econômicas a globalização significa o retraimento da 
soberania dos estados sobre essas, nas instancias culturais o processo 
encontra necessária resistência à perda das identidades e à anulação 
das culturas. 
Nesse mesmo sentido, Boaventura Santos (1997) define globalização 
como o “processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a 
sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar 
como local outra condição social ou entidade rival”. Boaventura cita como exemplo 
o fato de a globalização estar condicionada à localização a língua inglesa, que se 
tornou a língua global (Santos, 1997). 
Santos (1997) ainda ressalva que uma relevante transformação da 
globalização é a compreensão do espaço/tempo, que ocorre não apenas pela 
classe capitalista transnacional, mas também pelos grupos de refugiados e 
migrantes, os quais nas últimas décadas têm realizado movimentações 
fronteiriças. Por isso, o autor (1997) fala de quatro formas de produção da 
globalização. O primeiro é localismo globalizado, que é quando algo local se 
globaliza com sucesso; o segundo é globalismo localizado, que trata do impacto 
dos transnacionais nas condições locais. Cosmopolitismo, defesa de interesses 
em comuns, para interação para bem comum, patrimônio comum da humanidade 
são todos temas relativos ao globo como um todo. 
 
 
5 
Assim, é possível 
distinguir entre globalização de cima para baixo e globalização de baixo 
para cima, ou entre globalização hegemônica e globalização contra-
hegemónica. O que eu denomino de localismo globalizado e globalismo 
localizado são globalizações de cima para baixo; cosmopolitismo e 
patrimônio comum da humanidade são globalizações de baixo para 
cima. (Santos, 1997) 
TEMA 3 – TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – PERSPECTIVA 
REALISTA 
 Para que se torne possível a compreensão do sistema de formulações de 
políticas internacionais em um mundo globalizado e de governança, 
primeiramente é necessário compreender, ainda que sucintamente, a maneira 
pela qual se dá o sistema internacional. Assim, trabalha-se com algumas teorias 
sobre relações internacionais. 
 Norberto Bobbio (2007) há muito já disse que o Estado pode ser visualizado 
sob uma perspectiva formal, material, social e política. O modelo estatal, de 
nações soberanas, adveio de um pensamento moderno e proveio do fim da Era 
feudal, e tem como característica no âmbito internacional ser considerado como 
anárquico, isto é, as nações são vistas como entidades soberanas. 
 Essa visão do Estado como uma entidade soberana em um mundo 
anárquico é uma visão ordinária daqueles que perfilam de uma perspectiva teórica 
chamada de realista. É esta a corrente teórica adotada pela grande maioria dos 
agentes políticos e Estados nacionais. Essas concepções sobre o Estado 
decorrem de um tratado chamado de Paz de Westfalia, promovido em 1648 e que 
teve como fundamento reconhecer o Estado como poder supremo tanto interna 
quanto externamente. Foi aí que se deu fim a supremacia do clero. 
 Nesses termos, os ensinamentos de Bedin (2000, p. 106) nos orientam 
para o seguinte: 
A paz de Westfália é o marco inicial da sociedade internacional moderna, 
uma vez que suas regras reconhecem, de maneira inovadora e definitiva, 
que o poder de arbitramento do Papa tinha desaparecido e que os 
estados soberanos passavam, a partir de então, a ser o núcleo 
fundamental de articulação política da emergente sociedade 
internacional moderna. 
 Clássicos teóricos sobre o Estado, como Maquiavel e Thomas Hobbes, 
tiveram grande influência no desenvolvimento da teoria realista. Os pensadores 
Hans Morgenthau e Edward Carr, por sua vez, são considerados como os 
 
 
6 
emergentes e expoentes dessa teoria. Em regra, os realistas detêm uma visão 
pessimista acerca dos seres humanos e creem que o mundo internacional é 
marcado por um ambiente anárquico entre os agentes estatais. 
 Desse modo, Hans Morgenthau ditou a busca pelo poder como o ponto 
nevrálgico das relações políticas. Nesse sentido, cumpre colacionar trecho do 
pensamento de Morgenthau (2003, p. 49): 
A política internacional, como toda política, consiste em uma luta pelo 
poder. Sejam quais forem os fins da política internacional, o poder 
constitui sempre o objetivo imediato. Os povos e os políticos podem 
buscar, como fim último, liberdade, segurança, prosperidade ou poder 
em si mesmo. Eles podem definir seus objetivos em termos de um Ideal 
religioso, filosófico, econômico ou social. Podem desejar que esse ideal 
se materialize, quer em virtude de sua força interna, quer graças à 
intervenção divina ou como resultado natural do desenvolvimento dos 
negócios humanos. Podem ainda tentar facilitar sua realização mediante 
o recurso a meios não políticos, tais como cooperação técnica com 
outras nações ou organismos internacionais. Contudo, sempre que 
buscam realizar o seu objetivo por meio da política internacional, eles 
estarão lutando pelo poder. 
 Por outro lado, Raymond Aron (1995) buscou identificar algumas 
peculiaridades dessas relações. Para tanto, utilizou-se do pensamento weberiano 
e defendeu, portanto, o Estado como detentor legítimo do uso da força. Logo, 
segundo o pensamento de Aron (1995), o que diferencia as correlações das 
comunidades politicamente organizadas das demais relações sociais reside no 
fato de que, no cenário de tais comunidades (Estados soberanos), a violência 
desponta como um instrumento legal de utilização. 
 Nessa perspectiva, vale pontuar de que maneira os teóricos clássicos 
defendiam e visualizavam o Estado. Thomas Hobbes, por exemplo, preconizava 
que os homens no seu estado de natureza se encontravamm em constante luta 
uns com os outros. Daí sua famosa frase que “o homem é o lobo do homem”, bem 
como toda sua referência teórica bem definida na obra Leviatã. 
 Assim, no aspecto externo, de acordo com a perspectiva realista, o Estado 
era tratado como uma unidade essencial do sistema internacional, em constante 
estado de guerra com os outros. Leva-se então a compreender a teoria realista 
como pessimista, sendo que a paz irá emanardo equilíbrio de poder entre os 
Estados. 
 
 
 
 
7 
TEMA 4 – TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – PERSPECTIVA 
IDEALISTA 
 Sob outro aspecto, uma versão mais otimista do cenário internacional pode 
ser encontrada na perspectiva idealista. Ela decorre de pensadores que se 
influenciaram nas ideias e teses de Immanuel Kant, com sua teoria da paz 
perpétua, e também na perspectiva de Locke de contrato social. Moral e política 
não apresentam uma distinção no sentido de serem afastadas. Isto é, não creem 
os pensadores que elas podem ser apartadas. Locke, ao contrário de Hobbes, 
não parte de uma natureza negativa do sujeito. Ao revés, ele defende a liberdade 
dos homens e acredita que deve ser concedido aos homens as liberdades 
necessárias para que sejam autodeterminados. 
 Seguindo essa linha, a vontade do sujeito, moral e racional, pode acarretar 
nas ações humanas uma construção de uma sociedade pacífica e libertária. Trata-
se de uma sociedade em que a realização individual e o crescimento material 
corresponde a uma realidade. Sendo assim, seria factível assegurar a paz por 
outros mecanismos, já que o Estado seria um instrumento a ser manejado pelos 
indivíduos. 
 Dentro da perspectiva liberal, compreende-se que a lei que assegura a 
ordem no aspecto interno dos Estados também tem o condão de ser aplicada no 
âmbito externo. Isso porque se acredita na interdependência internacional. Essa 
linha de raciocínio, que teve grande repercussão quando do fim da Primeira 
Guerra Mundial, exerceu grande influência na criação da Liga das Nações, que 
acabou posteriormente a fracassar, mas que foi o pontapé inicial para o 
surgimento da ONU. 
 Nesse aspecto, não se pode deixar de elucidar e fazer menção aos 
esforços trazidos pelo ex-presidente estadunidense Wodroow Wilson. Ele buscou 
inserir uma proposta idealista nas relações de âmbito internacional, pretendendo 
abolir o pensamento realista nas relações internacionais. Sua tese foi bem-
sucedida por um curto período. Todavia, a premissa não foi forte o suficiente para 
resistir às guerras que estavam por vir e acabou por sucumbir, o que permitiu a 
manutenção e o retorno da corrente realista. 
 Com efeito, a corrente realista mostrou-se mais eficiente e conveniente aos 
interesses dos agentes políticos, os quais se utilizavam das teses elaboradas 
pelos renomados teóricos da área, sendo que, inclusive, alguns deles foram 
contratados em governos. Ademais, deve-se convir que, no âmbito internacional, 
 
 
8 
cada nação busca defender o seu próprio crescimento, sendo natural, portanto, 
que exista um ambiente anárquico. A constatação de uma perspectiva idealista 
equivale ao seu próprio nome, é um ideal, e, portanto, utópica, mas difícil de ser 
visualizada na prática. 
TEMA 5 – TEORIAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS – DEMAIS 
PERSPECTIVAS 
 Grande parte da literatura das relações internacionais se dividiu por um 
bom período entre realistas e idealistas. No entanto, estudiosos também se 
propuseram em analisar a ordem internacional no Pós-Guerra Fria sob outras 
lentes, uma vez que houve uma desestabilização da formação, que até então era 
bipolar. Novos pensamentos e discussões passaram a trazer ao debate questões 
sobre governabilidade e suas contribuições para uma ordem política internacional. 
 Este último tema da presente aula irá abordar as novas correntes do 
ambiente internacional. Os famosos teóricos Jackson e Sorensen, na obra 
Introduction to internactional relations, apresentam as diversas teorias das 
relações internacionais. Na parte final da obra, dedicam uma seção às teorias 
denominadas pós-positivistas. Os teóricos dessa linha questionam a racionalidade 
preponderante nas correntes clássicas, em especial a realista. 
 O ponto de partida das teorias pós-positivias reside em problematizar as 
lacunas deixadas pelas teorias comuns das relações internacionais. Para tanto, 
promovem questionamentos que não se mostravam elucidados nas correntes 
tradicionais, a exemplo da ética no âmbito do poder. Ainda, a proposta desses 
teóricos resta em debater questões sobre a separação entre valores, 
conhecimento e poder. 
Postmodern IR theorists dispute the notions of reality, of truth, of the Idea 
that there is or can be an ever-expanding knowledge of the human world. 
They reject the notion of objetctive truth. Such beliefs are intellectual 
ilussions: they are subjective beliefs, like a religious faith. (Jackson; 
Sorensen, 1999, p. 235) 
 As singularidades identificadas nos pensamentos dos pós-positivistas são 
de grande relevância para a reflexão da sociedade internacional atual. Elas podem 
ser sintetizadas em: problematização do Estado como ente soberano, moldagem 
anárquica estatal e discussão de uma proposta ética. 
 A crítica desses autores quanto à agenda internacional se mostra mais 
adequada ao modelo contemporâneo de sociedade. Isso porque se defende a 
 
 
9 
discussão da ética no ambiente internacional e essa consideração se apresenta 
de extrema importância em todo debate acerca das relações interestatais. 
 De todo modo, existem diversas novas perspectivas teóricas dentro das 
relações internacionais. Algumas se voltam para o próprio regime inerente de 
estudo, ao passo que outros buscam novos vieses elucidativos. Os pesquisadores 
da escola inglesa, por exemplo, abandonaram uma visão hobbesiana de estado 
de natureza e promoveram debates sobre a sociedade internacional, o que 
possibilitou compreender novos modelos e normas, trazendo o debate sociológico 
para o mundo das relações internacionais. 
 Na corrente institucionalista, desponta o estudioso Robert Keohane. 
Herdeiro da corrente cooperativista da década de 80, o autor acredita que as 
instituições podem provocar a cooperação entre os agentes. Isso porque podem 
reduzir as incertezas, bem como abaixar o custo das transações, o que irá mudar, 
por consequência, a questão do custo-benefício para o ambiente internacional. 
Monica Herz (1997, p. 26) crê ser esta a proposta a ser seguida atualmente: “As 
instituições que puderem ser construídas a partir dessa concepção de cooperação 
serão o pilar da nova ordem internacional”. 
 Contudo, há um ponto de divergência entre a corrente institucionalista e a 
neorrealista, a qual reside na própria natureza do sistema internacional. Segundo 
os neorrealistas, como Kenneth Waltz, os sujeitos se movimentam num esquema 
de lógica do jogo em soma zero, ou seja, em busca de relativos ganhos. Assim, 
as possibilidades de cooperação se restringem àqueles que são visualizados 
como aliados. 
 Todavia, independente dessas discordâncias, as duas propostas têm em 
comum uma perspectiva utilitarista, em contraposição a um contrato internacional. 
 Os pensadores pós-positivistas questionam a racionalidade preponderante 
nas correntes clássicas, notadamente a realista. A discussão pós-positivista tem, 
nos chamados estudos críticos, aqueles que se consideram como herdeiros dos 
trabalhos da Escola de Frankfurt. Ou seja, a Escola é usada como referência para 
contestar o mainstream teórico dominante na disciplina, a qual se orienta de uma 
maneira empiricista-positivista, notadamente, o realismo e neorrealismo 
(Fernandes, 2004, p. 108) . 
 Nesse sentido, deve-se pontuar a necessidade de trabalhar com outras 
perspectivas, que podem se apresentar de forma mais adequada à 
contemporaneidade. 
 
 
10 
 É importante mencionar que a teoria normativa das relações internacionais, 
em conformidade com Jackson e Sorensen (1999), não se mostra pós-positivista, 
mas sim pré-positivista. Isso porque, segundo eles, a teoria proclama a dimensão 
moral como fator essencial na interpretação das relações internacionais. 
 Nessa perspectiva, faz-se necessário um pequeno apontamento sobre as 
características do momento contemporâneo, conhecido por alguns teóricos como 
pós-positivistas e pós-modernos. Com efeito, o pós-positivismoé aquela corrente 
que rompe com a ideia positivista, moderna, de relação objetiva entre o homem e 
o objeto. Uma quebra já enunciada por atores por Michael Foucault, por exemplo. 
 Por sua vez, a perspectiva pós-moderna fala da quebra da continuidade e 
da solidez. O ambiente contemporâneo é fluido e caótico. As questões e os 
ambientes são fragmentados. Não há uma continuidade. Isso significa ser pós-
moderno. As teorias mais recentes são feitas, destarte, partindo-se desta 
perspectiva. 
 
 
 
11 
REFERÊNCIAS 
ARON, R. Max Weber. In: _____. Etapas do pensamento sociológico. 4. ed. 
São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 461-540. 
BEDIN, G. A. O realismo político e as relações internacionais. In: _____. (Org.). 
Paradigmas das relações internacionais. 3. ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011, p. 57-
134. 
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Tradução: Marco Aurélio Nogueira. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007. 
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clássica ao debate pós positivista. Coimbra: Livraria Almedina, 2004. 
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cde Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, n. 62, Florianópolis, dez. 
2004. Disponível em: 
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/cadernosdepesquisa/article/viewFile/1201/4
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Janeiro, v. 40, n. 2, 1997. 
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Companhia das Letras, 2007. 
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Brasília: Ed. da Universidade de Brasília/Instituto de Pesquisa de Relações 
Internacionais; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003, 
OLSSON, G. O fenômeno da globalização e o novo cenário dos atores das 
relações internacionais. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade 
Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2001). 
SANTOS, B. S. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Lua Nova, n. 
39, p. 105-124, 1997. 
 
 
12 
SATO E. A agenda internacional depois da Guerra Fria: novos temas e novas 
percepções. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 43, p. 138-169, 
2000. 
VIANA, A. C. A. Democracia, representação e participação: uma análise do 
debate político-partidário sobre a política nacional de participação social. 
Dissertação (Mestrado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do Paraná. 
Curitiba, 2016. 
 
AULA 4 
GOVERNANÇA GLOBAL E 
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS 
INTERNACIONAIS 
Profª Ana Cristina Aguilar Viana 
 
 
2 
TEMA 1 – INTRODUÇÃO E CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 
Para que possamos falar de modelos de formulação de políticas em um 
ambiente internacional, é necessário, primeiro, conhecer o ambiente internacional 
e suas respectivas teorias. Mas, para além disso, é preciso igualmente ter 
conhecimento teórico mínimo sobre políticas públicas. 
Desta maneira, a aula de hoje trabalhará aspectos teóricos sobre as 
políticas públicas, com modelos de análise de políticas públicas, suas correntes, 
características, entre outros fatores. 
As políticas públicas constituem, atualmente, uma disciplina específica 
(Faria, 2003), voltada para a análise dos comportamentos dos atores e do 
processo de formação de determinada política pública. Tal análise tem como 
finalidade compreender por que e para quem determinada política foi elaborada. 
Não se trata, portanto, de verificar unicamente o seu conteúdo. 
Sua definição, mesmo na disciplina, não é única. De qualquer modo, 
Thomas Dye é quem consegue condensar as principais ideias ao conceituar a 
política pública como aquilo que o governo escolhe fazer ou não fazer (Dye, 2008). 
Harold Laswell, criador da expressão “análise de política pública”, corrobora nessa 
definição, destacando que as políticas públicas não representam apenas o que o 
Estado faz, mas também o que deixa de realizar (Souza, 2006). 
Juridicamente, a melhor definição de políticas públicas é conferida à Maria 
Paula Dallari Bucci. Primeiramente, a autora distingue os conceitos em inglês de 
politics e policy. Enquanto o primeiro faz alusão à atividade estatal em si, o 
segundo se refere a programas de ações estatais. A política pública, portanto, que 
se relaciona a essa segunda acepção, é definida como: 
[...] o programa de ação governamental que resulta de um processo ou 
conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, 
processo de planejamento, processo de governo, processo 
orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo 
judicial- visando coordenar os meios à disposição do Estado e as 
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente 
relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política 
pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a 
seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua 
consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos 
resultados. (Bucci, 2006, p. 39) 
Dessa pequena exposição, pode-se perceber que a análise de políticas 
públicas colabora na compreensão do que os governos fazem e não fazem e de 
 
 
3 
que maneira ocorrem os processos políticos que acarretam determinadas formas 
de governo (Gordon, 1997). 
Tome-se como exemplo a opção de um governante por uso de um 
determinado contrato público de prazo prolongado. Isso se constitui uma forma de 
política pública, pois se trata de uma opção da administração em se utilizar um 
instrumento contratual, de determinada forma, em determinado tempo e com 
determinada pessoa. Daí a relevância do tema da análise de política pública, que 
busca explorar e explicar esse processo. 
TEMA 2 – MODELOS DE ANÁLISES DE POLÍTICAS 
A análise de política pública pode ser realizada por meio de vários modelos. 
No entanto, como um modelo significa uma representação primária de 
determinada particularidade do real (Dye, 2009), o modelo a ser escolhido dever 
ser aquele que mais se encaixa no objeto de estudo. Thomas Dye, em trabalho 
que busca identificar as principais formas de se realizar uma análise de política 
pública, aponta nove modelos. 
 Em apertada síntese, os modelos e suas definições são as seguintes: 
institucional, modelo de processo, modelo de grupo, modelo de elite, modelo 
racional, modelo incremental, modelo da teoria dos jogos, modelo da opção 
pública e modelo sistêmico1. 
Cabe reiterar a advertência do autor quanto à relevância do modelo 
escolhido, porquanto cada um deles oferece uma forma distinta de pensar sobre 
a política pública (Dye, 2008). 
Existe, de outro modo, uma parcela da literatura de políticas públicas que 
distribui os modelos de análise dentro de dois grandes grupos, a Estadocêntrica 
e a Sociocêntrica (Secchi, 2010). 
2.1 Perspectiva sociocêntrica 
Autores da ciência política distribuem teorias de análises de poder em dois 
grandes grupos, a Estadocêntrica e a Sociocêntrica (Dye, 2009). Na visão 
Sociocêntrica, cujo domínio de estudo ocorreu nas décadas de 1950 e 1960, 
 
1 Os modelos apresentados são os seguintes: institucional, modelo de processo, modelo de grupo, 
modelo de elite, modelo racional, modelo incremental, modelo da teoria dos jogos, modelo da 
opção pública e modelo sistêmico. 
 
 
4 
acredita-se que a máquina estatal se encontra a serviço da sociedade, isto é, 
políticos e burocratas consideram as demandas sociais e buscam respondê-las. 
Fazem parte desse grupo os enfoques marxistas, pluralistas, elitistas e da 
escolha pública. Para os pluralistas, há na sociedade uma convivência de diversos 
centros de poder. O Estado é uma arena neutra, que depende da sociedade, e 
diferentes grupos sociais determinamas escolhas políticas. O maior expoente 
desta corrente é Robert Dahl (1998). Distinto dos elitistas, que dispõem serem 
pequenos grupos de elite que determinam as formas de governo (Mills, 1981). 
Em apertada síntese, pode-se dispor que, para os pluralistas, há na 
sociedade uma convivência de diversos centros de poder. O Estado é uma arena 
neutra, que depende da sociedade (Dahl, 1988) e diferentes grupos sociais 
determinam as escolhas políticas. Distinto dos elitistas, que são pequenos grupos 
de elite que determinam as formas de governo (Mills, 1981). Como se sabe, os 
marxistas partem da distinção econômica de classes, da infra e superestrutura. 
Wright Mills, teórico do elitismo, dispõe sobre o surgimento de uma minoria 
no poder, composta de hierarquias em que, no estado norte-americano, imperam 
as elites econômica, política e militar. As rodas do poder são formadas pelos 
círculos políticos econômicos e militares, que como um conjunto intrincado de 
“compadres”, se sobrepõem nas decisões de impacto nacional; os homens e 
mulheres “correntes” nas suas relações de trabalho, família e vizinhança 
encontram-se circunscritos a forças que não conseguem compreender nem 
governar sob o “diretório político” (1981). 
2.2 Perspectiva estadocêntrica 
Por outro lado, a partir da década de 1980, começaram a ser difundidas 
novas premissas teóricas, as quais visualizavam o Estado no centro das relações. 
Assim, para os pensadores da perspectiva Estadocêntrica, é o Estado que explica 
a natureza das políticas governamentais. 
Compõem tal enfoque os vieses decisionistas e burocráticos, isto é, 
modelos racionais, de racionalidade limitada, incremental e modelo do garbage 
can (Serafim). Em suma, tal perspectiva vê no Estado um grau de autonomia em 
relação à sociedade, de maneira que as decisões são tomadas na seara estatal, 
podendo ou não respeitar as demandas sociais. As teorias que se encontram 
nesse enfoque tomam como pressuposto que o aparelho estatal é controlado por 
 
 
5 
políticos e burocratas, os quais, autonomamente, tomam decisões e as passam 
para a sociedade, que de maneira obediente as acatam. 
Embora essas teorias lidem com o caráter da incerteza do mundo, elas 
minimizam sua importância. É o caso, por exemplo, de Anthony Downs, filiado à 
corrente da escolha racional, que acredita que “um homem pode ter um grau 
extremamente alto de confiança em relação a algumas de suas decisões mesmo 
que viva num mundo de extrema incerteza” (Downs, 1999). 
A relevância de tais teorias se dá na forma como simplificam o vasto campo 
de decisões e que caracterizam o processo de decisão de uma política, saindo da 
complexidade do mundo e se aportando a uma dimensão específica e concreta. 
A par disso, essas teorias serviram e, ainda servem, de base para o 
desenvolvimento de categorizações mais modernas, o que, portanto, faz com que 
não se ignore ou sobreleve a importância desses mapeamentos analíticos. 
Ocorre que o processo de formação de uma política pública é complexo e 
caótico. Necessita-se, assim, de tipos analíticos que busquem lidar, e não afastar 
sua ocorrência. Por isso, faz-se primordial analisar o processo de formação de 
uma política pública em condições de ambiguidades e incertezas, admitindo sua 
existência. 
Paralelamente a isso, aludidas perspectivas apresentam outras limitações. 
Primeiro, não se pode compreender o Estado tão somente como uma máquina 
sem qualquer influência da sociedade. Segundo, também não prospera uma visão 
que acredite tão somente na função estatal como promotora de políticas públicas, 
alheias aos anseios da sociedade. 
Vale dizer que a complexidade das relações que ocorrem no seio de estado 
e sociedade não pode ser resumida de maneira linear, tal como propõem os 
modelos que veem o Estado como instituição promotora de políticas alheias à 
sociedade, ou, ainda, a sociedade como promotora de políticas sem qualquer 
influência da sociedade. 
TEMA 3 – PERSPECTIVAS PÓS-POSITIVISTAS 
Nas últimas décadas, novos estudos de análises de políticas se dedicaram 
às pesquisas empíricas e aos estudos conceituais, voltados a discutir o papel das 
ideias e do conhecimento nos problemas que aparecem na formação da agenda. 
Peter John distribuiu as diversas postulações teóricas de políticas públicas em 
cinco correntes analíticas, quais sejam: as institucionais, as que analisam os 
 
 
6 
impactos das redes, as que visualizam as condicionantes sociais e econômicas 
nas produções de políticas, a teoria da escolha racional e, por fim, as abordagens 
que se vinculam à importância das ideias e do conhecimento (teorias pós-
positivistas). 
Portando como pressupostos a análise empírica em condições de 
ambiguidade, as teorias pós-positivistas conseguem explicar os diversos 
fenômenos que interferem na implementação de uma política, dando especial 
atenção à questão do tempo e dos atores envolvidos. Peter John explica que as 
correntes filiadas a uma concepção pós-positivista rechaçam a concepção de que, 
na área política, existem atores racionais buscando seus interesses. Ao contrário, 
acreditam que a interação de valores, normas e diferentes formas de 
conhecimento caracterizam o processo de formação de uma política pública. 
Fazem parte dessa corrente as propostas da advocacy coalitions, múltiplos 
fluxos, equilíbrio pontuado, pentágonos de ouro e comunidades epistêmicas. A 
vertente aadvocacy coalitions tem como intuito desvendar as categorias de 
transformações políticas em um mundo interdependente e marcado pela 
incerteza. 
O modelo dos múltiplos fluxos, por sua vez, desenvolvido primeiramente 
por John Kingdon e, posteriormente, por Nikolaos Zaharidis, apresenta-se como 
uma lente que busca explicar como as políticas públicas são realizadas pelos 
governos em condições de ambiguidade (Zaharidis, 2007). A proposta é explicar 
a maneira como um problema é racionalizado, para onde a alternativa é conduzida 
e de que forma é a realizada a seleção por determinada política pública (Zaharidis, 
2007). 
São cinco os elementos que compõem os múltiplos fluxos, a saber: o fluxo 
dos problemas, o fluxo das alternativas (policy), o fluxo da política (politic), a janela 
da oportunidade (policy window) e os empreendedores. Durante uma janela 
aberta, os empreendedores tentam acoplar os três fluxos e o sucesso é maior 
quando todos os três fluxos estão acoplados. O mais importante dessa teoria é 
que, em vez de ver como uma aberração à ambiguidade, tal como as teorias 
tradicionais, aceita-se tal circunstância como um fato na vida política, o que faz a 
policy making algo complexo e pouco compreensível (Zaharidis, 2007). 
Já a teoria do equilibro pontuado dispõe que os processos políticos são 
muitas vezes guiados por uma lógica de estabilidade e incrementalismo, mas às 
vezes também produzem mudanças em grande escala (Capella, 2006). Por sua 
 
 
7 
vez, a vertente que propõe um pentágono de ouro destaca o papel central dos três 
atores que compõem o triângulo de ferro (políticos, burocratas e grupos de 
interesse), mas também sinaliza a importância dos mercados financeiros globais 
e atores não governamentais de atuação transnacional. 
Por fim, a vertente teórica que trata das comunidades epistêmicas adverte 
que os atores estatais diminuem as incertezas, mas admite a importância das 
comunidades (redes de profissionais) em virtude da crescente incerteza técnica e 
complexidade dos problemas nas agendas internacionais. 
A relevância de tais teorias resta na forma como simplificam o vasto campo 
de decisões e formas que caracterizam o processo de decisão de uma política, 
saindo da complexidade do mundo e se aportando a uma dimensão específica e 
concreta. A par disso, essas teorias serviram e, ainda servem, de base para o 
desenvolvimento de categorizações mais modernas, o que, portanto, faz com que 
não se ignore ou sobreleve a importânciadesses mapeamentos analíticos. 
TEMA 4 – TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL 
A teoria da escolha racional resulta de trabalhos pioneiros de autores como 
Anthony Downs, James Buchanan, Gordon Tullock e Mancur Olson. Embora 
tenham pontos de discordância entre si, todos concordam que os agentes sociais 
buscam a maximização da riqueza, de votos, que fazem suas escolhas de modo 
racional. 
John Ferejohn e Pasquale Pasquino explicam que “um ato racional é um 
ato que foi escolhido porque está entre os melhores atos disponíveis para o 
agente, dadas as suas crenças e os seus desejos. Atos racionais maximizam 
preferências ou desejos, dadas deter- minadas crenças”. Ou seja, a racionalidade 
exige que determinadas crenças, os desejos das pessoas e suas ações têm uma 
relação particular com o indivíduo. A racionalidade é condição de sustentação 
para que uma relação seja considerada válida (Ferejohn, 2001). 
O professor de ciência política George Tsebelis (1998), em seu livro Jogos 
Ocultos, analisa o campo da política por meio de teoria da escolha racional. O 
enfoque é explicar fenômenos políticos com o escopo de permitir a previsão de 
comportamento de determinados atores políticos. Para tanto, o autor deixa claro 
que a teoria da escolha racional não é a única teoria utilizada para análise de 
comportamento político, mas, ao mesmo tempo, defende a importância da escolha 
racional. 
 
 
8 
TEMA 5 – PERSPECTIVAS TEÓRICAS DA RACIONALIDADE 
Tsebelis (1998) distingue a racionalidade de duas categorias teóricas: as 
teorias sem atores e as teorias com atores não racionais, de maneira que, na 
primeira, podem ser encontrados os trabalhos estruturalistas, funcionalistas e da 
modernização, ao passo que, no segundo, a fonte reside em objetivos egoístas, 
altruístas, idealistas ou materialistas, podendo ser encontrada nos trabalhos de 
Bourdieu, Engels etc. 
A respeito dessa última categoria, Tsebelis (1998) indica que as ações que 
aparentemente se apresentam irracionais podem traduzir um enfoque racional. 
Em um segundo momento, o autor apresenta o que seria o enfoque da 
escolha racional, distinguindo as exigências fracas de racionalidade (questões 
internas) das exigências fortes de racionalidade (obediência à teoria dos jogos, 
probabilidade subjetiva com proximidade à frequência objetiva, crenças que se 
aproximam da realidade). 
Por conseguinte, o autor trata de demonstrar a factibilidade de teoria da 
escolha racional, delimitando o campo de análise racional a comportamentos nos 
quais podem ser verificados em cinco situações especificas, isto é, a relevância 
das questões e da informação, o aprendizado, a heterogeneidade dos indivíduos, 
a seleção natural e a estatística. 
Para o autor, as vantagens na aplicação da referida teoria correspondem à 
clareza e parcimônia teóricas, ao argumento do equilíbrio, ao raciocínio dedutivo 
e à intercambialidade de indivíduos (Tsbelis, 1998). Esse modelo pode ser usado 
para modelar uma variedade de interações sociais em que os atores têm a 
capacidade de exercer poder sobre os outros. 
É uma teoria neutra em relação ao uso da coerção. O enfoque da escolha 
racional assume que o comportamento do indivíduo é uma resposta ótima às 
condições de seu meio e ao comportamento de outros atores. Segundo o autor, 
uma explicação bem-sucedida da escolha racional descreve instituições 
prevalecentes e contextos existentes. 
5.1 Noções-chave da teoria da escolha racional 
Pode-se resumir a teoria da escolha racional em algumas noções-chaves. 
Patrick Baert resume as noções mais relevantes da teoria. 
A ação intencional e consequências não intencionais: as elucidações da 
 
 
9 
escolha racional são um subconjunto das anotações propositadas; consequências 
negativas não intencionais ocorrem nesta perspectiva e devem ser levadas em 
consideração. 
A racionalidade: as anotações da escolha racional são um subconjunto das 
elucidações intencionais que atribuem racionalidade à ação social. Tem como 
pressuposto a premissa da conectiva aliada à função de utilidade. E, para que 
seja considerado racional, é necessário agrupar a informação passada de modo 
adequado a concretizar suas convicções. 
A incerteza e risco: os autores que trabalham com a teoria da escolha 
racional definem a existência de informações imperfeitas mediante a distinção 
entre “incerteza e risco”. A teoria da escolha racional parte da premissa de que 
os indivíduos são capazes de conjecturar a “utilidade esperada” ou o “valor 
esperado” de cada ação quando enfrentam risco (Baert, 1997). 
Assim, como se pode notar, o exame das políticas públicas pode ser 
realizado de diversas maneiras. Existe uma divisão bipolar entre as correntes 
estadocêntricas e as correntes sociocêntricas. Para além disso, existem as teorias 
pós-positivistas, que lidam com as questões das imprevisibilidades da vida entre 
outros fatores. 
Finalmente, passou-se pela teoria racionalista, utilizada em grande medida 
no âmbito de formulações de políticas, pelo seu propósito de exame de custo 
benefício. 
 
 
 
 
10 
REFERÊNCIAS 
BAERT, P. Algumas limitações das explicações da escolha racional na Ciência 
Política e na Sociologia. Rev. bras. Ci. Soc.[online]. 1997, v. 12, n. 35. Disponível 
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DAHL, R. Análise política moderna. Brasília, DF: Editora UnB, 1988, p.25. 
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1999. 
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TSBELIS, G. Em defesa do enfoque da escolha racional. In: Jogos Ocultos 
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ZAHARIDIS, N. The multiple streams framework. structure, limitations, prospects. 
In: SABATIER, P. A. Theories of the policy process. 2.ed. Boulder: Westview 
Press, 2007. 
 
 
AULA 5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GOVERNANÇA GLOBAL E 
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS 
INTERNACIONAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Ana Viana 
 
 
TEMA 1 – CIDADES GLOBAIS COMO PAUTA DE AGENDA 
As cidades globais são constantemente objeto de pautas nas agendas 
internacionais de governança global. Sinteticamente, são definidas como as 
metrópoles que “possuem influência em nível mundial. Portanto, as cidades 
globais possuem influência nos centros urbanos do próprio país e em regiões de 
outros países do mesmo e de outros continentes”. 
Em cidades globais, há uma forte economia, recepção de estudantes, 
estrangeiros, relações internacionais, comércios em nível global, mercado 
intenso, presença de grandes multinacionais, entre outros. 
Michele Acuto discorre sobre a relevância das cidades globais para a 
política mundial, bem como sobre as conexões globais entre as cidades e sobre 
a governança global. Assim, retrata que, ainda que haja uma crescente e 
relevante parte da literatura especializada preocupada nas explicações das 
modificações da ordem internacional, tais teorizações assumiram apenas as 
principais metrópoles contemporâneas como elementos dessas revoluções. 
Assim, Michele busca preencher uma lacuna com a pretensão de 
evidenciar como as cidades globais são relevantes na governança global 
contemporânea. A literatura que fala das cidades globais aponta para três 
vantagens substanciais sobre os paradigmas tradicionais de Relações 
Internacionais. Primeiro, elas facilitam mudançasrumo a análises mais sutis da 
política mundial. Em segundo, ampliam o horizonte da disciplina por meio de 
uma perspectiva em múltiplas escalas da governança global. Finalmente, 
destaca-se como as cidades globais têm uma posição estratégica (Acuto, 2013). 
Saskia Sansen, referência mundial no âmbito da sociologia urbana, com 
intenso estudo sobre globalização, também dá atenção especial às cidades 
globais. A autora traz à tona discussão sobre cidades detentoras de recursos 
que impulsionam empresas e mercados a níveis globais. A autora trabalha com 
a concepção de uma intensidade distinta da ordinária, bem como em atenção à 
complexidade dos sistemas de produção, finanças e gerenciamento conectados 
globalmente. Ressalva que esses sistemas podem ser dispersos da produção, 
mas devem fornecer uma arquitetura organizacional e de gerenciamento. 
Segundo a autora, tais características produzem novos desenhos 
geográficos, assim como novas hierarquias das cidades e regiões específicas 
que acabam por deter papel relevante na globalização. Nessa perspectiva, 
Sassen esclarece que muitas dessas cidades acabam por se tornar mais 
conectadas à economia global do que muitas economias nacionais e regionais. 
Para ela, tal condição pode incorrer em consequências no âmbito local, pois 
 
 
3 
podem acabar por expulsar aquelas empresas e pessoas que não estão 
relacionadas a esse setor internacionalizado (Sassen, 2002). 
Ainda, Sassen aponta para a dependência das cidades globais entre si. 
Ela sinaliza que a globalização econômica junto às telecomunicações tem 
corroborado na produção do que ela chama de espacialidade para o urbano. 
Essa espacialidade se movimenta em redes transfronteiriças e locais territoriais 
com concentrações de recursos de modo massivo. Mas Sassen argumenta que 
não se trata de algo novo, pois ao longo dos séculos as cidades sempre 
estiveram no âmbito de processos evolutivos. O que modifica nos dias atuais 
são a intensidade, a complexidade e o alcance em nível global dessas redes 
(Sassen, 2002). 
Discute-se até que ponto a economia já está desmaterializada e 
digitalizada. Hoje, o que é diferente são a intensidade, a complexidade e o 
alcance global dessas redes, e se questiona até que ponto partes substanciais 
dessas economias são desmaterializadas e digitalizadas. Ou seja, qual é o limite 
das relações em grandes velocidades por meio de algumas dessas redes. Nos 
dias de hoje, segundo a autora, é distinta também a elaboração de regimes 
regulatórios transfronteiriços. Nessa perspectiva, há a indagação sobre de que 
maneira os Estados nacionais estão lidando para produzir mecanismos legais 
necessários para se harmonizar com o sistema econômico global (Sassen, 
2002). 
A autora, então, sinaliza que as transações especializadas entre cidades 
as conectam e formam também redes padronizadas. Nisso está incluído, para 
além das redes globais de empresas afiliadas, o desenho particular de conexão 
que emerge dos interesses dos atores que possuem poder para moldar tal 
arquitetura. Ainda, inclui-se a formação de hierarquias regionais transfronteiriças 
que ocorrem através de zonas de livre comércio. Finalmente, constata-se a 
integração de um crescente número de centros financeiros no mercado de 
capitais global (Sassen, 2002). 
A autora ressalta que se exigiram da cidade grandes transformações em 
razão do envolvimento nas transações acima especificadas, por serem 
altamente especializadas. Exigiu-se, também, adequação política por parte dos 
Estados nacionais envolvidos. O progresso dos desempenhos globais das 
cidades pode ser visualizado nos desenvolvimentos de infraestrutura e política. 
Para autora, isso pode incorrer numa nova ordem política, econômica e espacial 
 
 
4 
nessas cidades, cumulada, ainda, com a dinâmica contínua das ordens mais 
antigas (Sassen, 2002). 
TEMA 2 – QUALIDADE DE VIDA DAS CIDADES GLOBAIS 
Saskia Sassen busca discorrer sobre novos métodos para as cidades 
atingirem qualidade de vida. Relata inicialmente que Los Angeles e San 
Francisco detinham maior qualidade de vida que Chicago e Houston nas 
décadas de 1980 e 1990, assim como houve uma queda na qualidade de vida 
em Nova York durante a década de 1980. 
A autora ressalta que, a priori, pode parecer que o impacto das cidades 
nos sistemas internacionais é irrelevante, ou pelo menos é um impacto marginal, 
quando se está defronte de outras questões, como despesas militares anuais de 
US$ 400 bilhões dos governos nacionais do mundo. Contudo, também relata 
que o crescimento do envolvimento dos governos locais na governança global 
resulta de mudanças nas missões das organizações governamentais globais e 
locais, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas e 
sua Missão de Proteção. 
Ela relata que os governos locais em todo o mundo estão comprometidos 
com uma democracia local, além de ressaltar que algumas organizações de 
governo local, mas que atravessam as fronteiras do Estado, estão concentradas 
em questões específicas, como a paz, a reciclagem e o meio ambiente. Agora, 
existem medidas de coordenação dessas organizações através da Coordenação 
das World Associations of Cities and Local Authorities Coordination (WACLAC). 
Há, também, o Comitê Consultivo para as Autoridades Locais. 
Em junho de 2008, ocorreu a Primeira Conferência Mundial sobre 
Diplomacia das Cidades, questão que forneceu visão geral desses e de outros 
desenvolvimentos e examina seu potencial para a futura governança global. 
As cidades são sistemas complexos, mas ao mesmo tempo incompletas. 
Saskia defende que é justamente nessa incompletude que reside a possibilidade 
de fazer o urbano, o político, e o cívico, uma história. Assim, para ela, o âmbito 
urbano não está sozinho nessas características, sendo elas componentes do 
DNA do urbano. Toda cidade é distinta, assim, para realizar estudo da cidade, 
sendo preciso considerar essas características-chave. Isto é, a incompletude, a 
complexidade e possibilidade de criar (Sassen, 2012). 
 
 
5 
Vale apontar que as cidades são locais estratégicos para a estudo de 
muitos assuntos relevantes enfrentados pela sociedade. Todavia, não são 
espaços heurísticos, isto é não são capazes de produzir conhecimento de 
algumas das principais transformações de uma época (Sassen, 2012). 
Atualmente, está-se diante de uma era global, na qual a cidade emerge 
como local estratégico para compreender algumas das mais relevantes 
tendências na reconfiguração da ordem social. Cada uma dessas tendências 
tem seu próprio conteúdo e consequências específicas (Sassen, 2012). 
TEMA 3 – PARTICIPAÇÃO ESTATAL EM AMBIENTE DE 
DESREGULAMENTAÇÃO 
O Estado tem participação na economia global, mas evidentemente de 
modo distinto, pois deve lidar com um espaço dominado por desregulamentação, 
privatização e crescimento crescente de autoridades e atores não estatais. 
Saskia Sassen sustenta que se deve estudar o papel do Estado, levando-
se em consideração a existência de uma incorporação do global, mas que se 
exige uma recuperação parcial das autonomias nacionais. Ou seja, ela defende 
a participação do Estado, ainda quando se refere à economia (Sassen, 2004). 
A autora acredita que se assiste à formação de um modo de autoridade e 
estado de coisas parcialmente nacionalizado. Ela ressalta que a 
desnacionalização incide em múltiplos processos específicos, os quais incluem a 
reorientação das agendas nacionais para as globais, bem como a circulação de 
agendas privadas que se vestem de políticas públicas. Para a autora, isso 
representa uma mudança de paradigma no exame da autoridade privada 
(Sassen, 2004). 
 Dispõe a autora que o setor privado é uma das organizações mais 
relevantes no âmbito global, incluindo formas de autoridade privadas. Segundo 
ela, trata-se de forma distinta da conceituação acadêmica de Estado capturado, 
concentrado na cooptação de Estadospor atores privados. Em contraste com 
essa tradição mais antiga, Sassen destaca a privatização das capacidades de 
elaboração de normas e a promulgação de normas privadas no domínio público 
(Sassen, 2004). 
Ela menciona que, em regra, os setores de influência dos atores nacional 
e global, e dos atores estatais e não estatais, são visualizados como separados 
e mutuamente exclusivos. Ainda que muitos componentes de cada um desses 
 
 
6 
esferas sejam separados e mutuamente exclusivos, Sassen argumenta que tal 
concepção deixa uma lacuna de um conjunto específico de condições ou 
componentes que não se encaixam nessa estrutura dupla. 
Segundo ela, encontram-se nessa lacuna alguns componentes do 
trabalho dos ministérios das finanças, bancos centrais e reguladores técnicos 
especializados, como os que se ocupam de finanças, telecomunicações e 
política de concorrência (Sassen, 2004). 
Mediante o uso da análise em múltiplas escalas, a autora revela que os 
processos e as instituições subnacionais igualmente são locais críticos para a 
globalização. Aceitar a proposição de que o global ocorre em múltiplas escalas 
faz com que se considere, ao menos em parte, que há uma desnacionalização 
de espaços específicos (Sassen, 2004). 
Surge, portanto, um novo modelo de autoridade ainda não estabelecido 
nesse estado da arte. A autora enfoca empiricamente grande parte do exame 
aos Estados que se encontram no molde de um Estado de Direito. Nesse 
sentido, busca saber o que é realmente “nacional” em alguns dos componentes 
institucionais dos Estados ligados à implementação e regulamentação da 
globalização econômica (Sassen, 2004). 
A hipótese da autora, nesse sentido, seria que alguns componentes de 
instituições nacionais, ainda que formalmente nacionais, não são nacionais no 
sentido em que se desenvolve o significado desse termo nos últimos cem anos. 
Ela ressalta que um dos papéis do Estado no que tange à economia global 
contemporânea reside em negociar a interseção das leis nacionais e de atores 
estrangeiros – firmas, mercados ou organizações supranacionais. Ela, então, 
indaga sobre a necessidade de distinguir na fase distintiva da economia 
(Sassen, 2004). 
Ressalta, em seguida, ser necessária uma compreensão mais profunda 
sobre a natureza desses compromissos que são traduzidos por conceitos como 
desregulamentação. Ela dispõe, então, que está ficando claro que o papel do 
Estado no processo de desregulamentação envolve a produção de novos tipos 
de regulamentos, itens legislativos, decisões etc. (Sassen, 2004). 
Mas os “direitos” do capital global, isto é, a proteção de contratos e 
direitos de propriedade, representa legitimador de reivindicações. Daí é que a 
autora entende que o Estado incorpora o projeto global por si próprio. Ela explica 
que o papel do regulador é regular as transações econômicas e a capacidade de 
 
 
7 
executar poder militar, mesmo que não seja uma opção em muitos países, e 
com poder global na caixa de alguns Estados. Ainda, torna-se privatizado pelo 
crescimento da arbitragem comercial internacional e por elementos-chave do 
novo arranjador institucional privatizado para governar a economia global 
(Sassen, 2004). 
Por sua vez, normas legislativas, ordens executivas, adesão a padrões 
técnicos, entre outras, serão elaboradas por meio das estruturas institucionais e 
políticas particulares de cada Estado. Mesmo quando imposto de fora, há um 
trabalho específico que os Estados individuais o internalizem. 
Assim, ressalta a autora que a participação do Estado não apenas gera 
um ambiente próspero para o capital corporativo global, mas traz maior 
responsabilização e passa pelo escrutínio público. No entanto, segundo ela, de 
modo distinto do que ocorreu com o capital corporativo global, foram 
desenvolvidos os instrumentos e regimes legais e administrativos necessários 
que permitiriam aos cidadãos participar da governança global por meio de 
instituições estatais, além dos trade-offs e recursos que podem ser mobilizados 
no contexto da globalização da capacidade e acessibilidade globais (Sassen, 
2004). 
A autora conclui pela incorporação institucional e local da globalização. 
Ela mostra que o Estado está engajado na globalização, e não sujeito a ela. Isso 
alimenta a proposta de desnacionalização de determinadas funções e 
capacidades estatais (Sassen, 2004). Além disso, dispõe que é possível que o 
Estado seja mais relevante do que o é nos dias de hoje, que está diminuto em 
razão do avanço da globalização econômica. 
TEMA 4 - DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO COMO PAUTA 
POLÍTICA 
As questões relativas ao desenvolvimento de Estados, bem como ao 
subdesenvolvimento, são pautas de agendas políticas no âmbito internacional, 
causa de grandes estudos nas relações internacionais, dada a relevância no 
ambiente internacional. 
Mark Duffield, em estudo sobre governança global e as novas guerras, 
trata da questão do desenvolvimento e discute ações humanitárias da ONU e da 
Cruz Vermelha após as intervenções no Iraque e no Afeganistão. Discute 
também o direcionamento de trabalhadores humanitários em zonas de conflito. 
 
 
8 
Mark esclarece que, nos anos 1990, após a Guerra Fria, o tema do 
desenvolvimento não era mais importante. As políticas de desenvolvimento 
voltavam-se cada vez mais ao subdesenvolvimento e o indicavam como a 
verdadeira causa de conflito. 
Havia, portanto, ou melhor, entendia-se que eram mais observáveis 
guerras interestaduais na era pós-bipolar, estando-se, portanto, sob uma grande 
ameaça. Assim, no âmbito do discurso do desenvolvimento, o que mais se 
defendia eram a prevenção de conflitos e a resolução de conflitos. O autor 
esclarece que naquele momento a liberalização econômica não era mais o ponto 
de pauta, sendo insuficiente no debate. Assim, o mal-estar do desenvolvimento 
seria combatido por meio de apoio à democratização, às instituições pluralistas, 
às sociedades transformadoras e aos valores indígenas da imagem liberal da 
rede global de governança (Duffield, 2014). 
Duffield aponta para uma reinvenção da política de desenvolvimento, 
centralizada na sua radicalização. E essa radicalização é realizada com o apoio 
de modo unânime da rede global que se expande em uma governança global. 
Essa rede é composta por ONGs, coalizões militares, instituições financeiras, 
agências e governos. O escopo dessa rede de governança global é o 
estabelecimento de liberdades liberais; contudo, trata-se de impor liberdades 
liberais de economias de mercado operacionais como um meio de evitar futuras 
guerras (Duffield, 2014). 
A segurança e o desenvolvimento tornaram-se vinculados de modo 
intrínseco em razão de a resolução e a prevenção de conflitos terem se tornado 
foco precípuo da política de desenvolvimento. Ao mesmo tempo que a 
estabilidade foi considerada inexequível sem o desenvolvimento, considerou-se 
que o desenvolvimento não seria sustentável sem estabilidade. Nesse aspecto, 
o autor narra como tal se deu nas Nações Unidas, mediante a criação da missão 
integrada. Ele destaca que ela segue sendo de considerável importância, 
notadamente porque possui a gestão da institucionalização da gestão 
internacional (Duffield, 2014). 
TEMA 5 – O “NOVO HUMANITARISMO” 
Duffield também explora a questão do novo humanitarismo, isto é, para 
além da relação de segurança, desenvolvimento, resolução de conflitos e 
transformação social, destaca o surgimento de um “novo humanitarismo”. Trata-
 
 
9 
se, segundo ele, de uma nova tendência que se relaciona com a noção de 
desenvolvimento e traz uma politização do auxílio humanitário (Duffield, 2014). 
A crítica de Duffield está em colocar ou indicar a ação humanitária como 
algo realizado em decorrência de interesses de segurança dos Estados 
nacionais. Embora as ações humanitárias tenham sido criadas no sentido mais 
virtuoso possível, com o estabelecimento de princípioscomo de independência, 
neutralidade e imparcialidade, segundo o autor elas foram integradas às 
estratégias políticas e de segurança (Duffield, 2014). Assim, acabou, segundo 
ele, ocorrendo a corrupção no sentido de utilização desvirtuada do humanismo. 
A corrupção do humanismo humanitário é a sua descaracterização, é o seu 
desvirtuamento, para um uso desassociado daquele que é seu fim. Daí a 
corrupção (Duffield, 2014). 
Antonio Donini afirma que a vasta expansão da agenda humanitária 
resultou em uma evacuação das amarras tradicionais do humanitarismo e da 
sua função precípua de salvar e proteger vidas em perigo imediato. Também 
segundo ele, mostra-se improvável que a relação tão profunda entre os Estados 
ocidentais e a ação humanitária prossiga no século XXI. Ele destaca que, para 
isso ocorrer, seria fundamental que persistissem duas questões: primeiro, a ação 
humanitária deve atender aos interesses de segurança dos países que a 
financiam; em segundo, a dominância continuará sendo dos valores ocidentais 
(Duffield, 2014). 
De todo modo, Donini ressalta finalmente que não haverá prejuízo em 
retornar à ideia precípua e fundamental da ação humanitária: incrementar e 
inserir medidas de humanidade em situações onde ela não existe (Duffield, 
2014). 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
ACUTO, M. Global cities, governance and diplomacy. Abingdon: Routledge, 
2013. 
DUFFIELD, M. Global governance and the new wars: the merging of 
development and security. Londres: ZED Books, 2014. 
SASSEN, S. Cities: a window into larger and smaller worlds. European 
Educational Research Journal, v. 11, n. 1, 2012. 
__________. Locating cities on global circuits. Environment & Urbanization, v. 
14, n. 1, abr./2002. 
__________. The state and globalization: denationalized participation. Michigan 
Journal of International Law, v. 25, n. 4, 2004. 
 
AULA 6 
GOVERNANÇA GLOBAL E 
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS 
INTERNACIONAIS 
Prof.ª Ana Cristina Aguilar Viana 
 
 
2 
TEMA 1 – NAÇÕES UNIDAS E TERCEIRO SETOR 
As Nações Unidas e o setor privado trabalham em cooperação desde os 
anos 1990, principalmente. Segundo as Nações Unidas em sua cartilha (United 
Nations, 2008), trata-se de uma cooperação diante do reconhecimento de que os 
objetivos-fins das Nações Unidas são bastante distintos, mas que abrangem a 
construção de mercados, o combate à corrupção, o aumento da segurança do 
meio ambiente e o aumento da segurança social. 
As Nações Unidas esclarecem que as empresas que operam no mundo de 
hoje são afetadas por desafios sociais, políticos e econômicos. Mencionam ainda 
que grande parte das entidades das Nações Unidas trabalham com um rol de 
questões amplos, tais como mudança climática, trabalho, sistemas de saúde, 
reforma educacional e desastres humanitários (United Nations, 2008). São 
diversas abordagens, que incluem coalizões internacionais e iniciativas 
comunitárias, projetos com prazo determinado e estruturas de ação amplas, assim 
como compromissos individuais das empresas e iniciativas coletivas de múltiplas 
partes interessadas. 
Não obstante, há três grandes categorias que descrevem os métodos de 
contribuição do setor privado para os objetivos das Nações Unidas: 
1. Operações principais de negócios e cadeias de valor. 
2. Investimentos sociais e contribuições filantrópicas 
3. Advocacia, diálogo sobre políticas e estruturas institucionais (United 
Nations, 2008). 
A Estrutura para o envolvimento comercial com as Nações Unidas serve 
como um auxílio nas publicações mais detalhadas sobre mudanças climáticas e a 
consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (United Nations, 2008). 
 No que se refere às operações de negócio e correntes de valor, as Nações 
Unidas apontam para a criação de valores compartilhados positivos para países 
e comunidades anfitriões, por meio de mobilização de tecnologias, processos, 
produtos e habilidades inovadoras do setor privado para ajudar a alcançar metas 
internacionais por meio do que é chamado de modelos de negócios inclusivos, 
base da pirâmide ou modelos criativos do capitalismo. Ressalta-se que essas 
alianças podem ser comercialmente viáveis em determinados casos (United 
Nations, 2008). Em outras situações, exigem-se financiamentos ou abordagens 
híbridas que podem incluir apoio público ou doador filantrópico em andamento. 
 
 
3 
De todo modo, as empresas necessitam buscar minimizar os impactos 
negativos, internalizando princípios, códigos e padrões internacionais do setor nas 
atividades principais do negócio (United Nations, 2008). 
No que se refere aos investimentos e contribuição filantrópica, as Nações 
Unidas elencam distintos modos de ajuda financeira não comercial, que passam 
da filantropia tradicional aos fundos de risco social ou ainda mecanismos de 
financiamento híbridos de valor misto, voluntários e experiência de funcionários, 
doações de produtos e outras contribuições em espécie (United Nations, 2008). 
Já com relação à advocacia pública, ao diagnóstico público e a empresas 
institucionais, as Nações Unidas esclarecem que empresas ou associações 
empresariais individuais que estejam envolvidas em advocacy busquem dialogar 
sobre políticas públicas, sobre regulamentação conjunta bem como busquem 
esforços para gerar ou incrementar instituições públicas. Ressalta-se ainda a 
possibilidade de colmatar os vazios de governança, aprimorar o ambiente e 
sustentar mudanças mais sistêmicas nos níveis local, nacional ou global. 
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) busca a 
promoção da colaboração com o setor privado, servindo como uma interface para 
as Nações Unidas (United Nations, 2008). Já o Pacto Global das Nações Unidas 
agrupa negociações com agências da ONU, sociedade civil e governos visando 
promover universidades nas áreas de direitos humanos. 
No que tange à corrupção, a expectativa é que as empresas participantes 
do Pacto Global operem seus negócios de modo a envolver-se em parcerias para 
apoiar objetivos como os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, lançados pelo 
Secretário-Geral em 2000 (United Nations, 2008). 
TEMA 2 – MULTINACIONAIS E GOVERNANÇA 
Jana Hönke (2012) observou o impacto de empresas multinacionais e suas 
operações, evidenciando que as práticas participativas contemporâneas foram 
substituídas por técnicas de disciplina e coerção vistas no passado colonial. Por 
outro lado, demonstra que o discurso de propriedade e participação está pari 
passu a formas excludentes de exercer poder, o que já vem de longa data. 
Ressalva ainda que, dessa forma, a promessa liberal de autodeterminação fica 
comprometida (Hönke, 2012). 
Hönke (2012) aponta que não são apenas agências de desenvolvimento, 
organizações internacionais e ONGs internacionais que intervêm nas sociedades 
pós-coloniais e promovem a construção de estados liberais e sociedades civis. 
 
 
4 
Isso porque empresas multinacionais estão cada vez mais se envolvendo no 
desenvolvimento participativo da comunidade (United Nations, 2008). 
A autora foca seu interesse nas continuidades e mudanças das 
intervenções liberais ocidentais, analisando multinacionais de tamanho médio de 
um país de origem da OCDE e listadas nas trocas internacionais de ações em 
Toronto, Nova York ou Londres, as quais recebem ainda mais atenção 
internacional que outras (United Nations, 2008). 
Hönke (2012) ressalta haver intenso destaque na participação acionária da 
população na sua própria governança, incluindo amplas discrepâncias entre as 
primeiras buscas de pedidos corporativos coloniais e contemporâneas no mundo 
pós-colonial. Discursos de propriedade e participação têm efeitos despolitizantes 
e excludentes e também operam em conjunto com poderosas técnicas de coerção 
e regra indireta (United Nations, 2008). 
Segundo Hönke (2012), a reivindicação liberal à autodeterminação e aos 
procedimentos democráticos fica comprometida em um compromisso da 
comunidade corporativa no qual o principal focoé a estabilidade da proteção de 
ativos e da garantia da produção. 
Estados, empresas e líderes comunitários envolvem grupos intermediários, 
como cidadãos, profissionais, associações voluntárias, parceiros sociais e 
empresas privadas, nas suas próprias governanças. Essa nova lógica de 
governança e gerenciamento realizado à distância tem como característica a 
governança dos instrumentos de mercado e a promoção da responsabilidade 
individual e dos valores empresariais (United Nations, 2008). 
É contrário ao estado de bem-estar social, não sendo paternalista. A lógica 
dessa governança pela liberdade é de um gerenciamento de riscos, isto é, 
gerenciando os riscos e problemas de atuação preventiva em possíveis áreas 
problemáticas e grupos de pessoas. Finalmente, Hönke (2012) compreende as 
políticas da comunidade corporativa como integrante de um projeto de 
policiamento ou de ordenação. 
Explica Hönke (2012) que o domínio colonial é um estado de direito no 
campo do Estado, que se baseia no princípio da descentralização do despotismo 
e na evidência de áreas rurais. Desde o século XX esse termo conduz a um 
exercício de arbitragem e racismo. 
 Por sua vez, aludindo a Mbembe, Hönke (2012) destaca que o governo 
privado indireto é uma nova forma de governar os espaços contemporâneos nas 
periferias, mas compartilha de algumas características om a governança no início 
do período colonial. Há uma soberania privatizada dentro de “bolsões mais ou 
menos autônomos” (Hönke, 2012). 
 
 
5 
Antony Detomasi (2007) explica que a globalização aumentou o poder 
econômico das corporações multinacionais e gerou maior responsabilidade social 
corporativa dessas empresas. Mas ele entende que os mecanismos atuais de 
governança global são inadequados. 
 Um método pelo qual as organizações podem impactar positivamente a 
governança global são as Redes Públicas Globais de Políticas (GPPN), as quais 
se baseiam na força individual das empresas multinacionais, governos nacionais 
e organizações não governamentais para criar padrões de comportamento nessas 
áreas, padrões ambientais e condições de trabalho (Detomasi, 2007). 
Atualmente, existe um grupo diversificado de atores que convive com os 
governos nacionais pelo direito de exercer poder e autoridade dentro desse 
sistema (Rosenau; Czempiel, 2000). Destes, a empresa multinacional moderna 
(MNC) é talvez a mais poderosa (Detomasi, 2007). 
As Redes Públicas Globais de Políticas (GPPN) são um modelo que 
combina os pontos fortes do Estado, do mercado e dos atores da sociedade civil. 
Eles se combinam entre si para criar um sistema de governança internacional 
eficaz que supere as fraquezas que afetam cada um individualmente (Detomasi, 
2007). 
TEMA 3 – INFLUÊNCIAS DE ATORES NÃO GOVERNAMENTAIS NAS AGENDAS 
INTERNACIONAIS 
 Michele Betsill e Elisabeth Corell (2008) dedicam-se a estudar a influência 
de atores não governamentais nas agendas internacionais, sobretudo o terceiro 
setor. Esclarecem que o aumento da participação de ONGs em instituições 
globais reflete a mudança do Estado nas democracias. Se, em 1972, eram apenas 
39 países democráticos no mundo, em 2002 o número passou para 139 (Betsill; 
Corell, 2008). 
A União Europeia e a democracia na América Latina tiveram influência do 
aumento da sociedade civil. Há um descontentamento com modelos tradicionais 
representativos da eleição de democracia. Em pesquisas, cidadãos afirmam 
confiarem mais ONGs que em governos (Betsill; Corell, 2008). 
Com efeito, as ONGs podem ter um peso político considerável. Por 
exemplo, no Reino Unido, a Sociedade Real para a Proteção de Aves possui mais 
membros do que os três principais partidos políticos reunidos (Betsill; Corell, 
2008). 
 
 
6 
Além disso, as ONGs têm sido um dos mais relevantes apoiadores da ONU, 
porquanto veem a necessidade de uma estrutura legal internacional para 
preservar bens comuns globais (Betsill; Corell, 2008). 
Mas as autoras ressaltam que houve uma redução de financiamento para 
ONGs (Betsill; Corell, 2008) e destacam ainda a relevância da participação das 
ONGs em processos políticos. Nas relações internacionais, a diplomacia é 
visualizada como algo que os Estados fazem, sendo considerada um aspecto 
importante da política estatal e da política externa (Betsill; Corell, 2008). 
Nesse sentido, vale frisar que a locução ONG se refere a um extenso 
espectro de atores, de grupos de advocacia enraizados na sociedade civil, 
empresas multinacionais e associações comerciais de capital fechado até 
organismos orientados para a pesquisa que participam de processos 
internacionais de negociação ambiental usando as ferramentas da diplomacia 
(Betsill; Corell, 2008). 
As negociações internacionais são uma arena política da qual as ONGs 
participam, mas elas também se envolvem em outras arenas, como formulação 
de políticas domésticas, formação da sociedade civil global e tomada de decisões 
de atores privados (por exemplo, as corporações). Embora as atividades das 
ONGs nesses ambientes possam ter implicações na governança global, as 
autoras destacam que é provável que cada um desses setores envolva dinâmicas 
políticas diferentes que, por sua vez, moldam a maneira como as ONGs 
participam, os objetivos que elas buscam, as estratégias que irão utilizar, entre 
outros (Betsill; Corell, 2008). 
TEMA 4 – TEORIAS QUE TRAÇAM RELAÇÕES INTERNACIONAIS 
Dobbin, Simmons e Garrett (2007), em artigo fundamental sobre o tema, 
esboçam quatro teorias distintas para as relações internacionais no âmbito da 
governança global. 
Esses autores (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007) explicam que os 
construtivistas observam a propagação de políticas liberais como uma questão de 
ideologia, largamente compreendida. Reforçam ter surgido nos últimos cem anos 
uma política global em que houve um consenso instável sobre os meios ideais 
para alcançar o crescimento econômico, a estabilidade e a participação política. 
Reforçam que países que se consideram membros de grupos sub-globais com 
base na história, cultura, idioma, nível de desenvolvimento ou geografia podem 
copiar as políticas uns dos outros porque inferem que o que funciona para um 
colega funcionará para eles (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007). 
 
 
7 
Já os teóricos da coerção desenham um mundo no qual alguns jogadores 
poderosos exercem influência de modo desproporcional sobre os outro, por 
pontos focais ou por ideias hegemônicas. Nesse sentido, os Estados Unidos, o 
FMI e o Banco Mundial promovem políticas específicas para promover interesses 
estadunidenses ou porque acreditam que são eficientes ou justos. Mas o fato é 
que os países adotam políticas que de outra forma não escolheriam ou que 
poderiam ou não ser eficazes para eles. Daí o porquê da coerção. 
Por sua vez, os teóricos da concorrência descrevem um modelo bem 
distinto. Trata-se de uma política que confere um país uma vantagem competitiva 
que leva outros a seguirem o exemplo, ainda que esses países tenham preferido, 
anteriormente, não adotar a política. Por exemplo, os formuladores de políticas 
brasileiras podem favorecer altas tarifas de importação que protegem as indústrias 
domésticas, mas seguem reduções de tarifas na Argentina e no Chile apenas para 
poder competir pelos mercados de exportação e por capital estrangeiro. 
Assim, as preferências dos negócios globais pelo livre comércio e baixas 
taxas de impostos superam as preferências dos grupos domésticos por proteção 
e redistribuição. O poder desempenha um papel nesses modelos, mas é o poder 
do mercado como força econômica descentralizada, e não o poder das nações 
convencionalmente entendidas. Os teóricos da concorrência, como a maioria dos 
teóricos da coerção, traçam mudanças nas políticas para mudanças nos 
incentivos externos (Dobbin; Simmons; Garrett, 2007). 
Finalmente, os teóricos da aprendizagem esboçam modificações na 
política e nas ideias, implicando uma análise de custo-benefício. Suas raízes são 
psicológicas, sendo que a questão principalé de que maneira os formuladores de 
políticas tiram lições das experiências de outros países. Pode ser observando os 
efeitos das políticas adotadas por outros países, por exemplo. É verdade que os 
formuladores de políticas podem tirar as lições erradas da observação, mas a ideia 
é que os países busquem aprender a ir atrás de políticas eficazes (Dobbin; 
Simmons; Garrett, 2007). 
TEMA 5 – DEMOCRATIZAÇÃO DA GOVERNANÇA POR MEIO DE UMA ESFERA 
PÚBLICA TRANSNACIONAL 
 Nanz e Steffek (2003), por meio de uma teoria deliberativa de democracia, 
defendem que a democratização da governança global depende da criação de 
uma esfera pública transnacional. Destacam que, nessa esfera, os processos de 
tomada de decisões políticas, administrativas e judiciais em organizações 
internacionais seriam conectados aos parlamentos nacionais, sociedade civil, 
 
 
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mídias, o que exigiria alto grau de transparência nas organizações internacionais, 
assim como dever de responder aos interesses das partes interessadas, por meio 
de uma arena participativa (Nanz; Steffek, 2003). 
Os autores entendem que a sociedade civil ocupa papel fundamental no 
aprimoramento de uma esfera pública ampla, uma vez que pode permear as 
fronteiras entre as instituições formais de governança global e seu eleitorado 
global (Nanz; Steffek, 2003). 
No que tange à democratização, Nanz e Steffek (2003) esclarecem que a 
sociedade civil transnacional tem três tarefas específicas: expor a regulamentação 
global ao escrutínio público, colocar as preocupações dos cidadãos na agenda 
das organizações internacionais e capacitar os grupos mais desfavorecidos de 
partes interessadas a participar ativamente das deliberações políticas. 
A OMC, segundo elas, está de modo gradual abrindo-se ao escrutínio 
público e à participação de atores não estatais. Assim, torna-se mais receptiva às 
preocupações das partes interessadas. Idealmente, os acordos de governança 
global podem se tornar locais de deliberação pública e investigação cooperativa 
de uma variedade de atores sociais (por exemplo, representantes de 
organizações internacionais, conhecimento científico, ONGs, partes interessadas 
etc.) que geram legitimação democrática em uma política global heterogênea 
(Nanz; Steffek, 2003). 
Finalmente, Nanz e Steffek (2003) afirmam que, ao contrário de admitir que 
a legitimação democrática pressupõe homogeneidade dos cidadãos numa 
sociedade, a legitimação pode ser criada por meio da deliberação entre uma 
variedade de atores sociais: funcionários do governo de diferentes comunidades 
nacionais, especialistas, ONGs. Assim, as decisões políticas seriam obtidas por 
meio de um processo deliberativo em que os participantes examinam interesses 
heterogêneos e justificam suas posições em vista do bem comum de um 
determinado círculo eleitoral (Nanz; Steffek, 2003). 
 
 
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REFERÊNCIAS 
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