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REGRAS, NORMAS E LEIS. Em todo corpo social, em qualquer âmbito, no seio da família, no ambiente de um grupo de amigos, no local de trabalho, na religião, na profissão ou no comportamento do ser humano com relação ao Estado, existem regras. Sem elas a convivência social é inimaginável. Estabelece-se assim uma ordem, ou, na verdade, várias classes de ordens, nem sempre a ordem que todos aceitam ou entendem a mais conveniente, mas sempre uma ordem. Essas regras, quais sejam, condutas prescritas, podem ou não ser seguidas. Enquanto a regra for somente social, moral ou religiosa, sem a imposição coercitiva do ordenamento, seu descumprimento acarreta inconvenientes de ordem íntima ou comportamental: se há um grupo de pessoas de meu relacionamento e não os saúdo, com um aperto de mão ou outra saudação convencionalmente admitida, certamente esse desajuste de conduta, isto é, a atitude contrária ou não esperada pelo grupo social, trará uma reprimenda comportamental ao renitente. Provavelmente sofrerei o desgaste ou a quebra do relacionamento social ou de amizade. Ocorreu no caso, de fato, o descumprimento de uma regra de todos conhecida, daí por que, entre outras razões, trata-se de uma regra. Da mesma forma, esse esgarçamento de relações pode ocorrer no âmbito religioso, profissional etc. Há, portanto, em sociedade, relações e regras mais ou menos complexas, mais ou menos necessárias, segundo a ordem a que pertençam, às quais os seres humanos naturalmente aderem. São regras de conduta que atuam acentuadamente na existência de cada um. A nossa vida desenvolve-se em um universo de normas. Como recorda o saudoso Norberto Bobbio (2003:24), a maior parte dessas regras se tornou tão habituais que nós nem mais notamos sua presença: "Toda nossa vida é repleta de placas indicativas, sendo que umas mandam e outras proíbem ter certo comportamento. Muitas destas placas indicativas são constituídas por regras de direito." Dessa forma, seguimos contínua e permanentemente regras em nossas atividades habituais: "abra a porta sem bater"; "proibida a entrada de pessoas estranhas"; "mantenha-se em fila"; "horário de atendimento das 8 às 18 horas", "mantenha-se em silêncio" etc. Há ainda regras mais imperceptíveis, como chegar no horário convencionado para uma visita social; retirar-se convenientemente em horário socialmente aceito nessa mesma efeméride; chegar com certa antecedência para um espetáculo teatral; não ingressar na plateia quando já iniciada a representação cênica etc. Também, da mesma forma, trata-se de uma regra a ser cumprida a prescrição de um médico para o paciente de ingerir certo medicamento ou a orientação de um advogado ao seu cliente para portar-se de uma ou de outra forma numa próxima reunião de negócios ou no deslinde de uma questão de família. É evidente que a maioria da sociedade cumpre essas regras e sempre haverá aqueles que não o fazem, o que demonstra, de plano, um desajuste de convivência por parte dos refratários. Se deixarmos por um momento de olhar apenas para a atividade individual e transplantarmos o fenômeno para a História, teremos um quadro claro de normatividade igualmente impressionante. "A História se apresenta então como um complexo de ordenamentos normativos que se sucedem, se sobrepõem, se contrapõem, se integram" (Bobbio, 2003:25). Todas essas regras são da mais variada natureza, mas todas apresentam um traço comum, porque são proposições proposiçõesproposições proposições que têm em mira influenciar e ordenar o comportamento do indivíduo e de grupos de pessoas no tocante a certos objetivos. Nas regras há sempre uma proposição de rumos, como se dissesse siga pela direita e não pela esquerda. Há sempre um conteúdo lógico na regra a ser seguida. A ausência de logicidade dificulta ou impede o seguimento da regra. Assim, por exemplo, entendemos como lógica a regra "mantenha-se em silêncio" nas proximidades de local onde se disputa partida de tênis; a mesma regra se mostraria ilógica e nunca seria aceita se colocada nas arquibancadas de um estádio de futebol. O fato é que toda regra necessita ser compreendida e aceita pelo corpo social. Se há um descompasso entre a regra imposta e a compreensão e aceitação da sociedade, a imposição está fadada a não se tornar eficaz. eficaz.eficaz. eficaz. Daí por que muitas leis não são seguidas, isto é, restam ineficazes. Existe, na verdade, uma rejeição social à lei. A regra será dessa forma incoerente, deixando de traduzir uma conduta normal. Assim, as regras de costume regras de costumeregras de costume regras de costume ou usos genericamente aceitos referem-se à maneira como cada pessoa deve comportar-se nas várias circunstâncias da convivência. Podem ser anotadas, nesse sentido, normas de etiqueta, higiene, decoro, cerimonial etc. Normalmente, como vimos, não haverá outra reprimenda à transgressão dessas regras que não uma desaprovação social ou um prejuízo íntimo. Também as regras de religião regras de religiãoregras de religião regras de religião atuam nas condutas pessoais, entre aqueles que professam a mesma fé, no relacionamento do homem com divindade superior. Sua transgressão pode trazer uma reprovação íntima do próprio indivíduo ou do meio religioso. Há, no entanto, regras religiosas que coincidem com regras jurídicas e, portanto, também valores morais que são igualmente jurídicos. Veja o que falamos a respeito do direito natural em sua primeira fase. Acrescentem-se ainda as regras morais, regras morais,regras morais, regras morais, as quais se baseiam numa sociedade ideal e encontram eco na consciência de cada um e da sociedade. Sua transgressão implica reflexão ou punição íntima e pode também acarretar a reprovação social por meio do juízo da opinião pública, por vezes mordaz e rigorosa. Hoje, mais do que antes, essa reprovação pode ser potencializada pela imprensa e pelos meios de comunicação em geral. Há, nesse sentido, uma verdadeira pena imposta pela sociedade, proveniente da opinião pública e não do órgão estatal. Ocorre com frequência essa pena ser mais rigorosa daquela que poderia ser aplicada pelo órgão estatal, ocorrendo verdadeira execração pública. É claro que, a partir de determinado limite, essa reprovação passa a ter efeitos jurídicos, sujeitando os autores de eventuais danos, mormente de ordem moral, ao pagamento de indenização. Grande porção das regras morais também são regras jurídicas. No entanto, quando a regra decorre de uma imposição e quando no seu descumprimento há uma sanção imposta pelo ordenamento, pelo Estado, a situação transforma-se: nesse sentido podemos dizer que a regra estatal é uma norma, uma regra jurídica, num âmbito mais específico. Nesse diapasão, estaremos, destarte, no âmbito das normas jurídicas. normas jurídicas.normas jurídicas. normas jurídicas. Essa explanação pouco tem de rigor técnico, mas se amolda à terminologia que coloquialmente utilizamos. É fato que cada autor terá, nesse tema de cunho filosófico, sociológico e jurídico, sua posição própria. Importa, contudo, para nós, nesse momento, um primeiro enfoque nestas primeiras linhas do estudo do Direito, sem maiores aprofundamentos ou divagações. No mais das vezes, na linguagem usual, podemos utilizar regra e norma como sinônimas, embora o termo norma norma norma norma preste-se mais a um formalismo que a palavra encerra. Assim, por exemplo, mais se adapta ao uso vernacular dizer que não tirar o chapéu ao ingressar na residência de alguém é uma regra social, mais apropriadamente do que norma social. Embora não seja um conceito estrito, o termo norma norma norma norma encerra uma complexidade maiorem sua compreensão. No dizer peculiar de Goffredo Telles Júnior (2002:17), o adjetivo normal normalnormal normal significa, fundamentalmente, o que é conforme a regra. "Estado normal e procedimento normal são modos de ser e de atuar de acordo com o que é regular e coerente, em consonância com padrões estabelecidos e modelos assentes." O mundo da cultura estabelece, por si só, as regras e os modelos a serem obedecidos. Por oposto ao sentido de normal, anormal será tudo aquilo que for contrário a concepções e convenções aceitáveis. Assim, exemplifica o mestre da USP é normal o amor e o carinho dos pais com relação aos filhos; é anormal o abandono dos filhos pelos pais. Desse modo, uma ordenação normativa é constituída pelo conjunto de valores de uma comunidade. Geralmente, no sentido de norma, acorre-nos a ideia de sanção, não como simples reprimenda social, mas como punição propiciada pelo ordenamento. Assim, por exemplo, existem normas que obrigam contribuintes, todos aqueles que se colocam nessa condição jurídica, a pagar imposto. Se o tributo não for pago, a norma ou um conjunto de normas imporá sanções, de molde que, coercitivamente, coercitivamente,coercitivamente, coercitivamente, por meio do aparato do Estado, seja atingido o patrimônio do devedor a fim de que o débito tributário seja pago. Nada obsta, como se adverte, que norma e regra sejam utilizadas como sinônimos, embora as ideias que ambos os termos expressam não sejam exatamente idênticas. Assim, as regras e as normas são instrumentos prescritivos prescritivosprescritivos prescritivos, isto é, aconselham, induzem, preceituam, propõem, estabelecem, impõem ou proíbem determinado ato, certa conduta ou comportamento. As normas podem também, como veremos, simplesmente definir um instituto jurídico ou um fenômeno social. Nesse sentido, "o ordenamento jurídico é um conjunto de prescrições, ou proposições prescritivas, que podem ser entendidas como conjunto de palavras destinadas a prescrever certos comportamentos". Na oportuna observação de Hugo de Brito Machado (2000:71), o verbo prescrever aqui está no mesmo sentido que tem na frase "o médico prescreveu para o paciente um remédio muito bom, que o curou rapidamente". Essa prescrição jurídica ou, agora sim, mais tecnicamente, perante essa norma, há uma descrição de caráter descrição de caráterdescrição de caráter descrição de caráter hipotético, dirigida ao futuro hipotético, dirigida ao futurohipotético, dirigida ao futuro hipotético, dirigida ao futuro, ou seja, a todas as hipóteses que se amoldarem à descrição de conduta. Nesse sentido, leva-se em conta o caráter democrático e de proteção à dignidade e aos direitos individuais do sistema estatal, que queque que não permitem que a norma atinja condutas passadas não permitem que a norma atinja condutas passadasnão permitem que a norma atinja condutas passadas não permitem que a norma atinja condutas passadas, salvo, por hipótese, salvo, por hipótese,salvo, por hipótese, salvo, por hipótese, para beneficiar os envolvidos para beneficiar os envolvidospara beneficiar os envolvidos para beneficiar os envolvidos. Se a norma não for hipotética, mas elaborada visando atingir determinadas pessoas ou certas situações do passado, isto é, contiver efeito retroativo, como ocorre em regimes políticos que não garantem a dignidade e os direitos individuais, o preceito desvirtua o preceito desvirtuao preceito desvirtua o preceito desvirtua- -- -se e passa a ser se e passa a serse e passa a ser se e passa a ser mero simulacro de norma mero simulacro de normamero simulacro de norma mero simulacro de norma. Sob este último prisma, se for levado em conta que a norma pode atingir fatos pretéritos, deixa de ser apropriada a característica da hipotetividade. A matéria é de fundamento jusfilosófico. Daí por que há autores que não definem a norma como regra de conduta, porque existe a possibilidade de normas de efeito retroativo. Assim, nem toda norma teria uma prescrição de futuro. Desse modo, "a norma de conduta estabelece uma linha ideal de comportamento: oferece-nos um modelo que orienta a conduta humana; por isso, necessariamente ser-lhe-á anterior, o que não sucede com a norma retroativa" (Justo, 2001:137). Sob esse diapasão, quando se fala de conduta descrita pela norma, há que se recordar do que explanamos sobre tipicidade, no Capítulo 1 deste trabalho. Quando se dá um passo além no raciocínio e se busca o conceito de lei, lei,lei, lei, estaremos diante de uma especificidade mais restrita: a regra ou norma pode ser traduzida por uma lei, mas com ela nem sempre se confunde. Lei Lei Lei Lei possui um conceito mais específico, como manifestação manifestaçãomanifestação manifestação do Direito Positivo. A lei em sentido amplo é uma norma. Uma norma pode estar em mais de uma lei, parte numa, parte noutra. A palavra lei lei lei lei é a forma pela qual o ordenamento transmite e traduz suas normas. Acrescenta Hugo de Brito Machado (2000:72) que "a diferença entre norma e lei fica bem clara quando se constata que a norma é um conceito de teoria Geral do Direito, ou de Lógica Jurídica, enquanto lei é um conceito de Direito Positivo". Etimologicamente, lei provém, muito provavelmente, de eligere (eleger), legere (ligar, entrelaçar) ou legare (transmitir, delegar, incumbir). A lei leilei lei é, portanto, um mandamento escrito que transmite e indica ao homem determinada conduta ou posição (Telles Júnior, 2002:38). Não resta dúvida de que, coloquialmente, a palavra lei, assim como regra e norma, podem ser utilizadas tanto indiferentemente, como com outros significados equívocos, mas aqui o que se busca é dar a noção de nossa técnica jurídica, a qual, como se advertiu, varia enormemente entre os cultores do Direito. As normas, portanto, objetivam a concretização do direito em suas descrições hipotéticas, adotando-se assim essa linha de conduta. Na norma existe a hipótese ou previsão de uma conduta e uma estatuição ou injunção, isto é, o estabelecimento de um resultado, a previsão de efeitos jurídicos para a hipótese prevista. Assim, por exemplo, de acordo com o art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito." Desse modo, esse dispositivo descreve (previsão: previsão:previsão: previsão: ação ou omissão voluntária...) o que constituirá o ato ilícito (estatuição estatuiçãoestatuição estatuição) na conduta. Como vimos à descrição da norma também recebe o nome de hipótese legal ou tipicidade. Assim, há que se entender que todos os conceitos de um ordenamento são normativos. Sob esse aspecto, a norma jurídica a norma jurídicaa norma jurídica a norma jurídica é um "comando geral, abstrato e coercível, ditado pela autoridade competente. A ela corresponde a noção de lei em sentido material" (Machado, 2002:91). Nem sempre, porém, as descrições legais se apresentam de forma clara, traduzindo cristalinamente a previsão e a estatuição. Nesse exemplo, estamos diante de uma estrutura padrão, mas há normas que assim não se apresentam. Por vezes a estatuição precede a hipótese; ou então uma ou outra dessas características se encontra subentendida, invertida ou descrita em outro texto legal. Tudo isso porque mui raramente se pode examinar uma norma isoladamente, uma vez que com frequência se exige o conhecimento de outras normas e de institutos relacionados. Ao se definir anorma como um comando, tradicionalmente se entende que nela há imperatividade. Contudo, há certas normas que não ordenam nem proíbem determinada conduta, pois atribuem um poder ou uma faculdade a alguém. Esse é o conteúdo precípuo, por exemplo, das normas processuais, a reger o direito de ação em sentido amplo. Não se deve, portanto, generalizar, salvo para um conceito amplo, no sentido de que as normas jurídicas constituem imperativos. Como mencionado, do ponto de vista formal, uma norma é uma proposição. Desse modo, a Constituição, o Código Civil, o Código Penal ou o Código Tributário são um conjunto de proposições. Assim, sob esse prisma, as normas jurídicas pertencem à categoria geral das proposições prescritivas (Bobbio, 2003:72). Destarte, quando se fala em normatividade, leva-se em conta que o Direito pode ser objeto de estudo e reflexão sobre a regra jurídica isoladamente, o exame da norma jurídica. Desse modo, é importante que no início do estudo do Direito seja feito o exame dessa teoria geral. Tudo se resume ao prisma enfocado: se partirmos do estudo da teoria geral para as normas existentes em determinado ordenamento, estaremos ingressando no campo do direito positivo. Daí, então, quando nos reportamos ao direito de um país, sem outra discriminação, estaremos nos referindo às regras jurídicas vigentes em determinado lugar e momento histórico. REFERÊNCIA REFERÊNCIAREFERÊNCIA REFERÊNCIA: : : : Venosa, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito: Introdução ao estudo do direito:Introdução ao estudo do direito: Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2009. (p. 73-78).
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