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AMARAL_Francisco_-_Direito_Civil_-_Intro

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Introdução 
 
Este livro traduz uma experiência de quase duas décadas no campo do ensino e 
da investigação científica, nos cursos de graduação e de pós-graduação das Faculdades 
de Direito em que tenho tido a honra de lecionar. 
Ao elaborá-lo, sempre tive em mente produzir um instrumento de trabalho que 
fosse útil ao estudo, à pesquisa, ao raciocínio e à reflexão jurídica dos estudantes, a 
quem o dedico e ofereço como reconhecimento ao incentivo que deles sempre recebi. 
Justifica-se, assim, a minha preocupação em oferecer não só um texto claro e 
conciso, embora sem concessões à superficialidade, como também atualizada 
informação jurisprudencial e bibliográfica que permita conhecer os modos de realização 
prática do direito e o processo de renovação científica por que passa o direito civil 
contemporâneo. 
Sendo uma introdução ao estudo do direito civil, tem como objetivos básicos: a) 
iniciar no estudo e na análise das noções, categorias e princípios estruturais que formam 
a doutrina do direito civil; b) orientar no conhecimento da técnica jurídica, isto é, na arte 
de aplicar o direito civil aos problemas da vida real, procurando integrar o 
conhecimento científico com a prática de nossos tribunais; c) contribuir para a formação 
jurídica do aluno, por meio de uma perspectiva interdisciplinar que possa facilitar a 
compreensão do fenômeno jurídico; d) suscitar uma reflexão teórica sobre a necessidade 
de renovação do direito civil, acompanhando o processo de mudança por que passa 
atualmente o direito, por força das transformações econômicas e sociais que se 
processam na sociedade contemporânea. 
O direito civil é o direito comum, é o direito que se aplica à generalidade das 
pessoas e das relações jurídicas de natureza privada. Compreende uma parte de direitos 
pessoais, que protegem a pessoa humana e sua família, uma parte de direitos 
patrimoniais, pertinentes à atividade econômica, à propriedade dos bens e à prestação de 
serviços, e ainda uma terceira, de importância crescente na teoria e na prática, que é da 
responsabilidade civil, cujas normas disciplinam a indenização do dano alheio. 
Configura-se, portanto, como a regulamentação jurídica da sociedade civil, 
assim entendido o universo social em que se desenvolvem as relações de natureza 
familiar e econômica, com base na igualdade jurídica e no poder de autodeterminação 
das pessoas, com as limitações decorrentes da atuação jurídica dos demais componentes 
sociais. O seu estudo científico, indispensável à atividade dos profissionais de direito, 
deve levar em conta, porém, as condições políticas, econômicas e sociais que 
determinaram ou influíram no seu processo de formação histórica e cultural, assim 
como as funções que pode desempenhar na solução dos problemas típicos de uma 
sociedade em desenvolvimento, tendo presentes os valores e os princípios que lhe 
servem de fundamento e lhe conferem legitimidade. 
E por isso conveniente, se não necessário, articular a ciência do direito, e, 
particularmente, o direito civil, com as demais ciências sociais, de modo a compreender 
melhor o que realmente seja o direito civil. E, nesse processo interdisciplinar, ressalta a 
importância da história das instituições jurídicas, pois quem não tiver a percepção do 
sentido histórico do direito só pode ter dele uma visão estática. O direito é uma 
regulamentação da vida que arranca da realidade, inter-relacionando-se com outros 
sistemas de valores para a solução dos conflitos de interesses. 
O recurso às ciências sociais, por meio de um processo interdisciplinar, permite 
ainda inserir o direito civil, que é um direito de formação histórica e jurisprudencial, em 
uma perspectiva global da cultura, superando-se, desse modo, o mito da neutralidade 
científica tão caro ao positivismo e ao formalismo, tradicionalmente imperantes em 
nossos meios jurídicos. E também se aproxima o direito da realidade concreta, donde 
provém e à qual se destina, como um dos mais credenciados instrumentos de 
transformação social de que o homem dispõe. 
Essa articulação do direito, enquanto ciência relativamente autônoma, com a 
história e as demais ciências sociais (sociologia, economia, antropologia), leva também 
a urna percepção crítica do fenômeno jurídico, no sentido de o jurista considerar as 
condições políticas, econômicas e sociais que determinam ou condicionam as normas 
jurídicas, do que resulta poder verificar-se a sua adequação aos modelos da sociedade 
contemporânea. 
Coerentemente com tal concepção, conjugam-se neste livro: a) uma perspectiva 
científica, segundo a qual o direito civil se estuda por meio dos seus conceitos, 
categorias e estruturas fundamentais, assim como na realização de suas normas; b) uma 
perspectiva sociológica, que considera as funções do direito civil na sociedade 
contemporânea e c) uma perspectiva filosófica, que identifica os valores e os princípios 
que o fundamentam e legitimam. Tais dimensões permitem ao estudioso aprender de 
modo abrangente e aprofundado a experiência jurídica no campo do direito civil, 
entendendo-se como tal o conjunto de manifestações jurídicas com que se têm 
solucionado, no curso de sua existência, os conflitos de interesses que a vida em 
sociedade faz nascer. No que, particularmente, diz respeito à vertente científica, 
preocupa-se o autor em expor a matéria que constitui a chamada teoria geral do direito 
civil, e que se concretiza nas normas e institutos da Parte Geral do Código Civil, com a 
jurisprudência que resulta de sua aplicação concreta aos casos da vida real. 
No desenvolvimento dessa matéria adotam-se orientações metodológicas 
consagradas, segundo as quais pode-se estudar o fenômeno jurídico sob a perspectiva da 
norma jurídica, da relação jurídica e da instituição jurídica, integrando-as, porém, na 
visão global e mais elevada, que é a da experiência jurídica, expressão nacional do 
modus vivendi da nossa sociedade, no curso de sua existência. 
Para os que adotam a primeira perspectiva, o direito é essencialmente norma, 
regra de comportamento criada pelo Estado para resolver conflitos de interesses. O 
direito vale porque imposto pelo Estado, considerado como sua fonte exclusiva. Teoria 
mais identificada com o direito público, tem conotação essencialmente política, devendo 
refutar-se no que tem de extremado quando considera o Estado como fonte exclusiva da 
criação jurídica, concepção monista há muito superada. 
Para a teoria da relação jurídica, que preferencialmente se adota, embora 
consciente de suas limitações críticas, o direito é um sistema de relações juridicamente 
disciplinadas e ordenadas pelas regras jurídicas. Seu conceito fundamental é a relação 
intersubjetiva, que tc'in como idéia-chave a autonomia privada, poder dos particulares 
dr criar relações jurídicas e estabelecer-lhes o respectivo conteúdo (direitos e deveres). 
A teoria da instituição é outro endereço metodológico de estudo do fenômeno 
jurídico, também afim ao direito público. Para seus defensores (Hauriou, Renard, Santi 
Romano, etc.), o direito é, essencialmente, organização, estrutura, enfim, instituição, 
que se define como grupo social, dotado de uma ordem jurídica e uma organização 
específica. A instituição nasce de uma idéia que se realiza através de uma ordem e de 
uma organização jurídica, tendo uma existência objetiva e concreta, exterior e visível1. 
A concepção do direito como experiência jurídica, compreensiva das demais 
perspectivas, traduz a atividade humana em todos os sentidos e em todas as 
manifestações que configuram o lado humano da história, e representa o esforço 
máximo realizado pelo pensamento jurídico mais atual, para reunir e organizar o que se 
costuma chamar de vida do direito.2 
Pode-se, assim dizer, que nenhuma dessas perspectivas anula as demais, sendo 
apropriado salientar que elas não se excluem, antes se completam, constituindo-se, 
porém, a norma de direito em condição necessária e suficiente para o relacionamento 
jurídico das pessoas ea organização e disciplina da sociedade. 
Tratando-se aqui de uma introdução ao direito civil, segue, entretanto, este livro, 
a perspectiva ainda dominante nessa matéria, que é a da relação jurídica, embora ciente 
das críticas atuais a tal conceito, que tem como referencial básico a experiência privada, 
"na qual a vida jurídica se apresenta, principalmente, como um conjunto de relações que 
a norma jurídica estabelece de modo típico e comum, e das quais a autonomia dos 
particulares estabelece o conteúdo preceptivo".3 
A ordem seguida na explanação da matéria é coerente com a perspectiva 
adotada. Tomando-se por base a relação jurídica, expõem-se os respectivos 
aspectos doutrinários e normativos que se 
-------- 
1 Santi Romano. L'ordre Juridique (Paris, Dalloz, 1975) p. 26. 
2 Ricardo Orestano. Inlroduzione alio studio dei diritto romano (Bologna, II Mulino, 
1987) p. 360. 
3 Sergio Costa. Prospective di Filosofia del direito. 2. ed. (Torino, Giappichclli, 1974 
n. 50. 
-------- 
sistematizam em torno dos seus elementos fundamentais, a saber: os sujeitos, o vínculo, 
o objeto e a sua causa determinante, os fatos jurídicos. 
O primeiro capítulo contém noções de sociologia e de filosofia do direito, 
dedicando-se ao conceito e às funções do direito em geral e, particularmente, às do 
direito civil, explicitando os seus valores fundamentais. O segundo capítulo dedica-se à 
teoria geral da norma jurídica de direito privado, expondo as diversas concepções 
teóricas acerca de sua natureza, estrutura, aplicação e classificação. O terceiro capítulo 
apresenta verdadeiramente o direito civil, estudando-o na sua gênese, caracterização e 
processo evolutivo, indicando-se ainda o seu conteúdo, isto é, as instituições 
fundamentais que sua disciplina contém. O capítulo quarto dedica-se à relação jurídica 
de direito privado, desenvolvendo-se como o estudo pormenorizado do seu conceito, 
fundamento doutrinário, importância atual, estrutura, conteúdo e espécies. Os capítulos 
subseqüentes dizem respeito aos elementos da relação, vale dizer, os sujeitos (as 
pessoas), o objeto (os bens), assim como os acontecimentos que os determinam (os fatos 
jurídicos), formulando com os princípios fundamentais que lhes são inerentes, uma 
teoria da personalidade, uma teoria do patrimônio e uma teoria do negócio jurídico. 
Com esse material doutrinário, que deve alimentar-se permanentemente com a consulta 
ao código e à jurisprudência, em um processo de enriquecimento recíproco da teoria 
com a prática jurídica — pois o direito é expressão inseparável da vida social, a cuja 
organização e disciplina se destina — acredito poder colocar à disposição dos meus 
alunos e dos estudiosos em geral um instrumento de trabalho para a pesquisa e a 
reflexão científica sobre o direito civil, que ainda se constitui na principal esfera de 
afirmação da personalidade humana e de realização dos seus mais legítimos anseios de 
liberdade e de igualdade material. 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 
O Direito. Estrutura. Funções. Fundamento. 
 
Sumário: 1. O direito. Significados e perspectivas de estudo. 2. O direito. Gênese e 
estrutura. 3. As funções do direito. 4. O fundamento do direito. Os valores. 5. A justiça. 
6. A segurança. 7. O bem comum. 8. A liberdade. 9. A igualdade. 10. A teoria do direito 
civil. 11. O direito civil como norma jurídica. 12. O direito civil como relação jurídica. 
13. O direito civil como instituição. 14. Apreciação crítica. 15. O direito como sistema. 
O sistema de direito civil. 16. O método adotado. 17. O direito e a justiça. 
Jusnaturalismo e positivismo jurídico. 18. A metodologia da realização do direito. A 
decisão justa do caso concreto. 
 
1. O direito. Significados e perspectivas de estudo. 
A palavra direito pode ter vários significados. É um termo po-lissêmico, donde a 
dificuldade de uma definição única1. 
--------------- 
l Definir o direito não é tarefa do jurista, mas do filósofo. Do primeiro espera-se que 
declare o que é direito (quid iuris), do segundo, o que é o direito (quid ius). Cfr. Alain 
Seriaux, in Droits, n2 10, p. 85. E útil, porém, ao civilista, fornecer algumas noções 
básicas e introdutórias, como é o conceito de direito, pressuposto de sua exposição. Cfr. 
Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p. 16, Paulo Dourado de Gusmão. 
Introdução ao Estudo do Direito, p. 47. O problema da dc-l inição do direito surge na 
cultura jurídica moderna, como resultado do processo de posilivação, c ligiulo il idéia 
de que o direito pode ser estudado e classificado por meio de instrumentos análogos aos 
que estudam e classificam os fenômenos naturais. Cfr. Giorgio Rebuffa, Dirino, in 
Digesto delle Discipline Privatistiche, p. l e segs. 
2 Manuel Atienza, Juridicité, in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie 
du droit, p. 322; Luiz Dicz Picazo, Experiências Jurídicas y Teoria dei Derecho, 1993, 
p. 6. André — Jcan Arnaud / Maria Josó Farinas Dulce, Sistemas Jurídicos: Elementos 
para uma análise sociológica, p. 250. 
--------------- 
Na acepção mais comum e freqüente, usa-se para designar o conjunto de 
prescrições com que se disciplina e organiza a vida em sociedade, prescrições essas que 
encontramos formuladas e cristalizadas em regras dotadas de juridicidade, isto é, de 
caráter jurídico, o que as diferencia das demais regras de comportamento social e lhes 
confere eficácia garantida pelo Estado. A juridicidade, conceito novo na ciência do 
direito, significando o atributo que diferencia a regra do direito das demais regras de 
comportamento social, serve de fronteira entre o jurídico e o não jurídico, 
caracterizando as normas que pertencem aos sistemas de direito, conjuntos de princípios 
e regras dotadas de legitimidade e obrigatoriedade2. 
Essas regras ou normas estão nas leis, nos costumes, na jurisprudência, nos 
princípios gerais do direito, constituindo o chamado direito objetivo, de ob + jectum, 
exterior ao sujeito, e positivo, no sentido de que é posto na sociedade por uma vontade 
superior. E o ius in civitate positum. E neste sentido que se utiliza para designar o 
direito vigente, por exemplo, o direito brasileiro, o direito civil, o direito penal etc. 
Toma-se aqui o direito corno conjunto de regras jurídicas. 
Em outra acepção, ligada à primeira e dela dependente, direito designa um poder 
que o sujeito tem de agir e de exigir de outrem determinado comportamento. É o 
chamado direito subjetivo, de sub + jectum, reconhecido e garantido pelo direito 
objetivo, como por exemplo, o direito de propriedade, o direito do consumidor, o direito 
do inquilino, do credor, do possuidor, etc. 
Em perspectiva mais idealista e menos freqüente, traduz um sentimento de 
justiça. Quem diz "não é direito o que fazem comigo", ou "isso não está direito", refere-
se a um comportamento injusto. Neste caso, direito é expressão de justiça. 
Em outro sentido, ainda, designa a ciência jurídica, o conjunto de conhecimentos 
teóricos e práticos que têm como objeto o próprio direito como ordem social, na sua 
estrutura e função, nos seus métodos de elaboração e realização e nos seus fundamentos, 
enfim, na fenomenologia da sua existência, validade e eficácia3. 
Essa polissemia, que produz uma certa ambigüidade, dificultando uma definição 
precisa do direito, revela a complexidade do mundo jurídico, que é plural e diverso, 
como se pode verificar no curso de sua história, sendo exemplo, no ordenamento 
medieval, o direito dos feudos e das corporações, e hoje em dia, a multiplicidade de 
fontes, de sistemas e de meios de solução de conflitos (direito comunitário, direitos 
especiais etc.). 
Notas incontroversas do direito são o seu caráter humano e social4 porque ele 
existe em razão dos homens que se relacionam entre si. Onde houver sociedade, lá 
estará o direito (ubi societas, ibi ius] que, reciprocamente, também a pressupõe (ubi ius, 
ibi societas), sendo inconcebível uma regra jurídica que não a tenha como referência. 
Regulando os comportamentos humanos e sociais,é também modelo de organização 
social que se formaliza e estrutura segundo determinados critérios, os chamados valores, 
dos quais o mais importante é, para nós, a justiça. A par da humanidade e da 
socialidade, uma outra característica é a sua normatividade, isto é, o direito como regra 
ou norma5 dotada de juridicidade, própria da concepção normativista que domina a 
teoria jurídica, e orienta o raciocínio dos juristas que buscam soluções para os conflitos 
de 
------------------- 
3 Reale, op. cit., p. 61/64, Simone Goyard — Fabre, Lês grandes questions de Ia 
phílosophie du droit, p. 9. Maria Helena Diniz, A ciência jurídica, p. l e segs. 
4 Digesto, 1.5.2. "... hominum causa omne ius constitutum sit, ..." 
5 Ângelo Falzea, Introduzione alie scienze giuridiche, p. 16. A opinião amplamente 
dominante na doutrina é a da norma como sinônimo de regra. Cf. Reale, op. cit., p. 
65/67; Mario Jori, Norme, e Jerzy Wroblewski, Règle, in Dictionnaire encyclopédique 
de théorie et de sociologie du droit, p. 399 e 520; Ricardo Guastini, Norma giuridica, in 
Digesto delle Discipline Privatistiche, XII, p. 155. Norberto Bobbio, Norma giuridica, 
in Novíssimo digesto italiano, XI, p. 330 e segs.; Franco Modugno, Norma giuridica. 
Teoria generale, in Enciclopédia dei diritto, XXVIII, p. 238; Jacques Guestin et Giles 
Goubeaux, Traité de Droit Civil. Introduction Generale, p. 5, nota 7, onde se reafirma 
que norma e regra usam-se como sinônimos, embora possa reconhecer-se na regra um 
caráter mais geral e abstrato, e na norma uma dimensão mais individual e concreta. Cfr. 
ainda, Jean François Perrin, Règle, in Archives de Philosophie du Droit, tome 35, p.245, 
e Karl Larenz, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 1991, p.297 e segs. (há tradução 
portuguesa de José Lamego, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1991), o Álvaro 
D'Ors. Una inlroducción ai estúdio dei de.recho, p. 24. 
------------------- 
interesses, e constróem, com o seu trabalho, a chamada experiência jurídica de um 
povo.6 O direito apresenta-se, então, como um ordenamento jurídico, um conjunto de 
normas que rege uma comunidade7 impondo ou oferecendo modelos de 
comportamento. 
Se a polissemia do termo torna difícil uma definição única do direito, pode-se, 
todavia, tentar compreendê-lo no processo de sua formação histórica. 
O direito, particularmente o direito civil, vem se formando ao longo dos séculos 
como inerente à vida e à cultura dos povos, tendo como sentido e razão de ser a solução 
de conflitos, do que resulta o caráter de sua problematicidade, vale dizer, a sua função 
de pensamento chamado a resolver questões jurídicas concretas.8 É um produto 
histórico, que se forma ao longo dos tempos, corno cultura e como processo de solução 
de controvérsias, que vai da previsão dos conflitos, pela tipicidade estabelecida nas 
regras, até chegar a uma institucionalização dos órgãos e dos critérios de decisão, 
critérios esses ditados pela ética da comunidade a que se destina. Como cultura, exprime 
valores espirituais da sociedade humana, sendo por isso, também, fenômeno cultural. 
Como processo de solução de conflitos, é uma técnica a serviço de uma ética. 
Para a concepção normativista (o direito essencialmente como norma), surgem 
várias perspectivas de estudo. Tem-se, em primeiro lugar, a perspectiva científica, a da 
ciência do direito, "conjunto de conhecimentos ordenados segundo princípios" e com 
método próprio. Ocupa-se da estrutura do direito, vale dizer, de suas normas, institutos, 
conceitos e categorias, material com que trabalha a doutrina jurídica no processo de 
análise, interpretação e aplicação das regras. Estuda o direito que é, o direito positivo. 
Em segundo lugar, 
------------- 
6 Reale. O Direito como Experiência, p. XXXII, e segs; Diez-Picazo, op. cit. p. 10; 
Ricardo Orestano, Introduzione alio studio dei diritto romano, p.357. 
7 A crítica que se faz hoje a essa concepção, o direito como norma, é no sentido de 
que nos revela algo já pré-estabelecido, as regras jurídicas, e posto como ponto de 
partida para a técnica de aplicação do direito. A essa concepção contrapõe-se a idéia de 
que o direito é mais do que normas, é uma prática social, um processo permanente de 
construção, sob a influência de considerações ético-jurídicas. Cfr. Ronald Dworkin, 
Talking Rights Seriously London, 1977; Francisco Viola, // diritto come pratica sociale, 
1990, p. 159. 
8 Antônio Castanheira Neves, Metodologia Jurídica. Problemas fundamentais, p. 71. 
------------- 
a perspectiva sociológica, da sociologia do direito, que estuda a relação direito-
sociedade, preocupando-se com a eficácia e as funções das normas jurídicas, mais 
propriamente, com a análise sociológica dos sistemas jurídicos, o que lhe permite 
apreciar o sistema em sua totalidade e em relação com o seu contexto.9 Interessa-se 
pelo que o direito deve ser. Em terceiro lugar, a perspectiva filosófica, que se ocupa dos 
fundamentos da ordem jurídica, vale dizer, dos valores que lhe dão sustentação e 
legitimidade, e dos quais, os mais importantes são a justiça, a segurança e o bem 
comum. Estuda o fundamento do direito, dando ênfase à justiça como especial valor a 
realizar. E ainda a perspectiva histórica, que permite conhecer a gênese e evolução das 
instituições jurídicas, matéria objeto da história do direito. Estuda como o direito se 
formou, ao longo dos séculos. 
Temos ainda, diretamente relacionada com a ciência e a filosofia do direito, a 
perspectiva metodológica, com importância crescente no estudo dos processos de 
aplicação e de realização do direito. A metodologia jurídica, não como disciplina 
autônoma,10 mas como proposta de reflexão filosófica sobre o processo de realização 
do direito, não procura somente definir técnicas ou estabelecer regras instrumentais para 
aplicá-lo, mas também refletir sobre ele de modo crítico, vendo-o mais como prática 
social e prudência! do que como conjunto de regras vigentes em determinada sociedade. 
Para seus cultores, o direito é um pensamento que se destina a resolver problemas 
práticos, configurando-se mais como "ciência de decisão" do que como "ciência do 
conhecimento". Estuda como o direito se realiza. 
De tudo isso conclui-se que o direito, na ambigüidade e na polissemia do seu 
termo, e na sua própria natureza histórico-cultural revela, mais do que uma configuração 
técnico-científica, uma natureza problemática e uma função prática que exigem do 
jurista não só o conhecimento mas, principalmente, a compreensão do seu sentido e 
significado, e da sua importância como instrumento de organização e disciplina social e 
como expressão da cultura e da experiência jurídica de um povo. O direito não é, assim, 
um dado, mas um processo que permite reunir as suas diversas perspectivas 
---------------- 
9 André — Jean Arnaud / Maria José Farinas Dulce, op. cit., p. 26. Elias Diaz, 
Sociologia y Filosofia dei Der acho, p. 60. 
10 Nelson Saldanha, Dt.i teologia à metodologia, p. 104. 
---------------- 
em uma construção permanente, in fieri, das normas jurídicas, superando-se a 
distinção entre o ser e o dever ser. 
São essas as perspectivas que hoje mais interessam e que, neste livro, se pretende 
observar, como introdução ao estudo do direito civil, na sua formulação mais teórica e 
geral, na compreensão de seus princípios e valores, no conhecimento das suas estruturas 
e de suas funções, e no processo de sua realização prática. 
2. O direito. Gênese e estrutura. 
Ao longo do seu processo de evolução histórica, o direito vem se apresentando como 
um conjunto de normas que têm por objetivo a disciplina e a organização da vida em 
sociedade, resolvendo os conflitos de interesses e promovendo a justiça. Justifica-se, 
assim, o predomínio da concepção normativa do direito. 
A compreensão do que realmente seja o fenômeno jurídico não deve partir da visão do 
direito como simples conjunto de normas ou como determinado procedimento de 
solução de conflitos de interesses, mas dacerteza de ser ele produto de uma realidade 
complexa e dinâmica, que é a vida em sociedade, com seus problemas e controvérsias. 
Disso lhe advém a já referida natureza problemática e o reconhecimento de sua função 
prática. 
Como produto histórico e, conseqüentemente, cultural, o direito resulta de um processo 
de institucionalização de práticas e de comportamentos típicos, de órgãos e de critérios 
de decisão, que a sociedade e o Estado estabelecem, para o fim de dirimirem conflitos 
de interesses, previsíveis e tipificados. Como diz Reale11, "o direito surge quando os 
jurisconsultos romanos, com sabedoria empírica, quase intuitiva, vislumbraram na 
sociedade "tipos de conduta" e criaram, como visão antecipada dos comportamentos 
prováveis, os estupendos modelos jurídicos do direito romano". 
Esses modelos jurídicos, que funcionam como "diretivas para a ação", fins ou valores a 
realizar, formalizam-se em estruturas jurídicas, compreendendo as normas, os institutos, 
as instituições, os conceitos, a.s categorias, enfim, todos os elementos que, de natureza 
essencialmente técnica e formal, ajudam a construir o sistema de direito. 
-------------- 
11 Reale, Liçõfis Preliminares de. Diniito, p. 185. 
-------------- 
As normas jurídicas são públicas (quando contidas nas leis, sentenças, atos 
administrativos) e privadas (quando nos contratos). Os institutos são conjuntos de 
normas que disciplinam uma determinada relação jurídica (exemplo, o casamento, a 
propriedade, a filiação, o contrato etc.). As instituições, termo de natureza sociológica, 
são grupos sociais dotados de uma determinada ordem e uma organização interna, que 
se criam e se justificam por um fim comum, como a família, a empresa, o Estado. 
Instituto é uma construção técnico-jurídica, enquanto instituição é um grupo social, 
dotado de ordem e organização. 
Conceitos e categorias são instrumentos que o jurista utiliza no seu trabalho de 
elaboração jurídica, isto é, na sua atividade de criação de normas e de elaboração dos 
sistemas e da própria terminologia da ciência do direito. Os conceitos são 
representações mentais de objetos, indivíduos ou fenômenos. Sua função é a de 
descrever, classificar ou organizar os dados da experiência concreta, no caso, a jurídica, 
permitindo estabelecer conexões de natureza lógica, e facilitando o raciocínio jurídico. 
Produto de uma atividade de abstração, o que, por vezes, os leva a desligarem-se 
demasiadamente da realidade, são elementos fundamentais do sistema e da ciência do 
direito. Sua utilidade está, no fato de permitir, não só o conhecimento teórico, 
indispensável à reflexão crítica, como também a subsunção de todos "os objetos que 
apresentam as mesmas notas compreendidas no conceito", com a formulação de regras 
para tudo o que se compreender no seu âmbito de aplicação. É o que se verifica, por 
exemplo, com os conceitos fundamentais de domicílio (C.C. art. 70), de empresário 
(C.C. art. 966), de pessoa, bem, relação jurídica, capacidade, contrato, direito real, 
direito de crédito etc., que, inseridos no sistema jurídico (na teoria ou na parte geral do 
Código Civil), permitem estabelecer a disciplina básica que irá reger todos os casos que 
venham a subsumir-se nas hipóteses conceitualmente estabelecidas, evitando repetições 
supérfluas12. 
Distinguem-se, nos conceitos, a compreensão e a extensão. Compreensão é o conjunto 
de notas ou características que o conceito encerra. Por exemplo, o conceito de cidadão 
brasileiro, compreende as características de homem, de nacionalidade brasileira, e titular 
de direitos de cidadania. Extensão é o conjunto de objetos ou 
-------------- 
12 Laurenz, op. dl. p. 536. 
-------------- 
indivíduos que o conceito abarca. Por exemplo, no Código Civil, art. l2, o conceito de 
pessoa abrange todos os indivíduos da espécie 
humana. 
Entre os conceitos estabelecem-se relações de coordenação e de subordinação. Nestas, 
submetem-se os conceitos que se põem sob outros mais amplos (os subordinantes). Na 
subordinação há que distinguir o gênero, da espécie e do indivíduo. Gênero é conceito 
subordinante que compreende conceitos subordinados. Indica um conjunto de espécies 
de características comuns. Espécie é conceito subordinado de menor extensão que o 
gênero. Significa um conjunto de indivíduos, da mesma natureza. Indivíduo é o ente 
singular que pertence, como unidade, a uma espécie. Estas noções têm utilidade nas 
classificações jurídicas. Nos bens jurídicos, por exemplo, bem é gênero, móvel é 
espécie, e livro é indivíduo. Nos contratos, a compra e venda é um ato que se subordina 
às regras da espécie contrato (C.C. art. 488) que, por sua vez, se subordina às do gênero 
negócio 
jurídico. 
Os gêneros supremos, isto é, os conceitos mais universais, chamam-se categorias, 
"quadros em que se agrupam, por afinidade, os elementos da vida jurídica"13 e fora dos 
quais não se reconhece eficácia jurídica. São conceitos universais, por exemplo, os de 
direito subjetivo, de direito pessoal, de direito real, de dever, de relação jurídica, de 
sanção, de pessoa etc. Aplicação prática disso está por exemplo no fato de que, tendo os 
direitos do consumidor uma disciplina específica, basta qualificar um direito como tal, 
para que lhe seja aplicado o respectivo regime. 
Sistematizando-se tais modelos ou estruturas, chega-se na matéria civil, à construção do 
Código Civil, conjunto unitário e logicamente ordenado das relações jurídicas de direito 
privado. O Código Civil Brasileiro é uma lei que disciplina as relações entre os 
particulares, contendo 2.046 preceitos que se aglutinam em cinco institutos 
fundamentais: a pessoa ou sujeito de direito, a família, a propriedade, o contrato e a 
sucessão. Por influência de Teixeira de Freitas, primeiro, e depois do direito alemão, o 
Código divide-se em uma Parte Geral, que reúne os princípios e regras aplicáveis à 
generalidade das pessoas, bens e fatos jurídicos, e uma Parte Especial, que compreende 
o direito de obrigações, o direito de empresa, o direito das coisas, o direito de família e 
o direito das sucessões. 
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13 Orlando Cioiws, Introduçtlo no tlin-ito civil, p.9. 
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É, assim o Código Civil, um conjunto formado de subconjuntos, ou se quisermos, um 
sistema composto de sub-sistemas, cada qual dedicado a uma das matérias ou institutos 
tradicionais do direito civil. As regras têm lugar próprio nesse sistema. Encontrá-las é 
determinar-lhe a natureza jurídica, tarefa preliminar da técnica de realização do direito. 
3. As funções do direito. 
Uma outra perspectiva de estudo do fenômeno jurídico, de particular interesse para o 
civilista atento às transformações da ordem jurídica privada, é o das funções que o 
direito pode ter na sociedade contemporânea, problema teórico da sociologia do direito. 
Nesta perspectiva enfatiza-se a dimensão social do direito, que focaliza a relação entre 
ele e a sociedade, suas recíprocas influências e modificações. 
Considera-se, aqui, função, a tarefa, ou conjunto de tarefas que o direito desempenha, 
ou pode desempenhar, na sociedade humana14. 
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14 André-Jean Arnaud/Maria José Farinas Dulce, Sistemas Jurídicos: Elementos para 
un análisis sociológico, p. 133 e segs. A idéia de função exprime o conjunto de tarefas 
que se espera realizar com o direito, de acordo com os objetivos e propósitos de ação 
dos sujeitos jurídicos, que formulam, aplicam ou se utilizam do direito na sua 
experiência de vida em sociedade. Nesse sentido, as principais funções do direito seriam 
as de resolver conflitos, as de regulamentar e orientar a vida em sociedade e as de 
legitimar o poder político e jurídico. Quanto à primeira, o direito atua para solucionar o 
conflito de interesses ou restaurar o estado anterior. O direito seria, então, um 
instrumento de integração e de equilíbrio, oferecendo ou impondo regras de 
comportamento para a decisão que o caso sugere. O exercício dessa função não levaria, 
porém, ao desaparecimento dos conflitos, quesão inerentes à sociedade. O direito não é 
uma ordem de paz, mas de conflitos. Desaparecidos estes, desnecessário seria o direito 
(cf. no direito brasileiro a lei 9.307, de 23.9.96, lei da arbitragem). O direito serve 
também para orientar o comportamento social, visando evitar os conflitos. O caráter 
persuasivo das normas jurídicas leva-nos a agir no sentido dos esquemas ou modelos 
normativos do sistema jurídico. O direito visto desse modo surge como organizador da 
vida social e como instrumento de prevenção de conflitos. O direito tem ainda a função 
de organizar o poder da autoridade que decide os conflitos, legitimando os órgãos e as 
pessoas i. um poder de decisão o estabelecendo normas de competência e de 
procedimento. Por exemplo, o juiz, o árbitro, os pais, os diretores de pessoas jurídicas 
são legitimados a agir na forma de ordem jurídica. Outras FunçOes que se atribuem ao 
direito como a distributiva e a promocional, são tipos que surgiram com o advento do 
Estado social. Função distributiva é aquela por meio da qual se atribuem os recursos 
econômicos e não econômicos aos membros do grupo social. Função promocional é 
aquela que visa encorajar determinados comportamentos socialmente desejados. 
Realiza-se por meio de técnicas de incentivo, e é própria do Estado pós-liberal, 
assistencial. Cfr. Bobbio. Dalla strutura alia funzione. P. 103 e p. 26. Superado o Estado 
Social, reduziu-se a importância da função promocional. 
15 Miguel Reale, O Direito como Experiência, p. 25 e segs., Antonio-Enrique Pérez 
Luno, Teoria dei Derecho. Una concepción de Ia experiência jurídica, p. 42; Tércio 
Sampaio Ferraz Jr, Introdução ao Estudo do Direito, p. 88; Castanheira Neves, Fontes 
do direito, in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, II, p. 1.546; Luiz 
Diez Picazo, Experiências Jurídicas y Teoria dei Derecho, Barcelona, p. 6 e segs. Eurico 
Opocher, Esperienza giuridica, in Enciclopédia dei diritto, XV, p. 735 e segs.; Giusepe 
Capograssi, II problema delia scienza dei diritto, p. 25 c segs. Simone Goyard-l-abrc i-t 
Reno Sève, Lês grandes questions de Ia philosophie du droit, p. 23 i% sc^s.; Micliel 
Miaillc, Urna Introdução Crítica <4o Direito, p. 21. 
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Dentre as várias funções que se podem atribuir ao direito, destaque-se, pela importância 
no direito civil, a de resolução de conflitos de natureza privada, quer pelos meios 
formais de procedimento judicial, quer por meio de mecanismos alternativos e 
informais, como a mediação e a arbitragem. Dá-se a mediação quando as partes aceitam 
ou solicitam a intervenção de terceiro neutro, não se obrigando a acatar sua opinião, e a 
arbitragem quando as partes elegem um árbitro, obrigando-se, previamente, a aceitar a 
sua decisão. (Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996). 
A vivência social que interessa ao direito, a chamada experiência jurídica, é uma 
concreta experiência de conflitos de interesses que o direito é chamado a disciplinar no 
exercício de uma das suas mais importantes funções, a de resolver tais problemas, 
visando garantir a realização dos ideais humanos de ordem, justiça e bem comum. 
Considera-se assim experiência jurídica, a concepção do direito como experiência da 
vida social e histórica, que se conhece e explica a partir da vivência, não de categorias 
lógicas, formais e abstratas. Conhecemos o direito porque o experimentamos, porque o 
utilizamos para garantir nossos bens e realizar nossos fins, umas vezes; porque o 
sofremos ao ter que adaptar novos atos a seus preceitos, outras; e porque o vivemos 
sempre."1" 
Como se realiza essa função? A vida em sociedade desenvolve-se sob a disciplina e a 
orientação de regras da mais variada espécie. 
São regras morais, religiosas, sociais, costumeiras, jurídicas, que constituem, em 
conjunto, vasto sistema de controle social.16 
Regras, ou normas, procuram estabelecer uma determinada ordem para o 
comportamento dos indivíduos e dos grupos, fixando critérios de solução para as 
questões que se apresentam, inevitavelmente, no curso da convivência social. 
Surgem tais conflitos quando duas ou mais pessoas revelam pretensões antagônicas 
sobre o mesmo bem17, disputando a sua posse ou propriedade. A reiteração desses 
conflitos e a necessidade de sua solução fazem com que se estabeleçam normas 
definidoras do que é lícito ou ilícito, tipificando os fatos que interessam ao direito e 
institucionalizando os órgãos e os critérios de decisão respectiva. O conjunto dessas 
normas, que se dirigem ao comportamento humano e que têm no Estado a garantia de 
sua existência e eficácia, vem a constituir o direito, o mais institucionalizado sistema de 
organização e controle social, e como um dos seus mais importantes ramos, se não o 
mais importante, pelo menos o mais antigo, profundo e tradicional, o direito civil, 
conjunto de normas que protegem os interesses individuais, de natureza econômica e 
familiar. 
O direito surge, assim, ao longo de um processo histórico, dialético e cultural, como 
uma prática social que utiliza uma técnica, um procedimento de solução de conflitos de 
interesses e, simultaneamente, como um conjunto sistematizado de normas de aplicação 
mais ou menos contínua aos problemas da vida social, fundamentado e legitimado por 
determinados valores sociais. É, assim, a expressão ile um modo de vida de um povo e 
de sua cultura. 
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16 Controle Social é o conjunto da influências interiorizadas e ou restrições c-x ternas 
que a sociedade faz pesar sobre os comportamentos individuais e que justificam a 
ordem social; Franco Garelli, Controle social, in Dicionário de Política, p. 238 e segs., 
Elias Diaz, Sociologia y Filosofia dei Derecho, 1984, p. 14; Jean-Guy Ih-lley, Controle 
social, in Dictionnaire encyclopédique de théorie et de sociologie dii droit, pp. 112-116. 
17 l,ui/. Diez Picazo, op. cit, p. 12. A perspectiva dos conflitos de interesse < nino ponto 
de partida para o estudo do fenômeno jurídico é de natureza socio-Ittyjc a, enquanto que 
a perspectiva da norma jurídica é o enfoque tradicionalmente l*uoiit;írio. Conforme a 
primeira, Jean Carbonnier Flexible droit. Textes pour une sociologia du droit sans 
rigueur, p. 58 e segs.; Konstantin Stoyanovitch, Lapensée nnti\.i\l<i et lê droil, p. 12; 
Francisco Carnelutti, Teoria generale dei diritto, p. 85 c- MT.S.; Rudoir von IluTing, La 
lutle pour lê droit, p. 2 e segs.; Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, p. 53 c 
segs. 
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Não se limitam a isso, todavia, as funções do direito na sociedade contemporânea. As 
mudanças sociais decorrentes da revolução industrial e do avanço tecnológico têm 
exigido do Estado uma intervenção crescente em favor do bem-estar e da justiça social, 
acentuando-se a importância do direito como instrumento de planejamento econômico, 
multiplicando-se as normas jurídicas de programação social e estabelecendo-se novos 
critérios de distribuição de bens e serviços. O direito evolui de suas funções 
tradicionalmente repressivas para outras de natureza organizatória e promocional, 
estabelecendo novos padrões de conduta e promovendo a cooperação dos indivíduos na 
realização dos objetivos da sociedade contemporânea, caracterizando o chamado Estado 
Social. 
O ordenamento jurídico não pode ser visto, porém, como uma coisa em si, uma 
estrutura desvinculada da realidade social em que se situa e à qual se destina na sua 
criação e funcionamento. Dentro do vasto sistema criado pelas relações sociais, 
integram-se em um processo de interdependência crescente e interativa, vários subsis-
temas, o jurídico, o político e o econômico, de tal modo que o direito, conjunto de 
normas disciplinadoras do comportamento social, passa a ter também, como efeito 
inexorável das exigências sociais, a função de organizar a economia e a de 
institucionalizar os modos de criação e exercício dos poderes públicos. Pode considerar-
se, portanto, tríplice o papel do direito: resolver os conflitos de interesses, reprimindo e 
penalizando os comportamentos socialmenteperigosos, organizar a produção e uma 
justa distribuição de bens e serviços, e institucionalizar os poderes do Estado e da 
administração pública18; tendo sempre em vista, como causa final e superior, a 
realização da justiça19. Por sua íntima conexão com o sistema político, é também 
instrumento do poder dominante20 que, complexo e 
--------------- 
18 Carlos Maria Carcova, Los funciones dei derecho, in Revista de Direito Público, 
n2 85, p. 140 e segs.; Giovanni Tarello La nozione de diritto: un approccio prudente, in 
La teoria generale dei diritto. Problemi e tendenze attuali, p. 344; Norberto Bobbio, 
Dalla strutura alia funzione, p. 110; Luis Recasens Siches, Tratado General de 
Filosofia dei Derecho, pp. 220/23: Werner Krawietz, Das positive Recht una seine 
Funktion, p. 15; Tércio Sampaio Ferraz, Função Social da Dogmática Jurídica, Paulo 
Dourado de Gusmão, Introdução ao Estudo do Direito, p. 109; Vicenzo Ferrari, 
Fonctions du droit, in Dictionnaire encyclopédique, p. 266. 
19 Sérgio Cotta, Prospettive ai filosofia dei diritto, p. 135; Mário Bigotte Chorão, 
Justiça, in Polis Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 3, p. 919. 
20 Bobbio, Direito, in Dicionário de Política, p. 349. 
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intitucionalizado (poderes públicos e privados), estabelece regras de comportamento e 
de organização social. 
Tais funções correspondem, se bem que de modo imperfeito, aos setores em que 
tradicionalmente se divide o direito: à função de institucionalizar o poder e organizar o 
seu exercício, o direito constitucional, o direito administrativo e, em parte, o processual; 
à função repressiva, o direito penal e seus ramos específicos; à função organizadora da 
produção e circulação de bens e serviços, o direito civil e o comercial, tendo como 
ponto básico de referência a pessoa humana, com sua família, seu patrimônio, e sua 
atividade jurídica. 
Considerando-se tanto a estrutura quanto as funções do direito civil, pode-se então 
defini-lo como o conjunto de normas que disciplinam a atividade e a realização dos 
objetivos fundamentais da pessoa na sociedade, protegendo os indivíduos nas suas 
relações pessoais e patrimoniais, assim como sua família, o grupo social básico em que 
a pessoa nasce e se desenvolve. 
De modo geral poder-se-ia dizer que todas essa funções giram em torno de fins básicos 
do direito contemporâneo que são a realização da justiça e o respeito aos direitos 
humanos. 
A dimensão ou perspectiva funcional do direito deve levar em conta, principalmente no 
que se refere à época moderna (sécs. XVIII e XIX), a correlação estreita entre direito e 
poder, entre direito e Estado. O direito sem poder é vazio. O poder sem direito é cego21. 
4. O fundamento do direito. Os valores. 
As normas jurídicas não são proposições neutras, desvinculadas das razões, motivos ou 
finalidades que lhes justificam a criação. Toda a técnica jurídica, como conjunto de 
processos de realização do direito, modela-se em um projeto político-filosófico a 
serviço do qual se coloca.22 A finalidade desse projeto é a realização de objetivos que a 
sociedade considera fundamentais e que, por traduzirem uma escolha entre diversas 
opções, exprimem-se por meio de valores, que constituem a ética da comunidade. 
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21 Gregorio Peces-Barba Martinez, Derecho e derechos fundamentales, p. 17. Javier 
de Lucas (Coord.). Introducción a Ia teoria dei derecho, p. 120. 
22 François Rigaux. Introducion à Ia science du droit, p. 382. 
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Fundamento da norma jurídica ou do sistema de direito são, portanto, valores, idéias 
básicas que se apresentam como qualidades ideais dos bens e que, por isso mesmo, 
determinam os modos de comportamento individual e social23 "subordinando-os a um 
sistema de normas cujo cumprimento permite ou destina-se à realização de tais valores". 
O direito é, portanto, um instrumento de controle social constituído de normas que 
representam a escolha que o legislador faz entre diversos valores, como resposta à 
necessidade de solução dos conflitos ou de organização social. Justifica-se, portanto, o 
direito na sua existência e nos seus efeitos, pela realização dos valores que a sociedade 
estabelece como finalidade básica do ordenamento jurídico e que, por isso mesmo, lhe 
servem de fundamento. O direito é, assim, uma realidade cultural e histórica que 
somente se compreende com a referência e o conhecimento dos valores que constituem 
a sua finalidade e a razão de ser. 
Como diz Bobbio, o jurista que não ultrapassar o direito positivo é capaz de estabelecer 
o que é juridicamente válido (problema de validade), mas não é capaz de reconhecer o 
que vale como direito (problema do valor do direito). A única via para compreender o 
direito como idéia de justiça é a de abandonar o terreno empírico, ascendendo ao 
fundamento do direito, os valores.24 
Os valores jurídicos podem classificar-se, de acordo com o seu grau de relevância, em 
valores jurídicos fundamentais, valores jurídicos consecutivos e valores jurídicos 
instrumentais.25 
----------- 
23 Miguel Reale, Filosofia do Direito, p. 195 e segs. Paul Orianne, p. 49 e segs.; José 
Barata Moura. Para uma Crítica da Filosofia dos Valores, pp. 9/50; Michel Virally. La 
pensée juridique, p. 24; Werner Goldschmidt. Introducción Filosófica ai Derecho, n2 
195; Luis Recaséns Siches. Tratado General de Filosofia dei Derecho, p. 58 e segs.; A. 
Machado Paupério. Introdução Axiológica ao Direito, p. 8 e segs.; Fritz Joachim V. 
Rintelen. Die Philosophie in XX lahrhundert, pp. 422/431; Eduardo Garcia Maynez. 
Filosofia dei Derecho, p. 413 e segs.; Christophe Grze-gorczyk. La théorie générale dês 
valeurs et lê droit, p. 271; Luis Cabral Moncada. Filosofia do Direito e do Estado, p. 
263 e segs.; Mário Bigotte Chorão, Direito, in Polis-Enciclopedia Verbo da Sociedade e 
do Estado, II p. 306; Wilson de Souza Campos Batalha. Introdução ao Estudo do 
Direito, p. 116 e segs.; Paulo Dourado de Gusmão. Introdução ao Estudo do Direito, n2 
199. 
24 Bobbio. Diritto e stato nel pensiero di Emmanuel Kant, p. 111. 
25 Maynez, op. cit., p. 439. A Constituição da República Federativa do Brasil 
enuncia, no seu preâmbulo, os valores que presidiram à sua elaboração: "(...) a libi-
rdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça (••O." 
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Valores jurídicos fundamentais são aqueles de que depende todo o sistema jurídico. 
Compreendem a segurança jurídica, a justiça e o bem comum. 
Valores jurídicos consecutivos são os que se configuram como efeito imediato da 
realização dos valores fundamentais. Os mais importantes são a liberdade, a igualdade e 
a paz social, de especial importância para o direito civil. 
Valores jurídicos instrumentais são os que se traduzem em meios ou processos de 
realização dos anteriores. Seu objetivo é possibilitar que se concretizem os valores 
fundamentais e os consecutivos. Consistem nas chamadas garantias constitucionais e 
nos procedimentos judiciais à disposição dos cidadãos. 
Embora os valores sejam matéria de reflexão jurídico-filosófica, interessam ao direito 
civil como fundamento dos principais institutos de direito privado e da prática jurídica 
diária. O direito é um fenômeno complexo e multidimensional. 
5. A justiça. 
Valor fundamental é a justiça. 
Sua conceituação unitária é difícil. Desde os filósofos gregos, passando por Platão, 
Aristóteles, pelos juristas romanos, pelos mestres do direito natural e pelas modernas 
teorias jurídicas, uma definição precisa nunca foi possível estabelecer. De qualquer 
modo, como valor cultural, como standard, é produto histórico e relativo, de acordo com 
as épocas e os povos que estabelecem. 
Na cultura grega, a idéia de justiça pressupunha conformidade e igualdade; na cultura 
hebraico-cristã, obediência à lei de Deus; na cultura romana, uma ordem de paz através 
de contínuo confronto com a idéia de autoridade. Tais aspectos apresentam-se hoje, em 
conjunto, na problemática da justiça, o quelhe dificulta a definição. 
Ulpiano dizia que justitia est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuendi26 
(a justiça é a vontade constante e perpétua 
------------- 
26 Digesto, I, l, 10. Cf. Manfred Rehbinder-Salvatore Patti. Introduziam alia scienza 
giuridica, Padova, p.116 e segs.; Aristóteles. Ética a Nicômaco, in Os Pensadores, p.121 
e segs.; Miguel Reale, Filosofia do Direito, n- 113; Nelson Saldanha, Justiça, 
Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 47, p. 306; Machado Paupério, op. cit., p. 175 e 
segs.; Mário Bigotte Chorão. Justiça, in Polis-Enciclopedia Verbo da Sociedade e do 
Estado, IV, p. 906 e segs.; Piere Pescatore. op. cit. pp. 436 a 443; Maynez, ob. cit., pp. 
439 a 477; Eurico Opocher, Giustizia (filosofia dei diritto), in Enciclopédia giuridica, 
XIX, p. 557 e segs.; Felix E. Oppenheim, Justiça, in Dicionário de Política, p. 661 e 
segs.; Enrique R. Aftálion ft alii op. cit., p. 167 e segs.; Luiz Legaz y Lacambra, 
Filosofia dei Derecho, p. 341 c segs.; Luiz Recaséns Siches, ob. cit., p. 479 e segs.; 
Michel Villey, Philosophie Jii droit, définitions et fins du droit, pp. 55 a 70; Dennis 
Lloyd, La Idea dei Dfmcho, p. 130; John Rawls, A theory of justice. 
27 Pescatore, Introduction à Ia science du droit, 1960, p. 439; Machado Paupério, op. 
dt., pp. 176 e 177 
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de dar a cada um o que é seu). É uma virtude, uma atitude dos homens no seu 
relacionamento social. 
A justiça representa, antes de tudo, uma preocupação com a igualdade, o que pressupõe 
a correta aplicação das regras de direito, evitando-se o arbítrio, e com a 
proporcionalidade, isto é, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, mas 
na proporção de sua desigualdade e de acordo com seus méritos. A cada um de acordo 
com suas necessidades e exigindo-se de cada um conforme suas possibilidades. O 
problema central consiste, todavia, em determinar o "devido", o justo meio, dando-se a 
cada um de acordo com seu trabalho e a utilidade social do que produz. 
A idéia de justiça traduz, enfim, um princípio de distribuição de bens e de ônus, que 
oferece três perspectivas: a justiça como virtude, realizando-se nas relações 
intersubjetivas; o seu objeto, o que é devido nessas relações, e a igualdade proporcional, 
a idéia de equivalência e de proporção. 
Podem-se visualizar duas espécies de justiça, uma geral, que é a conformidade do 
comportamento da pessoa com a lei moral, e uma particular, que se manifesta nas 
relações da pessoa com os demais membros da sociedade. 
Aristóteles distinguia a justiça particular em três espécies: a comutativa, a distributiva e 
a legal. A primeira visa a igualdade entre os sujeitos, a equivalência das prestações, o 
equilíbrio patrimonial entre as partes da relação jurídica. É a justiça dos contratos, da 
vida particular. A justiça distributiva "consiste em repartir proporcionalmente entre os 
membros da comunidade as vantagens sociais e os encargos comuns".27 Adota o 
princípio da proporcionalidade, o que significa dizer, a cada um conforme sua 
necessidade. A justiça legal (ou geral) é a justiça nas relações dos sujeitos com 
autoridade, que se traduz na submissão à ordem vigente. A justiça comutativa representa 
o ideal do cidadão; a distributiva, o ideal do governante; a legal, o ideal do cidadão-
pessoa.28 
A complexidade das relações e do processo de desenvolvimento econômico e social, a 
exigir um direito eficaz, no sentido de harmonizar os interesses dos indivíduos e dos 
grupos, fez surgir uma outra modalidade, a da justiça social. Revelada pela doutrina da 
Igreja, visa estabelecer uma conexão entre a consciência moral e a consciência social da 
coletividade, exigindo que a ordem jurídica se mantenha ligada à ordem moral. Defende 
a luta contra os privilégios e exalta a dignidade humana, no sentido de fazer com que 
cada um contribua para o desenvolvimento, em todos os seus aspectos, da comunidade. 
O direito, fundamentado nos valores da justiça social, exerce, assim, uma função 
corretora do individualismo, equilibrando a atividade e os interesses dos vários setores 
sociais. 
A justiça social surge não mais como virtude mas como tomada de consciência da noção 
de bem comum, em uma perspectiva do direito como instrumento de controle e de 
mudança social. 
No âmbito do direito civil a justiça é um dos princípios fundamentais que se manifesta, 
principalmente, nos contratos onerosos, como justiça comutativa, nos contratos 
gratuitos, como defesa da parte que pratica a liberalidade contra seus próprios excessos, 
e nos contratos bilaterais, em geral, como proteção da parte economica- 
---------------- 
28 Gianni Baget-Bozzo, Pensamento social cristão, in Dicionário de Política, pp. 918a 
923. A distinção ou dicotomia — justiça comutativa — justiça distributiva, corresponde 
à que existe entre o direito privado e o direito público, Bobbio. Estado, Governo e 
Sociedade, p. 19. Na reflexão atual sobre a justiça, suscitam especial interesse, na 
Alemanha, Yurgen Habermas, Theorie dês Kommunikativen Handelns, Frankfurt, 
Suhrkamp, 1981, vol. 2 e nos EUA John Rawls, A Theory of Justice, Oxford, 1972. O 
primeiro tenta repropor a ética de Kant em bases mais amplas. Enquanto este 
considerava a ética do ponto de vista do dever, Habermas propõe que se leve em conta 
as necessidades e os interesses dos homens, que devem ser determinados mediante uma 
comunicação livre e igualitária, própria de um consenso racional e não apenas fático. 
Por sua vez Rawls tem a pretensão de dar ao Estado social de direito uma base 
filosófica, face ao utilitarismo economista, construindo uma teoria da justiça em torno 
da noção de eqüidade. Para esse filósofo, a eqüidade tem duas dimensões, uma formal, 
que inclui as idéias de liberdade, igualdade e respeito mútuo, e outra, num sentido 
próximo de Kant, material, que defende a distribuição dos bens sociais levando-se em 
conta os menos favorecidos (Cfr. De Lucas, Introduccion a Ia teoria dei derecho, p. 332. 
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mente mais fraca.29 Procura realizar a equivalência das prestações, segundo a qual cada 
parte deve receber o equivalente ao que entrega, legitimando-se o poder do credor de 
exigir do devedor a prestação devida. E temos ainda, com base no mesmo princípio, as 
limitações à autonomia da vontade, como medida de proteção à parte contratual mais 
fraca, que se concretiza, por exemplo, na legislação especial de defesa do consumidor 
(Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990), da locação dos imóveis urbanos (Lei n- 
8.245, de 18 de outubro de 1991), e de reforma agrária e política agrícola (Lei n° 4.504, 
de 30 de novembro de 1964 e Lei n° 4.947, de 6 de abril de 1966). 
6. A segurança. 
A segurança jurídica significa a paz, a ordem e a estabilidade e consiste na certeza de 
realização do direito. Os sistemas jurídicos devem permitir que cada pessoa possa 
prever o resultado de seu comportamento, o que ressalta a importância do aspecto 
formal das normas jurídicas, a sua forma de expressão. O direito tem, por isso, como um 
dos seus valores fundamentais, para muitos o primeiro na sua escala, a segurança30, que 
consiste, precisamente, na certeza da ordem jurídica e na confiança de sua realização, 
isto é, no conhecimento dos direitos e deveres estabelecidos e na certeza de seu 
exercício e cumprimento, e ainda na previsibilidade dos efeitos do comportamento 
pessoal. 
A segurança jurídica, significando a estabilidade nas relações e a garantia de sua 
permanência, justifica o formalismo no direito e encontra no positivismo o seu principal 
fundamento teórico. Apresenta-se tanto como uma segurança de orientação, que se 
refere ao 
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29 Karl Larenz / Manfred Wolf. Allgemeiner Teil dês Bürgerlichen Rechts, par. 42, 
segundo o qual, em matéria de contratos, o princípio da autonomia da vontade deve 
conjugar-se com o da boa-fé e com o da justiça contratual compensatória, significando 
este que, nos contratos bilaterais, sinalagmáticos, cada parte deve obter por sua 
prestação uma contraprestaçãoadequada, correspondente ao valor daquela (princípio 
objetivo da equivalência). 
'M Enrique R. Aftalion, Fernando Garcia Olavo, José Vilanova. Introducción ai 
Derecho, p. 166; Pierre Pescatore. Introduction à Ia science du droit, p. 414; Mário 
Migotte Chorão. Segurança jurídica, in Polis-Enciclopedia Verbo da Sociedade e do 
Estado, V, pp. 642/654. 
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conhecimento que os destinatários têm das respectivas normas de direito, como também 
uma segurança de realização, ou confiança na ordem, que é a certeza do exercício dos 
direitos e do cumprimento dos deveres. Significa, portanto, a possibilidade de cada um 
compreender o que é e o que não é lícito, podendo, conseqüentemente, regular seus atos 
e seu comportamento. Constitui-se, por isso, no mais antigo valor, na premissa de todas 
as civilizações. 
O valor da segurança está presente e realiza-se em muitos institutos jurídicos. Quando, 
por exemplo, o Código de Processo Civil, no seu art. 126, dispõe que o juiz não pode 
deixar de dar sentença, julgando o litígio que lhe é submetido, concretiza o ideal da 
segurança jurídica, pois todas as pessoas têm direito à prestação jurisdicional, à decisão 
de uma controvérsia, sem o que a vida social se transformaria em permanente conflito. 
Um dos objetivos da realização do direito é, assim, a exigência de ordem e de 
segurança. Como outros exemplos de realização do ideal de segurança jurídica temos: a) 
as formalidades essenciais dos atos jurídicos. Os mais importantes atos da vida de uma 
pessoa, o casamento, divórcio, adoção, emancipação, testamento, escritura de compra e 
venda etc., devem obedecer a formalidades que a lei especificamente estabelece, para 
que os interessados tenham deles um conhecimento perfeito e melhor possam provar a 
sua existência; b) a fixação de prazos para o exercício de direitos, sob pena de extinção, 
como ocorre com os institutos da prescrição e da decadência; c) as normas sobre a 
capacidade e o estado das pessoas, a idade para emancipação e para a maioridade; d) o 
sistema de registros públicos, destinados a garantir a autenticidade, a segurança e a 
eficácia dos atos jurídicos; e) a consagração do princípio da não-retroatividade da lei e 
do respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada; f) o instituto 
da coisa julgada, isto é, a decisão judicial de que não cabe recurso e que, por isso 
mesmo, é imutável e indiscutível, presumindo-se verdadeira e justa a sentença, mesmo 
não o sendo (rés judicata pró veritate accipitur). 
Hoje em dia nota-se uma perda crescente da importância da segurança jurídica, em prol 
da realização da justiça e do bem comum. 
7. O bem comum. 
O bem comum é o bem da comunidade, é o bem que as pessoas promovem enquanto 
associadas em uma ação conjunta no seu meio. 
Compreende o conjunto das condições sociais que permitem o desenvolvimento integral 
da personalidade humana, e o bem-estar material, espiritual e cultural da comunidade, 
pelo que se constitui em um dos objetivos fundamentais do Estado e do direito.31 
O bem comum não se pode considerar nem sob uma perspectiva individualista, na qual 
seria apenas a soma dos bens individuais, nem sob uma coletivista, que subordina os 
valores da personalidade aos coletivos. Traduz um equilíbrio entre o interesse geral e os 
interesses privados, assim como a cooperação dos indivíduos para a obtenção dos fins 
comuns a todos. 
O bem comum é, portanto, o conjunto de condições necessárias ao bem particular dos 
membros da comunidade, e é também um valor social que se realiza com a participação 
de todos na criação das condições necessárias à existência de paz e estabilidade, 
presidindo ao desenvolvimento do direito em geral. 
Enquanto os indivíduos procuram a realização do seu bem, o fim da sociedade e da 
ordem social é o bem de todos. Existe, assim, um bem público individual e um bem 
público coletivo, social, comunitário. É preciso, por isso, um tertius que se relacione 
diretamente com o bem comum individual e com o coletivo, que podemos chamar de 
solidariedade, para exprimir a idéia de valor comum, de interesse tanto do grupo quanto 
dos seus membros. O valor da solidariedade é, assim, um valor de integração, como já 
previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 29), justificando as 
limitações da lei ao exercício dos direitos e ao gozo das liberdades individuais para 
assegurar o reconhecimento dos direitos e liberdades de outrem e para satisfazer as 
exigências da moral e da ordem pública. 
------------ 
31 Eberhard Welty. Manual de Ética Social, p. 136; Hans Heckel. Recht und 
Gerechtigkeit, p. 25, apud. Maynez, op. cit, p. 479. Donde poder dizer-se que o sistema 
de direito privado fundamenta-se em dois princípios básicos: o do individual e o do 
social. O primeiro concebendo o sujeito jurídico, a pessoa, como eixo central em torno 
do qual gira o sistema de direito privado, com sua atividade limitada apenas pela ordem 
pública e os bons costumes. O segundo, a idéia do social, considerando a pessoa como 
participante de uma comunidade, com a qual U'ni poderes mas também deveres, não 
apenas o sujeito jurídico como indivíduo mas também, e principalmente, como pessoa. 
Cf Manuel Garcia Amigo. Institu-ciones de Derecho Civil, p. 27. O fim do indivíduo é a 
realização de seu bem. (lorrelativamente, o fim da sociedade e da ordem social é o bem 
comum, Pesca-lorc, op. cit., p. 424. 
------------ 
O que se verifica em todos os ordenamentos jurídicos contemporâneos é a conjugação 
harmônica do bem comum, ou da solidariedade social, com os valores da liberdade e da 
igualdade, "centrando-se sobre a pessoa humana, sujeito de direito, sobre a qual 
encontram seu ponto de reencontro e reajustamento". A liberdade não é mais possível 
sem igualdade e sem solidariedade. Por sua vez, a igualdade resulta do valor básico que 
é o bem comum. 
No que respeita ao direito civil, realiza-se o bem comum nos preceitos de ordem pública 
que limitam a autonomia da vontade e impedem os abusos no exercício dos direitos 
subjetivos, como ocorre, por exemplo, com as limitações no campo da locação, em 
favor do inquilino, e em matéria de prescrição, de direitos reais (numerus clausus), de 
direito de família, com a proteção da família em si e de seus membros, e em matéria 
sucessória, com as normas da sucessão legítima e da sucessão testamentária. 
8. A liberdade. 
Um dos valores mais importantes para o direito em geral e para o direito civil em 
particular é a liberdade. 
Sob o ponto de vista filosófico, a liberdade significa possibilidade de opção, 
manifestando-se como liberdade de fazer, ou livre arbítrio. É o estado do ser que não 
sofre constrangimento, que age conforme sua vontade e sua natureza.32 Sob o ponto de 
vista sociológico, é a ausência de condicionamentos materiais e sociais. 
A liberdade jurídica é a que reconhece no indivíduo o poder de produzir efeitos no 
campo do direito. É portanto, o poder de atuar com eficácia jurídica. Consiste no poder 
de praticar todos os atos não-ordenados, tampouco proibidos em lei, optando entre o 
exercício e o não-exercício de seus direitos subjetivos. 
A liberdade jurídica compreende, assim, um conjunto de garantias que protegem a 
pessoa na sua atividade privada e social. A Constituição delimita o campo dessa 
liberdade, definindo o âmbito material que compete ao Estado e o que compete ao 
indivíduo como pessoa e como cidadão. O setor que o Estado reconhece como externo 
ao 
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32 Frederich August von Hayek. A Constituição da Liberdade, p. 4; Felix E. 
Oppenheim. Liberdade, in Dicionário de Política, p. 708 e segs. 
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seu domínio de atuação é o do direito privado, onde o indivíduo pode exercitar sua 
liberdade de modo subjetivo e de modo objetivo. Esse âmbito de atuação do particular é 
como que uma esfera de imunidade, relativamente isenta da presença estatal. O direito 
privado surge, assim, como um espaço livre deixado ao particular pelo direito público. 
A liberdade serviu de fundamentoideológico ao liberalismo, doutrina política, 
econômica e social segundo a qual a liberdade deveria presidir à organização do todo 
social e, no plano do direito, orientar o juízo de todas as coisas.33 Confere à pessoa 
humana o primado em relação à sociedade em que se insere. 
No aspecto subjetivo, a liberdade manifesta-se, no campo do direito privado, no poder 
da pessoa estabelecer, pelo exercício de sua vontade, o nascimento, a modificação e a 
extinção de suas relações jurídicas. No aspecto objetivo, significa o poder de criar 
juridicamente essas relações, estabelecendo-lhes o respectivo conteúdo e disciplina. No 
aspecto subjetivo, autonomia da vontade, e no aspecto objetivo, como poder jurídico 
normativo, denomina-se autonomia privada. Instrumento de sua atuação e realização é o 
negócio jurídico.34 
A autonomia privada manifesta-se particularmente no campo das relações jurídicas de 
natureza patrimonial de ordem particular, realizando-se em temas de contrato e de 
testamento. Não no campo do direito de família nem nos dos direitos reais, onde, não 
havendo campo para a sua atuação, as normas são cogentes, imperativas. Suas 
conseqüências mais evidentes, no campo da normatividade jurídica, são a liberdade 
contratual, em suas várias espécies, a natureza dispositiva da grande maioria das normas 
do direito das obrigações, a teoria dos vícios do consentimento (erro, dolo, coação), a 
indiferença quanto aos motivos do contrato, a força obrigatória do contrato e a eficácia 
jurídica do simples acordo de vontade, que caracteriza o consensualismo em matéria 
contratual.35 Princípio de grande importância no direito privado, a autonomia da 
vontade, como expressão de liberdade e como poder jurídico, encontra limitações 
crescentes na matéria de ordem pública e dos bons costumes (defesa do consumidor, 
contratos agrários, locação de imóveis urbanos, contratos de trabalho etc.). 
No campo econômico, a liberdade consubstancia-se no princípio da liberdade de 
iniciativa, um dos princípios básicos da ordem econômica e social prevista na 
Constituição brasileira.36 É a liberdade dos particulares de atuarem no domínio 
econômico, organizando os meios de produção e promovendo a aquisição e a circulação 
de bens e serviços, o que pressupõe outros direitos, a propriedade e a liberdade de 
contratar. 
Outras manifestações do mesmo princípio no âmbito do direito privado são a liberdade 
de associação, a atuação profissional, as liberdades consubstanciadas nos direitos da 
personalidade (integridade física, moral e intelectual) e, ainda, a liberdade matrimonial e 
a liberdade testamentária e ainda a possibilidade de se estabelecerem meios alternativos 
de solução de conflitos, como a arbitragem e a mediação. 
9. A igualdade. 
A realização da justiça implica igualdade. Dizia Aristóteles que a justiça consiste em 
tratar de modo igual os iguais e desigualmente os desiguais, proporcionalmente à sua 
desigualdade. A igualdade configura-se, portanto, como um valor jurídico consecutivo, 
o que significa dizer que a igualdade está corretamente ligada à realização da justiça, da 
segurança e do bem comum. 
A idéia ou valor da igualdade compreende a idéia de igual dignidade de todos, 
combinada com a desigualdade de suas aptidões e funções. Ora, a questão da 
desigualdade pressupõe outra, que é a da diversidade de poderes em uma sociedade 
igualitária, pois as relações de subordinação são relações de poder, como as que existem 
-------- 
33 Henrique Barrilaro Ruas, Liberalismo, in Polis, II, p. l .090. "O constitucional 
ismo liberal colocou a liberdade como centro da parte mais delicada das Constituições: 
a dos direitos e garantias. Simultaneamente, o direito privado liberal lomou a liberdade 
como base para o contrato e para os atos jurídicos em geral"; Nrlson Saldanha, 
Liberdade, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 49, p. 357. 
34 Cf do Autor, Negócio jurídico, in Enciclopédia Saraiva do Direito, vol. 54, pp. 
170/178. Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto. Teoria Geral do Direito Civil, p. 76 e segs.; 
Jacques Ghestin. Traité de droit civil. La formation du contraí, p.35 
35 Boris Stark. Droit civil. Obligations, p. 342. 
36 Constituição Federal art. 1£, item IV. 
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entre pais e filhos, tutores e tutelados, curadores e curatelados. A igualdade traduz-se 
não na igualdade formal das pessoas mas na sua igualdade material em face das 
oportunidades da vida, pois "uma declaração formal de igualdade resulta ilusória 
quando os sujeitos legalmente iguais carecem de meios para exercitarem os direitos 
ligados a essa declaração de igualdade".37 
Várias contribuições se reúnem, ao longo do processo histórico, para caracterizar o que 
hoje se identifica como o princípio da igualdade no direito. O cristianismo introduz a 
noção de pessoa, a "unidade do gênero humano". A filosofia patrística e a escolástica 
levam à concepção individualista do Renascimento, que se consagra na Revolução 
Francesa com a teoria do primado do indivíduo, liberto dos privilégios do feudalismo, 
proclamando a liberdade, a igualdade e a fraternidade como direitos fundamentais do 
homem e do cidadão. 
Com o constitucionalismo liberal firma-se o princípio da igualdade de todos perante a 
lei (geral e abstrata), que o princípio democrático estende aos direitos políticos da 
cidadania. E com o Estado social advoga-se a igualdade de "condições efetivas de 
exercício dos direitos, pois não basta a todos atribuir idênticos direitos quando divergem 
as situações concretas em que se encontram e que a esse exercício podem constituir 
obstáculo".38 
Desse processo resulta que a igualdade jurídica apresenta-se sob dois aspectos: formal, 
que é a igualdade de todos perante a lei, e que corresponde à concepção legalista do 
direito39 e a igualdade material ou substancial, que é a igualdade "imposta como 
exigência à própria lei", a igualdade na lei, e que consiste no reconhecimento das 
desigualdades sociais de modo a justificar a interferência do poder público para proteger 
os interesses dos mais fracos, como ocorre com a legislação especial do inquilinato e do 
trabalho. 
No princípio da igualdade formal baseia-se a tendência à codificação que se verificou 
nos séculos XVIII e XIX no continente europeu. "Os cidadãos, para serem iguais entre 
si, devem sujeitar-se todos à mesma lei, para ser igual para todos, deve formular-se nos 
termos mais gerais e abstratos."40 Ao mesmo tempo em que o processo de codificação 
consagrava a estatalidade do direito (o direito como produto do Estado), afirmava 
também a igualdade de todos na cidadania. Não mais as diversas condições de classe, 
mas as diversas funções econômicas do indivíduo eram as notas distintivas da legislação 
que passava a considerar o indivíduo como proprietário (Código Civil), ou como 
comerciante (Código Comercial), ou como delinqüente (Código Penal), ou como parte 
em juízo (Código de Processo). E, ao contrário do que antes ocorria com a aristocracia, 
detentora de privilégios, a nova classe ascendente, a burguesia, que acreditava nos 
princípios do liberalismo econômico, acreditava também no livre jogo das forças do 
mercado. Ora, uma lei, igual para todos, um Código, ao mesmo tempo que extinguia os 
privilégios de classe, próprios da aristocracia, permitia também a criação de condições 
necessárias para a instauração de uma economia de mercado. "A igualdade jurídica 
aparecia, assim, como a condição necessária para que se constituíssem relações 
econômicas de mercado." Mas disto nasceriam depois outras desigualdades, não mais 
jurídicas, mas econômicas, não mais formais, mas, substanciais, nascendo, outros-sim, a 
exigência de um novo princípio de igualdade, o da igualdade substancial. 
A Constituição brasileira dispõe no seu art. 5- que "todos são iguais perante a lei, sem 
distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas", sendo punido o 
preconceito de raça. Trata-se aqui da igualdade perante a lei, o chamado princípio da 
isonomia, que seimpõe ao legislador, ao poder judiciário e à administração pública, e 
ern virtude do qual em matéria de hermenêutica deve preferir-se, sempre, a 
interpretação que iguale, não a que diferencie.41 
-------- 
37 Maynez. op. cit., p. 492. 
38 Jorge Miranda, Princípio de igualdade, in Polis, III, p. 403. Na Declaração dos 
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1793, encontra-se, pela primeira vez, a 
proclamação do princípio de igualdade perante a lei, nestes termos: "Art. ls: Os homens 
nascem e permanecem livres e iguais em direito. Art. 6S: A lei é a expressão da vontade 
geral. (...) Ela deve ser a mesma para todos, quer proteja, quer puna. Todos os cidadãos, 
sendo iguais perante ela, têm o direito a todas as dignidades, lugares e empregos 
públicos, de acordo com sua capacidade e sem outra distinção que a de suas virtudes e 
suas qualidades. 
39 Castanheira Neves. O Instituto dos Assentos e a função Jurídica dos Supremos 
Tribunais, p. 120, nota 251. Cfr. Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5°, 
exemplo de igualdade formal. E nos arts. 7°, XXX, a igualdade dos direitos dos 
trabalhadores, 226, par. 5°, a igualdade dos direitos e deveres conjugais, e 227, par. 6°, a 
igualdade de direitos dos filhos, como exemplo de igualdade material. 
40 Francesco Galgano. Diritto privato, p. 36. 
41 Mota Pinto, op. cit., p. 42. 
-------- 
Expressão direta do valor da igualdade no direito civil é o postulado de que todas as 
pessoas, significando esta expressão "como todos os seres da espécie humana", são 
iguais na sua capacidade jurídica, vale dizer, na sua aptidão para titulares de direitos e 
deveres na ordem jurídica civil (CC, art. 1°) como sujeitos ativos ou passivos de 
relações jurídicas. Também a lei não distingue, em princípio, os estrangeiros dos 
nacionais, quanto à aquisição e gozo dos direitos civis (C.F., art. 52), embora existam, 
na própria Constituição e em leis ordinárias, exceções a tal princípio. 
No corpo do Código Civil encontramos ainda alguns casos de igualdade especial, como 
a que existe entre credores do mesmo devedor (CC, art. 957), salvo as exceções legais 
que tomam o nome de privilégios (CC, art. 958), a que existe entre os herdeiros da 
mesma classe chamada à sucessão, salvo o direito de representação (CC, art. 1.851), 
entre os cônjuges, quanto aos seus direitos e deveres (CC, art. 1.566). 
Em princípio, a igualdade está presente em todas as relações jurídicas. Inúmeras 
situações de fato, porém, em que se configura flagrante desequilíbrio entre os poderes 
das respectivas partes, justificam o surgimento de leis especificamente destinadas a 
proteger a parte mais fraca, como se verifica, por exemplo, em matéria de locação, onde 
a falta de imóveis disponíveis exigia a intervenção do Estado para proteger os inquilinos 
contra as pretensões abusivas dos locadores. E também a proteção ao consumidor nos 
contratos de adesão; do empregado no contrato de trabalho; da companheira no 
reconhecimento da sociedade de fato mantida com o companheiro; do menor nas suas 
relações jurídicas de família; no campo das obrigações, a obrigação de contratar imposta 
a quem celebrar contrato preliminar (CC. art. 463), como a promessa de compra e venda 
(CPC, art. 639). 
10. A teoria do direito civil. 
O direito civil é o direito comum.42 Regula as relações entre os indivíduos nos seus 
conflitos de interesses e nos problemas de organização de sua vida diária, disciplinando 
os direitos referentes ao indivíduo e à sua família, e os direitos patrimoniais, pertinentes 
à atividade econômica, à propriedade dos bens e à responsabilidade civil. 
Este livro é uma introdução ao direito civil. Como tal, visa a iniciar no estudo da 
doutrina e do processo de realização do nosso direito civil, contribuindo para a 
formação jurídica do aluno por meio dos vários ângulos de apreciação científica, que 
permitem conhecer o fenômeno jurídico em sua múltipla dimensão, assim como os 
fatores que influenciam sua gênese e determinam suas modificações. É uma obra de 
teoria na medida em que elabora um conjunto de conceitos, elementos e estruturas 
comuns aos diferentes setoresdo direito civil. 
À semelhança das obras de teoria geral do direito, exposição sistemática do que os 
ordenamentos jurídicos têm em comum43, reúnem-se aqui os conceitos e os princípios 
fundamentais do direito civil, de modo descritivo, explicando as noções elementares, e 
de modo normativo, pela referência que se faz às normas que integram e constituem a 
chamada Parte Geral do Código Civil, indispensáveis à realização dos institutos da 
chamada Parte Especial. 
A Parte Geral do Código Civil reúne princípios, conceitos e regras de caráter 
pretensamente comum aos diversos ramos da Parte Especial (Direito das Obrigações, 
Direito das Coisas, Direito de Família, Direito de Empresa e Direito das Sucessões). 
Fiel ao princípio de que o geral precede o particular e de que o gênero (genus) 
compreende as espécies (species), a Parte Geral é uma construção científica do direito 
alemão de séc. XIX, a chamada Pandectística, tendo por base o direito romano 
justiniâneo. A Pandectística, ou ciência das Pandectas, é uma construção abstrata, 
conceituai e sistemática do direito privado alemão, tendo por base o direito romano 
justiniâneo, feita pelos juristas alemães do séc. XIX, que possibilitaram, assim, o 
chamado usus modernum pandectarum por meio de 
------------ 
42 Francesco Santoro-Passarelli, Dottrine generali dei diritto civile, p. 19. 
43 Hans Nawiasky, Algemeine Rechtslehre ais system der Rechtslichen Grundbe-griffe, 
p. 12; Klaus Adomeit, Introducción a Ia Teoria dei Derecho, p. 26; Tércio Sampaio 
Ferraz Jr., pp. 40 e 84. Javier de Lucas, p. 406. Vitorio Frosini. Teoria generale dei 
diritto in Novíssimo Digesto Italiano, XIX, ps. 5/7. 
------------ 
perfeita e completa realização do método sistemático.44 Desde a sua criação, a Parte 
Geral tem sido objeto da crítica doutrinária, por não aplicar-se a todas as disposições da 
parte Especial, sendo considerada dispensável a até prejudicial45. 
Sendo uma obra de doutrina, adota as orientações metodológicas mais recentes, 
focalizando o fenômeno jurídico de direito civil sob a perspectiva da norma jurídica, da 
relação jurídica e da instituição, sem deixar de considerar a perspectiva sistêmica, o 
direito civil como um todo unitário, harmônico e coerente, subordinado a princípios e 
valores fundamentais, aberto porém aos problemas que a realidade da vida 
constantemente produz e submete ao direito. E no estudo dessa matéria tem sempre em 
vista a necessidade de uma perspectiva histórica, para considerar o direito como produto 
de um vasto processo dialético, histórico e cultural, ao longo do qual vem forjando seus 
princípios, noções e categorias fundamentais, e de uma perspectiva crítica, no sentido de 
manter presente uma atitude de busca e reflexão sobre o fundamento ideológico de suas 
normas e institutos, enfrentando os problemas que historicamente se têm posto quanto à 
origem e evolução desse ramo jurídico. 
A perspectiva fundamental e orientadora desta introdução ao direito civil é a da relação 
jurídica, vínculo intersubjetivo que contém direitos e deveres das pessoas entre as quais 
se desenvolve, tendo por objeto os bens sobre que tal conteúdo se exerce, e que nasce 
dos fatos, atos ou negócios jurídicos, acontecimentos a que o direito atribui eficácia 
jurídica, integrada porém numa visão mais ampla, que é a da experiência jurídica 
brasileira. 
Depois de um estudo preliminar da teoria da norma jurídica de direito privado e da 
técnica de sua realização, entra-se no estudo propriamente dito da gênese e da evolução 
do direito civil brasileiro e, em seguida, no dos conjuntos normativos, modelos ou 
institutos formados em torno dos elementos fundamentais da relação jurídica, isto é, as 
pessoas, os bens e os fatos jurídicos, pressupostos, respectivamente, de uma teoria da 
personalidade, de uma teoria do patrimônio e de uma teoria do ato jurídico.

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